Que o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, não gosta de quem tenha ideias contrárias às suas (ou até só diferentes) já era sabido. Porém, não lhe basta não gostar, tenta interferir, de forma intrusiva, nas instituições cuja missão fundamental seja produzir e divulgar conhecimento nas suas diversas dimensões e modalidades, como é o caso das universidades, ou a difusão da informação e da diversidade de opinião, como é o caso dos meios de comunicação, nomeadamente, os maios de comunicação social.
É conhecida a pressão (mesmo do lado financeiro) sobre universidades e sobre escolas, quanto a conteúdos de ensino e quanto a cerceamento de atividades e de manifestações de apoio a entidades inimigas da ideologia trumpiana e de contestação a entidades da simpatia do presidente.
Ultimamente,
conseguiu o cancelamento de um programa humorístico atinente à morte de Charlie
Kirk. Obviamente, o assassinato do ativista conservador político e religioso, é
condenável atentado à liberdade de expressão, mas não perpetrado por entidade do
poder soberano. Ao invés, a intervenção de Donald Trump nas universidades ou
nos órgãos de comunicação social representa a intervenção repressiva das
liberdades por parte de detentor do exercício do poder político que o povo
soberano lhe outorgou, para promover e defender as liberdades, entre as quais
avultam a liberdade de pensamento, de investigação e produção de conhecimento,
de expressão e de opinião, por todos os meios legítimos disponíveis, sobretudo,
os criados com vocação para isso.
***
A
cadeia de televisão norte-americana ABC suspendeu, a 17 de setembro, o
programa noturno de Jimmy Kimmel por tempo indeterminado, após os seus comentários
sobre a morte de Charlie Kirk terem levado um grupo de estações afiliadas a
dizer que não transmitiriam o programa.
Uma declaração de Andrew Alford, presidente da divisão de radiodifusão da Nexstar, que opera 23 afiliadas da ABC, ditou que tais comentários “são ofensivos e insensíveis”, tendo sido feitos “num momento crítico” do “discurso político nacional”.
Uma declaração de Andrew Alford, presidente da divisão de radiodifusão da Nexstar, que opera 23 afiliadas da ABC, ditou que tais comentários “são ofensivos e insensíveis”, tendo sido feitos “num momento crítico” do “discurso político nacional”.
O
comediante falou da reação ao homicídio de Charlie Kirk no programa “Jimmy
Kimmel Live!”, nas noites dos dias 15 e 16, relevando, por exemplo, que “muitos
no universo MAGA [Make America Great Again] estão a trabalhar, arduamente, para
capitalizar o assassinato de Charlie Kirk”. “Não é a forma como um adulto
lamenta o assassinato de alguém a quem chamava amigo. É assim que uma criança
de quatro anos chora um peixinho dourado, ok?”, discorreu.
A
ABC atuou, rapidamente, depois de o Nexstar Communications Group ter
anunciado que iria interromper o programa. Ora, o programa de fim de noite de
Kimmel é transmitido pela ABC, desde 2003, e o contrato de Kimmel expira
em maio do próximo ano.
Entretanto,
Donald Trump, em visita de Estado ao Reino Unido, recorreu à sua plataforma nas
redes sociais, Truth Social, para celebrar e parabenizar a decisão da ABC
“por ter, finalmente, a coragem de fazer o que tinha de ser feito”.
Brendan
Carr, presidente da FCC (Comissão Federal das Comunicações), o regulador dos
EUA, classificou os comentários de Kimmel como “verdadeiramente doentios” e
disse que a sua agência tem fortes argumentos para responsabilizar Kimmel,
a ABC e a Walt Disney Co. Efetivamente, segundo a FCC, o
comediante parece estar a fazer um esforço intencional para induzir o público
em erro, levando-o a acreditar que o assassino de Kirk era apoiante de direita
de Trump.
“O
Gang MAGA (está) a tentar, desesperadamente, caraterizar o rapaz que assassinou
Charlie Kirk como qualquer coisa que não seja um deles e a fazer tudo o que pode
para ganhar pontos políticos com isso”, disse Jimmy Kimmel, que troçou do
desempenho do vice-presidente James David Vance como apresentador convidado do
podcast de Kirk.
O
apresentador da ABC disse que o presidente estava “a atiçar as chamas”,
ao atacar pessoas da esquerda e ao desvalorizá-las. E, apesar de condenar o
ataque e Kimmel ter enviado “amor” à família Kirk, imediatamente após o
tiroteio, o programa foi retirado do ar.
Charlie
Kirk, um ativista norte-americano de extrema-direita e fundador da Turning
Point USA, foi assassinado durante um debate na universidade do vale do Utah. A
sua morte chocou os EUA e expôs divisões profundas num clima político
polarizado e carregado.
Muitos
dos comentários de Kirk em debates que realizou, durante as suas campanhas
políticas, suscitaram controvérsia, com os liberais e os opositores a
rejeitarem quaisquer tentativas de honrar a sua vida. Em resposta, a
administração Trump e a sua base MAGA intensificaram os esforços para policiar
o discurso sobre a morte de Kirk.
A
15 de setembro, o vice-presidente dos EUA, amigo de Kirk, exortou os norte-americanos
a denunciarem os concidadãos que troçaram do assassínio, enquanto Brendan Carr
lançou investigações sobre os meios de comunicação que irritaram Donald Trump.
***
Devido
à suspensão do programa “Jimmy Kimmel Live!”, por tempo indeterminado, os
apresentadores de programas de televisão de fim de noite manifestaram apoio a
Jimmy Kimmel,
A decisão vem na sequência do anúncio, em julho, de que a CBS iria cancelar o “The Late Show With Stephen Colbert”, no próximo mês de maio – um anúncio feito três dias depois de Colbert ter criticado o acordo de 16 milhões de dólares entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e a Paramount Global, a empresa-mãe da CBS, sobre a edição de uma entrevista de 2024 com Kamala Harris, no programa “60 Minutes”, classificando o acordo como “suborno chorudo”.
A decisão vem na sequência do anúncio, em julho, de que a CBS iria cancelar o “The Late Show With Stephen Colbert”, no próximo mês de maio – um anúncio feito três dias depois de Colbert ter criticado o acordo de 16 milhões de dólares entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e a Paramount Global, a empresa-mãe da CBS, sobre a edição de uma entrevista de 2024 com Kamala Harris, no programa “60 Minutes”, classificando o acordo como “suborno chorudo”.
O
último ataque à liberdade de expressão suscitou preocupações em torno da
censura política e de quem será o próximo, no grande plano de Trump para
remodelar a paisagem mediática dos EUA e para se livrar de qualquer pessoa
que o critique a ele e à sua administração.
Colbert
começou o seu monólogo, no dia 18, com a canção animada “Be Our Guest”, do
filme “A Bela e o Monstro”, da Disney, mas substituiu a letra por “Shut your
trap. Shut your trap” (“Cala a boca. Cala a boca”). Condenou o cancelamento
como um “ataque flagrante à liberdade de expressão” e, mais tarde, dirigiu-se
diretamente a Jimmy Kimmel, dizendo que o apoiava a ele e à sua equipa: “Se a ABC
pensa que isto vai satisfazer o regime, é muito ingénua”, vincou, acrescentando:
“Com um autocrata, não se pode ceder um milímetro, acrescentou Colbert. […] Estou
contigo e com a tua equipa a 100%, Jimmy.”
Colbert
também respondeu às observações de Brendan Carr, chefe da FCC (escolhido a dedo
por Donald Trump), o qual disse que é importante que as emissoras recuem na
programação da Disney, pois “eles determinam que fica aquém dos valores da
comunidade”. “Bem, sabes quais são os valores da minha comunidade, amigo? A
liberdade de expressão”, disse Colbert, sob fortes aplausos do público.
A
lenda da noite, David Letterman, o antecessor de Colbert no The Late Show, também
defendeu Kimmel, dizendo: “Sinto-me mal com isto, porque todos nós vemos aonde
isto vai dar, certo? São os media geridos.” E, na entrevista no The
Atlantic Festival 2025, em Nova Iorque, frisando que “é uma parvoíce, é
ridículo”, afirmou que as pessoas não deviam ser despedidas, só porque não “dão
graxa” a “uma administração criminosa autoritária na Sala Oval”.
John
Stewart satirizou a situação descrevendo-se a si próprio como um “anfitrião
patrioticamente obediente” e o seu programa como “compatível com a
administração”. Referiu-se a Trump como “querido líder” e “nosso grande pai”,
antes de apresentar Maria Ressa, jornalista e autora do livro “How To Stand Up
To A Dictator”, que, tendo sido galardoada com o Prémio Nobel da Paz, foi
convidada a dar dicas sobre como lidar com o momento atual. Contou como ela e
os colegas do site de notícias Rappler “continuaram a trabalhar”,
ao serem confrontados com 11 mandados de captura num ano, no mandato do então
presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte: “Continuámos a fazer o nosso
trabalho. Continuámos a pôr um pé à frente do outro”, disse.
Jimmy
Fallon abriu o seu monólogo no “Tonight Show” abordando a suspensão de Kimmel: “Para
ser honesto convosco, não sei o que se está a passar. E ninguém sabe. Mas
conheço o Jimmy Kimmel, e ele é um tipo decente, engraçado e amoroso, e espero
que ele volte.” E observou: “Muitas pessoas estão preocupadas com o facto de
não podermos continuar a dizer o que queremos dizer ou de sermos censurados.
Mas eu vou fazer a cobertura da viagem do Presidente ao Reino Unido, como faria
normalmente...”
Depois,
um locutor falou por cima dele e substituiu a maior parte das críticas a Trump
por elogios, como “ele estava incrivelmente bonito” e que a gravata tinha “o
comprimento exato”.
Seth
Meyers afirmou: “Donald Trump está a regressar de uma viagem ao Reino Unido,
enquanto aqui, em casa, a sua administração está a tentar reprimir a liberdade
de expressão... e, sem qualquer relação com o assunto, só queria dizer que
sempre admirei e respeitei o senhor Trump.” E prosseguiu em tom irónico: “Sempre
acreditei que ele era um visionário, um inovador, um grande presidente e um
golfista ainda melhor.”
Mais
tarde, referiu-se a Barack Obama, que considerou o cancelamento do programa de
Kimmel como violação dos princípios fundadores do país e acrescentou: “É
um privilégio e uma honra chamar a Jimmy Kimmel meu amigo, da mesma forma que é
um privilégio e uma honra fazer este programa, todas as noites.”
“Este
é um momento crucial na nossa democracia e todos nós devemos defender os
princípios da liberdade de expressão. Há uma razão para a liberdade de
expressão constar da Primeira Emenda. Ela está acima de todas as outras”,
discorreu.
***
Em
artigo intitulado “Donald Trump está a transformar a comunicação social dos
EUA: depois de Kimmel, quem será o próximo?, publicado, a 19 de setembro,
pela Euronews, David Mouriquand sustenta que os críticos temem
repressões à liberdade de expressão, à medida que Donald Trump intensifica a
campanha para remodelar o panorama mediático norte-americano, e questiona se as
empresas de media conseguirão proteger outras personalidades que
expressam os seus direitos consagrados na Primeira Emenda da Constituição.
Até agora, o presidente tem estado a transformar o panorama mediático, manifestando as antigas queixas contra a indústria que exerce o seu direito constitucional de o criticar, de o satirizar e de o ridicularizar. E tem-no feito, através de acordos multimilionários, forçando empresas a litígios dispendiosos e promovendo mudanças na programação que não lhe agrada. Todavia, parece estar, agora, a intensificar a sua campanha de censura e de retaliação.
Até agora, o presidente tem estado a transformar o panorama mediático, manifestando as antigas queixas contra a indústria que exerce o seu direito constitucional de o criticar, de o satirizar e de o ridicularizar. E tem-no feito, através de acordos multimilionários, forçando empresas a litígios dispendiosos e promovendo mudanças na programação que não lhe agrada. Todavia, parece estar, agora, a intensificar a sua campanha de censura e de retaliação.
Com
efeito, animado pelos bem-sucedidos esforços para afastar da ABC Jimmy
Kimmel, o presidente falou aos jornalistas a bordo do Air Force One, enquanto
regressava da sua segunda visita de Estado ao Reino Unido, sustentando que os
reguladores federais devem considerar revogar licenças de radiodifusão de redes
que “só me dão má publicidade”. “Li algures que as redes eram 97% contra mim,
novamente, 97% negativas; e, ainda assim, ganhei facilmente [as eleições em
2014],” disse Trump, frisando: “Eles só me dão má publicidade [e] imprensa.
Quer dizer, têm uma licença. Eu pensaria que talvez a licença deles devesse ser
retirada. […] Não podem fazer isso.”
Este
é o presidente dos EUA que tenta restringir a liberdade de expressão dos seus
críticos, ignorando a Primeira Emenda da Constituição, que estipula: “O
Congresso não fará nenhuma lei respeitante ao estabelecimento de religião, ou
proibindo o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou
de imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de pedir ao governo
a reparação de agravos.”
Barack
Obama escreveu, no X, a 18 de setembro: “Depois de anos a queixar-se da
cultura do cancelamento, a administração atual levou-a a novo e perigoso nível,
ameaçando, rotineiramente, com ações regulatórias contra empresas de media,
a menos que censurem ou demitam repórteres e comentadores de que não gostam.” E
acrescentou, num post subsequente: “É, precisamente, este tipo de
coerção governamental que levou a Primeira Emenda a ser desenhada para a prevenir,
e as empresas de media precisam de começar a resistir em vez de ceder.”
Tal
como o cancelamento de “The Late Show With Stephen Colbert”, Donald Trump
culpou as “más audiências” pela suspensão de Kimmel, mas poucos acreditam nisso
e sentem que ele continua a usar a morte de Charlie Kirk para ganhos políticos
próprios.
Contribuindo
para esta impressão estão os comentários de Trump, num post, na Truth
Social, a 29 de julho, após o cancelamento de Colbert: “O próximo será um
Jimmy Kimmel ainda menos talentoso, e depois, um Jimmy Fallon fraco e muito
inseguro. A única verdadeira questão é, quem será primeiro?”
Ninguém
pode dizer que não foi avisado, sobretudo, após Brendan Carr ter ecoado os
comentários de Trump no Air Force One, horas antes de Kimmel ser suspenso: “Podemos
fazer isto de maneira fácil ou difícil. Estas empresas podem encontrar formas
de mudar o comportamento, de agir, francamente, sobre Kimmel, ou haverá mais
trabalho para a FCC pela frente”, declarou.
A
ex-vice-presidente democrata Kamala Harris retratou a situação como “um
flagrante abuso de poder”. “Este governo está a atacar os críticos e a usar o
medo como arma para silenciar quem se manifesta”, acusou, na rede social X,
acrescentando: “As empresas de comunicação social – de redes de televisão a
jornais – estão a capitular, perante estas ameaças. […] Não se pode ousar ficar
calado ou complacente, perante este ataque frontal à liberdade de expressão. […]
Nós, o Povo, merecemos algo melhor.”
Chuck
Schumer, líder democrata no Senado, responsabilizou o presidente, pela campanha
contra vozes críticas, e pediu a demissão de Brendan Carr, por intimidar a ABC.
O
Sindicato dos Roteiristas da América e o Sindicato dos Atores de Cinema
condenaram a suspensão de Kimmel como uma violação dos direitos constitucionais
de liberdade de expressão. No entanto, no meio das críticas de que a liberdade
de expressão está sob ataque, a questão persiste: “Quem será o próximo?” Trump
parece sabê-lo, pois publicou, no Truth Social, a 18 de setembro:
“Ótimas notícias para a América: O programa de Jimmy Kimmel, com audiências
fracas, foi CANCELADO. Parabéns à ABC por, finalmente, ter a coragem de
fazer o que precisava ser feito. Kimmel não tem TALENTO, e piores audiências do
que até Colbert, se isso é possível. Isso deixa Jimmy e Seth, dois perdedores
totais, na Fake News NBC. As suas audiências também são horríveis. Façam
isso NBC!!! Presidente DJT.”
***
Considerando
que Donald Trump usa o aparelho do governo federal para pressionar empresas a
redefinir o diálogo público, esperemos que, ao invés da ABC, propriedade
da Disney, empresas de media, como a NBC, defendam o direito de os
seus apresentadores se expressarem livremente, nos termos constitucionais, e que
o eleitorado, apoiado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não permita qualquer
Emenda Constitucional que limite as liberdades no EUA, que seria um mau precedente
e um mau exemplo para os demais países.
2025.09.19
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário