sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, condenado a prisão efetiva

 

Jair Isaías Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, enfrenta um julgamento histórico, por alegada tentativa de golpe de Estado, no assalto às sedes dos Três Poderes, aquando da tomada de posse de Lula da Silva. É o escrutínio público de um processo polémico e mediático, mas a decisão condenatória é de cinco pessoas específicas da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Federal (STF): Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia.
O conhecido e polémico juiz, Alexandre de Moraes é relator de um dos casos mais mediáticos da sua carreira, enquanto magistrado, que já lhe valeu sanções políticas e económicas vindas dos Estados Unidos da América (EUA) uma crise diplomática a envolver taxas aduaneiras no Brasil.
Além de Bolsonaro são arguidos e foram acusados, no processo: Walter Braga Netto: general na reserva, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro e candidato a vice-presidente na lista do ex-presidente; Mauro Cid, tenente-coronel, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator; Almir Garnier, almirante e ex-comandante da Marinha; Alexandre Ramagem, ex-diretor da ABIN (serviços de informação) e deputado federal; Augusto Heleno, general e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-ministro da Defesa; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
Os crimes pelos quais houve maioria pela condenação de Bolsonaro e de mais sete réus são: golpe de Estado; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; organização criminosa; dano qualificado contra património da União; e deterioração de património tombado.
Alexandre Ramagem é o único que os ministros (juízes) excluem de dois crimes: dano qualificado contra o património da União e deterioração do património tombado.
O ex-presidente de 70 anos está em prisão domiciliária. Os advogados prometeram recorrer de qualquer decisão de condenação para o painel na íntegra do STF, que conta com onze membros.
O julgamento – acompanhado por uma sociedade dividida, com pessoas a apoiar o processo contra o ex-presidente, enquanto outras saíram à rua a manifestarem-lhe apoio – ganhou nova atenção, após Donald Trump ter relacionado a imposição da tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros importados com a situação jurídica do seu aliado, considerando o julgamento uma “caça às bruxas”. E os observadores dizem que os Estados Unidos da América (EUA) podem anunciar novas sanções contra o Brasil, após o julgamento, enfraquecendo ainda mais as frágeis relações diplomáticas bilaterais. Com efeito, apesar dos seus problemas legais, Bolsonaro continua a ser um poderoso protagonista político no Brasil.
O político de extrema-direita já tinha sido proibido de concorrer a cargos públicos, até 2030, em virtude de um outro caso judicial. Espera-se que escolha um sucessor que desafie o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, nas eleições do próximo ano. Por isso, agora, a decisão condenatória pode levar os parlamentares aliados de Bolsonaro a procurarem uma amnistia para o antigo presidente no Congresso e ex-presidente da República.

***

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou pela condenação dos oito arguidos, no que foi acompanhado por Flávio Dino, o segundo o juiz a votar.
Alexandre de Moraes utilizou cinco horas para justificar a sua decisão. Para o ministro do STF, ficou provado que Jair Bolsonaro liderou a organização criminosa, com a finalidade de realizar um golpe de Estado. “A organização criminosa narrada na denúncia, realmente, iniciou a prática das condutas criminosas, com atos executórios concretos e narrados, em meados de 2021, e permaneceu atuante, até janeiro de 2023, tendo sido composta por integrantes do governo federal à época e por militares das Forças Armadas”, disse o relator do processo.
Moraes votou para condenar Bolsonaro e outros sete arguidos por tentativa de golpe Estado, afirmando que o ex-presidente do Brasil “teve o claro objetivo de impedir e de restringir o pleno exercício dos poderes constituídos, em especial, o poder judiciário, bem como tentar impedir a posse do governo democraticamente eleito”. E refutou a alegação de Bolsonaro de que, quando discutiu as “possibilidades” de permanecer no poder, o fez dentro dos limites da lei. “Chame o que quiser: isso foi um projeto de decreto para um golpe de Estado”, afirmou o juiz, frisando: “Uma série de atos executivos foram realizados com o objetivo de quebrar o Estado de Direito democrático e [de] perpetuar o poder por meio de um golpe de Estado.”
Ao voto de Alexandre de Moraes seguiu-se o do juiz Flávio Dino, que acompanhou o relator no voto de condenação. “Em relação aos réus Jair Bolsonaro e Braga Netto, não há dúvida de que a culpabilidade é bastante alta e, portanto, a dosimetria [cálculo do tamanho e da extensão das penas] deve ser congruente com o papel dominante que eles exerciam”, afirmou, sustentando que as penas dos arguidos Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira devem ser menores, devido ao seu papel de menor relevância no crime.
O voto de Luiz Fux foi o primeiro (e único) em sentido contrário. Nesse sentido, pediu a “anulação do processo, por incompetência absoluta” do STF para julgar o caso, pelo facto de os denunciados terem perdido os seus cargos e por não ter dado como provados crimes de organização criminosa e de dano qualificado, pelo que votou contra a condenação de Bolsonaro, que já não é presidente e é julgado como se o fosse. E, se o entendimento fosse que o julgamento poderia ser feito no STF, deveria ser realizado no plenário e não só no coletivo com cinco juízes.
Além da alegada “incompetência absoluta” do tribunal, o juiz salientou a dimensão do processo. “O eminente relator trouxe-nos um trabalho de grande densidade, algo que ninguém conhecia antes. Confesso que, para mim, elaborar este voto foi de extrema dificuldade, e explico porquê: não se trata de um processo simples, não apenas pelo número de denunciados e de crimes imputados, mas também pela quantidade de material probatório reunido”, observou.
O juiz, tendo feito uma análise detalhada de todos os crimes de que Jair Bolsonaro e os restantes arguidos são acusados, descartou a imputação do crime de organização criminosa, por esta exigir “mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos, a pluralidade de agentes”, já que “a existência de um plano delitivo não tipifica o crime de organização criminosa”. Além disso, a acusação fala de uma organização criminosa armada, o que não ficou provado, já que a denúncia deveria narrar e comprovar o “efetivo emprego de arma de fogo por algum membro do grupo, durante as atividades da organização criminosa”.
Sobre as acusações de dano qualificado e de dano ao património, Luiz Fux indicou que não podem ser aplicadas, já que “o desconhecimento sobre o que cada réu danificou, ainda que indiretamente, inviabiliza a aferição das causas de qualificação do crime”. Por outro lado, o juiz considera não existir prova da intenção de impedir os crimes de vandalismo, havendo, ao invés, “evidências de que, assim que a destruição começou, tomaram medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos”. Porém, votou pela condenação de Mauro Cid e de Braga Netto, pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Depois de Luiz Fux, seguiram-se Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

***

Por seu turno, Cármen Lúcia sublinhou a liderança de Jair Messias Bolsonaro, visível nas minutas e nos documentos apresentados pelo Ministério Público (MP) e considera que ficou provada a sua ligação ao plano de matar Alexandre de Moraes e Lula da Silva. “Dei por comprovado pela PGR [Procuradoria-Geral da República] que Jair Messias Bolsonaro que são imputados a ele, na condição de líder da organização criminosa”, declarou, vincando. “O que se alega para tentar desfazer o que foi acusado é que não há formalmente assinatura. Passar um recibo no cartório não é bem o que acontece nestes casos. Ele é o causador, o líder de uma organização.”
Depois, Cármen Lúcia abordou, de forma breve, a participação de cada um dos réus na “trama golpista”, considerando que ficou provada, na acusação da PGR, a sua “participação efetiva” e não como “mero espectador”.
Cármen Lúcia começara por dizer que este é um julgamento do passado, do presente e do futuro do Brasil, em razão dos episódios de rutura democrática ao longo da História do país. “Toda a ação penal, especialmente, a ação penal, impõe um julgamento justo e aqui não é diferente. O que há de inédito talvez, nessa ação penal, é que nela pulsa o Brasil que me dói [citando Victor Hugo, poeta, romancista e homem público francês do século XIX]. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com o seu passado, com o seu presente e com o seu futuro, na área específica das políticas públicas dos órgãos de Estado”, observou, vincando que “o mal, mesmo cometido para um pretenso bem, ainda é o mal, principalmente, em casos de golpe de Estado bem-sucedido, porque então ele torna-se um exemplo e torna um exemplo e vai-se repetir”.
Cármen Lúcia afirmou que os ataques às sedes dos Três Poderes, a 8 de janeiro de 2023, não foi um evento “banal”, nem um passeio de domingo, após o almoço, mas que, ao invés, houve método e organização nas ações golpistas, ao longo dos anos do governo Bolsonaro, desde os ataques deliberados e sabidamente mentirosos às urnas eletrónicas e ao Judiciário, até às conspirações do fim do mandato, quando o grupo se associou para impedir a posse do presidente Lula da Silva.
Por fim, a ministra afirmou que Bolsonaro era o líder da organização criminosa.
Ao fim do voto de Cármen, o placar registava: três votos, para condenar todos os réus, por todos os cinco crimes, exceto os crimes de danos, para Ramagem; e quatro votos para condenar Cid e Braga Netto, por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
A seguir a Cármen Lúcia, foi a vez de Cristiano Zanin votar a condenação ou absolvição dos réus.
Com a condenação já garantida, o presidente da 1.ª Secção foi o último a votar.
O juiz começou por apreciar as preliminares, recusando todas as questões técnicas apresentadas pela defesa: a competência do STF (e da secção, em particular), o cerceamento da defesa, a exclusão do crime de organização criminosa imputado a Alexandre Ramagem, antigo diretor dos ABIN ou a anulação do testemunho de Mauro Cid. Depois, enunciou o seu voto pela condenação.

***

Jair Bolsonaro, que não tem comparecido às sessões no julgamento, alegadamente, por motivos de saúde, enfrenta cinco acusações no julgamento por, supostamente, conspirar para encenar um golpe, após a sua estreita derrota para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Todavia, tem negado, repetidamente, qualquer irregularidade, alegando que o caso tem motivações políticas, ou que é um movimento politicamente motivado.
A PGR alegara que Bolsonaro teria estruturado a propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral e ataques aos poderes constituídos e aos seus representantes, a instrumentalização de instituições de Estado, a cooptação de comandos militares, para a instituição das providências antidemocráticas de intervenção, o planeamento de atos de neutralização violenta de agentes públicos e a instigação das manifestações. A denúncia da PGR apontou que o núcleo crucial da trama – formado por Bolsonaro e por sete ex-ministros e militares – organizou e executou uma série de ações para tentar impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2021 e 2023. Para os ministros que votaram pela condenação, as provas apresentadas, como lives (áudios ou vídeos transmitidos em tempo real), reuniões, documentos, planos golpistas e atos violentos, configuram uma tentativa concreta de rutura da ordem democrática.
A maioria de três contra um, para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por todos os crimes dos quais foram acusados pela PGR na Trama Golpista, surgiu após voto da ministra Cármen Lúcia, a que se adicionou o voto favorável do juiz presidente da 1.ª Secção.
Depois de os cinco juízes o terem votado, o coletivo decidiu sobre a sentença de Bolsonaro, que chegou a décadas de prisão, tendo sido aventada a hipótese de e 43 anos para Bolsonaro. Contudo, o coletivo da 1.ª Secção, após o necessário exercício de dosimetria das penas, decretou uma pena de 27 anos e três meses para o ex-presidente.  
Mesmo depois disto, os advogados podem apresentar embargos, que precisam de ser analisados pelo STF, antes do cumprimento das penas. E, apesar da condenação, a prisão não é imediata. Só valerá, quando o processo estiver concluído e não houver mais possibilidade de recurso, ou seja, quando o acórdão tiver transitado em julgado.

***

Em suma, Jair Bolsonaro foi condenado, a 11 de setembro, a 27 anos e três meses de prisão, depois de o STF o ter considerado culpado de vários crimes, entre os quais o de golpe de Estado. A longa sessão de votação das penas foi feita aos olhos de todos, com os cinco juízes a debaterem o cálculo das sentenças. Mesmo Luiz Fux, o magistrado divergente, colaborou na discussão, embora tenha pedido escusa de calcular as penas dos condenados. Foi a hora da dosimetria, que, explicada, seria pedagógica para evitar novas tentativas de rutura institucional.
Conhecida a avaliação dos juízes, Donald Trump mostrou insatisfação, a partir de Washington, e os filhos do ex-presidente condenado reagiram, ameaçando mesmo com uma eventual ofensiva norte-americana ao Brasil.
O encerramento do histórico julgamento coube ao mediático Alexandre de Moraes, que sublinhou a normalidade e independência do STF e do MP.
A pena, por maioria dos juízes, do ex-presidente é de 27 anos e três meses, dos quais 24 anos e nove meses de reclusão, devido à idade (70 anos) e a outras atenuantes que foram tidas em conta. Mauro Cid recebeu, por unanimidade, a pena de privação de liberdade, em regime aberto, não superior a dois anos, por ter atuado como delator e por ter fornecido informações úteis ao processo, mas não pode ser indultado, amnistiado ou ser perdoado judicialmente. Walter Braga Netto foi condenado a 26 anos. Anderson Torres foi condenado a 24 anos em regime fechado como pena total. Almir Garnier Santos recebeu a pena de 24 anos, dos quais 21 e seis meses de reclusão. Augusto Heleno, com 77 anos, foi condenado a 21 anos, sendo 18 anos e 11 meses de reclusão. E os dois últimos acusados, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Alexandre Ramagem, foram condenados a 19 anos e a 16 anos e um mês de reclusão, respetivamente.
Moraes recordou que mais de 600 acusados foram condenados, no âmbito dos ataques de 8 de janeiro de 2023, e mais de 500 confessaram os crimes e fizeram acordos com a Justiça, em troca de reduções das penas. “Somente a justiça aplicada, igualmente, a todos pode, realmente, ser chamada de justiça” e o STF pode orgulhar-se, afirmou, do exemplo que está a dar aos demais tribunais brasileiros de que não se devem vergar a sanções “nacionais ou estrangeiras”.
Estas declarações foram proferidas ante o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que se deslocou ao tribunal, em Brasília, para assistir à conclusão do julgamento, em sinal de apoio e de solidariedade para com decisões da maioria de juízes.

2025.09.12 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário