quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Distorções da liberdade religiosa na América do Norte

 

A 28 de agosto, o ministro do Secularismo do Québec, Jean-François Roberge, anunciou que o governo apresentará legislação, nos próximos meses, para proibir orações nas ruas.

Foi o partido Coalision Avenir Québec, de Legault, que apresentou, pela primeira vez, no fim do ano passado, o projeto de tal proibição, mas recebeu, imediatamente, a condenação da parte de muitos setores, como a Assembleia dos Bispos Católicos do Québec.

O governo do Québec tem-se manifestado, abertamente, sobre a apresentação de um projeto de lei para proibir orações públicas, devido a uma onda de reuniões, em massa, de orações islâmicas, em 2024, em conjunto com protestos pró-palestinianos na província, como o protesto semanal na praça em frente da basílica de Notre-Dame, na velha Montreal. Assim, imagens e vídeos de muçulmanos a rezar em Montreal, no exterior da basílica, foram manchetes nos últimos meses.

De facto, o desejo do governo do Québec, no Canadá, de proibir todas as orações públicas levanta “sérias preocupações” sobre as liberdades fundamentais de uma sociedade democrática, disse o arcebispo de Montreal, Christian Lépine, numa carta pública, sustentando que a proibição desencorajaria gestos que fomentam a esperança e a solidariedade num Mundo já “abalado” por tantas crises – económicas, sociais e ambientais.

“No fundo, proibir a oração pública seria como proibir o próprio pensamento”, enfatizou, numa carta publicada no site da arquidiocese, a 2 de setembro, e no jornal La Presse, de Montreal.

Christian Lépine disse que a proposta do primeiro-ministro do Québec, François Legault, de acabar com as orações em locais públicos vai diretamente contra a Carta Canadiana de Direitos e Liberdades, a própria Carta de Direitos Humanos e Liberdades do Québec e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Podemos dar-nos ao luxo de desencorajar gestos que fomentam a esperança e a solidariedade?”, perguntou.

O arcebispo considerou a proposta impraticável e discriminatória, dizendo que ela “colocaria em risco tradições profundamente enraizadas no Québec”, como a Via Sacra, as procissões do Domingo de Ramos e a festa de Corpus Christi, entre outras tradições. Tais eventos, marcados pela ordem e pela dignidade, são espaços de encontro”, de modo que “proibir a oração em público seria ameaçar a própria existência deles”.

O arcebispo aduziu que a peregrinação penitencial do Papa Francisco ao Canadá, em 2022, com paragem na cidade do Québec, poderia ter sido proibida por essa lei.

Por sua vez, a Assembleia dos Bispos Católicos do Québec também se manifestou, dizendo que a proibição violaria os direitos constitucionais das pessoas.

O bispo de Trois-Rivières, Martin Laliberté, presidente da Assembleia dos Bispos Católicos do Québec, disse que ficou “surpreso” com a proibição sugerida por Legault à oração, em parques e nas ruas da cidade, dizendo que isso afetaria uma ampla gama de atividades praticadas por pessoas de muitas religiões.

Numa carta aberta recente, a Assembleia dos Bispos Católicos disse que a proibição teria, como alvo, grupos religiosos minoritários percebidos por alguns como uma ameaça à identidade do Québec, seria inexequível e contraria a Carta Canadiana dos Direitos e das Liberdades e a Carta dos Direitos Humanos e Liberdades do Québec. Além disso, declara taxativamente: “A oração não é perigosa.”

A Fundação da Constituição Canadiana também se manifestou, fortemente, contra a proposta. “Essa legislação é um ataque ao direito constitucionalmente protegido da liberdade de religião”, disse Christine Van Geyn, diretora de litigância, observando: “Vemos isso como um exagero que terá impacto em comunidades religiosas, em todo o Québec, e merece um exame cuidadoso. O secularismo não exige hostilidade às pessoas de fé, e é isso que a proposta de lei representa.”

Van Geyn considera compreensível que o governo queira impedir protestos e orações que bloqueiem ruas, “mas proibir todas as orações públicas, no Québec, viola as próprias liberdades que tornam o Canadá melhor do que uma teocracia”. “O governo deveria fazer cumprir as leis existentes e multar aqueles que bloqueiam o trânsito e violam as leis de ruído; não atacar todas as pessoas de fé”, vincou.

A Associação Canadiana de Liberdades Civis (CCLA) também condenou a proposta como “uma clara violação” da liberdade de religião, expressão, reunião e associação. “Suprimir a expressão religiosa pacífica, individual ou comunitária, sob o pretexto do secularismo, não só marginaliza as comunidades religiosas, mas também enfraquece os princípios de inclusão, dignidade e igualdade”, declarou Harini Sivalingam, diretora da CCLA.

Howard Sapers, diretor executivo da CCLA, alertou para “a tendência crescente de alguns governos de usar, indevidamente, a cláusula, não obstante ela violar direitos e liberdades fundamentais”.

No Québec, “a cláusula” refere-se a uma parte específica de um acordo, lei ou documento, como o Ato de Québec de 1774, que restaurou o direito civil francês e a livre prática da fé católica, ou o Ato de Québec de 1943, que continha a cláusula que impedia o uso de armas nucleares sem consentimento mútuo. Assim, “a cláusula” no Québec é um termo genérico para uma disposição dentro de um texto legal ou contratual relevante para a região, que pode implicar a suspensão ou a limitação de alguns direitos constitucionais. 

O Fórum Muçulmano Canadense manifestou-se, frisando que as orações públicas são uma manifestação de liberdade de expressão, e uma proibição geral estigmatizaria comunidades, alimentaria a exclusão e prejudicaria a coesão social. “O governo deve-se concentrar em resolver problemas reais, não em policiar os direitos fundamentais de seus cidadãos”, disse o grupo.

Com eleições provinciais previstas para o ano que vem, as questões de identidade e de secularismo voltam a dominar o debate político, no Québec. E o governo de Legault vai decaindo nas sondagens e perdeu, recentemente, a sua terceira eleição suplementar consecutiva para o partido separatista Parti Québécois.

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Estudantes de escolas públicas nos Estados Unidos da América (EUA) falaram sobre discriminação anticristã e antirreligiosa, numa audiência sobre educação organizada pela Comissão de Liberdade Religiosa instalada pelo presidente Donald Trump. Os comissários ouviram testemunhos de alunos e de ex-alunos de escolas públicas sobre ações discriminatórias que enfrentaram, ao tentarem proclamar, publicamente, a sua fé num ambiente escolar público.

Hannah Allen falou docaso ocorrido em 2019, quando estava no ensino fundamental e o diretor da escola impediu os alunos de rezarem por um colega que se havia ferido num acidente de viação. O diretor disse que só poderiam rezar escondidos dos outros alunos. “Violou o nosso direito de exercer, livremente, a nossa religião”, disse Hannah Allen, acrescentado que o sucedido na escola “não foi certo” e que “sabe que isso está a acontecer em outras escolas também”. 

Todavia, após obter aconselhamento jurídico da organização sem fins lucrativos First Liberty Institute, a escola recuou e disse aos alunos que poderiam rezar em público.

Justin Aguilar, recém-formado no ensino médio, disse que, ao entregar o seu discurso de orador da turma, que fazia referência a Jesus Cristo, aos funcionários da escola, “simplesmente riscaram o seu nome” e instruíram-no no sentido de reenviar o discurso sem nenhuma referência religiosa. Porém, com o apoio jurídico da organização de defesa da liberdade religiosa Liberty Counsel, para transmitir os seus direitos religiosos à escola, reenviou o discurso “com tudo o que queria dizer” e os funcionários da escola permitiram que ele fizesse referência a Cristo. Porém, referiu que a situação o deixou nervoso, ao mencionar Cristo no discurso, mas que a multidão o aplaudiu, quando ele mencionou a sua fé, e “sentiu uma enorme alegria e alívio”. Mais salientou que, de tudo o que foi dito na formatura, “nada teve uma resposta tão grande como o nome de Jesus”.

Lydia Booth apontou um incidente quando a sua escola primária no Estado do Mississippi retomou aulas presenciais, depois da pandemia de covid-19. Funcionários forçaram a menina, com nove anos de idade, a remover uma máscara facial com as palavras “Jesus me ama”. “Naquela época, tudo parecia incerto, mas aquelas três palavras simples lembravam-me que eu não estava sozinha”, declarou Booth à Comissão. Porém, a família dela obteve apoio jurídico do grupo de defesa jurídica da liberdade religiosa Alliance Defending Freedom e travou uma batalha jurídica de dois anos, que terminou num acordo com o distrito escolar, que concordou em deixá-la usar a máscara. “Nunca se é demasiado jovem para que a nossa voz tenha importância”, disse Booth à Comissão, frisando: “Se eu tivesse ficado em silêncio, nada teria mudado, mas, como nos manifestamos, agora outros estudantes podem usar mensagens de fé e de amor, sem medo de serem silenciados.”

Vários palestrantes expressaram preocupações com escolas públicas que tentam impor valores às crianças que conflitam com as crenças dos pais, como o recente caso do Supremo Tribunal Federal dos EUA sobre a exclusão dos pais de materiais didáticos que promovem ideologia de género. 

Sameerah Munshi, que integra o conselho consultivo da Comissão, assinalou a recusa da Escola Pública Montgomery County de permitir que os pais escolham não receber esse material. “Muitos pais, entre eles pais muçulmanos, cristãos e judeus, e alunos ficaram preocupados, para dizer o mínimo”, disse a ativista pelos direitos dos muçulmanos, considerando: “O que aconteceu no condado de Montgomery não foi sobre muçulmanos e outras pessoas de fé, tentando impor os seus valores aos outros. Tratou-se de nos recusarmos a ter os valores dos outros impostos sobre nós. Tratou-se do direito de discordar, sem ser demonizado.” Em junho, a Supremo Tribunal dos EUA ordenou que o conselho escolar oferecesse aos pais uma opção de exclusão.

Ryan Anderson, membro católico da comissão, presidente do Centro de Ética e Políticas Públicas, disse que, “frequentemente, as violações da liberdade religiosa são resultado de leis injustas, em primeiro lugar”, e que a imposição da ideologia de gênero é inerentemente injusta. “Não podemos simplesmente... nos esquivar disso. Também precisamos combater isso diretamente”, disse.

Falando à comissão, pela primeira vez, a 8 de setembro, Donald Trump criticou as falhas do sistema de educação pública nessa área e disse que, “em muitas escolas, hoje, os alunos são doutrinados com propaganda antirreligiosa” e punidos por praticarem a sua fé religiosa publicamente. Anunciou que o Departamento de Educação dos EUA vai desenvolver diretrizes para proteger o direito de rezar nas escolas públicas e lançou a iniciativa “America Prays”, incentivando os norte-americanos a rezarem pelo país e pelo seu povo, antes do 250.º aniversário da Declaração de Independência dos EUA.

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Um relatório do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) revela que o governo de Joe Biden, de 2021 a 2025, adotou um “padrão consistente e sistemático de discriminação” contra cristãos. Ou seja, o documento “Erradicando o Preconceito Anticristão no Governo Federal”, de 48 páginas, é o primeiro emitido pela Força-Tarefa para Erradicar o Preconceito Anticristão, criada por pelo presidente dos EUA, em fevereiro, liderada por Pam Bondi, procuradora-geral dos EUA, e composta por representantes de várias agências federais dos EUA, para investigar todo o escopo do preconceito anticristão que permeou o governo Biden, produzindo um acompanhamento abrangente com a suas descobertas e recomendações até fevereiro do próximo ano.

A força-tarefa garante que “qualquer conduta, política ou prática ilegal ou imprópria que tenha como alvo cristãos seja identificada, encerrada e retificada”. E o relatório diz expressamente: “O governo federal nunca mais poderá usar seu poder contra pessoas de fé. […] Os dias de preconceito anticristão no governo federal acabaram.”

O relatório cumpre o primeiro mandato que a força-tarefa recebeu de Donald Trump para dar “uma avaliação inicial dos danos causados ​​quando a liberdade religiosa é negada”, pois, embora o cristianismo “não tenha só inspirado indivíduos e transformado a nação, as contribuições políticas, sociais e humanitárias dos cristãos foram desvalorizadas, as suas crenças marginalizadas e as suas comunidades ilegalmente visadas pelo seu próprio governo”. “Onde deveria haver justiça igual perante a lei, houve tratamento desigual – políticas e práticas que discriminavam pessoas cristãs, locais de culto cristãos e convicções cristãs”, verifica o relatório.

O texto destaca casos de preconceito entre agências federais dos EUA nos anos de Joe Biden na presidência do país. Assim, no Departamento de Justiça dos EUA, o relatório descobriu uma falta de esforço para processar o preconceito anticristão, em vez disso, buscando “novas teorias de acusação” contra indivíduos que demonstram a sua fé. Um exemplo notável envolve a prisão de cerca de 20 cristãos, muitos deles ativistas católicos pró-vida, por protestos em frente a clínicas de aborto. Ao invés, o Departamento de Justiça não aplicou a lei, do mesmo modo, para proteger locais de culto e centros de apoio à gravidez em crise.

O relatório sinaliza o memorando de 2023 do Federal Bureau of Investigations (FBI), polícia federal dos EUA, rotulando católicos “radicais-tradicionalistas” como “ameaças de terrorismo doméstico”, como um exemplo particularmente flagrante de preconceito. E critica o Departamento de Estado, por tentar impor uma “ideologia radical de género LGBTQ” a governos e a funcionários estrangeiros, como o uso obrigatório de pronomes preferenciais e bandeiras do arco-íris, violando as crenças sinceras de muitos funcionários cristãos.

A força-tarefa acusa o Departamento de Estado da era Biden de “ajuda humanitária limitada aos cristãos, em relação a outras populações” e da resposta “silenciosa” do governo aos ataques contra cristãos, em todo o Mundo. E cita o Departamento de Defesa, a Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego e o Departamento do Trabalho, por não priorizarem, por lidarem mal ou por negarem solicitações de isenções religiosas ao mandato de vacinação contra covid-19, afetando funcionários católicos e outros cristãos que buscaram acomodações com base em objeções baseadas na fé.

A força-tarefa diz que o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano discriminou os cristãos, ao tratar as publicações, nas redes sociais, que celebram feriados cristãos, como o Domingo de Ramos, a Sexta-feira Santa e a Páscoa, de forma diferente das que celebram outros feriados religiosos ou de grupos de interesse, como o Mês do Orgulho LGBT, o Ramadão muçulmano e o Diwali hindu, removendo as postagens cristãs e deixando as restantes. Acusa o Departamento do Trabalho de ter fechado o Escritório de Iniciativas Baseadas na Fé e de o substituir pelo Escritório de Diversidade, Equidade e Inclusão. E conclui que “as evidências descobertas são inconfundíveis: no governo Biden, pessoas de fé, especialmente cristãos, foram repetidamente submetidas a preconceitos antirreligiosos nas mãos do seu próprio governo”.

Enfim, o que se passa em países das mais amplas liberdades!

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2025.09.11 – Louro de Carvalho

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