O Expresso
online publicou, a 4 de setembro, um texto da jornalista Joana Pereira Bastos, sob o título “Reitor do Porto denuncia ‘pressões’
para facilitar entradas em Medicina, ministro da Educação disponibilizou-se
para abrir vagas extra”, que a edição em papel do dia 5 transcreveu, que da
conta de forte divergência entre o reitor da Universidade do Porto (UP),
António de Sousa Pereira, e o ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, por causa dos resultados da aplicação do Regulamento
do Concurso Especial para Acesso ao Ciclo de Estudos Integrado do Mestrado em
Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) por titulares
do grau de licenciado, aprovado pelo Despacho n.º
6285/2019, de 9 de julho, do reitor da UP, nos
termos e ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 40/2007,
de 20 de fevereiro.
O reitor
da UP diz ter recebido pressões de várias pessoas “influentes e com acesso ao
poder”, para deixar entrar na Faculdade de Medicina (FMUP) 30 candidatos que
não tinham obtido a classificação mínima na prova de conhecimentos exigida no
concurso especial de acesso para licenciados ou titulares de mestrado noutras
áreas.
Fernando Alexandre, num telefonema, que ele próprio terá
confirmado, segundo o Expresso, mostrou
disponibilidade para abrir vagas extraordinárias, na FMUP, para 30 alunos que
não tiveram nota mínima para entrar neste concurso especial.
O caso desencadeou-se
na FMUP, com a proposta da comissão de seleção, nomeada por
despacho do diretor da FMUP, a qual ficou responsável por todo o processo do
concurso especial, cabendo ao reitor a homologação definitiva dos resultados
do concurso.
O Despacho n.º
6285/2019, de 9 de julho, além de atribuir ao diretor da FMUP a nomeação
da comissão de seleção (artigo 3.º, n.º 1), também lhe atribui a proposta ao reitor
do número máximo de estudantes a admitir, pelo concurso especial, em cada ano
letivo (artigo 2.º, n.º 1), e a decisão da exclusão da candidatura, ouvida a comissão
de seleção, em caso de falsas declarações, em qualquer momento do processo, bem
como quando as falsas declarações sejam detetadas após a
realização da matrícula, sendo anulados todos os atos praticados ao abrigo da
mesma (artigo 12.º). Porém, o indeferimento liminar é da competência da
comissão de seleção, devendo ser fundamentado (artigo 6.º, n.º 2).
O caso chegou
ao ministro da Educação, que ligou a António de Sousa Pereira a manifestar
disponibilidade para que se criassem vagas extraordinárias, de modo que estes
alunos tivessem lugar num dos cursos mais cobiçados do país.
A
segunda parte da asserção é não sustentada, pois as vagas para este concurso
especial não são definidas pelo MECI, mas pelo reitor, sob proposta do diretor
da FMUP, como foi afirmado acima. Por outro lado, pelo menos, em alguns anos
letivos, o ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel
Salazar, da Universidade do Porto, tem admitido estudantes com média máxima
mais alta do que a FMUP. Assim regista-se uma leitura distorcida da lei e dos regulamentos
da UP e da realidade académica no Porto.
Seja
como for, de acordo com declarações do reitor da UP ao Expresso, o governante pretendia “que isso fosse feito”, mas o
responsável máximo da UP respondeu que não o fará, pois limita-se a cumprir a
lei. Todavia, abriu a possibilidade de executar uma ordem que o titular da
pasta da Educação lhe desse, se o governante entendesse que se deve proceder de
outra maneira.
No
entanto, confrontado com o desafio, Fernando Alexandre não avançou. Aliás, confirmando
a existência da conversa, referiu que, “durante o telefonema, foi manifestada a
disponibilidade para a criação de vagas supranumerárias, desde que, para o
efeito, existisse base legal”. Ora, esta declaração mostra que o governante não
estudou a legislação, nem os regulamentos, ou tentou deitar o barro à parede a
ver se pegava.
Em
causa estão 30 alunos que concorreram ao concurso especial de acesso, mas que obtiveram
menos de 14 valores na prova de conhecimentos, o mínimo exigido no processo de
seleção, o que, de acordo com o regulamento, é, automaticamente, motivo de
exclusão.
Vale a
pena reler o regulamento, no atinente a esta matéria.
Um dos requisitos
de admissão ao concurso é a média de 14 valores no ensino secundário. Além
disso, no caso de o candidato possuir um grau mais elevado do que o
de licenciado, terá de apresentar o “documento comprovativo do grau de
licenciado de que é titular, sem o qual ficará excluído deste concurso”.
O processo de seriação dos candidatos
cujas candidaturas forem admitidas desenvolve-se em três fases: avaliação
curricular; prova de conhecimentos; apreciação do percurso profissional; e apreciação
da carta de motivação, redigida no dia da prova de conhecimentos.
São admitidos à prova de conhecimentos
os 50 candidatos que tenham obtido as classificações mais elevadas na avaliação
curricular, arredondadas às centésimas e ordenadas de forma decrescente. São
ainda admitidos à prova os candidatos que tenham obtido a mesma pontuação que o
último candidato selecionado nos termos anteriores. Porém, serão excluídos,
para efeitos de colocação, os candidatos com classificação inferior a 14
valores na prova de conhecimentos.
A ordenação final dos candidatos é feita
em função da pontuação final obtida na avaliação curricular, na prova de
conhecimentos, na apreciação do percurso profissional e na apreciação da carta
de motivação, calculada às centésimas, resultando da aplicação da seguinte
fórmula: CC = 50 % AC + 40 % PC + 5 % PP + 5 % CM – em que: CC - classificação
do candidato; AC – classificação na avaliação curricular; PC – classificação na
prova de conhecimentos; PP – classificação resultante da apreciação do percurso
profissional; e CM – classificação resultante da apreciação da carta de
motivação. Em caso de empate, será dada preferência àquele que tiver obtido a
pontuação mais alta na prova de conhecimentos. E, se persistir o empate, serão
admitidos todos os candidatos com a mesma pontuação obtida pelo último
candidato selecionável, nos termos anteriores.
O resultado final da candidatura,
decorrente do processo de seriação, será tornado público mediante afixação no
Serviço Académico e divulgação na página de internet da FMUP.
A
decisão exprime-se através de um dos seguintes resultados: a) colocado; b) não
colocado; c) excluído.
***
No
âmbito deste concurso especial, a FMUP abriu, para o ano letivo 2025/26, vagas,
a que poderiam cerca de 50 candidatos. Desses, apenas sete tiveram 14 ou mais
valores na prova, realizada em maio, estando, por isso, em condições de entrar.
Porém,
conhecidos os resultados, a comissão de seleção (ver artigo 3.º, n.º 2) – composta
pelo diretor do ciclo de estudos integrados de mestrado em Medicina
da FMUP, que presidirá, por dois professores designados pelo diretor da FMUP,
sob proposta do diretor do ciclo de estudos, de entre vogais da Comissão Científica
do ciclo de estudos (um efetivo e um suplente), e por seis professores da FMUP
designados pelo diretor da FMUP, sob proposta do diretor do ciclo de estudos (três
efetivos e três suplentes), ao todo cinco elementos em efetividade de funções – escudada em futura decisão unânime do conselho científico
da faculdade, “deliberou propor a aplicação excecional” da nota mínima de 10
valores, em vez dos 14 estabelecidos no regulamento, o que permitia a entrada a
mais 30 estudantes. E, sem informar o reitor da UP, a quem cabe a competência
exclusiva de homologar os resultados definitivos, notificou os candidatos de
que tinham entrado no curso.
O
reitor só teve conhecimento disso vários dias depois, a 7 de julho, e recusou
homologar a lista de colocados, por considerar que a entrada desses candidatos
era ilegal, à luz do regulamento. “Não se podem alterar as regras a meio de um
concurso para fazer entrar candidatos que não cumprem os requisitos”,
justificou Sousa Pereira. Perante a decisão do reitor, foram admitidos apenas
os sete que tiveram mais de 14 valores, tendo as restantes 30 vagas
inicialmente abertas neste contingente revertido para o concurso nacional de
acesso ao ensino superior, segundo a lei.
Os
estudantes alegam que têm direito adquirido, porque alguém lhes comunicou que
tinham sido admitidos, mas o reitor, lamentando, assegura que “quem lhes
comunicou isso não tinha autoridade para tal”. Frustrados, os candidatos
“protestaram das mais variadas formas”, incluindo junto do Parlamento, e
moveram influências que se fizeram sentir junto do reitor.
“Tive
muitas pressões, de muitos lados, no sentido de homologar a lista. Houve várias
pessoas a tentar influenciar no sentido de serem criadas vagas para estes
alunos. Pessoas influentes, que têm acesso ao poder”, afirmou ao Expresso, embora sem adiantar nomes.
Para não
gorar as expectativas dos candidatos, o diretor da FMUP, Altamiro da Costa
Pereira, defendeu que poderiam ser abertas 30 vagas extraordinárias para
permitir a sua entrada no curso, embora não tivessem obtido a nota mínima
exigida. Porém, Sousa Pereira solicitou um parecer ao diretor-geral do Ensino
Superior, que deu razão à Reitoria. Num e-mail
de 31 de julho, o diretor-geral escreveu que “a decisão de não homologar a
lista encontra-se fundamentada no quadro jurídico aplicável”. E vincou: “A
Universidade e a Faculdade de Medicina estão obrigadas ao respeito pelos
princípios fundamentais da atuação administrativa [...] que impõe que a
Administração se vincule às normas que ela própria aprova, não podendo delas
afastar-se sem fundamento legal.”
Ainda
assim, o caso chegou ao ministro da Educação, que, já em agosto, depois do
parecer da Direção-Geral de Ensino Superior (DGES), ligou a Sousa Pereira
disponibilizando-se a abrir as vagas adicionais. “O ministro falou comigo,
porque estava muito incomodado com a situação. Eu disse-lhe que preferia ser
obrigado pelo tribunal a abrir as vagas, se este entender que os candidatos têm
realmente direito adquirido, a ir eu sentar-me no banco dos réus, porque não
cumpri a lei e admiti alunos em situação irregular.”
Porém, sugeriu:
“Só há uma solução. O senhor ministro pede a intervenção da IGEC –
Inspeção-Geral da Educação e Ciência, que é a única entidade com competência
para resolver a situação de uma forma legal.”
Fernando
Alexandre confirmou ter solicitado parecer à IGEC, “tendo em conta que a
divulgação da lista de candidatos admitidos gerou uma legítima expectativa”
junto dos mesmos, mas A IGEC foi perentória, concluindo “pela inadmissibilidade
jurídica” da abertura desses lugares, “por ausência de base legal” e “pelo
risco de violação dos princípios da legalidade, igualdade e segurança jurídica”.
Face às
decisões da DGES e da IGEC, o reitor da UP considera “o caso encerrado”, mas a
polémica promete continuar e o mais certo é acabar em tribunal. Para já, o MECI
adianta que “foi aberto um processo de provedoria na Inspeção-Geral, que se
encontra em curso”, na “sequência de uma exposição subscrita por candidatos a
este concurso”.
***
A 5
de setembro, mm conferência de
imprensa, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, não poupou nas palavras e
acusou o reitor da UP de mentir, ao dizer que o pressionou a cometer uma
ilegalidade, considerando “a mentira altamente ofensiva”. Referiu que “a
iniciativa do contacto partiu do reitor”, tendo-se limitado a devolver a
chamada que António Sousa Pereira lhe fizera antes e que não tinha conseguido
atender. E adiantou que a iniciativa de pedir um parecer à IGEC partiu de si e
não do reitor.
Para o ministro, a UP “tem a responsabilidade
total pelo caso” e devia apresentar uma solução para o problema, visto que os
alunos receberam uma notificação da FMUP a dizer que tinham entrado, o que
criou neles uma expectativa.
Por seu turno, em curto comunicado, a Reitoria
da UP responde ao governante, declarando: “O Reitor da Universidade do
Porto não mentiu. Em nenhum ponto da notícia publicada no semanário Expresso, o senhor reitor afirma que foi pressionado pelo senhor
ministro. O texto refere, isso sim, ‘pressões de várias pessoas influentes e
com acesso ao poder, pelo que se estranha a acusação do professor Fernando
Alexandre, bem como o tom adotado durante a sua declaração pública.”
O reitor da UP sustenta que o “esclarecimento”
do MECI e as declarações do ministro confirmam “todos os factos descritos da
notícia do Expresso, incluindo as
pressões de que também o MECI e o Parlamento foram objeto”. E acrescenta que qualquer outro “esclarecimento adicional será
prestado, unicamente, às entidade que venham ainda a ser chamadas a intervir
neste processo”.
Não obstante, o diretor da FMUP, negando a existência
de cunhas, declarou ao Expresso que, “entre
aqueles candidatos, não há filhos de ninguém importante, pelo contrário é tudo
gente do povo”. Refere que é estúpida a exigência da nota mínima de 14 e admite que,
embora tenha havido erros no processo, bem como dificuldade de comunicação entre
a FMUP e a reitoria, os candidatos não podem ser penalizados, porque foram oficialmente
notificados.
***
Na sequência desta desnecessária, mas nefasta,
polémica, para os alunos e para a imagem da UP,
a Iniciativa Liberal (IL), o partido Chega e o
Partido Socialista (PS) já solicitaram a audição de Fernando Alexandre no Parlamento.
E, além disso, o Chega pretende do Ministério Público (MP) uma averiguação preventiva,
que entrou na moda com os processos de Pedro Nuno Santos e de Luís Montenegro. Ao
invés, a FMUP, apesar de reconhecer que houve erros neste
processo, não
abriu nenhum processo interno para apuramento de responsabilidades no caso.
***
Não digo que tenha havido abuso de poder na FMUP,
mas houve, pelo menos, imprudência. Com efeito, se havia necessidade legal ou regulamentar
de homologação reitoral dos resultados definitivos, as notificações aos
candidatos foram prematuras e ilícitas. Aliás, pelos vistos, o diretor da FMUP
revelou que, só na primeira semana de setembro, o Conselho Científico da instituição aprovou, por unanimidade,
a decisão de alterar o regulamento do concurso para baixar a nota mínima para
10 valores.
O caso pode chegar aos tribunais, que decidirão
se os 30 candidatos serão admitidos, se a responsabilidade recai sobre a FMUP, sobre
a Reitoria da UP ou sobre o povo. Este paga sempre, queira ou não, os erros de
quem não os assume. Até quando se manterá a paciência cidadã?
2026.09.05 – Louro de Carvalho
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