No dia 7 de setembro, dois cabos submarinos que ligam a Europa ao Médio Oriente e à Ásia
terão sido cortados no Mar Vermelho, afetando as ligações à Internet, nos países abrangidos. Porém,
a causa do acidente não está completamente esclarecida.
A Arábia
Saudita não reconheceu a perturbação e as autoridades locais não responderam a
um pedido de comentário, por parte da Euronews
Next.
Por seu turno, a organização
de cibersegurança NetBlocks afirmou,
na plataforma de redes sociais Mastodon, que
“uma série de falhas nos cabos submarinos no Mar Vermelho degradou a
conetividade da Internet em vários
países”, incluindo a Índia e o Paquistão.
No Kuwait,
as autoridades informaram que foi cortado o cabo FALCON GCX, que atravessa o
Mar Vermelho, causando interrupções no pequeno país rico em petróleo, mas a GCX
não respondeu a um pedido de comentário.
Nos Emirados
Árabes Unidos (EAU), onde se situam o Dubai e o Abu Dhabi, os utilizadores da Internet nas redes estatais Du e
Etisalat queixaram-se de velocidades de conexão mais lentas, mas o governo não
reconheceu a perturbação.
A Euronews Next contactou as empresas de
telecomunicações francesas e italianas para saber se há alguma falha relevante
nas suas redes, mas não obteve resposta imediata.
Tem havido
preocupações, há mais de um ano, quanto ao facto de os cabos serem alvo de uma
campanha no Mar Vermelho, por parte dos rebeldes Houthis do Iémen, que estes
descrevem como um esforço para pressionar Israel a pôr fim à guerra contra o
Hamas na Faixa de Gaza. Porém, os Houthis negaram ter atacado as linhas, no
passado.
Os cabos
submarinos são cabos grossos de fibra ótica que correm ao longo do fundo do
oceano, transportando grandes quantidades de dados para ligar a Internet entre países e entre
continentes. Por conseguinte, são uma das espinhas dorsais da Internet, a par das ligações por
satélite e dos cabos terrestres e em articulação com elas. Normalmente, os
fornecedores de serviços de Internet
têm vários pontos de acesso e reencaminham o tráfego, em caso de falha de um
deles, embora isso possa tornar o acesso dos utilizadores mais lento.
O Comité
Internacional de Proteção de Cabos (IPCP) afirma que há cerca de 1,7 milhões de
quilómetros de cabos submarinos e que estes sofrem entre 150 e 200 incidentes,
por ano. Cerca de 80% destes problemas são causados por atividades humanas
acidentais, como a pesca e as âncoras de navios, e os restantes são atribuídos
a riscos naturais. No entanto, não se podem excluir ações de sabotagem. E
outras causas têm a ver com defeitos dos cabos.
A culpa é de
“falhas que afetam os sistemas de cabos [Sudeste Asiático, Médio Oriente,
Europa Ocidental] (SMW4) e [Índia-Médio Oriente-Europa Ocidental] (IMEWE) perto
de Jeddah, na Arábia Saudita”, de acordo com alguns analistas.
O cabo SMW4
é um cabo submarino de 18800 quilómetros que liga Marselha, na França, e
Palermo, na Itália, a vários países da Ásia e do Norte de África, incluindo
Singapura, a Malásia, a Tailândia, o Bangladesh, a Índia, o Sri Lanka, o Paquistão,
os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita, o Egito, a Tunísia e a Argélia. Está
em funcionamento desde 2005 e custou 500 milhões de dólares (426,40 milhões de
euros), investidos, conjuntamente, pela empresa francesa Alcatel Submarine
Networks (ASN) e pela empresa japonesa de informática Fujitsu.
O cabo IMEWE
é um projeto de 480 milhões de dólares (409,35 milhões de euros), com cerca de
12091 quilómetros de comprimento, que liga a França e a Itália à Índia, através
do Médio Oriente.
***
Em
setembro de 2024, alguns peritos analisaram esta parte crítica da infraestrutura mundial da Internet, do ângulo do que poderá
acontecer, se for efetuado um ataque em grande escala, aliás na linha do que se
suspeitava de eventuais ações de pesquisa inerentes a passagens de navios
russos junto à costa portuguesa, junto às nossas ilhas atlânticas e através do
Mediterrâneo, o que levava os problemáticos navios da Marinha portuguesa a
acompanharem tais ações de pesquisa.
Também as
autoridades norte-americanas manifestaram preocupação por estarem a assistir a
uma maior atividade russa em torno dos cabos submarinos, o que poderia conduzir
a uma potencial sabotagem numa parte crítica da infraestrutura mundial da Internet.
De facto, as
autoridades dos Estados Unidos da América (EUA) estavam preocupadas com o facto
de os russos poderem levar a cabo a ameaça, em 2023, de Dmitry Medvedev,
vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, o qual declarou, no Telegram, que a Rússia não tem “quaisquer
restrições, mesmo morais”, que a impeçam de “destruir as comunicações por cabo,
no fundo do oceano dos nossos inimigos”.
O aviso norte-americano
surgiu após uma série de alegados ataques de sabotagem a infraestruturas
submarinas, como o ataque ao Nord Stream, em 2023, que rompeu dois
gasodutos que ligam a Rússia à Alemanha. E, no início de 2024, três cabos
submarinos foram danificados no Mar Vermelho, durante os ataques dos Houthis na
região.
De acordo
com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), os cabos
submarinos são responsáveis por cerca de 95% das transferências de dados e de voz,
a nível mundial. E Christian Bueger, professor da Universidade de Copenhaga e
autor do livro “Understanding Maritime Security”, sustenta que há o risco real
de governos ou organismos estrangeiros atacarem a rede de cabos submarinos e de
os ataques a estas infraestruturas poderem ser operações de baixo custo, não
exigindo, necessariamente, capacidades de topo de gama.
“A grande
quantidade de incidentes suspeitos levou a que se pensasse que as novas ameaças
de atores estatais devem ser levadas a sério”, afirmou Christian Bueger,
considerando que há várias formas de o fazer, como, por exemplo, através de
danos físicos, em que um agente estrangeiro poder arrastar, anonimamente, uma
âncora pelo fundo do oceano e alegar que se tratava de danos acidentais
provocados por barcos de pesca.
Na verdade,
os operadores de embarcações podem desligar o seu sistema de identificação
automática, para não serem detetados, quando cortam um cabo ou provocam danos,
uma atividade designada, não raro, por “zona cinzenta”, de acordo com Jonas
Franken, investigador da Universidade Técnica de Darmstadt, na Alemanha.
A Comissão
Europeia analisou as vulnerabilidades dos cabos submarinos do bloco num
relatório pós-Nord Stream 2022, segundo o
qual há outras formas de atacar o sistema, através de “explosivos submarinos”
ou de drones, “fáceis de fabricar e baratos na produção”.
“Os ataques
às infraestruturas de cabo podem ser operações de baixo custo que não requerem,
necessariamente, capacidades de ponta”, vinca o relatório.
Além disso,
se ocorrer um ataque, dificilmente se ficará a saber se foi intencional, porque
existem “centenas de milhares de quilómetros de cabos de dados”, sem qualquer
vigilância subaquática, segundo Christian Bueger. Com efeito, os operadores de
cabo podem enviar “pings”, através do cabo, para descobrir onde foi quebrado ou
intercetado, mas sem câmaras ou outros tipos de vigilância, é difícil saber o
que causa as quebras.
O risco de
um apagão da Internet, em qualquer
país, depende do número de ligações por cabo, ou de redundâncias, que existam. Assim,
quanto maior for o número de cabos, maior será a probabilidade de os serviços
de Internet poderem continuar, apesar
dos danos. Efetivamente, há países ou regiões da União Europeia (UE) que são
mais vulneráveis a interrupções da Internet,
se os seus cabos forem danificados. É o caso das ilhas dos Açores ao largo da
costa portuguesa.
A avaliação
de 2022 da UE também
refere a Irlanda, Malta e Chipre como áreas de preocupação, porque têm menos
redundâncias do que outros estados-membros.
As ilhas “são,
geralmente, mais vulneráveis a interrupções da Internet relacionadas com cabos submarinos, porque não têm acesso a
redes de cabos terrestres densas”, afirma o relatório.
Segundo Christian
Bueger, um ataque mais coordenado poderia atingir uma “super autoestrada de dados”
como o Estreito de Gibraltar, ao largo da costa espanhola. E outra zona de
pressão é o Mar Vermelho, onde 16 cabos ligam a Europa à Ásia, de acordo com o
relatório da UE. Estes cabos passam pela costa maltesa até um importante ponto
de ligação em Marselha, na França, e, em alguns casos, até ao Reino Unido.
Os cabos que
ligam as bases militares ou navais também podem ser alvo de ataques, para que
os funcionários dos serviços secretos deixem de ter acesso aos sistemas de
vigilância que estão a utilizar no oceano, continua o relatório da UE.
Para Jonas Franken
e para Christian Bueger, “não é muito provável” que um governo estrangeiro
tenha os meios ou o incentivo para criar um ataque em grande escala a vários
cabos. Aliás, os grandes ataques coordenados revelariam um “padrão” que as
autoridades reconheceriam e travariam antes que outro ataque começasse.
Os passos
imediatos para responder a um ataque a um cabo submarino dependem da sua
localização, de acordo com Christian Bueger.
Os países
têm controlo sobre o que acontece, até 24 milhas náuticas (38 quilómetros) das
suas costas, de acordo com o tratado, de 1994, da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS). Até às 200 milhas náuticas (321
quilómetros), existe a Zona Económica Exclusiva (ZEE) de um país, onde o país
pode explorar, investigar e gerir os recursos naturais. Contudo, o relatório da
UE refere que não é claro quais os direitos que os Estados têm na ZEE para
fazerem cumprir o direito internacional, pois qualquer oceano que não seja o
território direto de um Estado ou uma zona económica é considerado alto mar,
onde a regulamentação é ambígua. E a grande maioria dos cabos relevantes para a
UE encontra-se em alto mar.
A UNCLOS diz
que todos os países signatários devem tornar a destruição de cabos punível por
lei e que quaisquer custos associados a um cabo danificado serão assumidos pelo
fornecedor de telecomunicações a que pertence. Porém, alguns países da UE estão
mais preparados do que outros, quando se trata de enfrentar um ataque de frente.
Assim, a França tem uma estratégia abrangente de guerra no fundo do mar que
estabelece um plano para mapear os cabos, em todo o país, para desenvolver
a vigilância submarina e para aprovar novos regulamentos sobre o que é
permitido ou não na ZEE francesa. E a avaliação dos cabos submarinos da UE
também aponta a Irlanda e Portugal como Estados da UE que estão a proteger
proativamente os seus cabos.
Já os
alemães remetem qualquer questão náutica para a polícia nacional e não para a Marinha,
o que pode significar que a resposta a um ataque a um cabo será “muito
complicada”. Por isso, Christian Bueger entende que “a Alemanha talvez seja um
bom caso de um país que não levou esta questão suficientemente a sério e que
deveria intensificar os planos de resposta”.
Jonas Franken
diz que, após os ataques ao Nord Stream, em 2022, os intervenientes não estão
em “modo de alarme”, mas estão “muito interessados” em trabalhar na proteção
dos cabos.
A UE aprovou,
já em fevereiro de 2024, uma recomendação aos estados-membros, no sentido de
protegerem os cabos submarinos de ameaças físicas e de cibersegurança,
incluindo através de uma melhor coordenação. E um porta-voz da UE declarou à Euronews Next que “os incidentes de sabotagem
e de monitorização hostil ocorridos nos últimos anos tornaram claro que não
podemos considerar a resiliência das infraestruturas críticas da UE como um
dado adquirido”.
Na
recomendação, a UE diz que vai reforçar a sua cooperação com a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (NATO), apesar de esta estar a tomar iniciativas
separadas, como a divisão de infraestruturas submarinas críticas, e que ajudará
o comando militar da NATO a decidir onde colocar as forças. E a Comissão Europeia
criou um grupo de peritos em cabos submarinos para a aconselharem sobre a forma
como se deve aplicar a recomendação. Além disso, diz ter realizado “testes de
stresse”, em 2023, com operadores de cabo, para “aumentar a preparação”, para
casos de sabotagem.
Um projeto
de infraestruturas críticas, adotado pelo Conselho Europeu, em junho de 2024,
irá “assegurar uma coordenação rápida” entre os Estados, em caso de ataque
transfronteiriço a infraestruturas, como os cabos submarinos. O equilíbrio para
os governos individuais e para organismos, como a NATO ou a UE, é descobrir “o
que é suficiente”, para que a rede seja adequadamente protegida, como sustenta Christian
Bueger, segundo o qual “desenvolver muitos programas é uma coisa muito boa, mas
temos de estar atentos para não exagerar”.
***
Em novembro de 2024, a Finlândia e a
Alemanha investigaram o corte de um cabo submarino de dados que passa entre os
dois países, no Mar Báltico. Numa declaração conjunta, afirmaram que os danos
surgiram quando “a nossa segurança europeia não está apenas ameaçada pela
guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, mas também pela guerra híbrida
de atores maliciosos”.
“O facto de um incidente deste tipo
levantar, imediatamente, suspeitas de danos intencionais diz muito sobre a
volatilidade dos nossos tempos”, referia, então, um comunicado.
O fornecedor de serviços de dados
Cinia, controlado pelo Estado finlandês, disse que o cabo de dados cortado foi
o C-Lion1, que percorre cerca de 1200 quilómetros desde Helsínquia até à cidade
portuária alemã de Rostock. O C-Lion1, encomendado em 2016, é o único cabo de
comunicação de dados da Finlândia que a liga, diretamente, à Europa Central. E
a Cinia afirmou que as ligações internacionais de dados e telecomunicações da
Finlândia são protegidas por várias linhas redundantes e que os efeitos de
falha num único cabo dependeriam do nível de segurança das ligações dos
fornecedores de serviços.
Em
janeiro deste ano, pelo menos, um cabo de dados (propriedade de uma entidade
letã) entre a Suécia e a Letónia foi danificado no Mar Báltico. Na sequência do
ocorrido, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, anunciou uma nova missão
no Báltico, com novos navios e com aviação especializada, e nova tecnologia
de apoio, incluindo “uma pequena frota de drones submarinos”, para proteger as
infraestruturas críticas da sabotagem. E a presidente da Comissão Europeia,
Ursula von der Leyen, solidária com os países atingidos escreveu, na sua
publicação no X, que “a resiliência e a segurança das nossas infraestruturas críticas são
uma prioridade máxima” e que a Comissão
Europeia “está empenhada em melhorar a deteção, a prevenção e a reparação em
conjunto com os parceiros mundiais”.
***
Há,
pois, muitos meios para sobressaltar as populações, para os Estados fazerem
guerra e para grupos tenebrosos fazerem terrorismo. Daí a necessidade de vigilância
sobre os todos os meios de interesse estratégico e da sua manutenção e
otimização.
2025.09.08 – Louro de Carvalho
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