sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Ministro da Educação e reitor da Universidade do Porto em polémica

 

O Expresso online publicou, a 4 de setembro, um texto da jornalista Joana Pereira Bastos, sob o título “Reitor do Porto denuncia ‘pressões’ para facilitar entradas em Medicina, ministro da Educação disponibilizou-se para abrir vagas extra”, que a edição em papel do dia 5 transcreveu, que da conta de forte divergência entre o reitor da Universidade do Porto (UP), António de Sousa Pereira, e o ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, por causa dos resultados da aplicação do Regulamento do Concurso Especial para Acesso ao Ciclo de Estudos Integrado do Mestrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) por titulares do grau de licenciado, aprovado pelo Despacho n.º 6285/2019, de 9 de julho, do reitor da UP, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 40/2007, de 20 de fevereiro.

O reitor da UP diz ter recebido pressões de várias pessoas “influentes e com acesso ao poder”, para deixar entrar na Faculdade de Medicina (FMUP) 30 candidatos que não tinham obtido a classificação mínima na prova de conhecimentos exigida no concurso especial de acesso para licenciados ou titulares de mestrado noutras áreas.  

Fernando Alexandre, num telefonema, que ele próprio terá confirmado, segundo o Expresso, mostrou disponibilidade para abrir vagas extraordinárias, na FMUP, para 30 alunos que não tiveram nota mínima para entrar neste concurso especial.

O caso desencadeou-se na FMUP, com a proposta da comissão de seleção, nomeada por despacho do diretor da FMUP, a qual ficou responsável por todo o processo do concurso especial, cabendo ao reitor a homologação definitiva dos resultados do concurso.

O Despacho n.º 6285/2019, de 9 de julho, além de atribuir ao diretor da FMUP a nomeação da comissão de seleção (artigo 3.º, n.º 1), também lhe atribui a proposta ao reitor do número máximo de estudantes a admitir, pelo concurso especial, em cada ano letivo (artigo 2.º, n.º 1), e a decisão da exclusão da candidatura, ouvida a comissão de seleção, em caso de falsas declarações, em qualquer momento do processo, bem como quando as falsas declarações sejam detetadas após a realização da matrícula, sendo anulados todos os atos praticados ao abrigo da mesma (artigo 12.º). Porém, o indeferimento liminar é da competência da comissão de seleção, devendo ser fundamentado (artigo 6.º, n.º 2).

O caso chegou ao ministro da Educação, que ligou a António de Sousa Pereira a manifestar disponibilidade para que se criassem vagas extraordinárias, de modo que estes alunos tivessem lugar num dos cursos mais cobiçados do país.

A segunda parte da asserção é não sustentada, pois as vagas para este concurso especial não são definidas pelo MECI, mas pelo reitor, sob proposta do diretor da FMUP, como foi afirmado acima. Por outro lado, pelo menos, em alguns anos letivos, o ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, tem admitido estudantes com média máxima mais alta do que a FMUP. Assim regista-se uma leitura distorcida da lei e dos regulamentos da UP e da realidade académica no Porto.

Seja como for, de acordo com declarações do reitor da UP ao Expresso, o governante pretendia “que isso fosse feito”, mas o responsável máximo da UP respondeu que não o fará, pois limita-se a cumprir a lei. Todavia, abriu a possibilidade de executar uma ordem que o titular da pasta da Educação lhe desse, se o governante entendesse que se deve proceder de outra maneira.

No entanto, confrontado com o desafio, Fernando Alexandre não avançou. Aliás, confirmando a existência da conversa, referiu que, “durante o telefonema, foi manifestada a disponibilidade para a criação de vagas supranumerárias, desde que, para o efeito, existisse base legal”. Ora, esta declaração mostra que o governante não estudou a legislação, nem os regulamentos, ou tentou deitar o barro à parede a ver se pegava.  

Em causa estão 30 alunos que concorreram ao concurso especial de acesso, mas que obtiveram menos de 14 valores na prova de conhecimentos, o mínimo exigido no processo de seleção, o que, de acordo com o regulamento, é, automaticamente, motivo de exclusão.

Vale a pena reler o regulamento, no atinente a esta matéria.

Um dos requisitos de admissão ao concurso é a média de 14 valores no ensino secundário. Além disso, no caso de o candidato possuir um grau mais elevado do que o de licenciado, terá de apresentar o “documento comprovativo do grau de licenciado de que é titular, sem o qual ficará excluído deste concurso”.

O processo de seriação dos candidatos cujas candidaturas forem admitidas desenvolve-se em três fases: avaliação curricular; prova de conhecimentos; apreciação do percurso profissional; e apreciação da carta de motivação, redigida no dia da prova de conhecimentos.

São admitidos à prova de conhecimentos os 50 candidatos que tenham obtido as classificações mais elevadas na avaliação curricular, arredondadas às centésimas e ordenadas de forma decrescente. São ainda admitidos à prova os candidatos que tenham obtido a mesma pontuação que o último candidato selecionado nos termos anteriores. Porém, serão excluídos, para efeitos de colocação, os candidatos com classificação inferior a 14 valores na prova de conhecimentos.

A ordenação final dos candidatos é feita em função da pontuação final obtida na avaliação curricular, na prova de conhecimentos, na apreciação do percurso profissional e na apreciação da carta de motivação, calculada às centésimas, resultando da aplicação da seguinte fórmula: CC = 50 % AC + 40 % PC + 5 % PP + 5 % CM – em que: CC - classificação do candidato; AC – classificação na avaliação curricular; PC – classificação na prova de conhecimentos; PP – classificação resultante da apreciação do percurso profissional; e CM – classificação resultante da apreciação da carta de motivação. Em caso de empate, será dada preferência àquele que tiver obtido a pontuação mais alta na prova de conhecimentos. E, se persistir o empate, serão admitidos todos os candidatos com a mesma pontuação obtida pelo último candidato selecionável, nos termos anteriores.

O resultado final da candidatura, decorrente do processo de seriação, será tornado público mediante afixação no Serviço Académico e divulgação na página de internet da FMUP.

A decisão exprime-se através de um dos seguintes resultados: a) colocado; b) não colocado; c) excluído.

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No âmbito deste concurso especial, a FMUP abriu, para o ano letivo 2025/26, vagas, a que poderiam cerca de 50 candidatos. Desses, apenas sete tiveram 14 ou mais valores na prova, realizada em maio, estando, por isso, em condições de entrar.

Porém, conhecidos os resultados, a comissão de seleção (ver artigo 3.º, n.º 2) – composta pelo diretor do ciclo de estudos integrados de mestrado em Medicina da FMUP, que presidirá, por dois professores designados pelo diretor da FMUP, sob proposta do diretor do ciclo de estudos, de entre vogais da Comissão Científica do ciclo de estudos (um efetivo e um suplente), e por seis professores da FMUP designados pelo diretor da FMUP, sob proposta do diretor do ciclo de estudos (três efetivos e três suplentes), ao todo cinco elementos em efetividade de funções – escudada em futura decisão unânime do conselho científico da faculdade, “deliberou propor a aplicação excecional” da nota mínima de 10 valores, em vez dos 14 estabelecidos no regulamento, o que permitia a entrada a mais 30 estudantes. E, sem informar o reitor da UP, a quem cabe a competência exclusiva de homologar os resultados definitivos, notificou os candidatos de que tinham entrado no curso.

O reitor só teve conhecimento disso vários dias depois, a 7 de julho, e recusou homologar a lista de colocados, por considerar que a entrada desses candidatos era ilegal, à luz do regulamento. “Não se podem alterar as regras a meio de um concurso para fazer entrar candidatos que não cumprem os requisitos”, justificou Sousa Pereira. Perante a decisão do reitor, foram admitidos apenas os sete que tiveram mais de 14 valores, tendo as restantes 30 vagas inicialmente abertas neste contingente revertido para o concurso nacional de acesso ao ensino superior, segundo a lei.

Os estudantes alegam que têm direito adquirido, porque alguém lhes comunicou que tinham sido admitidos, mas o reitor, lamentando, assegura que “quem lhes comunicou isso não tinha autoridade para tal”. Frustrados, os candidatos “protestaram das mais variadas formas”, incluindo junto do Parlamento, e moveram influências que se fizeram sentir junto do reitor.

“Tive muitas pressões, de muitos lados, no sentido de homologar a lista. Houve várias pessoas a tentar influenciar no sentido de serem criadas vagas para estes alunos. Pessoas influentes, que têm acesso ao poder”, afirmou ao Expresso, embora sem adiantar nomes.

Para não gorar as expectativas dos candidatos, o diretor da FMUP, Altamiro da Costa Pereira, defendeu que poderiam ser abertas 30 vagas extraordinárias para permitir a sua entrada no curso, embora não tivessem obtido a nota mínima exigida. Porém, Sousa Pereira solicitou um parecer ao diretor-geral do Ensino Superior, que deu razão à Reitoria. Num e-mail de 31 de julho, o diretor-geral escreveu que “a decisão de não homologar a lista encontra-se fundamentada no quadro jurídico aplicável”. E vincou: “A Universidade e a Faculdade de Medicina estão obrigadas ao respeito pelos princípios fundamentais da atuação administrativa [...] que impõe que a Administração se vincule às normas que ela própria aprova, não podendo delas afastar-se sem fundamento legal.”

Ainda assim, o caso chegou ao ministro da Educação, que, já em agosto, depois do parecer da Direção-Geral de Ensino Superior (DGES), ligou a Sousa Pereira disponibilizando-se a abrir as vagas adicionais. “O ministro falou comigo, porque estava muito incomodado com a situação. Eu disse-lhe que preferia ser obrigado pelo tribunal a abrir as vagas, se este entender que os candidatos têm realmente direito adquirido, a ir eu sentar-me no banco dos réus, porque não cumpri a lei e admiti alunos em situação irregular.”

Porém, sugeriu: “Só há uma solução. O senhor ministro pede a intervenção da IGEC – Inspeção-Geral da Educação e Ciência, que é a única entidade com competência para resolver a situação de uma forma legal.”

Fernando Alexandre confirmou ter solicitado parecer à IGEC, “tendo em conta que a divulgação da lista de candidatos admitidos gerou uma legítima expectativa” junto dos mesmos, mas A IGEC foi perentória, concluindo “pela inadmissibilidade jurídica” da abertura desses lugares, “por ausência de base legal” e “pelo risco de violação dos princípios da legalidade, igualdade e segurança jurídica”.

Face às decisões da DGES e da IGEC, o reitor da UP considera “o caso encerrado”, mas a polémica promete continuar e o mais certo é acabar em tribunal. Para já, o MECI adianta que “foi aberto um processo de provedoria na Inspeção-Geral, que se encontra em curso”, na “sequência de uma exposição subscrita por candidatos a este concurso”.

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A 5 de setembro, mm conferência de imprensa, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, não poupou nas palavras e acusou o reitor da UP de mentir, ao dizer que o pressionou a cometer uma ilegalidade, considerando “a mentira altamente ofensiva”. Referiu que “a iniciativa do contacto partiu do reitor”, tendo-se limitado a devolver a chamada que António Sousa Pereira lhe fizera antes e que não tinha conseguido atender. E adiantou que a iniciativa de pedir um parecer à IGEC partiu de si e não do reitor.

Para o ministro, a UP “tem a responsabilidade total pelo caso” e devia apresentar uma solução para o problema, visto que os alunos receberam uma notificação da FMUP a dizer que tinham entrado, o que criou neles uma expectativa.

Por seu turno, em curto comunicado, a Reitoria da UP responde ao governante, declarando: “O Reitor da Universidade do Porto não mentiu. Em nenhum ponto da notícia publicada no semanário Expresso, o senhor reitor afirma que foi pressionado pelo senhor ministro. O texto refere, isso sim, ‘pressões de várias pessoas influentes e com acesso ao poder, pelo que se estranha a acusação do professor Fernando Alexandre, bem como o tom adotado durante a sua declaração pública.”

O reitor da UP sustenta que o “esclarecimento” do MECI e as declarações do ministro confirmam “todos os factos descritos da notícia do Expresso, incluindo as pressões de que também o MECI e o Parlamento foram objeto”. E acrescenta que qualquer outro “esclarecimento adicional será prestado, unicamente, às entidade que venham ainda a ser chamadas a intervir neste processo”.

Não obstante, o diretor da FMUP, negando a existência de cunhas, declarou ao Expresso que, “entre aqueles candidatos, não há filhos de ninguém importante, pelo contrário é tudo gente do povo”. Refere que é estúpida a exigência da nota mínima de 14 e admite que, embora tenha havido erros no processo, bem como dificuldade de comunicação entre a FMUP e a reitoria, os candidatos não podem ser penalizados, porque foram oficialmente notificados.  

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Na sequência desta desnecessária, mas nefasta, polémica, para os alunos e para a imagem da UP,

a Iniciativa Liberal (IL), o partido Chega e o Partido Socialista (PS) já solicitaram a audição de Fernando Alexandre no Parlamento. E, além disso, o Chega pretende do Ministério Público (MP) uma averiguação preventiva, que entrou na moda com os processos de Pedro Nuno Santos e de Luís Montenegro. Ao invés, a FMUP, apesar de reconhecer que houve erros neste processo, não abriu nenhum processo interno para apuramento de responsabilidades no caso.

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Não digo que tenha havido abuso de poder na FMUP, mas houve, pelo menos, imprudência. Com efeito, se havia necessidade legal ou regulamentar de homologação reitoral dos resultados definitivos, as notificações aos candidatos foram prematuras e ilícitas. Aliás, pelos vistos, o diretor da FMUP revelou que, só na primeira semana de setembro, o Conselho Científico da instituição aprovou, por unanimidade, a decisão de alterar o regulamento do concurso para baixar a nota mínima para 10 valores.

O caso pode chegar aos tribunais, que decidirão se os 30 candidatos serão admitidos, se a responsabilidade recai sobre a FMUP, sobre a Reitoria da UP ou sobre o povo. Este paga sempre, queira ou não, os erros de quem não os assume. Até quando se manterá a paciência cidadã?

2026.09.05 – Louro de Carvalho

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