O
Partido Socialista (PS), a um mês das eleições autárquicas, está a tomar
algumas atitudes e a construir alguns enunciados que parecem revelar algum
desnorte, graças ao facto de as eleições legislativas o terem atirado para o
terceiro lugar na Assembleia da República (AR).
Assim, uma das medidas que parece ajustada, mas que poder ter efeito contraproducente é a obrigação de os autarcas socialistas assinarem o compromisso de não fazerem alianças com o partido Chega.
Assim, uma das medidas que parece ajustada, mas que poder ter efeito contraproducente é a obrigação de os autarcas socialistas assinarem o compromisso de não fazerem alianças com o partido Chega.
O
secretário-geral, José Luís Carneiro, apontando para a bitola ética, pretende “comportamentos
exemplares”, para restituir a confiança dos cidadãos na democracia, e pensa que,
deixando ao eleitorado a garantia de que os autarcas do PS, mesmo os que não
vençam as eleições nos seus concelhos, não se aliarão a partidos como o Chega,
o seu partido salvará a democracia. Para isso, teria de ser capaz de convocar um
grande comício para a Fonte Luminosa. Porém, os artífices desse comício, em
1975, já só estão na memória coletiva e nos anais da História.
Intervindo
no encerramento da Convenção Autárquica do PS, que marcou a rentrée do partido
e que decorreu, a 13 de setembro, no Convento de São Francisco, em Coimbra, José
Luís Carneiro, na esteira do presidente socialista, Carlos César, fez da
extrema-direita o alvo nas eleições autárquicas e insistiu na ideia de que, só
com “comportamentos éticos exemplares”, com “honestidade”, com “transparência”
e com o “combate à corrupção” (este último não fazia parte do compromisso de
2021), o PS se manterá como o “fiel depositário” dos valores da democracia e
restituirá a confiança dos cidadãos.
É
rigorosamente verdade tudo isso, mas não é em campanha eleitoral que se
demonstram esses valores, nem é o PS o único detentor deles. Por isso, não este
o único partido o salvador da democracia. E o seu histórico não lhe fornece autoridade
moral e política para dar lições de democracia e de ética. Além do que os
tribunais podem atestar, vieram para a ribalta os casos e casinhos que, escalpelizados
pelas oposições, puseram de tanga a última maioria absoluta parlamentar. Isto,
sem falar da derrapagem que sofreu a primeira maioria absoluta do PS.
É
certo que a cruzada pelos valores democráticos se faz “concelho a concelho,
freguesia a freguesia” e que só isso “permitirá ao PS voltar às vitórias no
meio de uma crise de credibilidade das instituições que afeta o sistema
partidário”. Porém, esse enunciado pode ser adotado pelo Partido Social Democrata
(PSD), a quem se tem perdoado todos os disparates e retrocessos governativos. Além
disso, a promoção e a defesa dos valores democráticos e éticos cabem, em primeiro
lugar e em sede exemplar, aos órgãos do poder central, pois, o poder local,
como escola de democracia, é bastante deficitário, pois está tão próximo dos cidadãos
como dos corruptores.
Sustentando
que o PSD deixou o centro democrático e moderado, o secretário-geral do PS
pediu confiança nos autarcas do PS, aos quais exigiu que assinassem um
compromisso que diz, entre outras coisas, que não farão alianças pós-eleitorais
com o partido de André Ventura, em nenhum município (poderão fazê-las nas freguesias?).
Caso contrário, perderão a confiança política do PS. Resta saber se poderão
passar a ter o estatuto de independentes.
O
PS já devia ter percebido que o cerco feito ao Chega, incluindo na AR, que
parecia necessário, só contribuiu para a ascensão cada vez mais acentuada daquele
partido. Por outro lado, o partido de José Luís Carneiro, que já foi de Pedro
Nuno Santos e de António Costa, nunca se demarcou, de forma inequívoca, da governação
de 2005 a 2011, nem de tudo o que é possível dizer a seu respeito, assim como
nunca explicou ao país a razão por que se sujeitou às demasiadas intromissões
do Presidente da República na área parlamentar e na área da governação, tendo contribuído
para o desgaste e para o descrédito da maioria absoluta de apenas duas sessões legislativas (uma delas
incompleta). E também nunca explicou porque deixou para a governação subsequente
tantos e tão importantes dossiês pendentes.
Portanto,
vir dizer, agora, que “há aqueles que, infelizmente, já se deixaram confundir”,
que se têm deixado confundir, mas “o PS está cá”, é presunção excessiva e, em certa
medida, atentatória da autonomia das estruturas locais partidárias e autárquicas.
Não
sei se alguém acredita que este PS será o fiel depositário dos valores
fundamentais da democracia e se será ele a projetá-los para o futuro. E
garantir que os eleitores “podem confiar nos candidatos do PS, porque, no dia
12 [de outubro], à noite – mesmo que não consigam alcançar as maiorias que
desejavam, eles serão a garantia dos valores e nunca, nunca se colocarão
do lado dos que querem atacar a democracia e o Estado de Direito democrático –,
tem o sabor do “não é não” do PSD, que cede, face às conveniências partidárias.
Ante
a plateia repleta, José Luís Carneiro apelou a que os autarcas tenham menos
fidelidades partidárias e mais fidelidade e honestidade para com os seus
eleitores, e pediu uma “cultura de prestação de contas, de transparência, de
diálogo com os munícipes e de respeito com as oposições” – enfim, uma cultura
de “comportamentos exemplares”, para as centenas de autarcas que se
candidatam com o emblema do PS. Esse é o discurso de todos os tempos e de todos
os partidos, mas mostrem em que aspetos é que as autarquias do PS funcionam de
modo diferente das dos outros partidos. A sombra dos partidos está sempre sobre
a ação autárquica.
***
Paralelamente,
o secretário-geral do PS entreteve a plateia socialista com o enunciado de
medidas extemporâneas, como uma nova proposta, que passa por alterações à
lei das finanças locais – “para garantir que os municípios portugueses se
aproximam mais dos europeus, em termos de participação na receita do Estado, e
para que a lei seja mais proativa, no que respeita à coesão na distribuição de
recursos” – e por alterações à lei eleitoral para as autarquias locais.
Neste segundo ponto, a proposta do líder socialista passa por retirar a oposição das câmaras municipais (CM), tornando os executivos monocolores, isto é, de um só partido ou coligação pós-eleitoral que o partido vencedor faça, deixando a oposição com o poder fiscalizador e reforçando os poderes da Assembleia Municipal (AM). Tal reforma permitirá, na perspetiva do secretário-geral do Partido Socialista e na ótica de outros partidos, “cumprir o princípio de estabilidade dos executivos municipais e reforçará os poderes das assembleias municipais para realizarem o seu trabalho de escrutínio mais apurado”.
Neste segundo ponto, a proposta do líder socialista passa por retirar a oposição das câmaras municipais (CM), tornando os executivos monocolores, isto é, de um só partido ou coligação pós-eleitoral que o partido vencedor faça, deixando a oposição com o poder fiscalizador e reforçando os poderes da Assembleia Municipal (AM). Tal reforma permitirá, na perspetiva do secretário-geral do Partido Socialista e na ótica de outros partidos, “cumprir o princípio de estabilidade dos executivos municipais e reforçará os poderes das assembleias municipais para realizarem o seu trabalho de escrutínio mais apurado”.
Discordo
da eficácia dessa reforma, se ela não implicar: o poder de censura ao executivo
(de que advenha demissão), proibição de eleição de funcionários municipais para
a AM, aumento do número de sessões ordinárias da AM, criação de condições de funcionamento
(instalações para o plenário e gabinetes para os grupos municipais, tempo suficiente
entre a sessão da CM e a da AM para estudo dos dossiês, reunião,
predominantemente, em horário laboral), estatuto remuneratório dos deputados municipais
e criação de um poder moderador (provedor ou comissão de curadores), que evite
a governação por contacto direto e imediato (a não ser em casos de urgência),
abusando da figura da ratificação pelo respetivo órgão colegial.
Aliás,
em quase 50 anos de exercício democrático do poder local, os executivos pluricolores
não tiveram problemas tão graves como parece fazer-se crer.
Atualmente,
as formações concorrentes apresentam listas à CM e à AM, sendo a representação
no executivo determinada pelo método de Hondt. Os partidos derrotados podem ter
vereadores eleitos no “governo” da municipalidade, o que equivaleria, no governo
central, a termos ministros do PS ou do Chega num Conselho de Ministros
liderado pelo PSD. Com o método relançado pelo PS – e com o qual o PSD
está, há muito, de acordo – procura-se, no essencial, forçar a composição
de executivos de uma só cor política (ou, sendo multipartidários, apenas por
via de alianças pré ou pós-eleitorais).
No
seu programa eleitoral, o PS compromete-se a “revisitar o modelo de governação
dos municípios”, reavaliando o equilíbrio de competências da CM e da AM, o
modelo de constituição do governo municipal e da fiscalização da AM. Parece,
portanto, haver um consenso alargado, mas a atual conjuntura política implica,
necessariamente, o acordo de uma terceira força política (o Chega, a Iniciativa
Liberal ou o Livre) para a maioria de dois terços necessária a uma alteração de
leis como esta.
Embora
sem determinar calendários, o líder socialista defende também, como foi dito,
uma nova lei das finanças locais que aumente a participação das autarquias nas
receitas do Estado, colocando-a na média europeia (16%, contra os atuais cerca
de 12%, em Portugal) e o estabelecimento de fórmulas de distribuição de
recursos com discriminação positiva para municípios que tenham à sua guarda
reservas naturais ou paisagens classificadas (património natural ou ambiental),
algo que, no seu entender, favorece a coesão territorial.
Outra
proposta é que as despesas de educação sejam consideradas despesa de
investimento e não despesa corrente, o velho cavalo de batalha de José Luís
Carneiro, ainda dos seus tempos como presidente da Câmara Municipal de Baião.
Ao
colocar, agora, na agenda uma reforma do poder local, o secretário-geral do PS
lança o quinto pacote de medidas do seu consulado (foi eleito no final de
junho). E já propôs medidas sobre Defesa – formas de reforçar a despesa pública,
no quadro das exigências acordadas na Organização do Tratado do Atlântico Norte
(NATO) –, a reforma dos sistemas de emergência hospitalar, a reforma da Justiça
(com mecanismos de avaliação reforçada dos magistrados). Também lançou um
documento, enviado ao primeiro-ministro, com um conjunto de medidas para
enfrentar a explosão inflacionista no mercado da habitação (de resto, a reforma
das finanças locais com que agora avança é muito pensada, tendo em conta este
problema).
É
legítimo que “a reforma do estatuto eleitoral das autarquias” seja “uma
prioridade e um compromisso político”, mas não pode consistir em mudar alguma
coisa, para tudo ficar na mesma ou pior. Todavia, a questão dos executivos
monocolores, mais do que uma necessidade, parece uma questão de uniformidade
com a relação da AR e o governo e com as assembleias de freguesia e as
respetivas juntas. Aliás, embora o presidente da junta seja o cabeça de lista
do partido (grupo ou coligação) mais votado, os outros são eleitos pela assembleia
de freguesia, chegando a resultar dessa eleição juntas monocolores e juntas
tricolores.
Seja
como for, vésperas de eleições autárquicas não são tempo propicio para anúncio
de reformas legislativas, cuja competência cabe à AR.
***
Nos
12 compromissos que os autarcas assinaram e que tinham sido lidos por 12 jovens
socialistas, lê-se a obrigação dos autarcas do PS fazerem “acordos
pós-eleitorais, apenas com quem prossiga os ideais” do PS, que passam por “agir
com base em ideais progressistas, orientando-se, na ação e no discurso, pela
declaração de princípios do PS e por ideais humanistas, de cosmopolitismo, de
primado da razão, de progresso e de sustentabilidade”. Em rigor, isso é
exigível a simpatizantes do PS ou a independentes, porque os outros devem ser
fiéis ao seu ideário partidário.
Na lista dos restantes compromissos, consta, por exemplo, o reforço das condições de desenvolvimento económico, no plano local, e as ideias de responder com urgência ao problema social da habitação e de promover a sustentabilidade dos processos de desenvolvimento, bem como orientar a intervenção “pelo respeito por deveres de legalidade, justiça e imparcialidade, pela implementação de mecanismos efetivos legítimos de combate à corrupção e pela valorização de um espaço público de debate tolerante, racional e plural”.
Na lista dos restantes compromissos, consta, por exemplo, o reforço das condições de desenvolvimento económico, no plano local, e as ideias de responder com urgência ao problema social da habitação e de promover a sustentabilidade dos processos de desenvolvimento, bem como orientar a intervenção “pelo respeito por deveres de legalidade, justiça e imparcialidade, pela implementação de mecanismos efetivos legítimos de combate à corrupção e pela valorização de um espaço público de debate tolerante, racional e plural”.
É
caso para questionar se, só agora, se enunciaram, como valores fundamentais do
PS, estes princípios que fazem parte do novo compromisso.
Ora,
é na discrepância entre a prática socialista, social-democrata e centrista, de
arrastamento dos pés, ante as exigências do neoliberalismo (engavetou-se o socialismo,
a social-democracia e a democracia cristã) que se gerou a ascensão de partidos
como o Chega, não os méritos deste. A isto ajudou, obviamente, propaganda (voluntária
ou não) que se tem feito ao partido de André Ventura e os comportamentos desviantes
na relação de governantes com governados, de administradores com administrados,
na nomeação partidária (ou combinada) de gestores públicos, nas regras dos concursos
públicos (nomeadamente, nas autarquias), no compadrio e na cunha generalizados,
na suspeita de incúria que terá dado azo a desastres em equipamentos públicos.
***
É
legítimo que o PS, como qualquer outro partido, pretenda governar “mais
câmaras, mais freguesias e mais assembleias municipais”, ou seja, ganhar, de
forma inequívoca, as eleições autárquicas, como, aliás, qualquer eleição.
A esse propósito, questionado sobre a mais recente sondagem da Aximage sobre intenções de voto em eleições legislativas, que põe o Chega, pela primeira vez, à frente do PSD e relega o PS para o terceiro lugar, o secretário-geral do PS, alegando que, nas sondagens que o PS tem, o Chega “aparece sempre em terceiro lugar”, atirou com uma pergunta: “Não há legislativas à vista, não acham estranho que essa sondagem tenha aparecido nesta altura?”
A esse propósito, questionado sobre a mais recente sondagem da Aximage sobre intenções de voto em eleições legislativas, que põe o Chega, pela primeira vez, à frente do PSD e relega o PS para o terceiro lugar, o secretário-geral do PS, alegando que, nas sondagens que o PS tem, o Chega “aparece sempre em terceiro lugar”, atirou com uma pergunta: “Não há legislativas à vista, não acham estranho que essa sondagem tenha aparecido nesta altura?”
A
sondagem da Aximage, publicada no dia 11 de setembro, à noite, foi usada por
André Ventura para dar força à ideia de que o seu partido está a caminho de ser
poder. Não obstante, no Conselho Nacional do Chega, no dia 12, à noite, manteve
a disponibilidade para ser o candidato do partido às eleições presidenciais de
janeiro, decisão que está prestes a tomar, com carta branca do partido.
Na
opinião de José Luís carneiro, há um interesse claro naquele barómetro: “É
uma tentativa para que um candidato putativo desista das presidenciais para que
os votos da direita se possam concentrar noutro candidato”, indicou, sem
referir o nome do candidato Luís Marques Mendes, ex-líder do PSD, mas reforçando,
em relação às eleições de 12 de outubro, a convicção de que o PS continuará a
ser o partido mais votado e com maior número de autarquias, afirmando que “o
poder local é o coração da democracia e o PS é o partido do poder local”.
***
O
secretário-geral do PS, ao invés do que anuncia, acha que eleições autárquicas
não têm nada a ver com as legislativas. Por outro lado, não precisa de que
venham outros reforçar candidatos da direita professa ou disfarçada. Como é que
se tem portado o PS com candidaturas presidenciais?
Depois, além do que, acima, se afirmou do PS, deve considerar-se que, tendo o PSD capturado as principais bandeiras do Chega e estando a regredir nas leis do trabalho e na gestão dos serviços públicos, é natural que o eleitorado prefira o original à cópia. Aliás, os erros apontados ao Chega foram aprendidos nos partidos tradicionais em que militaram alguns quadros do Chega; e muitos vícios não precisam de ser aprendidos em universidades ou em outras escolas.
Depois, além do que, acima, se afirmou do PS, deve considerar-se que, tendo o PSD capturado as principais bandeiras do Chega e estando a regredir nas leis do trabalho e na gestão dos serviços públicos, é natural que o eleitorado prefira o original à cópia. Aliás, os erros apontados ao Chega foram aprendidos nos partidos tradicionais em que militaram alguns quadros do Chega; e muitos vícios não precisam de ser aprendidos em universidades ou em outras escolas.
Por
isso, o eleitorado deve ser sensibilizado pelo discurso correto, pelas
propostas claras, pela coerência da prática com os princípios e com os valores e
pela adequada autocrítica dos partidos.
2025.09.13
– Louro de Carvalho
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