sábado, 1 de outubro de 2022

Imprimir “identidade” no Dicastério para a Cultura e a Educação

 

É o primeiro desafio que o cardeal José Tolentino Mendonça elegeu no Dicastério para a Cultura e Educação (DCE), para o qual foi nomeado Prefeito por Francisco no passado dia 26 de setembro.

Trata-se da criação de “uma identidade” que nasça, não da mera junção de duas instituições anteriores – Pontifício Conselho para a Cultura e Congregação para a Educação Católica –, mas “da vontade de construir uma realidade operacional nova, coesa e inspiradora”, como aponta em entrevista publicada no jornal digital Vida Nueva, a 30 de setembro.

O novo dicastério organismo, de que o cardeal português é o primeiro Prefeito, nasceu com a publicação da constituição apostólica Praedicate Evangelium, a 19 de março deste ano e que entrou em vigor a 5 de junho.

Na entrevista, o cardeal recorda ter recebido um telefonema do Papa a pedir a sua ajuda para este trabalho, tendo destacado: “Quem conhece o Papa Francisco sabe que ele fala com a simplicidade e os modos daquele pescador da Galileia chamado Pedro. Não faz discursos longos. Ligou-me e perguntou se eu poderia ajudá-lo no trabalho. Há sabedoria neste modo de proceder, pois descreve as várias missões como uma colaboração na missão maior, que é a da própria Igreja.”

O purpurado fala da literatura como uma “escola de encarnação” vital para o cristianismo, que a “teologia contemporânea ouviu”: “A originalidade da palavra literária está no facto de não optar por se expressar através de categorias abstratas e isentas ou fixar-se no mundo das ideias: ela veicula a riqueza, a polifonia e o drama da experiência.”

O poeta cardeal sustenta que o trabalho artístico (incluindo o dos escritores) tem, todo ele, um “significado espiritual” e que hoje os artistas são “cartógrafos atentos do visível” com um papel importante neste mundo secularizado, o de nos ensinar “a escutar o mistério, a considerar a sua potência”. Efetivamente, num mundo assim, “tornam-se, mesmo inconscientemente, mistagogos, professores informais ou inspirados nos caminhos interiores”.

Com esta nomeação, Tolentino Mendonça deixa o cargo de arquivista e bibliotecário da Santa Sé, que assumiu em 2018, quando foi nomeado arcebispo pelo Papa Francisco, o qual nomeou, no mesmo dia, o sucessor: o bispo Angelo Vincenzo Zani, Secretário da anterior Congregação para a Educação Católica.

Do anterior cargo que desempenhou no Vaticano, o purpurado português diz ter sido “um enorme privilégio trabalhar em instituições (…), que nos aproximam de forma tão direta, intensa e objetiva da historicidade do cristianismo e da busca humana do conhecimento”, pois um arquivista e bibliotecário da Santa Sé “é uma espécie de embaixador do Papa, não perante um país, mas perante a humanidade”.

D. José Tolentino, para quem a biblioteca “não é apenas uma coleção do passado que deve ser protegida”, mas participante na “construção do presente e do futuro”, recorda a mensagem que o Papa deixou quando os visitou pela primeira vez: “A dimensão da memória faz, sem dúvida, parte da estrutura da vossa missão, mas também faz da biblioteca um bom lugar para ir para até ao futuro.” Por outro lado, evoca o estímulo que a vida universitária lhe conferia, inserindo-o num espirito de “abertura e investigação”, dando espaço e conferindo importância “às perguntas”.

O prefeito do novo dicastério considera que, na missão que foi agora confiada na Cúria Romana, continua a manter uma relação com o ambiente universitário, mas reconhece que a Cúria lhe dá novas dimensões. Na verdade, como realça, a constituição apostólica Praedicate Evangelium explica muito claramente como inserir a atividade da Cúria no serviço missionário de Pedro, no contexto da conversão missionária da Igreja à vida recíproca de comunhão que é a sinodalidade”.

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Na sua missão à frente do DCE de que é prefeito, Dom José Tolentino Mendonça é secundado por Monsenhor Giovanni Cesare Pagazzi, que Francisco nomeou secretário no referido dia 26 de setembro e que é professor ordinário de Eclesiologia e Comunidade Familiar no Pontifício Instituto Teológico “João Paolo II” para as Ciências do Matrimónio e da Família, em Roma.

Em nota publicada na página oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em visita oficial aos Estados Unidos (costa Oeste), manifestou o seu “mais profundo regozijo pela nomeação” e expressou “o reconhecimento do Homem com um exemplar percurso de Fé e vulto maior da cultura contemporânea, promovendo sempre o diálogo com a densidade espiritual, intelectual e humana por todos testemunhado.”

O Presidente da República realça, no novo responsável do DCE, o seu permanente “facilitador de encontros”, como o próprio cardeal Tolentino se definiu. Por isso, “o Chefe do Estado, em seu próprio nome e em nome de todos os portugueses, deseja as maiores venturas para o exercício de tão relevantes funções”.

O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, afirmou que a nomeação do cardeal português é “o reconhecimento de uma grande personalidade da cultura portuguesa”. Segundo a agência Lusa, citada pela Rádio Renascença, o ministro acrescentou: “É mesmo uma grande satisfação do ponto de vista pessoal e um reconhecimento da sua singularidade, não apenas em Portugal, mas no contexto da Igreja Católica. É uma decisão que nos deixa a todos, portugueses, muito contentes.”

Também a Quetzal, editora de Tolentino Mendonça, divulgou um comunicado no qual “assinala o seu regozijo pela nomeação de José́ Tolentino Mendonça para estas importantes funções” e adianta que, em Novembro, publicará o seu novo livro, Metamorfose Necessária. Reler São Paulo, “um ensaio sobre o apóstolo e o seu contributo para os tempos presentes”. Fruto de um trabalho de investigação de vários anos, o livro apresenta “de forma luminosa” a figura de São Paulo, cujos “textos são um clássico, não só́ da religião, mas também da civilização ocidental”.

A constituição Praedicate Evangelium estabelece que o CDE “trabalha para o desenvolvimento dos valores humanos nas pessoas dentro do horizonte da antropologia cristã, contribuindo para a plena realização do seguimento de Jesus Cristo”.

O Dicastério tem duas secções, correspondente aos dois organismos da Cúria que herda: a da Cultura, que se dedica “à promoção da cultura, à animação pastoral e à valorização do património cultural”; e a de Educação, “que desenvolve os princípios fundamentais da educação com referência às escolas, institutos superiores de estudos e pesquisas católicos e eclesiásticos e é competente para os apelos hierárquicos em tais matérias”.

Como responsável máximo por estas áreas, o purpurado terá sob a sua coordenação, no campo da Educação, a rede escolar católica do mundo inteiro, com 1360 universidades católicas e 487 universidades e faculdades eclesiásticas com 11 milhões de alunos e outras 217 mil escolas com 62 milhões de crianças. E, na área da Cultura, coordenará o diálogo da Igreja universal com o mundo da cultura – não só a literatura ou as artes e o património, como também o desporto, a ciência e a Inteligência Artificial. Ao mesmo tempo, a Praedicate Evangelium refere que, sob a alçada do DCE, estão também a Academia Pontifícia de Belas Artes e Letras dos Virtuosos do Panteão, a Academia Pontifícia Romana de Arqueologia, a Academia Pontifícia de Teologia, a Academia Pontifícia de São Tomás, a Academia Pontifícia Mariana Internacional, a Academia Pontifícia Cultorum Martyrum e a Academia Pontifícia de Latinidade.

Nascido no Machico (Madeira) em 1965, presbítero desde 1990, arcebispo titular de Suava, desde 2018 e nomeado cardeal em outubro de 2019, Tolentino Mendonça é reconhecido sobretudo pelo seu trabalho de exegeta bíblico, em cuja especialidade se doutorou, e de poeta. A sua tese de doutoramento foi publicada com o título A Construção de Jesus (Paulinas), enquanto a sua poesia está reunida numa antologia sob o título A Noite Abre Meus Olhos (Assírio e Alvim).

Foi capelão da Universidade Católica Portuguesa (UCP), diretor da Faculdade de Teologia e vice-reitor da UCP, capelão da Capela do Rato, em Lisboa, reitor do Colégio Pontifício Português, em Roma, e diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

Em 2018, o Papa convidou-o, por sugestão do cardeal Gianfranco Ravasi, a quem sucede e com cujo perfil intelectual e académico se assemelha, para orientar o retiro quaresmal da Cúria Romana.

Tolentino Mendonça foi vencedor, em 2020, do Prémio Europeu Helena Vaz da Silva, do Centro Nacional de Cultural e da rede Europa Nostra, que pretende promover a divulgação do património cultural. E, nesse ano, o Presidente da República nomeou-o presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Não sendo o primeiro português a dirigir dicastérios da Cúria Romana nos nossos tempos (e muitos serviram também como seus membros) – são de recordar o cardeal José Saraiva Martins, que foi Prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, e o cardeal Dom Manel Monteiro de Castro, que foi Penitenciário-mor do Supremo Tribunal da Penitenciaria Apostólica – o cardeal José Tolentino Mendonça contribuirá para um vigor novo na Cúria Romana e para a conquista de uma reforçada credibilidade por parte da Santa Sé, na linha reformista do Papa Francisco, na dupla dimensão da fidelidade ao Evangelho e à leitura assídua e atenta dos Sinais dos Tempos.

2022.10.01 – Louro de Carvalho

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