domingo, 14 de setembro de 2025

“A Cruz de Jesus é a nossa única e verdadeira esperança”

 

A 14 de setembro, celebrou-se a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Pessoas não cristãs poderão perguntar-se por que exaltar a cruz. Ora, nós não exaltamos uma cruz qualquer ou todas as cruzes: exaltamos a Cruz de Jesus Cristo, porque é nela que foi revelado o máximo amor de Deus pela Humanidade. Assim, na sua reflexão antes do Angelus dominical, a 14 de setembro de 2014, o Papa Francisco afirmou que “a Cruz de Jesus é a nossa única e verdadeira esperança”.

Francisco disse que, “ao olhamos para a Cruz onde Jesus foi pregado, contemplamos o sinal do amor infinito de Deus para cada um de nós e a raiz da nossa salvação: ‘Daquela Cruz vem a misericórdia do Pai que abraça o Mundo inteiro’.”

No século II, o imperador Adriano (117-138), para dissuadir o culto cristão, em Jerusalém, soterrou o local onde Jesus fora crucificado e sepultado. No local do Santo Sepulcro, colocou a estátua de Júpiter e, no da crucifixão, uma estátua de Vénus. Contudo, os cristãos, continuaram a frequentar esses lugares, aí evocando a morte e a ressurreição de Jesus. Mais tarde, a 13 de setembro de 326, Santa Helena, mãe do imperador Constantino (e arvorada a imperatriz), por indicação de um habitante de Jerusalém, descobriu, no local do Calvário, o madeiro da cruz onde Jesus foi crucificado. Demolidas as construções erigidas por Adriano, foi construída uma basílica cristã, cuja dedicação ocorreu a 13 de setembro de 335. No dia seguinte, a cruz lá encontrada foi exposta à adoração dos fiéis. É este facto que está na origem da Festa da Exaltação da Santa Cruz. A cruz de Jesus – que a liturgia da festa nos leva a contemplar – é a suprema expressão do amor do Deus que veio ao nosso encontro, aceitou partilhar a nossa humanidade, quis fazer-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. E, ao entregar a vida na cruz, em dom de amor, Jesus indicou-nos o caminho para chegar à vida plena.

No entanto, em 614, a Cruz foi levada pelos persas, como troféu de guerra. Porém, em 628, o imperador Heráclio recuperou-a e voltou com a Cruz para a Cidade Sagrada, a 14 de setembro. Desde então, celebra-se liturgicamente a festividade neste dia.

Quando a Santa Cruz chegou, novamente, a Jerusalém, o imperador dispôs-se a acompanhá-la em solene procissão, mas vestido com os luxuosos ornamentos reais e logo deu conta de que não era capaz de avançar. Então, o arcebispo de Jerusalém, Zacarias, disse-lhe: “É que todo esse luxo que carregas está em desacordo com o aspeto humilde e doloroso de Cristo, quando carregava a cruz por essas ruas.” Por conseguinte, o imperador despojou-se do manto de luxo e da coroa de ouro e, descalço, começou a percorrer as ruas e pôde seguir a piedosa procissão.

Para evitar novos roubos, o Santo Madeiro foi dividido em quatro pedaços e separados entre Roma e Constantinopla, enquanto o que ficou em Jerusalém foi deixado num belo cofre de prata. Dos quatro fragmentos, foram feitos pequenos pedaços para serem distribuídos por várias Igrejas do Mundo, os quais foram chamados de Vera Cruz ou de Santo Lenho. Nas vidas dos santos, narra-se que Santo António (ou Antão), abade, ao ser atacado por terríveis tentações do demónio, fazia o sinal da cruz e o inimigo fugia. Desde então, tornou-se costume fazer o sinal da cruz para a gente se libertar dos males. Outro facto poderoso e sagrado deste sinal foi mostrado pela Santíssima Virgem Maria que, ao aparecer, pela primeira vez, a Santa Bernardette e, vendo que a menina se quis benzer, Nossa Senhora fez o sinal da cruz bem devagar, para lhe ensinar que é necessário fazê-lo com calma e com devoção.

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A primeira leitura (Nm 21,4b-9) relata um episódio do tempo em que os israelitas vagueavam pelo deserto. Deus pretende corrigir a tendência de Israel para a murmuração e para a ingratidão; mas, verificando que o remédio podia matar o doente, engendra uma estratégia de salvação. A serpente de bronze içada sobre um poste, através da qual Deus cura o seu Povo, sinaliza o amor e a bondade de Deus; e é símbolo da força salvífica que, alguns séculos mais tarde, brotará da cruz de Cristo, o homem levantado ao alto para dar vida a todo o Mundo.

A caminhada pelo deserto dos escravos hebreus libertados do Egito foi repleta das dificuldades mais diversas e arrastou-se por muito tempo. Algumas ficaram marcadas na memória coletiva. Ao cansaço do caminho e aos ataques dos inimigos somavam-se a fome, a sede e o medo das serpentes venenosas que se escondiam nos terrenos pedregosos do deserto e que mordiam os viajantes.

Quando os israelitas se dirigiam para o golfo da Aqaba, ocorreu uma das tantas revoltas do povo contra Moisés e contra o Deus que os atraíra para aquela aventura. Diziam: “Porque nos fizestes sair do Egipto, para morrermos neste deserto? Aqui não há pão nem água e já nos causa fastio este alimento miserável.” Os israelitas estavam presos à mentalidade de escravo. E, confrontados com os riscos que a liberdade implica, sentiam saudades dos tempos em que não eram livres, mas não experimentavam a incomodidade dos caminhos.

Os teólogos redatores do episódio utilizarão o esquema da teologia tradicional: pecado, castigo, conversão, salvação. O pecado do povo consistiu na murmuração contra a ação salvadora de Deus. Deus não aceitou as murmurações dos israelitas ingratos. Por isso, enviou-lhes serpentes que os mordiam e matavam. Ante a resposta de Deus, o povo tomou consciência do seu pecado e pediu perdão. Vendo a reação do povo, Deus ofereceu-lhe os meios para se salvar. Moisés, à ordem de Deus, construiu uma serpente de bronze e colocou-a num poste, à vista dos israelitas. E quem, depois de mordido, olhasse para essa serpente, era salvo.

É, certamente, uma narração etiológica (destinada a explicar uma realidade atual, a partir de um acontecimento de um passado remoto) para justificar porque houve, a certa altura, no Templo de Jerusalém, uma serpente de bronze tornada objeto de culto e que foi destruída pelo rei Ezequias, no quadro de uma reforma religiosa destinada a purificar a religião javista. Aliás, a narrativa encaixa no contexto cultual de Canaã, onde a serpente está ligada a rituais cúlticos de fertilidade e onde muita gente usava amuletos com a figura de serpente para se proteger das forças maléficas e para obter a cura para das enfermidades (as escavações de Guezer, de Meggido e de Meneiyeh (Timna), muito perto do golfo da Aqaba, levaram à descoberta de numerosos exemplares destes amuletos).

A verdade é que, no relato em causa, a serpente de bronze funciona como símbolo da bondade, da misericórdia e do amor de Deus pelo seu Povo. O catequista bíblico sustenta que as rebeliões de Israel contra Deus e a sua recusa em trilhar vias de fidelidade à Aliança nunca impediram Javé de oferecer ao Povo vida em abundância, mesmo quando Israel não o merecia. E a serpente de bronze içada num poste proporcionará ao autor do 4.º Evangelho um símbolo da força salvífica que brota da cruz de Cristo, o homem içado ao alto para dar vida ao Mundo.

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No Evangelho (Jo 3,13-17), Jesus, em conversa com Nicodemos, revela o sentido da Sua presença no meio dos homens: “Deus amou tanto o Mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna.” Esse amor tornar-se-á evidente, quando Jesus, na cruz, entregar a vida por todos. Os que olharem o Crucificado e acolherem o amor que Ele oferece, encontrarão a vida em abundância.

Nicodemos é um fariseu bem-intencionado que procura a luz. Certa noite, vai ter com Jesus, porque intui que Ele é um homem de Deus e acha que Ele o pode guiar em direção à luz, à vida, à “salvação”. Por isso, Nicodemos, interessado em entender o projeto de Jesus, em mergulhar no mistério de Jesus, interroga-se sobre o que Jesus pretende com a pregação pelas aldeias e vilas da Galileia. E Jesus expõe-lhe o projeto que o Pai lhe confiou. Ele “desceu do céu”, por mandato de Deus, para vir ao encontro dos homens e para lhes apontar as vias para a vida verdadeira. Por trás desta iniciativa de Deus, está o amor infinito que Ele sente pelos seus filhos que peregrinam na Terra. Jesus dir-lhes-á, com a vida, palavras e gestos, que Deus os ama com um amor sem igual, e convidá-los-á a acolherem esse amor e a deixarem-se guiar pelo amor.

Chegará o dia em que Jesus enfrentará, na sua missão, os mecanismos de injustiça e de morte que destroem a vida, que geram infelicidade e sofrimento; o dia em que oferecerá a vida até ao extremo, até ao dom total de Si, para fazer nascer um Mundo novo. Será preso, condenado e içado na cruz, à vista de toda a Jerusalém, por causa da sua ação e do seu testemunho; e todos os que passarem por aquele local contemplarão, no homem que entregou a vida para salvar os irmãos, a grandeza imensurável do amor de Deus. Os que olharem para o Crucificado, aprenderem a lição do amor e passarem a viver no amor, terão vida eterna. Serão pessoas renovadas, que se libertaram do egoísmo, da violência, da autossuficiência, da mentira, da maldade, pois, a exemplo de Jesus, optaram por viver no amor, que é fonte de vida nova.

Aqueles que o amor transformar estão destinados à comunhão plena com Deus.

Para que tudo seja claro, para Nicodemos, Jesus recorre a um episódio da História de Israel. Na caminhada do povo pelo deserto, estando perto do golfo da Aqaba, os israelitas murmuraram contra Deus e contra Moisés. Fartos de privações, sentiam saudades do tempo de escravidão no Egito. Deus, para os educar, deixou que fossem mordidos por serpentes. Os israelitas perceberam o sem sentido das críticas à ação de Deus e mostraram-se arrependidos. Então Deus, na sua misericórdia, quis salvá-los. Ordenou a Moisés que fizesse uma serpente de bronze e a colocasse ao alto, sobre um poste; quem, depois de mordido por uma serpente venenosa, olhasse para a serpente de bronze exposta à vista de todos, seria salvo. Ora, como a serpente de bronze, Jesus será, para todos os que O contemplarem, sinal do amor de Deus; e para todos os que O olharem e perceberem a lição do amor, fonte de vida eterna.

Nicodemos pensava que a fonte da vida eterna estava na Lei, mas Jesus garante-lhe que a vida não brota da Lei, mas do amor de Deus, expresso na cruz, onde Jesus Se oferece até ao dom total de Si mesmo. Quem crê no Homem içado na cruz, adere a Ele, aprende com Ele a fazer da vida dom total a Deus e aos irmãos e está disponível para isso destina-se à Vida eterna. E Nicodemos percebeu que a presença de Jesus no Mundo resulta do amor de Deus pelos seus filhos que peregrinam no Mundo e na História; e sabe que acreditar em Jesus e segui-Lo é fonte de vida eterna (“Deus amou tanto o Mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna”). Nicodemos está preparado para entender que o desígnio de Deus sobre o homem não é de condenação e de morte, de salvação e de vida, pois Jesus “não veio julgar e condenar o Mundo, mas salvá-lo”.

Ele veio oferecer a todos os homens, sem exceção, a Vida definitiva. Dirigiu-se a homens pecadores, egoístas, autossuficientes, violentos, injustos, mentirosos, não para os condenar e ostracizar, mas para lhes oferecer a salvação. Mostrou-lhes o sem sentido da maldade e da injustiça e propôs-lhes uma vida nova. Dando a vida por amor, inseriu-os no dinamismo de vida plena. Jesus mostrou-nos, com o seu amor, como pode o mal ser vencido. E, sempre que olhamos para a cruz de Jesus, tomamos consciência isto, celebramos o amor de Deus e a salvação que nos oferece, comprometemo-nos a seguir os passos de Jesus e a construir um Mundo onde o amor vença, tomamos consciência de que somos enviados a testemunhar o amor de Deus (que aprendemos com Jesus), junto dos nossos irmãos, particularmente, dos mais sofredores, dos mais abandonados, dos mais esquecidos.

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Na segunda leitura (Fl 2,6-11), Paulo apresenta aos crentes de Filipos a sua leitura da encarnação de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que Se despojou da dignidade divina e veio ao encontro dos homens, revestido da nossa frágil natureza. Escolheu o caminho da obediência ao Pai e do serviço aos homens, até ao dom da vida. A cruz é a expressão máxima desse caminho e dessa opção. E o apóstolo Paulo pede aos filipenses que aceitem percorrer o caminho de Jesus.

Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – é o motivo do hino, que é, por isso, um hino cristológico. Os filipenses, enquanto discípulos de Cristo, são convidados a olhar para Ele e a conformarem as suas vidas com o exemplo do Mestre, que é como segue.

O hino alude ao contraste entre Adão e Cristo: o primeiro homem, reivindicou ser como Deus, assumiu a atitude de arrogância e de autossuficiência e virou as costas a Deus; Cristo, o Homem Novo, assumiu a atitude de humildade e de obediência a Deus. Assim, a atitude de Adão trouxe sofrimento e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.

A atitude de Cristo é caraterizada como “aniquilação” ou “despojamento” (“kenosis”). Cristo era de condição divina, mas, sem reivindicar, por isso, poder ou privilégios, pôs-se ao serviço do desígnio salvador do Pai. Por conseguinte, aceitou vestir a fragilidade dos seres humanos e tornou-se homem: experimentou as dores e os limites dos homens, conviveu com os dramas dos homens e caminhou com eles, para lhes indicar o caminho que leva à salvação, fez-se servo dos homens, lavou-lhes os pés. E desceu mais: foi contestado, preso, condenado e sofreu a morte infame na cruz, reservada aos malditos e abandonados por Deus. A saga do despojamento parece o cenário do fracasso e de morte, “pouco recomendável”.  

Porém, não é assim que termina o curso de quem obedece a Deus e põe a vida ao serviço do desígnio de Deus. Porque Jesus cumpriu, plenamente o plano do Pai, Deus ressuscitou-O e exaltou-O. Fê-lo vencer a injustiça, o egoísmo e a violência que o tinham condenado a morte maldita. Apresentou-O como modelo para todos os homens e fez dele o “Jesus” (o nome significa “Deus salva”) e o “Kýrios” (“Senhor”: nome que substituía, no Antigo Testamento, o nome impronunciável de Deus); e a Humanidade inteira (“os Céus, a Terra e os Infernos”) reconhece o Cristo que se despojou de tudo para obedecer ao Pai como “o Senhor” que reina sobre toda a Terra e que preside à História. Por isso Paulo desafia todos os crentes a libertarem-se do orgulho, da autossuficiência e do fechamento a Deus, a aprenderem com Cristo a pôr a vida ao serviço do plano de Deus, tornando-se servos de todos, amando sem medida. E terão a glória, a Vida plena.

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Como o salmista e com o orante do tempo da Igreja, cantamos:

“Não esqueçais as obras do Senhor.”

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“Escuta, meu povo, a minha instrução, / presta ouvidos às palavras da minha boca. / Vou falar em forma de provérbio, / vou revelar os mistérios dos tempos antigos.

“Quando Deus castigava os antigos, eles O procuravam, / tornavam a voltar-se para Ele / e recordavam-se de que Deus era o seu protetor, / o Altíssimo o seu redentor.

“Eles, porém, enganavam-No com a boca / e mentiam-Lhe com a língua; / o seu coração não era sincero, / nem eram fiéis à sua aliança.

“Mas Deus, compadecido, perdoava o pecado / e não os exterminava. / Muitas vezes reprimia a sua cólera / e não executava toda a sua ira.

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“Aleluia. Aleluia. Nós adoramos-Te e bendizemos-Te, Senhor Jesus Cristo, que pela tua santa cruz remiste o Mundo.”

2025.09.14 – Louro de Carvalho

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