segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Cabos cortados no Mar Vermelho afetaram ligações à Internet

 

No dia 7 de setembro, dois cabos submarinos que ligam a Europa ao Médio Oriente e à Ásia terão sido cortados no Mar Vermelho, afetando as ligações à Internet, nos países abrangidos. Porém, a causa do acidente não está completamente esclarecida.  

A Arábia Saudita não reconheceu a perturbação e as autoridades locais não responderam a um pedido de comentário, por parte da Euronews Next.

Por seu turno, a organização de cibersegurança NetBlocks afirmou, na plataforma de redes sociais Mastodon, que “uma série de falhas nos cabos submarinos no Mar Vermelho degradou a conetividade da Internet em vários países”, incluindo a Índia e o Paquistão.

No Kuwait, as autoridades informaram que foi cortado o cabo FALCON GCX, que atravessa o Mar Vermelho, causando interrupções no pequeno país rico em petróleo, mas a GCX não respondeu a um pedido de comentário.

Nos Emirados Árabes Unidos (EAU), onde se situam o Dubai e o Abu Dhabi, os utilizadores da Internet nas redes estatais Du e Etisalat queixaram-se de velocidades de conexão mais lentas, mas o governo não reconheceu a perturbação.

A Euronews Next contactou as empresas de telecomunicações francesas e italianas para saber se há alguma falha relevante nas suas redes, mas não obteve resposta imediata.

Tem havido preocupações, há mais de um ano, quanto ao facto de os cabos serem alvo de uma campanha no Mar Vermelho, por parte dos rebeldes Houthis do Iémen, que estes descrevem como um esforço para pressionar Israel a pôr fim à guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza. Porém, os Houthis negaram ter atacado as linhas, no passado.

Os cabos submarinos são cabos grossos de fibra ótica que correm ao longo do fundo do oceano, transportando grandes quantidades de dados para ligar a Internet entre países e entre continentes. Por conseguinte, são uma das espinhas dorsais da Internet, a par das ligações por satélite e dos cabos terrestres e em articulação com elas. Normalmente, os fornecedores de serviços de Internet têm vários pontos de acesso e reencaminham o tráfego, em caso de falha de um deles, embora isso possa tornar o acesso dos utilizadores mais lento.

O Comité Internacional de Proteção de Cabos (IPCP) afirma que há cerca de 1,7 milhões de quilómetros de cabos submarinos e que estes sofrem entre 150 e 200 incidentes, por ano. Cerca de 80% destes problemas são causados por atividades humanas acidentais, como a pesca e as âncoras de navios, e os restantes são atribuídos a riscos naturais. No entanto, não se podem excluir ações de sabotagem. E outras causas têm a ver com defeitos dos cabos.

A culpa é de “falhas que afetam os sistemas de cabos [Sudeste Asiático, Médio Oriente, Europa Ocidental] (SMW4) e [Índia-Médio Oriente-Europa Ocidental] (IMEWE) perto de Jeddah, na Arábia Saudita”, de acordo com alguns analistas.

O cabo SMW4 é um cabo submarino de 18800 quilómetros que liga Marselha, na França, e Palermo, na Itália, a vários países da Ásia e do Norte de África, incluindo Singapura, a Malásia, a Tailândia, o Bangladesh, a Índia, o Sri Lanka, o Paquistão, os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita, o Egito, a Tunísia e a Argélia. Está em funcionamento desde 2005 e custou 500 milhões de dólares (426,40 milhões de euros), investidos, conjuntamente, pela empresa francesa Alcatel Submarine Networks (ASN) e pela empresa japonesa de informática Fujitsu.

O cabo IMEWE é um projeto de 480 milhões de dólares (409,35 milhões de euros), com cerca de 12091 quilómetros de comprimento, que liga a França e a Itália à Índia, através do Médio Oriente.

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Em setembro de 2024, alguns peritos analisaram esta parte crítica da infraestrutura mundial da Internet, do ângulo do que poderá acontecer, se for efetuado um ataque em grande escala, aliás na linha do que se suspeitava de eventuais ações de pesquisa inerentes a passagens de navios russos junto à costa portuguesa, junto às nossas ilhas atlânticas e através do Mediterrâneo, o que levava os problemáticos navios da Marinha portuguesa a acompanharem tais ações de pesquisa.

Também as autoridades norte-americanas manifestaram preocupação por estarem a assistir a uma maior atividade russa em torno dos cabos submarinos, o que poderia conduzir a uma potencial sabotagem numa parte crítica da infraestrutura mundial da Internet.

De facto, as autoridades dos Estados Unidos da América (EUA) estavam preocupadas com o facto de os russos poderem levar a cabo a ameaça, em 2023, de Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, o qual declarou, no Telegram, que a Rússia não tem “quaisquer restrições, mesmo morais”, que a impeçam de “destruir as comunicações por cabo, no fundo do oceano dos nossos inimigos”.

O aviso norte-americano surgiu após uma série de alegados ataques de sabotagem a infraestruturas submarinas, como o ataque ao Nord Stream, em 2023, que rompeu dois gasodutos que ligam a Rússia à Alemanha. E, no início de 2024, três cabos submarinos foram danificados no Mar Vermelho, durante os ataques dos Houthis na região.

De acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), os cabos submarinos são responsáveis por cerca de 95% das transferências de dados e de voz, a nível mundial. E Christian Bueger, professor da Universidade de Copenhaga e autor do livro “Understanding Maritime Security”, sustenta que há o risco real de governos ou organismos estrangeiros atacarem a rede de cabos submarinos e de os ataques a estas infraestruturas poderem ser operações de baixo custo, não exigindo, necessariamente, capacidades de topo de gama.

“A grande quantidade de incidentes suspeitos levou a que se pensasse que as novas ameaças de atores estatais devem ser levadas a sério”, afirmou Christian Bueger, considerando que há várias formas de o fazer, como, por exemplo, através de danos físicos, em que um agente estrangeiro poder arrastar, anonimamente, uma âncora pelo fundo do oceano e alegar que se tratava de danos acidentais provocados por barcos de pesca.

Na verdade, os operadores de embarcações podem desligar o seu sistema de identificação automática, para não serem detetados, quando cortam um cabo ou provocam danos, uma atividade designada, não raro, por “zona cinzenta”, de acordo com Jonas Franken, investigador da Universidade Técnica de Darmstadt, na Alemanha.

A Comissão Europeia analisou as vulnerabilidades dos cabos submarinos do bloco num relatório pós-Nord Stream 2022, segundo o qual há outras formas de atacar o sistema, através de “explosivos submarinos” ou de drones, “fáceis de fabricar e baratos na produção”.

“Os ataques às infraestruturas de cabo podem ser operações de baixo custo que não requerem, necessariamente, capacidades de ponta”, vinca o relatório.

Além disso, se ocorrer um ataque, dificilmente se ficará a saber se foi intencional, porque existem “centenas de milhares de quilómetros de cabos de dados”, sem qualquer vigilância subaquática, segundo Christian Bueger. Com efeito, os operadores de cabo podem enviar “pings”, através do cabo, para descobrir onde foi quebrado ou intercetado, mas sem câmaras ou outros tipos de vigilância, é difícil saber o que causa as quebras.

O risco de um apagão da Internet, em qualquer país, depende do número de ligações por cabo, ou de redundâncias, que existam. Assim, quanto maior for o número de cabos, maior será a probabilidade de os serviços de Internet poderem continuar, apesar dos danos. Efetivamente, há países ou regiões da União Europeia (UE) que são mais vulneráveis a interrupções da Internet, se os seus cabos forem danificados. É o caso das ilhas dos Açores ao largo da costa portuguesa.

A avaliação de 2022 da UE também refere a Irlanda, Malta e Chipre como áreas de preocupação, porque têm menos redundâncias do que outros estados-membros.

As ilhas “são, geralmente, mais vulneráveis a interrupções da Internet relacionadas com cabos submarinos, porque não têm acesso a redes de cabos terrestres densas”, afirma o relatório.

Segundo Christian Bueger, um ataque mais coordenado poderia atingir uma “super autoestrada de dados” como o Estreito de Gibraltar, ao largo da costa espanhola. E outra zona de pressão é o Mar Vermelho, onde 16 cabos ligam a Europa à Ásia, de acordo com o relatório da UE. Estes cabos passam pela costa maltesa até um importante ponto de ligação em Marselha, na França, e, em alguns casos, até ao Reino Unido.

Os cabos que ligam as bases militares ou navais também podem ser alvo de ataques, para que os funcionários dos serviços secretos deixem de ter acesso aos sistemas de vigilância que estão a utilizar no oceano, continua o relatório da UE.

Para Jonas Franken e para Christian Bueger, “não é muito provável” que um governo estrangeiro tenha os meios ou o incentivo para criar um ataque em grande escala a vários cabos. Aliás, os grandes ataques coordenados revelariam um “padrão” que as autoridades reconheceriam e travariam antes que outro ataque começasse.

Os passos imediatos para responder a um ataque a um cabo submarino dependem da sua localização, de acordo com Christian Bueger.

Os países têm controlo sobre o que acontece, até 24 milhas náuticas (38 quilómetros) das suas costas, de acordo com o tratado, de 1994, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS). Até às 200 milhas náuticas (321 quilómetros), existe a Zona Económica Exclusiva (ZEE) de um país, onde o país pode explorar, investigar e gerir os recursos naturais. Contudo, o relatório da UE refere que não é claro quais os direitos que os Estados têm na ZEE para fazerem cumprir o direito internacional, pois qualquer oceano que não seja o território direto de um Estado ou uma zona económica é considerado alto mar, onde a regulamentação é ambígua. E a grande maioria dos cabos relevantes para a UE encontra-se em alto mar.

A UNCLOS diz que todos os países signatários devem tornar a destruição de cabos punível por lei e que quaisquer custos associados a um cabo danificado serão assumidos pelo fornecedor de telecomunicações a que pertence. Porém, alguns países da UE estão mais preparados do que outros, quando se trata de enfrentar um ataque de frente. Assim, a França tem uma estratégia abrangente de guerra no fundo do mar que estabelece um plano para mapear os cabos, em todo o país, para desenvolver a vigilância submarina e para aprovar novos regulamentos sobre o que é permitido ou não na ZEE francesa. E a avaliação dos cabos submarinos da UE também aponta a Irlanda e Portugal como Estados da UE que estão a proteger proativamente os seus cabos.

Já os alemães remetem qualquer questão náutica para a polícia nacional e não para a Marinha, o que pode significar que a resposta a um ataque a um cabo será “muito complicada”. Por isso, Christian Bueger entende que “a Alemanha talvez seja um bom caso de um país que não levou esta questão suficientemente a sério e que deveria intensificar os planos de resposta”.

Jonas Franken diz que, após os ataques ao Nord Stream, em 2022, os intervenientes não estão em “modo de alarme”, mas estão “muito interessados” em trabalhar na proteção dos cabos.

A UE aprovou, já em fevereiro de 2024, uma recomendação aos estados-membros, no sentido de protegerem os cabos submarinos de ameaças físicas e de cibersegurança, incluindo através de uma melhor coordenação. E um porta-voz da UE declarou à Euronews Next que “os incidentes de sabotagem e de monitorização hostil ocorridos nos últimos anos tornaram claro que não podemos considerar a resiliência das infraestruturas críticas da UE como um dado adquirido”.

Na recomendação, a UE diz que vai reforçar a sua cooperação com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), apesar de esta estar a tomar iniciativas separadas, como a divisão de infraestruturas submarinas críticas, e que ajudará o comando militar da NATO a decidir onde colocar as forças. E a Comissão Europeia criou um grupo de peritos em cabos submarinos para a aconselharem sobre a forma como se deve aplicar a recomendação. Além disso, diz ter realizado “testes de stresse”, em 2023, com operadores de cabo, para “aumentar a preparação”, para casos de sabotagem.

Um projeto de infraestruturas críticas, adotado pelo Conselho Europeu, em junho de 2024, irá “assegurar uma coordenação rápida” entre os Estados, em caso de ataque transfronteiriço a infraestruturas, como os cabos submarinos. O equilíbrio para os governos individuais e para organismos, como a NATO ou a UE, é descobrir “o que é suficiente”, para que a rede seja adequadamente protegida, como sustenta Christian Bueger, segundo o qual “desenvolver muitos programas é uma coisa muito boa, mas temos de estar atentos para não exagerar”.

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Em novembro de 2024, a Finlândia e a Alemanha investigaram o corte de um cabo submarino de dados que passa entre os dois países, no Mar Báltico. Numa declaração conjunta, afirmaram que os danos surgiram quando “a nossa segurança europeia não está apenas ameaçada pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, mas também pela guerra híbrida de atores maliciosos”.

“O facto de um incidente deste tipo levantar, imediatamente, suspeitas de danos intencionais diz muito sobre a volatilidade dos nossos tempos”, referia, então, um comunicado.

O fornecedor de serviços de dados Cinia, controlado pelo Estado finlandês, disse que o cabo de dados cortado foi o C-Lion1, que percorre cerca de 1200 quilómetros desde Helsínquia até à cidade portuária alemã de Rostock. O C-Lion1, encomendado em 2016, é o único cabo de comunicação de dados da Finlândia que a liga, diretamente, à Europa Central. E a Cinia afirmou que as ligações internacionais de dados e telecomunicações da Finlândia são protegidas por várias linhas redundantes e que os efeitos de falha num único cabo dependeriam do nível de segurança das ligações dos fornecedores de serviços.

Em janeiro deste ano, pelo menos, um cabo de dados (propriedade de uma entidade letã) entre a Suécia e a Letónia foi danificado no Mar Báltico. Na sequência do ocorrido, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, anunciou uma nova missão no Báltico, com novos navios e com aviação especializada, e nova tecnologia de apoio, incluindo “uma pequena frota de drones submarinos”, para proteger as infraestruturas críticas da sabotagem. E a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, solidária com os países atingidos escreveu, na sua publicação no X, que “a resiliência e a segurança das nossas infraestruturas críticas são uma prioridade máxima” e que a Comissão Europeia “está empenhada em melhorar a deteção, a prevenção e a reparação em conjunto com os parceiros mundiais”.

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Há, pois, muitos meios para sobressaltar as populações, para os Estados fazerem guerra e para grupos tenebrosos fazerem terrorismo. Daí a necessidade de vigilância sobre os todos os meios de interesse estratégico e da sua manutenção e otimização.

2025.09.08 – Louro de Carvalho

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