A Televisão Central da China informou que o
presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, estiveram
reunidos, em Pequim, para “troca de pontos de vista aprofundada sobre questões
internacionais e regionais de interesse comum”, e acordaram em reforçar a
cooperação.
De acordo com informações oficiais, as
duas partes assinaram mais de 20 documentos bilaterais sobre cooperação, nos
domínios da energia, do aeroespacial, da inteligência artificial, da agricultura,
da inspeção e quarentena, da saúde, da investigação científica, da educação e dos
meios de comunicação social.
Segundo Xi Jinping, os dois países “atribuem
grande importância à igualdade soberana, à ordem jurídica internacional e ao
multilateralismo”, pelo que devem “continuar a reforçar a cooperação, no âmbito
das plataformas multilaterais”, mas continuarão a “conduzir a cooperação,
através de grandes projetos, e a promover uma integração mais profunda dos
interesses” bilaterais.
A este respeito, Moscovo afirmou que
o gasoduto
Power of Siberia -2 é um “grandes projetos” a que o presidente chinês aludiu.
No âmbito das conversações, a Gazprom
e a China National Petroleum Corporation (CNPC) assinaram um memorando sobre a
construção do gasoduto Power of Siberia-2 e do gasoduto de trânsito Soyuz
Vostok, através da Mongólia.
Os meios de comunicação social estatais russos
publicaram declarações de Alexander Miller, presidente do conselho de
administração da empresa russa Gazprom, a afirmar que o gás para a China seria
mais barato do que para os consumidores na Europa e que o acordo terá uma
duração de 30 anos.
Na ótica de Alexander Miller, “deve
ser entendido que os projetos de construção do gasoduto Power of Siberia-2 e do
gasoduto Soyuz Vostok” são ambos de particular de relevância, mas “o gasoduto
de trânsito através da Mongólia e as correspondentes capacidades de transporte
de gás na China serão, agora, o maior e o mais intensivo projeto de capital na
indústria do gás no Mundo”. Neste sentido, serão, agora, “discutidas e
esclarecidas” todas “as questões relacionadas com o financiamento da construção
do gasoduto, bem como as condições comerciais de fornecimento”.
A Rússia e a China também concordaram
em aumentar o fornecimento de gás, através das rotas existentes. Neste âmbito,
o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Guo Jiakun, afirmou
que será introduzido um regime de isenção de vistos para os cidadãos russos, a
partir de 15 de setembro: “De 15 de setembro de 2025 a 14 de setembro de 2026,
haverá uma política experimental de isenção de vistos para os cidadãos russos”,
precisou.
A China absteve-se de condenar a
agressão militar russa na Ucrânia, com Kiev e os seus aliados a acusarem Pequim
de apoiar a produção militar russa e de exportar tecnologia de dupla
utilização.
É de assinalar que enquanto a União Europeia (UE) está
a discutir a imposição de sanções secundárias contra os países cujas relações
com o Kremlin estão a financiar a guerra, a declaração conjunta de Mosco e
Pequim não faz qualquer referência à guerra da Rússia na Ucrânia. Por isso,
desiluda-se quem tenha estado à espera de que o encontro entre os dois estadistas
iria suavizar, pela diplomacia, a relação entre Vladimir Putin e Volodymyr
Zelensky.
Dificilmente se acredita que o
Kremlin deseje a paz, a não ser com pesadas desvantagens para a martirizada Ucrânia.
***
O acordo
em referência foi celebrado à margem da cimeira de segurança regional extraordinária
que motivou a viagem do presidente russo à China, mais propriamente, à cidade portuária
de Tianjin, no Norte da China, a 31 de agosto, num momento crucial das
conversações sobre a guerra da Rússia na Ucrânia, mas demonstrando uma forte
demonstração de unidade entre os líderes do Sul Global.
“Sul Global” é uma expressão geopolítica que abrange países em desenvolvimento e nações que compartilham um histórico de colonialismo, de neocolonialismo e de desigualdades, procurando maior autonomia e um Mundo multipolar. Não é uma localização geográfica exata, mas uma identidade e perspetiva política e económica compartilhada, contraposta ao “Norte Global” (países desenvolvidos e ocidentais). Exemplos de grupos que representam o Sul Global incluem o BRICS e o G77+China.
A
referida cimeira é a assembleia geral da Organização
para Cooperação de Xangai (OCX), uma organização eurasiática de natureza política, económica
e de segurança, fundada, em 2001, pela China, pelo Cazaquistão, pelo Quirguistão,
pela Rússia, pela Bielorrússia, pelo
Cazaquistão, pelo Tajiquistão e pelo Uzbequistão.
Posteriormente, expandiu-se com a adesão da Índia e do Paquistão, em 2017, do Irão,
em 2023, e da Bielorrússia em 2024. É a maior organização regional do Mundo, em
termos de área geográfica e população.
O Afeganistão e a Mongólia são
Estados observadores e 14 outros países, na sua maioria do Sudeste Asiático e
do Médio Oriente, são “parceiros de diálogo”.
Esta organização estabeleceu relações com Organização das Nações
Unidas (ONU), onde tem o estatuto de observador na Assembleia Geral, com a União
Europeia (UE), com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), com
a Comunidades dos Estados Independentes (CEI) e com a Organização para
a Cooperação Islâmica (OCI).
A OCX tem as suas raízes na Shangai Five, um
grupo formado, em 1996, entre a China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia e
Tajiquistão para gerir fronteiras e resolver disputas territoriais. Em 2001,
estes países, juntamente com o Uzbequistão, encontraram-se, em Xangai, para
anunciar a criação de nova organização com uma cooperação política e económica
mais profunda.
Atualmente, funciona
como um espaço para a cooperação em diversas áreas, como a segurança, através
do combate ao terrorismo, ao separatismo e ao extremismo, com a criação
da Estrutura Antiterrorista Regional (RATS); a economia, promovendo a cooperação
económica e o desenvolvimento entre os estados-membros; e o fomento do diálogo
e da construção de entendimentos, para evitar tensões regionais.
O país anfitrião da cimeira anual é
rotativo todos os anos.
De
acordo com os meios de comunicação social estatais chineses e russos, o presidente
da Rússia, “chegou à China, no domingo [31 de agosto], com um tapete vermelho
estendido, para uma cimeira regional extraordinária”.
Estava previsto – e aconteceu – que o
presidente russo, Vladimir Putin, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e
o presidente iraniano, Masoud
Pezeshkian, se reuniriam durante a cimeira, o que, segundo os analistas,
representa um desafio às abordagens unilaterais e impositivas e, frequentemente,
incoerentes dos Estados Unidos da América (EUA), em relação ao comércio e aos
conflitos regionais.
Entre as questões relevantes, está o
alinhamento das posições de Moscovo e de Pequim sobre a guerra na Ucrânia, num
contexto de esforços persistentes, ainda que atrabiliários, dos EUA para pôr
fim aos combates.
Apesar de a China afirmar que é um
mediador neutro no conflito, as duas nações tornaram-se mais próximas, desde o
início da invasão em 2022. E, no início do mês de agosto, o presidente
ucraniano rejeitou a possibilidade de a China atuar como garantia de segurança,
no caso de um futuro acordo de paz Rússia-Ucrânia para acabar com a invasão de
Moscovo.
Antes da sua partida para Tianjin, Vladimir
Putin elogiou, a 30 de agosto, as relações entre Moscovo e Pequim, enfatizando
que atingiram um “nível elevado sem precedentes”, com especial realce nos aspetos
estratégicos e económicos da parceria.
Vladimir Putin deverá permanecer na
China, o mais importante país aliado da Rússia, durante quatro dias, numa
visita invulgarmente longa para o líder russo.
De acordo com os meios de comunicação
social chineses, a cimeira da OCX, de dois dias, que Pequim designa como a “maior
de sempre”, será utilizada para “traçar o plano para a próxima década de
desenvolvimento do bloco” euroasiático. Com efeito, poderá esclarecer melhor as
questões relacionadas com as atividades e com as intenções do grupo.
A cimeira anual, que é, neste ano, organizada
pela China, realizou-se poucos dias antes de uma grande parada militar, em
Pequim, para assinalar o 80.º aniversário da rendição do Japão, no final da
Segunda Guerra Mundial.
Esta parada militar contou com a
presença de Vladimir Putin, de quem Xi Jinping é o maior aliado, e com a rara presença
de Kim Jong-un, presidente da Coreia do Norte.
O único líder da UE que esteve
presente foi o primeiro-ministro eslovaco Robert Fico, ao qual se juntou
Aleksandar Vučić, presidente da Sérvia, um dos países candidatos à adesão ao
bloco.
***
O
presidente chinês recebeu os líderes de cerca de 20 países na cimeira de
segurança da Organização de Cooperação de Xangai. Apesar de tal não constar na
declaração conjunta de Moscovo e de Pequim, sobre a cooperação bilateral entre
os dois países e, em concreto, sobre a construção dos gasodutos transiberianos
e transmongólicos, a relação entre Pequim e Moscovo tinha de ser o tema central
da cimeira desta cimeira extraordinária da OCX.
Numa altura em que os ataques russos
continuam a chover sobre a Ucrânia e em que aumentam os apelos europeus a novas
sanções contra o Kremlin, o presidente russo, Vladimir Putin, participou no
evento, a par do anfitrião, Xi Jinping.
A reunião incluiu, como é óbvio, representantes dos 10
países europeus e asiáticos membros da OCX, um organismo que se apresenta como
uma alternativa à ordem mundial liderada pelos EUA.
A cimeira surgiu num momento difícil para alguns
destes países, com o presidente dos EUA, Donald Trump, a impor, recentemente,
tarifas de 50% à Índia, em grande parte, devido à decisão de Nova Deli de
continuar a comprar petróleo russo.
E, além das tensões comerciais
mundiais causadas pela política externa da administração da Casa Branca, há
também preocupações sobre a potencial escalada da guerra no Leste da Europa,
mais de três anos após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Após o recente bombardeamento russo
no centro de Kiev, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês,
Guo Jiakun, sublinhou a importância do diálogo. “O diálogo e a negociação são a
única solução viável para a crise ucraniana. Apelamos a todas as partes
envolvidas para que respeitem o campo de batalha e não o transponham”, afirmou,
em Pequim, a 29 de agosto.
Não obstante, afirmando que a guerra da
Rússia na Ucrânia tem de terminar por meios diplomáticos, a China continua a
conceder a Moscovo um apoio económico e político vital.
De acordo com a UE, a China é o maior fornecedor de
bens de dupla utilização e de artigos sensíveis que sustentam a base industrial
militar da Rússia e que se encontram no campo de batalha. “Sem o apoio da China
a Moscovo, a Rússia não poderia continuar a sua guerra de agressão contra a
Ucrânia com a mesma força”, afirmou o Serviço Diplomático Europeu (SEAE).
Hosuk Lee-Makiyama, diretor do Centro
Europeu para a Economia Política Internacional (ECIPE), disse à Euronews que a mensagem de Pequim sobre
a guerra foi muito direta.
“A China tem sido muito clara, tanto a nível oficial
como não oficial, quando diz que quer ver o conflito terminar, mas também não
quer ver a Rússia isolada. E, se falarmos com os Ucranianos, eles dir-nos-ão
que não têm preocupações com a China”.
Outro aspeto fundamental da cimeira é
o restabelecimento das relações entre a China e a Índia, na sequência das
tarifas impostas por Washington a Nova Deli. E Hosuk Lee-Makiyama afirmou que,
embora “a resolução da guerra não seja uma prioridade tão elevada para os
chineses e [para] os indianos como é para os europeus”, uma perigosa escalada
militar na Europa de Leste poderia, aos olhos de Deli e de Pequim, agravar as
tensões comerciais globais.
***
Quem teve lugar de destaque, na
cimeira a OCX, foi António Guterres, secretário-geral da ONU, que foi recebido,
pelo líder do país anfitrião, na cidade portuária de Tianjin, palco da cimeira,
e que fez uma crítica velada aos EUA, no meio dos desafios que a ONU enfrenta.
“O papel da China na defesa do
multilateralismo é fundamental”, afirmou o secretário-geral das Nações Unidas,
António Guterres, ao Presidente chinês, Xi Jinping, à margem da importante
cimeira sobre segurança, a 30 de agosto.
O chefe da ONU descreveu o estado do
multilateralismo como estando sob fogo. “Assistimos a novas formas de política
que, por vezes, são difíceis de compreender, que, por vezes, parecem mais um
espetáculo do que esforços diplomáticos sérios, e em que os negócios e a
política parecem por vezes também misturados”, afirmou António Guterres.
Em resposta, Xi Jinping afirmou que a China será
sempre um “parceiro fiável” da ONU. “A China está disposta a aprofundar a
cooperação com as Nações Unidas, a apoiar o seu papel central nos assuntos
internacionais e a assumir conjuntamente as suas responsabilidades na
manutenção da paz mundial e na promoção do desenvolvimento e da prosperidade”,
afirmou o líder chinês.
Porque a cimeira da OCX se realiza
num contexto de alteração da ordem geopolítica, pela primeira vez desde 2018, o
primeiro-ministro indiano esteve na China, para participar na cimeira e no
âmbito de uma aproximação a Pequim que começou no final de 2024, mas que foi
acelerada pelas tarifas de 50% aplicadas por Donald Trump, aos produtos
indianos. Nova Deli procura, agora, estabelecer laços mais estreitos com Pequim
e com outros atores da Eurásia.
***
O dito Ocidente e a UE não conseguem
isolar a Rússia, nem enfraquecer-lhe a economia. A Rússia tem muitos aliados declarados,
sabe explorar a diversidade de contactos, mobilizou mecanismos de controlo, tem
simpatias, criou dependências e ainda não se desfez o mito de que o gigante transcontinental
é perigoso para o Mundo. Tem-se, ao invés, esquecido que os EUA são altamente
perigosos, no policiamento do Mundo, na criação de dependências e na substituição
de governos.
Por isso, há que reforçar a soberania
interna dos diversos países, fazer funcionar a diplomacia e robustecer as
alianças entre os diversos blocos de países.
2025.09.02 – Louro de Carvalho
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