quarta-feira, 17 de setembro de 2025

UE confirma aposta na estratégica dos automóveis elétricos

 

A cimeira de alto nível realizada em Bruxelas, a 12 de setembro, entre a presidente da Comissão Europeia e os principais representantes da indústria automóvel, confirmou a clara aposta estratégica nos automóveis elétricos, na Europa, tendo a União Europeia (UE) permanecido firme nos seus objetivos, em matéria de reduções de dióxido de carbono (CO2), até 2025. Foi a terceira e última reunião de crise deste tipo, neste ano, uma parte do que a Comissão Europeia chamou de “Diálogo Estratégico sobre o Futuro da Indústria Automóvel”.
“Em perigo mortal” foi a classificação da indústria automóvel europeia feita, em abril, por Stéphane Séjourné, chefe da indústria da UE. Com efeito, os elevados preços da energia, a crescente concorrência global e o incerto ambiente regulamentar e comercial, que mergulharam o setor numa espiral de crise, levaram o chefe a considerar que “existe o risco de o futuro mapa da indústria automóvel mundial ser desenhado sem a Europa”.
Para obviar aos desafios prementes do setor, Ursula von der Leyen recebeu altos responsáveis do setor automóvel, com vista a um plano de ataque, que lhe apresentaram com cinco exigências principais, enunciadas por Camille Lamarque, responsável pela comunicação política da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA), a saber:
1. Recalibrar os objetivos de redução das emissões de CO2. A quota de mercado dos automóveis de passageiros elétricos, na UE-27, era de 15,6% e de 9%, para as carrinhas. Porém, a adoção generalizada no mercado de massas não acontecerá, “se não acelerarmos as infraestruturas e não baixarmos o custo total de propriedade”. É certo que “as fábricas europeias estão a ser construídas e reformadas e a mão de obra requalificada”, mas “os governos e as entidades reguladoras não investiram, nem exigiram níveis suficientes de infraestruturas e de modernização das redes e os incentivos continuaram a ser inconsistentes”. Por conseguinte, “a atual trajetória de redução das emissões de CO2, no transporte rodoviário, deve ser recalibrada, para garantir o cumprimento dos objetivos climáticos da UE”, mas salvaguardando “a competitividade industrial da Europa, a coesão social e a resiliência estratégica das suas cadeias de abastecimento”.
2. Reforçar as condições favoráveis. Para os veículos com emissões zero se tornarem escolha óbvia, para os consumidores e para as empresas, “a compra ou a utilização destes veículos tem de ser mais atrativa do que a dos veículos com motores de combustão interna [ICE – Internal Combustion Engine]”, o que postula incentivos consistentes à compra, tributação mais justa, custos de carregamento mais baixos e acesso mais fácil às cidades. Para tanto, a Europa deve acelerar as infraestruturas de carregamento e de reabastecimento, modernizar as redes e reformar os mercados da energia, para fazer baixar os preços da eletricidade.
3. Salvaguardar a neutralidade tecnológica. Como os veículos elétricos dominarão a transição, mas não satisfarão todas as necessidades de transporte, continuam a ser vitais os híbridos plug-in, as pilhas de combustível de hidrogénio, os motores ICE alimentados por combustíveis renováveis e outras soluções. Assim, “manter múltiplas tecnologias em cima da mesa alargaria a escolha dos consumidores, aceleraria a descarbonização da frota existente e sustentaria os pontos fortes da Europa, em termos industriais e de exportação”
4. Reforçar a competitividade e a resiliência. Os decisores políticos europeus concentraram-se na construção da indústria nacional de baterias, mas isso levará tempo, pelo que a Europa deve reforçar e diversificar as cadeias de abastecimento mundiais de baterias, de semicondutores e de matérias-primas essenciais. Porém, são cruciais, para manter a Europa competitiva, face à forte pressão mundial, “as parcerias estratégicas com aliados fiáveis, a simplificação da regulamentação da UE e o apoio específico à inovação e ao emprego qualificado”.
5. Adotar políticas adaptadas aos diferentes grupos de veículos. São necessárias três faixas de políticas adaptadas a cada tipo de veículos: de passageiros, carrinhas e pesados. Com efeito, a situação do mercado das carrinhas, com a quota de 9% de veículos elétricos, é crítica e carece de atenção especial. Os camiões e autocarros representam apenas 3,5% das matrículas de veículos elétricos a bateria, pois o quadro de apoio está atrasado.
O subdesenvolvimento do carregamento de megawatts, da capacidade da rede e dos incentivos à compra impede o progresso num dos setores mais difíceis de eliminar. Por isso, os líderes da indústria automóvel defendem que a UE não pode esperar, até 2027, para rever as normas de CO2 para os veículos pesados. Ao invés, Camille Lamarque diz que “é necessário um acompanhamento e uma ação urgentes, para colocar o transporte rodoviário de mercadorias na via da neutralidade climática”, bem como reintroduzir “uma perspetiva industrial e de mercado para as tecnologias que ajudam a acelerar a transição” e dar “reconhecimento especial ao fabrico de automóveis elétricos pequenos e eficientes.

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Os fabricantes de automóveis têm discordado da promessa da UE de alcançar a neutralidade carbónica, até 2050, desde que, há quase seis anos, a Comissão Europeia apresentou o Pacto Ecológico Europeu (PEE), aduzindo que as ambições climáticas destruiriam a competitividade do setor. De facto, a indústria automóvel europeia enfrenta mudanças para reduzir as emissões de CO2, tendo de eliminar, gradualmente, os carros com motores ICE, até 2035, investindo em eletrificação e assumindo a responsabilidade financeira pelos veículos no fim de vida. E as negociações sobre o objetivo climático de 2040, para a redução de 90% nas emissões, pressionam o setor a aumentar a produção de veículos elétricos, ante a incerteza dos compradores.
Com a tradição centenária de produção de veículos com motores ICE, o setor está em situação delicada, tentando adaptar-se à transição verde e lutando para manter-se à frente da concorrência global, com potências como a Alemanha já a sentir a pressão.

No atinente às emissões, regras controversas, em Bruxelas e nas capitais, preveem uma meta de redução de CO2 de 55%, até 2030, e de 100% até 2035, em comparação com 2021. E o eurodeputado Jens Gieseke (Alemanha/PPE), que integra as comissões do ambiente e da indústria do Parlamento Europeu (PE), defende a oposição do Partido Popular Europeu (PPE) à proibição total dos motores ICE proposta pela Comissão, reconhecendo o papel dos combustíveis neutros em CO2, para abrir caminho para os motores ICE descarbonizados se tornarem parte do futuro mix tecnológico, possibilitando “uma concorrência justa, aberta e baseada no mercado entre diferentes tecnologias de propulsão”.

Após a emergência da China como um dos principais exportadores globais, o mercado europeu de veículos elétricos foi inundado por marcas como a BYD, enquanto os fabricantes nacionais demoraram a adotá-los. E, de acordo com o Instituto Fraunhofer, as vendas recentes de veículos elétricos, na UE, ficaram aquém das expectativas anteriores, estimando-se um ligeiro declínio não só no mercado geral de veículos (-4 %), mas também nos modelos elétricos a bateria (-6 %) e híbridos plug-in (-5%) de 2023 a 2024. Em contraponto, em junho de 2025, as marcas chinesas de veículos elétricos obtiveram a sua maior quota de mercado de sempre, na Europa, com 5,4%, segundo um relatório da empresa de pesquisa de mercado Jato Dynamics, com forte desempenho, em julho de 2025, alcançando 5,1%.
Embora as tarifas da UE sobre carros chineses deem espaço para os fabricantes europeus competirem, isso não basta segundo representantes da indústria, que culpam a falta de infraestrutura suficiente de afastar os consumidores da compra de veículos elétricos, sendo “catastrófica” a perda de 51 mil empregos, no setor automóvel alemão, num ano, devido à transição para a eletrificação.
O principal grupo de lobby da indústria automóvel, a ACEA, tem expressado apreensão sobre a falta de condições cruciais que o setor enfrenta, para alcançar o aumento necessário na produção e adoção de veículos de zero emissões. Estas incluem “infraestrutura de carregamento e de reabastecimento de hidrogénio, bem como um ambiente de fabricação competitivo, energia verde acessível, incentivos de compra e fiscais, e um fornecimento seguro de matérias-primas, hidrogénio e baterias,” afirmou a direção do grupo.
Embora a ACEA mantenha o compromisso com os objetivos do PEE e da mobilidade verde, destacando as centenas de modelos elétricos lançados e os milhões investidos, apela a um “caminho pragmático para a frente”, em linha com o cenário industrial, económico e geopolítico. Isso significa, de acordo com um porta-voz da ACEA, “recalibrar metas, criar as condições certas, como infraestrutura e energia acessível”, e garantir consistência e simplificação na legislação. Para que o PEE tenha êxito, são necessárias regras coerentes, simplificadas e alinhadas em toda a Europa, em vez de fragmentadas ou em constante mudança.
Em 2024, a Itália, a Áustria, a Bulgária, a Chéquia, a Polónia, a Roménia e a Eslováquia, apresentaram uma proposta conjunta de revisão antecipada das normas de emissões de CO2. E a lei foi selada pelos colegisladores – Conselho e Parlamento – em 17 de junho deste ano.
Paralelamente, profissionais de saúde de toda a Europa escreveram uma carta a Wopke Hoekstra, Comissário Europeu para o Clima, Crescimento Zero e Limpo, a alertar para o perigo de reverter a proibição dos carros a diesel e a gasolina. Os signatários notaram os riscos para a saúde humana do dióxido de nitrogénio (NO2) e das partículas finas (PM2.5) resultantes da queima de combustíveis fósseis no transporte rodoviário.
A luta entre o setor automóvel e os que lutam para manter intactas as metas está para durar.

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No início da cimeira de 12 de setembro, os fabricantes de automóveis europeus apelaram a uma maior flexibilidade na aplicação dos objetivos de CO2. “Não importa o que aconteça, o futuro é elétrico”, disse à Euronews, sob anonimato, uma fonte com conhecimento das conversações entre a presidente da Comissão Europeia e os executivos de topo do setor automóvel, vincando que a indústria está consciente da necessidade de transição e que, mesmo que a Comissão Europeia eliminasse estes objetivos, a concorrência mundial iria fixá-los, para a indústria”
Bruxelas tem por objetivo a neutralidade climática, até 2050, e decidiu, entre outras coisas, eliminar, progressivamente, os veículos novos com motores ICE, até 2035. Nestas conversações, a Comissão pareceu disposta a avançar com os objetivos para 2035, apesar dos apelos das empresas e dos políticos para que se desvie do objetivo. E o setor automóvel está a aderir.
“Não conheço nenhuma tecnologia melhor do que o carro elétrico, para fazer avançar a redução de CO2, nos transportes, nos próximos anos”, disse Gernot Döllner, CEO da Audi, à revista alemã Wirtschaftswoche, acrescentando: “Em vez de realçarem estas vantagens, estão constantemente a ser lançados novos debates sobre a preservação do motor de combustão – isto é contraproducente e perturba os clientes.”
Um dos maiores desafios é a aplicação da política climática europeia. Porém, os governos e os reguladores não investiram, nem exigiram, níveis suficientes de infraestruturas e atualizações da rede e dão magros incentivos. Ora, para que os veículos com emissões zero se tornem escolha óbvia, para os consumidores, a compra ou utilização destes veículos tem de ser mais atrativa do que a dos veículos com motores ICE. Para tal, são necessários incentivos consistentes à compra, tributação justa, custos baixos de carregamento e acesso fácil às cidades. Simultaneamente, a Europa deve acelerar as infraestruturas de carregamento e de reabastecimento, especialmente, para os veículos pesados, modernizar as redes e reformar os mercados da energia, para fazer baixar os preços da eletricidade.
A indústria automóvel, pedra angular da economia, dá mais de 13 milhões empregos (diretos e indiretos) e contribui com cerca de 7% para o produto interno bruto (PIB) da UE.

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Embora todos os estados-membros da UE ofereçam benefícios fiscais para impulsionar as vendas de elétricos, há diferenças entre os regimes de incentivo à compra direta, provindo dos países do Sul da Europa alguns dos mais generosos. Assim, os países que oferecem os subsídios mais generosos à compra de veículos elétricos, em 2025, são a Itália (que iniciou o esquema em meados de outubro passado), seguida pela Croácia, pela Polónia e pela Grécia.
As vendas de veículos elétricos são limitadas pelos preços elevados e pela falta de estações de carregamento, mas os países implementaram grande variedade de esquemas, para aumentarem as vendas de veículos com emissões zero, num esforço para cumprir os objetivos da UE, que exigem que as frotas de veículos de passageiros novos reduzam as emissões de CO2 em 55%, até 2030.
Não contando com incentivos para empresas, nem como subsídios regionais ou locais, é de referir que a Itália oferece cerca de 11 mil euros para pessoas singulares, cobrindo até 30% do preço de compra de novo veículo elétrico, se o preço for até a 42700 euros, incluindo IVA.
A Grécia e a Polónia oferecem, cada uma, cerca de nove mil euros em subsídios para particulares. Na Grécia, há mais dois mil euros, para a eliminação de veículo antigo poluente, e mil euros, se o comprador tiver menos de 29 anos. Além disso, o país oferece incentivos fiscais. E a Polónia também impõe um imposto de registo nulo para os elétricos.
Outros países com subsídios generosos incluem a Eslovénia, onde as pessoas podem obter até 7200 euros, para ajudar à compra de elétrico novo com preço até 35 mil euros (incluindo IVA).
A Espanha oferece entre 4500 e sete mil euros, para compra dos elétricos (2500 e cinco mil euros para os Veículos Elétricos Híbridos Plug-in), mas estipula uma série de incentivos fiscais.
Os países nórdicos, incluindo a Noruega e a Dinamarca, com a maior proporção de veículos elétricos a bateria nas estradas, não oferecem incentivos diretos à compra, mas estipulam diversos incentivos fiscais.
Alguns países, incluindo a Áustria, acabaram de suprimir incentivos aos particulares, para os elétricos, enquanto outros, incluindo a Suécia, propõem novos incentivos. A Suécia propõe o subsídio de 54 mil coroas suecas (4938 euros), durante 36 meses, só para famílias de baixos rendimentos das zonas rurais, prevendo-se que a vigência se inicie em janeiro de 2026.
A França reduziu o orçamento para subsídios aos veículos elétricos, mas oferece considerável pacote de incentivos e está prestes a adicionar mil euros, por aquisição de elétrico produzido na Europa, desde que o preço seja inferior a 47500 euros. E a Finlândia pondera novo programa de incentivo ao abate de veículos, podendo conceder o apoio de até 2500 euros a quem comprar um veículo de baixas emissões e abater um automóvel com mais de 10 anos.

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Enfim, a UE tem um dilema cujo segundo membro tem várias vertentes: promover a transição energética para soluções verdes e garantir outras exigências, como fomentar a agricultura e a floresta, viabilizar a mobilidade terrestre (rodoviária e ferroviária), aérea e aquática (marítima, lacustre e fluvial), sustentar as indústrias, nomeadamente, a automóvel, e assegurar o emprego.
Só a solução elétrica é inviável. Talvez o hidrogénio venha a dar uma ajuda!

2025.09.17 – Louro de Carvalho

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