segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Não pode o dinheiro a comandar a nossa vida, mas os valores de Deus

 

A liturgia do 25.º domingo do Tempo Comum no Ano C leva-nos a questionar-nos sobre que valores escolhemos para basearem o nosso plano de vida e sobre que escolhas temos de fazer para que a nossa vida não seja desperdiçada. E, desde logo, sugere que escolhamos os valores duradouros e eternos, os valores do Reino, os valores de Deus.

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A primeira leitura (Am 8,4-7) apresenta-nos a palavra de Amós, o profeta da justiça social, que se dirige aos comerciantes sem escrúpulos, apostados em “espezinhar os pobres” e em “eliminar os humildes da Terra”, avisando: “Deus não esquecerá nenhuma das vossas obras.” A injustiça, a exploração dos pobres, a humilhação dos mais fracos, a subversão da verdade, a escravização dos irmãos, são a subversão completa do desígnio de Deus para o Mundo dos homens. Os prevaricadores terão de prestar contas a Deus por essas opções.
O profeta dirige-se aos que “espezinham o pobre” e querem “eliminar os humildes da terra”. O contexto dá a entender que Amós se refere a comerciantes sem escrúpulos, dominados pela ganância, que praticam toda a sorte de injustiças e ilegalidades e função do lucro.
O profeta começa por referir-se à hipocrisia religiosa dessa gente: no sábado e noutras festas (por exemplo, na “lua nova”, de todos os meses), interrompem os negócios, como a Lei ordena, mas aguardam, com enorme impaciência, o final do dia festivo, para abrirem, novamente, os seus negócios e para retomarem as suas especulações imorais. Depois, sem quaisquer rodeios, Amós denuncia o procedimento desses comerciantes: roubam os clientes, usando balanças, medidas e pesos falseados; vendem os pobres como escravos, muitas vezes, por causa de mesquinhas dívidas; pagam aos trabalhadores salários miseráveis; aldrabam a qualidade dos produtos, misturando as cascas com o trigo. É um quadro, duro, mas realista, de uma sociedade doente, que se está a destruir com a obsessão do dinheiro e do lucro.
O profeta da justiça anuncia que Deus não está disposto a esquecer que vê tudo o que está a acontecer, lesando os mais pobres e frágeis da sociedade. Com efeito, a injustiça e a exploração do pobre constituem grosseira violação dos compromissos de Israel, no âmbito da Aliança. Deus não permite que a ambição de alguns condene muitos todos os outros filhos à vida de sofrimento e de miséria. Crime contra os pobres é crime contra Deus. Por isso, Deus intervirá para acabar com a impunidade dos que fomentam a exploração e a injustiça. A fórmula solene de juramento (“o Senhor jurou pela glória de Jacob”) exprime o caráter irrevogável da decisão divina.

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No Evangelho (Lc 16,1-13), Jesus conta a parábola do administrador astuto, que percebeu quais os valores a adotar. Chegado a uma encruzilhada da vida, prescindiu do lucro precário, para garantir recompensa consistente. Jesus avisa os discípulos para fazerem o mesmo, pois a aposta nos bens materiais não será, segundo Jesus, aposta que dê pleno sentido à vida do homem.
Enquanto caminha com os discípulos rumo a Jerusalém, Jesus prepara-os para serem testemunhas do Reino de Deus. Sob a orientação de Jesus, os discípulos vão-se despindo, progressivamente, da lógica egoísta, dos valores fúteis, dos sonhos de grandeza. À medida que caminham com Jesus, vão aprendendo a abraçar a lógica e os valores do Reino de Deus.
Lucas não indica em que momento do caminho para Jerusalém ocorreu esta conversa, pois, mais do que situar geograficamente os acontecimentos, está interessado em sentar-nos aos pés de Jesus a escutar a sua instrução que, desta vez, incide sobre o modo de lidar com os bens materiais.
O trecho em apreço consta de duas partes. Na primeira (vv. 1-9), temos a parábola do administrador sagaz, que administra, de forma peculiar, os bens de um homem rico; na segunda (vv. 10-13), temos um conjunto de ditos de Jesus sobre os bens materiais. É provável que esses ditos tenham aparecido em contextos diversos, não vinculados a esta parábola. Contudo, Lucas achou que poderiam ser um bom comentário à temática abordada na parábola e enquadrou-os nela. Tanto a parábola como estes ditos sobre a riqueza são exclusivos de Lucas.
No centro da parábola estão um proprietário rico e o homem que ele encarregou de administrar os seus numerosos bens (o “oikónomos”). A figura do administrador era, à época, frequente. Em geral, era um servo ligado à família, um “filho da casa” (“ben bayit”) a quem o chefe de família confiava a gestão dos bens. Tinha autoridade para fechar negócios em nome do seu senhor.
Contudo, o administrador da parábola foi acusado de gerir mal os bens do seu amo. Não se diz se a acusação era verdadeira ou infundada, mas apenas que o proprietário informou o administrador dos rumores que corriam e solicitou a entrega dos livros de gestão que ele tinha na sua posse. O administrador não se preocupou em defender-se, pois entendeu que não havia solução e que o seu trabalho naquela casa tinha terminado.
Sem meios próprios de subsistência, só viu duas possibilidades: trabalhar como jornaleiro para um qualquer dono de terras, ou dedicar-se à mendicidade. Porém, sendo um homem instruído, não habituado ao trabalho manual, não subsistiria, cavando a terra de sol a sol; e, sendo um homem habituado a um certo estilo de vida, não se sentiria bem a mendigar.
Não obstante, logo encontrou uma solução que lhe evitaria tornar-se um “sem abrigo”. Antes de entregar ao proprietário os registos dos seus atos de gestão, chamou os devedores e reduziu-lhes os montantes em dívida. A um que devia “cem bátos” de azeite (uns 3300 litros), reduziu-lhe o débito para “cinquenta bátos” (1650 litros); a outro que devia “cem koros” de trigo (40 mil quilos), reduziu-lhe o débito para “oitenta baths” (32 mil quilos). Procurava assegurar, assim, a amizade dos parceiros de negócios, a fim de que eles, mais tarde, por gratidão, o acolhessem nas suas casas ou lhe oferecessem um trabalho convenientemente remunerado. Num remate invulgar, o rico proprietário “elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza”
A parábola deixa no ar algumas interrogações: “Como justificar o procedimento deste administrador, que assegura o seu futuro à custa dos bens do seu senhor? Porque é que o senhor, prejudicado nos seus interesses, não tem uma palavra de reprovação ao inteirar-se do prejuízo recebido? Como pode Jesus dar como exemplo aos discípulos a duvidosa “engenharia financeira” do administrador?
Vários comentadores explicam o contexto e o enquadramento da parábola a partir das leis e costumes na Palestina ao tempo de Jesus. O administrador de uma propriedade atuava em nome e em lugar do seu senhor, mas não recebia deste remuneração pelo trabalho feito. O pagamento desse trabalho ficava a cargo dos devedores. O administrador fornecia um determinado número de bens e, na altura de saldar as contas, o devedor deveria entregar uma quantidade bastante superior à que devia ao patrão. A diferença era a comissão do administrador. Segundo esta interpretação, o que o administrador da parábola fez foi renunciar à comissão que lhe era devida, a fim de assegurar a gratidão dos parceiros. Renunciou a um lucro imediato, para ganhar créditos para o futuro. Cônscio de que os bens materiais têm um valor relativo, trocou-os por outros valores mais duradouros: a amizade, a gratidão, o reconhecimento. O administrador da parábola, independentemente da sua inocência ou culpabilidade nos atos de gestão, revelou decisão, inteligência, perspicácia, capacidade de ler os acontecimentos e de tomar as decisões adequadas para salvaguardar o que era um bem maior.
Jesus concluiu a narrativa convidando os discípulos a serem tão hábeis como este administrador: usar os bens deste Mundo, não como um fim, mas para conseguir algo mais importante e mais duradouro. Na lógica de Jesus, este bem maior é o Reino de Deus. Noutra ocasião, Jesus falou do Reino de Deus como o tesouro escondido num campo pelo qual valia a pena vender tudo, ou como a pérola de grande valor, pela qual valia a pena prescindir de tudo o resto (cf Mt 13,44-46). Os discípulos de Jesus devem ser espertos e capazes de deixar tudo para apostar no Reino de Deus. É essa a opção que lhes garante vida verdadeira e definitiva.
Na segunda parte, Lucas apresenta “sentenças” de Jesus sobre o uso dos bens materiais. Os bens que Deus põe à nossa disposição não são para nosso uso exclusivo. Somos, apenas, administradores dos dons que Deus os coloca nas nossas mãos, mas que pertencem a todos os outros filhos de Deus. Se formos bons administradores desses dons, Deus confiar-nos-á valores mais importantes; e, se partilharmos esses dons com os nossos irmãos necessitados, seremos dignos de integrar a comunidade do Reino de Deus.
A instrução termina com um aviso sobre a incompatibilidade entre o mundo do dinheiro e o mundo de Deus. A obsessão pelo dinheiro é uma escravidão. Leva-nos a esquecer Deus e a viver indiferentes à sorte dos irmãos. A febre do “ter” afunda-nos num Mundo de egoísmo, de interesses mesquinhos, de exploração das pessoas, de ambição desmedida. Ao invés, o Mundo de Deus assenta na lógica de solidariedade, de fraternidade, de partilha, de comunhão, de amor incondicional. São dois Mundos inconciliáveis. Temos de escolher um dos lados; temos de perceber em qual destes mundos está a vida verdadeira.
O desafio de Amós e o desafio de Jesus são extensivos aos discípulos de todos os tempos e de todos os lugares. O lucro só é legítimo, se for para acautelar o futuro pessoal, familiar e de empresa e para haver mais para socorrer mais, sobretudo, os mais carenciados.

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Na segunda leitura (1Tm 2,1-8), o autor da primeira Carta a Timóteo insta os crentes a sentirem-se irmãos de todos, sem exceção. Temos por Pai o mesmo Deus, todos fomos redimidos pelo mesmo Cristo Jesus. Todos fazemos parte de uma única família; as dores e esperanças dos irmãos dizem-nos respeito; somos chamados à fraternidade e à comunhão. Por isso, a solidariedade de uns com os outros deve transparecer no diálogo com Deus, na oração.
Quando a comunidade cristã se reúne para rezar, deve pedir a Deus por todas as pessoas, mas, em especial, pelos que estão investidos em autoridade: deles depende o bem-estar social e a paz, condições necessárias para que os cristãos possam viver com tranquilidade, na fidelidade à fé. Não importa se as autoridades são pagãs: o que importa é que Deus inspire os que exercem o serviço da autoridade, para que toda a comunidade seja beneficiária da ação deles.
Aliás, a oração dos cristãos deve ser universal, pois é universal a salvação que Deus oferece. Todos – judeus e gregos, escravos e livres, homens e mulheres, maus e bons – são convidados por Deus a integrar a comunidade da salvação, por duas razões: a unicidade de Deus, criador de todos, e a mediação universal de Cristo, concretizada em favor de todos, sem exceção.
A propósito, o autor da carta insere uma fórmula que parece reproduzir uma confissão de fé, em uso na comunidade primitiva: há um só Deus, e um só mediador (Cristo) que Se entregou a Si mesmo à morte, a fim de obter a salvação para todos.
Dando-Se em redenção por todos, Cristo testemunhou o amor de Deus por todos os seus filhos. E Paulo, sente-se escolhido por Deus para levar a todos os homens esse testemunho que Jesus deu.
O texto termina com o apelo a que a oração universal se faça em todo o lugar onde o Evangelho é anunciado, “erguendo para o Céu as mãos santas, sem ira nem contenda”. Esta última indicação alude à condição necessária, segundo Jesus, para rezar: estar em paz com todos, estar verdadeiramente reconciliado com os irmãos (“se fores apresentar uma oferta sobre o altar e te recordares de que o teu irmão tem algo contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai, primeiro, reconciliar-te com o teu irmão; depois volta, para apresentar a tua oferta” – Mt 5,23-24).

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Em resposta à Palavra de Deus é de reagir cantando Palavra de Deus:

 

“Louvai o Senhor, que levanta os fracos.”

 

“Louvai, servos do Senhor, / louvai o nome do Senhor. / Bendito seja o nome do Senhor, / agora e para sempre.

“O Senhor domina sobre todos os povos, / a sua glória está acima dos céus. / Quem se compara ao Senhor nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas / e Se inclina lá do alto a olhar o Céu e a Terra.

“Levanta do pó o indigente / e tira o pobre da miséria, / para o fazer sentar com os grandes, /
com os grandes do seu povo.”

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“Aleluia. Aleluia. Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre, / para nos enriquecer na sua pobreza.”

2025.09.21 – Louro de Carvalho

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