terça-feira, 30 de setembro de 2025

Nova versão da Lei de estrangeiros foi aprovada no Parlamento

 

O governo vangloriou-se do “equilíbrio” do novo diploma, acabado de aprovar na Assembleia da República (AR), a 30 de setembro, após a correção das normas rejeitadas pelo Tribunal Constitucional (TC), a que se seguiu o obrigatório veto do Presidente da República (PR).
O primeiro-ministro (PM), no mesmo dia, à margem de uma ação de campanha autárquica em Cascais, mostrara-se com “expetativa muito positiva”, no atinente à aprovação da lei na AR. E, questionado sobre o acordo com o partido de André Ventura para a aprovação da lei, disse que os “partidos com maior representatividade devem mostrar o seu sentido de responsabilidade, ignorando eventual contrapartida conexa com prestações sociais.
Apesar das intensas negociações, nestes dias, do Partido Social Democrata (PSD) com os partidos da oposição – nomeadamente, o partido do Chega (tendo mesmo sido formado um grupo de trabalho entre deputados dos dois partidos) e com a tentativa de abertura ao diálogo da parte do Partido Socialista, que pouco adiantou –, no começo da discussão, a 30 de setembro (na generalidade, na especialidade e na votação final), ainda não se vislumbrava desfecho positivo.  
O PSD e o PS divergiram sobre se houve abertura para negociações e ficou a dúvida se haverá discussão sobre atribuição de apoios sociais a imigrantes, que o Chega queria restringir.
Supostamente resolvidas as questões de inconstitucionalidade declaradas pelo TC, mormente, quanto ao reagrupamento familiar, o PSD esteve em negociações com o Chega, quase até à hora da votação, e entabulou uma negociação com o PS, na manhã do dia 30, quase à hora do debate.
Apesar de ténue beneplácito para com algumas propostas de alteração, por parte do PS, este não alinhou na aprovação do diploma. Todavia, o governo garantiu a aprovação global da sua proposta de lei, com os votos a favor de toda a direita – o PSD, o Chega, a Iniciativa Liberal (IL) e o partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP) – e o Juntos pelo Povo (JPP) e com os votos contra do PS, do Livre, do Partido Comunista Português (PCP), do Bloco de Esquerda (BE) e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN).
Para concitar a aprovação do Chega, o executivo comprometeu-se a discutir a norma sobre a fiscalização e o combate a abusos relativos a imigrantes nos apoios sociais, mas procrastinou regulamentação neste sentido, se necessária. O Chega pretendia que os imigrantes fossem obrigados a descontar para a Segurança Social, durante cinco anos, antes de acederem aos benefícios, o que o TC julgou ilegal em 2024. Aliás, ainda no dia 29, André Ventura dizia que, se o governo não aceitasse tal objetivo do Chega, não haveria lei. Porém, o objetivo não ficou explanado no diploma, que o Chega viabilizou, num recuo, face à posição inicial.
Contudo, segundo fonte do partido, ainda que a redação final da lei que sairá da AR não regule a exigência de André Ventura, tocará na questão dos apoios. E a sua expectativa é que o PSD aprove, no futuro, propostas de alteração do Chega, para que o Chega também aprove o articulado proposto por PSD e CDS.
Não obstante, o PSD negou que haja acordo do PSD com o Chega para que, posteriormente, se regulamente um tratamento especial para o acesso de imigrantes a prestações sociais (com prazos maiores do que para os portugueses). “Isso está completamente excluído nesta lei e, portanto, não há matéria para que nós possamos evoluir sobre isso”, declarou o líder parlamentar e secretário-geral do PSD, Hugo Soares, aos jornalistas, após a votação do decreto, vincando que “fará sempre parte do ADN” do PSD a luta contra a fraude na obtenção de apoios sociais, pelo que, nessa matéria não é preciso “fazer nenhuma cedência nem nenhum acordo com qualquer partido”.
Além disso, o governo aceitou uma das propostas do PS relativa a acordos bilaterais para imigração, que foi aprovada pelo PSD, na especialidade. A este respeito, o secretário-geral do PS afirmou que o seu partido teve “uma atitude de grande responsabilidade” e apresentou uma série de propostas, nomeadamente, sobre o reagrupamento familiar, que não foram aceites. Na verdade, houve negociações de última hora com o PS, para garantir um acordo mais transversal, tendo o PS sido acusado de não querer participar na aprovação da lei, por insistir no mecanismo de declaração de interesses, o que o partido negou.
Todavia, questionado sobre o processo, José Luís Carneiro recusou que tenha havido negociação, porque “não se pode falar de um processo negocial que começou às 10 horas” e que arrancou depois de o PS ter disponibilizado as suas propostas no final da tarde do dia 29.

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São de registar alguns passos, bem como algumas declarações proferidas no e a propósito debate, a que assistiram lideranças migrantes em Portugal, como Ana Paula Costa, presidente da Casa do Brasil, Cyntia de Paula, representante da comunidade brasileira no Conselho Nacional das Migrações e Asilo e, ainda, Geysi Fernandes, do partido Livre.
O deputado António Rodrigues, do PSD, começou por dizer que não se trata de “uma segunda votação”, mas da análise dos pontos rejeitados pelo TC, tendo as normas polémicas sido refeitas, com o governo sensível ao reagrupamento familiar, em especial, “quando há filhos menores”.
António Leitão Amaro, ministro da Presidência, fez uma recapitulação da política migratória do passado, em crítica ao PS, classificando esta política de irresponsável e prejudicial aos imigrantes. Rejeitou a instrumentalização dos imigrantes, em referência ao Chega, e disse que o seu partido quer “regular e tratar com humanismo”. Considerou que o dia é “decisivo” e que os partidos precisam de dizer “sim ou não à regulação da imigração”, pois é o momento das escolhas, ou seja, de se saber quem é que quer ou não a imigração regulada. E terminou, dizendo: “A História julgará cada um dos que aqui se levantarem.”
Andreia Galvão, deputada única do BE, criticou a proposta do governo, atacou os vistos gold e a abertura do país a estrangeiros com maior capacidade financeira. E falou de uma “lei cruel para quem não é gold”. “Dá votos atacar quem é mais frágil”, ironizou a deputada, recordando que “há milhares de pessoas nascidas em Portugal que não têm documentos”.
O deputado do PS, Pedro Delgado Alves, começou por defender as mudanças na lei, pedindo a exclusão do não limite de prazo para o pedido de reagrupamento familiar para vistos gold, “para cumprir a Constituição”, e afirmou que o seu partido “não acompanha” a atual versão da lei proposta pelo executivo. Tal como no dia anterior, o deputado disse que o governo “deu uma resposta de forma satisfatória” a alguns pontos considerados inconstitucionais pela Justiça, apesar de insuficiente aos olhos do PS. E insistiu que o futuro passa por “acordo bilaterais”, manifestando os socialistas como aspirantes a parceiro preferencial do governo, ao reiterar que o PS está “recetivo para prestar contas” e para “evitar tentações populistas”.
João Almeida, do CDS-PP, partido que integra o governo, criticou o “PS e a esquerda”, por trazerem “imigrantes sem condições e sem dignidade”, e frisou que tal situação é “inaceitável”, para o Estado e para os imigrantes.
Cristina Rodrigues, deputada do Chega, sinalizou o voto positivo do partido, ao dizer que a atual versão “parece suficiente”, mas que “é preciso ir mais longe, para, efetivamente, regular a política migratória”, e terminou, defendendo a remigração e a deportação em massa, para quem “não quiser cumprir” as leis.
A deputada atirou-se ao PR, acusando-o de não ter sabido “respeitar a decisão dos portugueses”. E, sobre alguns dos juízes do TC, que acusou de ativismo judicial, lembrou que o Chega prometera uma manifestação contra a rejeição perpetrada pelo Tribunal, que foi adiada devido aos incêndios e nunca foi remarcada, e sentenciou: “Os juízes que querem ser políticos devem pedir escusas das suas funções e juntarem-se ao BE e ao PS.”
Entretanto, Paulo Muacho, deputado do Livre, criticou o governo de Luís Montenegro, que apregoou o “não é não”, mas “fechou negócio com a extrema-direita”, para a aprovação da lei. Para o Livre, a imigração é uma forma de responder a um país “cada vez mais despovoado” e, por isso, o deputado lamentou que tenha encontrado antes “um debate de oportunismo político de quem promove o ódio e divisão”.
Rui Rocha, líder da IL, começou a sua declaração com críticas aos imigrantes que “não respeitam as minorias e as mulheres”, nem a “separação entre o Estado e a religião”, em referência aos imigrantes de religiões orientais. E culpou o PS, pela escolha da política migratória para a “sustentabilidade da Segurança Social”, de modo rápido, vincando que o multiculturalismo “não funcionou, não funciona e não funcionará” e insultou os partidos mais à esquerda, por serem “ingénuos, sonsos, ressabiados e ortodoxos”. Porém, declarando que a IL votaria a favor proposta do governo, anunciou o voto a favor com exasperação, desejando que o assunto fosse encerrado, de vez, e que a lei fosse aprovada, sem mais demoras. E queixou-se de que a AR “perdeu tempo demais”, a discutir a imigração, e clarificou a posição do seu partido: “Quem tem trabalho e quem cumpre fica. Quem fica um tempo alargado e adere aos princípios fundacionais da nossa sociedade pode aspirar à nossa nacionalidade.”
Os comunistas disseram-se insatisfeitos com a nova versão da lei, em especial, pelas restrições ao reagrupamento familiar e falam em “ataque aos imigrantes”.
Em geral, na esquerda, houve queixas de contra o governo e contra o PSD, por se aliarem ao Chega, na restrição da imigração e nos limites ao acesso da comunidade estrangeira a vistos de trabalho e de residência.
O ministro da Presidência elogiou as propostas do PS, mas sinalizando as discordâncias. Usou a palavra “equilíbrio”, por várias vezes, considerando que a proposta do governo “torna as regras claras do que é, hoje, consensual na sociedade portuguesa”. “Fizemos tudo para ter uma lei dos estrangeiros que regule estes fluxos. Esse tempo de uma política de imigração irresponsável terminou. Fizemos uma lei que é irrecusável para qualquer partido moderado e de bom senso”, declarou Leitão Amaro, garantindo o cumprimento das exigências do TC e vincando a urgência do “passo decisivo para tratar e integrar” imigrantes “com humanidade”.
E, mais tarde, não deixou de elogiar a “posição construtiva” de IL, Chega “e mesmo do Partido Socialista”, apesar da discordância, quanto aos prazos dos vistos de trabalho.
Rita Matias, deputada do Chega, atacou imigrantes, clamou que “os portugueses estão a ficar para trás” e disse que, “graças ao Chega”, a lei será aprovada. Terminou a sua declaração com mais ataques aos imigrantes, dizendo que a base de Portugal é a “família portuguesa”, pelo que defende a remigração “dos que não se integram”.
Após a primeira fase de debates, que remeteu a votação para o fim da sessão, após a discussão de outros dois projetos, Leitão Amaro saiu do plenário, para “negociar tanto com o PS, como com o Chega, tendo as conversações decorrido numa sala da AR, tanto com a presença de deputados como por chamadas telefónicas. A proposta do Chega em proibir apoios sociais a imigrantes antes de cinco anos de residência “nem sequer foi analisada”, nem já estava em negociação. Já as negociações com o PS incluíam mudanças pontuais no reagrupamento familiar e no visto de procura de trabalho.
As primeiras propostas de alterações, do PS e do Livre, foram rejeitadas. Já na votação da especialidade, algumas alterações tiveram votos favoráveis do PS e outras do Chega, o que mostra a realização de negociações com ambos os partidos. Porém, o teor das alterações não estava disponível durante a sessão.
Os votos do Chega ajudaram o governo a aprovar a nova lei dos estrangeiros. A IL também votou favoravelmente. O PS e os demais partidos de esquerda votaram contra.
O diploma aprovado será enviado, com a maior brevidade, ao chefe de Estado, que dispõe de oito dias para apreciação, mas que, em declarações, na semana anterior, já sinalizou que sancionaria a legislação, reforçando que não se lembra de ter vetado ou mandado, uma segunda vez, para o TC um diploma. E, para que, realmente, passe a valer, na prática, é preciso, depois, que o diploma seja publicado em Diário da República (DR), onde constará quando entra em vigor. Uma das possibilidades é que seja já no dia seguinte à data da publicação.
Ainda não é possível saber, com exatidão, a versão final do texto, porque foram aprovadas alterações, na votação, que não foram publicadas.
Paulo Muacho, deputado do Livre, defende que o texto da lei aprovado seja enviado, novamente, ao TC, para avaliação. E o líder do PS chamou a aprovação perto das eleições municipais como um gesto “eleitoralista” e criticou a aliança do governo com o Chega para aprovar a lei. Segundo José Luís Carneiro, o voto contra do PS ocorreu, porque o governo não quis acolher as propostas do partido, que, em sua análise, “são boas para o país”.
Em declarações, ao final da votação, o deputado do PSD, Hugo Soares, repetiu, por diversas vezes, que a vitória é dos “portugueses e das portuguesas” e afastou que tenha havido um acordo com o Chega. “Se formos sérios, então falemos do JPP e da IL”, disse, sem referir que estes votos não foram decisivos na aprovação, diferente dos votos do partido de André Ventura. E, sobre uma possível alteração na lei sugerida pelo Chega, de que os imigrantes só tenham acesso a apoios sociais, após cinco anos, o deputado afastou a ideia, ao afirmar que “o combate ao abuso e à fraude no acesso às proteções sociais, deve ser um combate por todos”, sem apresentar dados que comprovem um abuso ou fraude, neste tema, por parte dos imigrantes.
O presidente do PSD sublinhou que houve “diálogo com todos” e foram aprovadas propostas do PS e do Chega, na especialidade, considerando “um sinal dos tempos” que tenham votado o diploma de forma diferente. “É um sinal dos tempos: na anterior legislatura colaboraram entre eles contra o governo; agora, têm alguns pruridos de estar os dois a colaborar com o governo a favor do país”, atirou. E, dizendo não querer meter-se “nas estratégias partidárias”, reiterou: “Há uma coisa que não podem dizer, que os partidos da maioria não colaboraram com todos e não aprovaram as medidas que consideraram positivas.”

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Tanto quanto parece (não se conhece a redação final, que deveria ser fiel ao votado em plenário), alguns dos aspetos apontados pelo TC não terão sido propriamente corrigidos, mas apenas contornados, e outros que se mantiveram como princípio, remeteram os dados positivos para o regime das exceções, o que não é sério. Por isso, o TC deveria ser chamado a verificar se as nomas que foram objeto de reparo foram efetivamente corrigidas. Não colhe o argumento de o PR não ter remetido ao TC um diploma, pela segunda vez. Acresce, ainda, que o PR tem a prerrogativa do veto político, que deveria utilizar, mesmo que não veja inconstitucionalidades no diploma, mas se ele ferir os princípios do são humanismo a que a República se vinculou.

2025.09.30 – Louro de Carvalho

Mais estudos sobre a desigualdade de riqueza na Europa e no Mundo

 

A distribuição da riqueza é um dos indicadores significativos da igualdade ou da desigualdade na sociedade; e, embora desigual, na maioria dos países, o nível de desigualdade é importante.
De acordo com o Banco Central Europeu (BCE), no primeiro trimestre de 2025, o grupo das famílias 10% mais ricas da Zona Euro detinha 57,4% da riqueza líquida total, enquanto o grupo dos 5% mais ricos representava 44,5%. Em contraponto, o grupo das famílias 50% mais pobres detinha apenas cerca de 5% da riqueza. São números que mostram a notória desigualdade na distribuição da riqueza na Europa.
Sendo assim, convém saber como está a riqueza distribuída na Europa, quais são os seus países com os valores mais elevados e mais baixos de desigualdade de riqueza e quais são as principais razões que determinam as diferenças na desigualdade de riqueza?
O Relatório sobre Riqueza Global 2025 da UBS, que abrange 56 países e mercados, que representam mais de 92% da riqueza mundial, revela o índice de Gini da desigualdade de riqueza, na Europa, a partir de 2024. O coeficiente de Gini mede a desigualdade de distribuição da riqueza, num país, na escala entre 0 (zero) e 1 (um), em que valor mais elevado indica maior desigualdade, enquanto um valor de 0 representa igualdade total.
Nos termos do relatório, a Suécia regista a maior desigualdade de riqueza, com um coeficiente de Gini de 0,75, enquanto a Eslováquia regista a menor, com 0,38.
Os países da União Europeia (UE) detêm apenas 16,6% da riqueza pessoal do Mundo. Porém, na Europa, a riqueza pessoal aumenta para 22,3%, quando se incluem mais quatro países.
Os Estados Unidos da América (EUA) detêm mais de um terço e a China cerca de um quinto. Em conjunto, estas duas potências controlam 54% da riqueza mundial.
Falando da Europa, é de referir que, além da Suécia, a desigualdade de riqueza é elevada na Turquia (0,73), em Chipre (0,72), na Chéquia (0,72) e na Letónia (0,7), todos com valores superiores a 0,7. No fundo da tabela, estão a Bélgica (0,47) e Malta (0,48), seguindo-se a Eslováquia com coeficientes de Gini inferiores a 0,5.
Entre as cinco maiores economias da Europa, a Alemanha regista o nível mais elevado de desigualdade de riqueza, com 0,68, enquanto os resultados são muito mais próximos nos outros países: a Espanha (0,56) tem o nível mais baixo, seguida da Itália (0,57), do Reino Unido (0,58) e da França (0,59). E a Suécia costuma ser descrita como um modelo de igualdade social, em muitos domínios, mas a distribuição da riqueza é das mais desiguais da Europa.
Os críticos argumentam que o “mapa partilhado” da cultura sueca, que ignora tudo o que surgiu depois de 1975, é nacionalista e promove a exclusão. Depois de vários anos de trabalho e de um trabalho de oito milhões de coroas (cerca de 727 mil euros), o historiador Lars Trägårdh entregou o cânone cultural sueco à ministra da Cultura. A lista, que pretende definir o que significa ser sueco e estabelecer um “mapa e uma bússola comuns”, para cidadãos e para recém-chegados ao país, tem sido uma espécie de projeto de estimação dos Democratas Suecos, partido nacionalista e anti-imigração, tendo feito parte do manifesto eleitoral da coligação de direita no poder.
Lisa Pelling, diretora do think tank Arena Idé, sediado em Estocolmo, apresenta várias razões para a desigual distribuição da riqueza, na Suécia. Entre elas, conta-se a abolição de uma série de impostos sobre o património, nas últimas décadas. A Suécia também não tributa as heranças, as doações ou a propriedade. E os impostos sobre as empresas são muito baixos, o que cria muitas “possibilidades para os ricos ficarem ainda mais ricos”.
A percentagem de riqueza dos 5% mais ricos da população é outro bom indicador da distribuição da riqueza. De acordo com o BCE, em 20 países da UE, esta percentagem variou entre 30,8%, em Malta, e 54%, na Letónia, no primeiro trimestre de 2025.
Além de Malta, Chipre (31,4%), os Países Baixos (32,8%), a Grécia (33%) e a Eslováquia (34,4%) registam a menor desigualdade de riqueza. Em contraponto, a seguir à Letónia, a Áustria (53,1%) e a Lituânia (51,7%) apresentam as percentagens mais elevadas, com os 5% do topo a deterem mais de metade da riqueza líquida total das famílias do país.
As classificações são globalmente similares para os 10% mais ricos das sociedades, com apenas ligeiras alterações, variando entre 42,7%, em Malta, e 64%, na Letónia e na Áustria.
A percentagem detida pelos 10% mais ricos é inferior a 50%, na Eslováquia (44,1%), em Chipre (44,8%), na Grécia (45,4%), nos Países Baixos (46,2%) e na Irlanda (48,6%).
Para lá da Letónia e da Áustria, a Alemanha (60,5%) e a Itália (60,3%) são os outros dois países onde os 10% mais ricos da população detêm também mais de 60% da riqueza líquida. Este valor ascende a 54,8%, na França, e a 53,4%, na Espanha.
Carlos Vacas-Soriano e Eszter Sándor, gestores de investigação da Eurofound, sublinharam que as taxas de propriedade de habitação constituem é um dos principais fatores que contribuem para as diferenças na distribuição da riqueza. Os países com níveis mais elevados de propriedade de habitação tendem a ter menor desigualdade de riqueza, enquanto os países onde o acesso a outros ativos financeiros é mais generalizado tendem a maior desigualdade.

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O Relatório “Ter e não ter – Como ultrapassar a desigualdade de oportunidades”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), recentemente divulgado, coloca Portugal em segundo lugar na lista dos países onde foi identificada maior disparidade. Em 29 dos países estudados, Portugal só é ultrapassado pelos EUA. E, juntando à tabela mais três nações em vias de adesão à OCDE – e também alvo de análise –, o nosso país passa para 4.º, entre 32, partilhando a liderança dos piores também com a Bulgária (1.º) e a Roménia (2.º).
Cerca de um quarto das desigualdades de rendimentos podem ser atribuídas a circunstâncias herdadas, como o género, o local de nascimento e o contexto socioeconómico dos pais”, conclui e relatório da OCDE, o primeiro a ser publicado no âmbito do Observatório sobre Mobilidade Social e Igualdade de Oportunidades, criado em 2022. Esse efeito varia, significativamente, entre os vários países, oscilando entre menos de 20%, como na Suíça, na Finlândia, na Dinamarca e na Islândia, ou acima de 35%, como é o caso de Portugal, mas também da Espanha, da Bélgica ou da Irlanda.
Para a OCDE, o peso de fatores externos “sugere que uma parcela significativa da disparidade de rendimentos é moldada por fatores herdados”, não pelos próprios esforços ou méritos, o que reforça “a influência persistente do contexto socioeconómico nos resultados de vida”. A origem socioeconómica dos pais desempenha “papel fundamental na definição das oportunidades de vida”. E a OCDE assinala que, na maioria dos países, esse aspeto contribui para mais de 60% da desigualdade, observada a nível dos agregados familiares e, em alguns casos, para mais de 75%.
Em Portugal, em particular, a profissão do pai tem impacto significativo, seguido pela profissão da mãe. E a OCDE refere que Portugal pertence a um grupo de países caraterizados pela “alta importância da ocupação de ambos os pais na formação da desigualdade de oportunidades”, assim como pela influência de fatores ambientais da infância, em particular, a situação de propriedade da casa e o grau de urbanização”.
Também o local onde a pessoa cresce tem influência essencial e duradoura. Assim, em alguns países da OCDE, as pessoas que vivem em regiões desfavorecidas têm entre seis e dez vezes mais probabilidade de serem pobres do que os seus pares em regiões mais favorecidas. Quem nasce em regiões com baixos rendimentos enfrenta barreiras persistentes no acesso à educação, ao emprego e à mobilidade social e tem menor probabilidade de se mudar devido a maiores restrições sociais e financeiras. “Os alunos em áreas rurais, por exemplo, apresentam, sistematicamente, um desempenho inferior ao dos seus pares em zonas urbanas e tendem a enfrentar uma transição mais difícil da escola para o mercado de trabalho”, sustenta o relatório.
Contudo, em alguns países, como Portugal, a Estónia e a Nova Zelândia, os alunos das zonas rurais têm melhores desempenhos a Matemática do que os colegas urbanos, apesar de a proporção de pessoas com acesso a escola num raio de 15 minutos de carro ser, significativamente, mais baixa nas zonas rurais do que nas cidades, pela diferença de, pelo menos, 10%.
As perspetivas de transição bem-sucedida da escola para o trabalho também dependem do local de morada. Em média, nos países da OCDE, a percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que não estão empregados, nem a estudar ou em formação varia em 13% entre as regiões com melhor e pior desempenho. E o relatório acusa a persistência de lacunas regionais significativas no acesso aos serviços de saúde, à Internet e aos transportes públicos. Um dos parâmetros medidos foi a distância a que habitam de uma unidade hospitalar. A maioria dos habitantes da OCDE fica a 30 minutos de um hospital. Nos países com maior produto interno bruto (PIB) per capita, 96% da população vive a essa distância de um atendimento de urgência. Em Portugal, que fica no fim da lista, são apenas 18%.
Há também a desigualdade de género. Mesmo em países com baixos níveis globais de desigualdade de oportunidades, há disparidades significativas. Por exemplo, as diferenças de género, em termos de oportunidades, são relativamente limitadas, quando medidas ao nível do rendimento do agregado familiar, visto que a partilha de recursos no seio do agregado tende a compensar, parcialmente, as disparidades individuais. E os efeitos do género tornam-se mais evidentes, quando se mede a desigualdade de oportunidades, em termos de rendimento individual.
A disparidade de rendimentos das mulheres é explicada, em parte, pela maior dificuldade de acesso a determinadas profissões (segregação ocupacional), pela discriminação na contratação e na promoção, face a candidatos homens, e por normas socioculturais, “que moldam as escolhas e as oportunidades”.
No atinente às diferenças entre gerações, na maioria dos países da OCDE, as gerações mais jovens tendem a enfrentar níveis mais elevados de desigualdade de oportunidades do que as gerações anteriores na mesma idade. Porém, a OCDE frisa que as políticas públicas podem contribuir para uma situação mais equilibrada, estando o desafio fundamental em garantir respostas adaptadas às barreiras dos indivíduos e às suas famílias, com o apoio adequado.
Os impostos sobre o rendimento e sobre a riqueza desempenha papel crucial na garantia de condições mais equilibradas. Assim, de acordo com a OCDE, “regimes tributários progressivos bem elaborados contribuem para reduzir a desigualdade de oportunidades, na maioria dos países”; e “a percentagem média de desigualdade de rendimento atribuível às circunstâncias que estão fora do controlo dos indivíduos fica 12% mais baixa, depois da aplicação de impostos sobre o rendimento e [sobre] a riqueza”. E, “em países como a Bélgica, Portugal e a Suécia, essa parcela sobe para mais de 20%”, indica o relatório, sustentando que “este forte efeito mitigador, provavelmente, está relacionado com o facto de os impostos sobre os rendimentos e [sobre] a riqueza tenderem a ser progressivos e serem pagos, principalmente, por famílias menos afetadas pelas circunstâncias desfavoráveis”.
Por conseguinte, a OCDE alerta para a necessidade de “políticas eficazes que promovam um maior acesso aos principais motores das oportunidades económicas”, nomeadamente, a educação e a formação, o emprego e os serviços essenciais, bem como a “distribuição mais equitativa das oportunidades entre os territórios, reduzindo as disparidades geográficas”.

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Em termos globais, segundo o Relatório sobre Riqueza Global 2025 da UBS, o Mundo ficou mais rico, novamente, em 2024, mas o cenário é misto. De facto, após um declínio, em 2022, a riqueza global aumentou, em 2024, na esteira de um 2023 dinâmico, mas a velocidade de crescimento está longe de ser uniforme, nos mercados analisados.
Em 2023, a recuperação da riqueza foi impulsionada principalmente pelo crescimento na Europa, e Médio Oriente e África (EMEA). Em contraponto, em 2024, o crescimento da riqueza inclinou-se, fortemente, para a América do Norte, graças à estabilidade do dólar norte-americano e ao otimismo dos mercados financeiros. Os EUA e a China continental, juntos, respondem por mais da metade do património familiar. E persiste significativa lacuna na riqueza, por adulto, entre a América do Norte e a Oceânia, por um lado, e as demais sub-regiões do Mundo, por outro.
Sem considerar as oscilações anuais individuais, houve aumento acentuado e consistente da riqueza, em todo o Mundo, desde o início do milénio, tanto em geral, como em cada uma das principais regiões. A faixa mais baixa de riqueza (isto é, abaixo de 10 mil dólares) continua a diminuir, ano após ano. A riqueza está a aumentar de forma constante, mesmo após o ajuste pela inflação. Desde 2000, a riqueza total, líquida de dívida e inflação, aumentou à taxa de crescimento anual composta de 3,4%. Espera-se que essa dinâmica, continue ao longo da segunda metade da década, embora com velocidade variável entre as diversas regiões.
Apresentando o Emily Everyday Millionaire (Milionário do Dia a Dia) – expressão que representa a crescente classe de pessoas que acumularam mais de um milhão de dólares em património –, uma categoria de investidores negligenciada, mas em crescimento, o relatório apresenta uma nova categoria de investidores. Os “Everyday Millionaires” ou, simplesmente, EMILLS, classe crescente de pessoas com mais de um milhão em ativos (entre um a cinco milhões), mas que não, herdaram, necessariamente, a sua fortuna, nem têm rendimentos muito altos, mais do que quadruplicaram, no Mundo, desde 2000, chegando a cerca de 52 milhões. No final de 2024, representavam cerca de 107 triliões de dólares do património total, isto é, mais de quatro vezes o valor registado no final de 2000, equivalente a mais de 2,5 vezes, em termos reais. O valor também se aproxima dos 119 triliões de dólares detidos por pessoas com património acima de cinco milhões de dólares. Embora a taxa de crescimento no número de EMILLIS varie entre os mercados, a tendência ascendente de longo prazo é visível em quase toda a parte.
O número de novos milionários em dólares norte americanos está a aumentar, com mais de cinco milhões projetados, até 2029.  O Mundo somou mais de 680 mil novos milionários em dólares norte-americanos, em 2024, um aumento de 1,2%. Em termos percentuais, o maior aumento ocorreu na Turquia, ultrapassando a marca de 8%, com os Emirados Árabes Unidos em segundo lugar, graças a uma expansão de 5,8%. Estima-se que o número de milionários em dólares norte-americanos continuará a aumentar na maioria dos 56 mercados em referência. Mais 5,34 milhões de pessoas se juntarão ao grupo de milionários em dólares norte-americanos do Mundo, até 2029, um aumento de quase 9%, face a 2024.

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Enfim, cada vez os ricos são mais ricos e o número de ricos aumenta, ao passo que os pobres ficam a ver navios, pois ficam, dia a dia, mais pobres. Isto exige intervenção dos Estados e mudança de mentalidades.

2025.09.29 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Se os cristãos “lessem” a Bíblia, as desigualdades ficariam esbatidas

 

Os textos litúrgicos do 26.º domingo do Tempo Comum no Ano C deviam interpelar-nos sobre o modo como entendemos que Deus vê as desigualdades gritantes que fazem sofrer tantos milhões dos seus filhos, a par dos que apodrecem instalados numa vida de bem-estar, insensíveis e indiferentes à sorte dos irmãos. Todavia, a maior parte dos cristãos não lê a Bíblia ou lê-a em diagonal. E, se ouve a proclamação dos seus textos, percebe-a como um ritual ou pensa que os males eram do outro tempo ou, ainda, dedica-lhes a natural dose de desatenção.
Ora, o desígnio de Deus para o Mundo é avesso à injustiça, à exploração, à apropriação, por parte de alguns, dos bens que pertencem a todos. Deus quer, para todos os seus filhos, uma vida digna, plena e feliz. Por outras palavras, o destino dos bens da Terra é universal, sendo que a sua apropriação deve contemplar, antes de mais, o bem-estar de todos; e o aumento da apropriação é instrumental, ou seja, visa o aumento da produção de riqueza, para obviar, ulteriormente, à equânime distribuição. Isto não é comunismo, mas cristianismo puro. E foi o desrespeito por este quesito humano e cristão fundamental que deu azo a que a bandeira da solidariedade e da fraternidade fosse capturada, historicamente, por outrem.

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O profeta Amós (Am 6,1a.4-7) denuncia, violentamente, o egoísmo dos ricos e poderosos, agarrados à vida de luxo e esbanjamento, indiferentes à sorte dos pequenos e dos pobres; e adverte que Deus não suporta uma situação que contrasta com o projeto que sonhou para as pessoas. “As pessoas, primeiro”, não é um slogan do século XXI, mas de tempos imemoriais. Se Israel insistir em continuar nesse caminho, sofrerá as consequências das escolhas egoístas.
Na denúncia profética de Amós, os que se encontram às portas da morte, por causa dos seus erros, são a gente rica de Jerusalém (“ai dos que vivem comodamente em Sião”) e da Samaria (“ai dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria”), que vive, comodamente, em palácios, com vida de indolência e de luxo. O profeta dá pormenores: “deitados em leitos de marfim, estendidos nos seus divãs, comem os cordeiros do rebanho e os vitelos do estábulo; improvisam ao som da lira e cantam, como David, as suas próprias melodias; bebem o vinho em grandes taças e perfumam-se com finos unguentos”.
Obviamente, não é mau viver bem e “aproveitar a vida”. Porém, Deus condena este estilo de vida. E são duas as razões basilares. A primeira, embora não formulada, explicitamente, no trecho em apreço, está sempre presente na sua denúncia profética. Todo este luxo e esbanjamento resultam da exploração dos mais pobres e das rapinas e das prepotências cometidas contra os fracos. Os mecanismos de injustiça que a sociedade israelita criou e que se traduz na exploração dos pobres, subverte, completamente, o desígnio de Deus para o seu Povo e atenta, gravemente, contra os compromissos que Israel assumiu, no âmbito da Aliança. A segunda razão é que ninguém tem o direito de viver uma vida cómoda e confortável, sem se preocupar com a miséria e o sofrimento que afligem os seus irmãos. A indiferença, ante a sorte dos pequenos, dos desprezados, dos injustiçados, dos desfavorecidos, é um pecado que Deus não ignora. Com a veemência e com a integridade de um homem do deserto, Amós anuncia que Deus não aceita ser cúmplice dos que mantêm um elevado nível de vida, à custa do sangue e das lágrimas dos pobres. Por isso, o castigo chegará em forma de exílio numa terra estrangeira. O profeta refere-se à futura queda da Samaria nas mãos das tropas assírias de Salamanasar V, em 721 a.C., e à partida da classe dirigente, indolente e egoísta, para o cativeiro na Assíria.

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O Evangelho (Lc 16,19-31) oferece-nos a parábola do rico e do pobre Lázaro, para nos dizer que é má opção assentar vida no dinheiro, no bem-estar, no conforto, nos interesses egoístas. Quem goza a vida, indiferente ao sofrimento dos irmãos, falha o sentido da existência. Há de perceber, quando fizer as contas finais, que a sua vida não valeu para nada.
A parábola em causa gravita em torno de duas figuras contrastantes: o rico não identificado (entre nós, os ricos têm nome pomposo) e um pobre chamado Lázaro (o nome significa “Deus ajuda”) (entre nós, os pobres nem a um nome têm direito ou damos-lhes nomes pejorativos).
O rico exibe os traços caraterizadores da classe alta endinheirada, que residia em Tiberíades, em Séforis ou em Jerusalém. Vestia-se de púrpura e de linho, tecidos valiosos reservados a gente rica. A púrpura designava a cor da tinta obtida a partir da secreção de algumas espécies de moluscos, usada para tingir os tecidos; o seu alto custo tornava-a acessível apenas a gente com muitas posses. O linho, usado para as roupas interiores, era importado do Egito. Além disso, o rico “banqueteava-se, esplendidamente todos os dias”, um insólito em região onde a maior parte da população tinha dificuldade em assegurar o pão de cada dia. Não se diz se o homem era bom ou mau, se frequentava ou não o Templo, se tratava bem ou mal os empregados. Sublinha-se a sua indiferença e insensibilidade para com o vizinho que jazia à sua porta.
O pobre Lázaro, “jazia junto do portão do rico”. Não se vestia de roupas finas, mas de andrajos e “de chagas”. Provavelmente, a enfermidade impedia-o de se mover. O portão junto do qual jazia era a entrada da magnífica casa do rico. Tinha fome. Ficaria feliz, se pudesse comer os pedaços de pão que se utilizavam para limpar as mãos e que, em seguida, eram atirados para debaixo da mesa, a fim de serem comidos pelos cães domésticos.
Não se diz que o rico alguma vez tenha dado qualquer atenção ao pobre. Aparentemente, o rico, vivia ocupado em disfrutar do seu bem-estar, afastado do que se passava fora do portão. Os únicos que davam atenção ao pobre Lázaro eram os cães que vinham lamber-lhe as feridas. Lázaro vivia entregue à sua triste sorte, no lodaçal da indiferença generalizada.
Entretanto, o cenário muda e passamos a um segundo ato, num tempo subsequente à morte dos dois. Lázaro, logo após a sua morte, “foi levado pelos anjos para o seio de Abraão” (o “seio de Abraão” era o lugar de honra na festa final presidida por Abraão, o banquete onde, segundo os judeus, os eleitos se juntariam aos patriarcas e aos profetas). Ou seja, Lázaro foi acolhido num lugar delicioso, onde era devidamente considerado e onde não experimentava as carências que tinha experimentado, enquanto era vivo. O rico, ao invés, foi para o “Hades”, termo grego que designa o mundo subterrâneo, ou seja, um lugar de tormentos, onde o bem-estar de que o rico desfrutara não existia. E, para compor o cenário, fala-se de “chamas” que atormentam o rico e que lhe provocam uma sede terrível. A imagem é consonante com a tradição judaica.
A narrativa lucana situa os dois lugares à vista um do outro. O rico, atormentado pela sede, pede ao “pai” Abraão que lhe mande Lázaro, com o dedo humedecido em água, para lhe refrescar a língua. O rico que, em vida, tinha ignorado completamente o pobre Lázaro, já o “vê” e o integra no seu horizonte vital. Porém, Abraão, sem renegar o rico (chama-lhe “filho”), recusa a sua pretensão, pois há “um abismo” que divide o mundo de Lázaro do mundo do rico. E esse “abismo” foi cavado pelo rico, quando passou, em vida, indiferente ao sofrimento do pobre. É enquanto vivemos que os “abismos” que nos separam dos irmãos devem ser eliminados.
O rico que, agora, verifica a vanidade da sua existência de bem-estar, de comodismo e de indiferença aos irmãos, faz outro pedido: que Lázaro seja enviado aos seus irmãos, também eles ricos, insensatos e indiferentes ao sofrimento dos pobres, para que os avise sobre o sem sentido da existência construída nesses moldes. Todavia, Abraão recusa. Recorda-lhe que a Palavra de Deus (Moisés e os Profetas”) é clara. Quem quiser, escuta-a e constrói a vida a partir dela. Um aviso mais interpelante – como um recado trazido à terra por um morto – será inútil para os que têm o coração fechado aos desafios que a Palavra de Deus oferece.
Apesar das imagens usadas, a parábola não versa o que nos espera na vida futura, mas a forma como devemos viver, enquanto caminhamos na Terra, para darmos significado à vida. É uma catequese que nos devia atingir a consciência e o coração, fazendo-nos pensar sobre o sentido da existência. Lembra-nos que os bens que Deus nos confia pertencem a todos e devem ser partilhados com todos os irmãos. Quem se apossa desses bens e os usa apenas em benefício próprio subverte o projeto de Deus. Quem usa os bens para ter vida luxuosa e sem cuidados, esquecendo as necessidades dos outros, defrauda os irmãos que vivem na miséria.
Não somos donos dos bens, mesmo que adquiridos de forma legítima; somos “administradores” encarregados de fazer chegar a todos os bens que Deus põe à disposição dos seus filhos. Esquecer isto é viver de forma egoísta e estar destinado aos “tormentos”. A indiferença à sorte dos irmãos significa o falhanço completo da nossa vida. Somos responsáveis uns pelos outros e somos chamados à comunhão. Se nos instalamos em esquemas de egoísmo e de autossuficiência, teremos falhado completamente o sentido da nossa existência. Por isso, devemos deixar-nos guiar pela Palavra de Deus e construir a nossa vida de acordo com as suas indicações. Se, distraídos pelo bem-estar e pelo comodismo, ignorarmos os desafios de Deus, construímos uma vida vazia, sem sentido, que não nos realiza. Enfim, não podemos ignorar ou subvalorizar a função social da propriedade privada.

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A segunda leitura (1Tm 6,11-16) traça o perfil do “homem de Deus”, que está em total contraste com o homem egoísta, apegado aos bens materiais, ambicioso e injusto de que se falou acima. O “homem de Deus” é aquele que, correspondendo aos compromissos que assumiu no batismo, se torna sinal vivo de Deus no meio dos seus irmãos.
A Carta, dirigindo-se a Timóteo, exorta-o a ser uma referência para as comunidades cristãs que lhe foram confiadas. Pela entrega a Cristo, Timóteo é um “homem de Deus”; e, como tal, deve cultivar “a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão”. A sua vida deve estar ancorada na fé e no amor aos irmãos. Na concretização da missão apostólica que lhe foi confiada, Timóteo deve combater “o bom combate da fé”, enfrentando e superando todas as dificuldades. É um combate que vale a pena travar, pois o prémio é aliciante: a vida eterna. Aliás, foi esse o compromisso que Timóteo assumiu, quando, “na presença de muitas testemunhas”, proclamou a sua bela profissão de fé em Jesus.
O autor da Carta reforça a recomendação a Timóteo, com o testemunho que Jesus, como Messias e portador da verdade, deu ante o procurador romano Pôncio Pilatos. Do mesmo modo, Timóteo deve guardar “o mandamento” que recebeu de Paulo, sem o adulterar, nem deturpar, “até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Esse mandamento é o Evangelho.
O texto termina com um extrato de um hino litúrgico, que refere Deus como “o venturoso e único soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e habita uma luz inacessível, aquele que nenhum homem viu nem pode ver”. É uma solene doxologia que provém do repertório das orações usadas nas sinagogas judaicas do Mundo grego. O autor da Carta, ao referir-se a Deus com estes “títulos”, polemiza contra o culto aos falsos deuses e denuncia a vanidade dos títulos atribuídos no Mundo romano a reis e a imperadores. 

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Disse Leão XIV, na Missa do Jubileu dos Catequistas, que “as palavras de Jesus nos falam de como Deus olha para o Mundo, em todos os tempos e lugares”. No Evangelho, os seus olhos observam um pobre e um rico. Um morre de fome; e o outro banqueteia-se diante dele. Um ostenta vestes; e o outro, as chagas que os cães lambiam. O Senhor vê o coração dos homens e, através dos seus olhos, nós reconhecemos um indigente e um indiferente. Lázaro é esquecido por quem está à sua frente. Ao invés, Deus está perto dele e lembra-se do seu nome. Não tem nome, porém, o homem que vive na abundância, porque se perde a si mesmo, esquecido do próximo.
Sustenta o Papa que a parábola “é muito atual”, visto que, às portas da opulência, hoje, jaz a miséria de povos inteiros, atormentados pela guerra e pela exploração. “Quantos Lázaros morrem diante da sofreguidão que esquece a justiça, do lucro que espezinha a caridade, da riqueza cega diante da dor dos miseráveis!”, considera o Santo Padre. Todavia, os sofrimentos de Lázaro têm um fim. As suas dores terminam, como terminam os festins do rico, e Deus faz justiça a ambos.
“Sem se cansar, a Igreja anuncia esta palavra do Senhor, para que os nossos corações se convertam”, lembra o Sumo Pontífice, salientando as palavras do Papa Francisco que realçam o facto de Deus redimir o Mundo de todo o mal, dando a vida pela nossa salvação, sendo a sua ação “o início da nossa missão, porque nos convida a darmo-nos a nós mesmos pelo bem de todos”. Ora, como dizia Francisco aos catequistas, “este centro à volta do qual tudo gira, este coração pulsante que a tudo dá vida é o anúncio pascal, o primeiro anúncio”, o de que “o Senhor Jesus ressuscitou”, pois, “o Senhor Jesus ama-te, por ti deu a sua vida; ressuscitado e vivo, está ao teu lado e interessa-Se por ti todos os dias”. Na ótica do Papa Leão, estas palavras fazem-nos refletir no diálogo entre o homem rico e Abraão – uma súplica do rico para salvar os seus irmãos e que, para nós, constitui um desafio.
O rico afirma: “Se algum dos mortos for ter com eles, hão de arrepender-se.” Porém, Abraão sustenta que, “e não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar de entre os mortos”, mas houve um que ressuscitou dos mortos, Jesus Cristo. Assim, as palavras da Escritura despertam a nossa consciência. Escutar Moisés e os Profetas significa recordar os mandamentos e as promessas de Deus, cuja providência nunca abandona ninguém. O Evangelho garante que a vida de todos pode mudar, porque Cristo ressuscitou dos mortos. “Este acontecimento é a verdade que nos salva: por isso, deve ser conhecida e anunciada. […] Deve ser amada: é este amor que nos leva a compreender o Evangelho, porque nos transforma, abrindo o coração à palavra de Deus e ao rosto do próximo”, sentencia Leão XIV.
E o bispo de Roma lembra que “ninguém dá o que não tem” e que, se o rico tivesse caridade para com Lázaro, teria feito o bem ao pobre e a si mesmo. Deus tê-lo-ia salvado de todo o tormento: foi o apego às riquezas mundanas que lhe tirou a esperança do bem verdadeiro e eterno. Ora, quando nós somos tentados pela ganância e pela indiferença, os muitos Lázaros de hoje recordam-nos a palavra de Jesus, tornando-se uma ainda mais eficaz a catequese deste Jubileu, que é tempo de conversão e de perdão, de empenho pela justiça e de busca sincera da paz.
É preciso ouvir o clamor dos pobres e atendê-lo!

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Se tivermos o coração aberto aos irmãos, podemos cantar como o Salmista e com o apóstolo:

 “Ó minha alma, louva o Senhor.”

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“O Senhor faz justiça aos oprimidos, / dá pão aos que têm fome / e a liberdade aos cativos.
“O Senhor ilumina os olhos dos cegos, / o Senhor levanta os abatidos, / o Senhor ama os justos.
“O Senhor protege os peregrinos, / ampara o órfão e a viúva / e entrava o caminho aos pecadores.
“O Senhor reina eternamente. / O teu Deus, ó Sião, / é Rei por todas as gerações.”

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  “Aleluia. Aleluia. Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre, para nos enriquecer na sua pobreza.”

                                                                                                               2025.09.28 – Louro de Carvalho

domingo, 28 de setembro de 2025

As mulheres fazem mais trabalho não remunerado do que os homens

 

Trabalho não remunerado é toda a atividade realizada sem retribuição regular, em dinheiro ou em bens, e não sujeita a contrato de trabalho, nem a contrato de prestação de serviços. Inclui tarefas domésticas, como limpeza, cozinhar, lavar roupa, ou cuidados com a família, isto é, com crianças, com idosos e com doentes, bem como ações de voluntariado ou de apoio altruísta. 
Embora seja uma atividade económica e socialmente essencial, é invisível, visto que não é paga, nem é considerada nas contas nacionais de um país, sendo realizada, principalmente, no âmbito doméstico e de cuidado. Abrange a limpeza da casa, cuidados com crianças e com idosos, preparação de refeições e outras tarefas essenciais à subsistência. 
Este trabalho, realizado predominantemente por mulheres, é fundamental para o funcionamento da sociedade, mas a sua falta de reconhecimento económico e social agrava as desigualdades de género e afeta a autonomia das mulheres, exigindo políticas públicas e de redistribuição de responsabilidades. 
É importante e, muitas vezes, invisível, pois é essencial para a economia. Sem ele, a sociedade e as atividades remuneradas não poderiam existir. Contudo não é contabilizado no produto interno bruto (PIB) de um país. Não é reconhecido nos indicadores económicos, o que gera uma invisibilidade estatística, afetando, principalmente, as mulheres. Com efeito, a maior parte deste trabalho é realizada por mulheres, o que sobrecarrega e limita o seu tempo para outras atividades, afetando a sua inserção no mercado de trabalho e a sua autonomia económica. 
A falta de políticas públicas para o cuidado (creches, apoios a idosos) e a desigualdade na divisão destas tarefas são um obstáculo à emancipação e aumentam a vulnerabilidade económica das famílias, especialmente as mais pobres. 
À partida, a solução passa pelo seu reconhecimento e pela sua valorização, visto que dar visibilidade e valorizar este trabalho, tanto simbólica como financeiramente, é fundamental para uma sociedade mais justa e mais igualitária. 
Depois, são necessárias políticas públicas que levem a forte e sistemático investimento em infraestruturas de cuidado (creches, serviços de apoio a idosos), à criação de políticas de partilha e de redistribuição do trabalho não remunerado, que levem à promoção da divisão equitativa das tarefas domésticas e de cuidado, dentro das famílias, bem como à inclusão contabilística do trabalho de cuidado nas contas nacionais, para mostrar a sua real contribuição económica. 
O trabalho não remunerado, nomeadamente, a assistência a doentes, a deficientes, a idosos, a crianças, o desenvolvido em determinadas áreas no âmbito da atividade profissional de um dos cônjuges, o denominado “trabalho doméstico”, o trabalho voluntário, carece de estatuto próprio.
De acordo com o artigo de Marieta Fonseca, sob o título “O Trabalho não remunerado é útil para a sociedade” publicado no site da APFN – Associação Portuguesa de Famílias Numerosas, a inexistência desse estatuto “leva a que toda essa atividade ‘profissional’ se encontre excluída de proteção social, de qualquer seguro contra riscos para a saúde e acidentes de trabalho, e mais, não seja incluída nas estatísticas sobre dados económicos nem no cálculo do produto nacional bruto [PNB]”.
No atinente às famílias numerosas, importa que o governo desenvolva uma política de igualdade de direitos e de oportunidades entre os pais, de modo a permitir a todos o exercício dos seus direitos e o cumprimento dos deveres familiares, profissionais e sociais. Com efeito, a uma família com três ou mais filhos, só é viável conciliar a vida familiar com a atividade profissional, se o contexto socioeconómico facultar a liberdade de decisão, através de “um enquadramento legal” e de “garantias sociais”, como “horários de trabalho flexíveis, interrupção da atividade profissional, por motivos familiares, formação e reinserção na vida ativa da pessoa que se ocupou da educação dos filhos, melhoria das infraestruturas sociais dos zero ao seis anos e cuidados de saúde”, bem como através da “assistência a idosos e doentes que permitam a opção entre o exercício ou não de uma atividade profissional remunerada”.
Segundo Marieta Fonseca, são se pretende que o trabalho doméstico seja remunerado, mas que, sendo desempenhado por uma empregada doméstica ou por uma pessoa que trabalha a horas, seja incluído nas estatísticas sobre dados económicos e no cálculo do PNB.
Por isso, a articulista sustenta a necessidade de reconhecer o valor económico e social do trabalho não remunerado realizado por cada família. Tal reconhecimento deve contemplar duas vertentes: atribuição à pessoa que se dedica à realização do “trabalho doméstico” e à educação dos filhos, direitos próprios, quanto à proteção na doença e nos acidentes de trabalho, à contagem do tempo para efeitos de reforma, e a facilidades na reconversão profissional; e consideração dos benefícios para a sociedade do desempenho de uma função educativa de qualidade.

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A 25 de fevereiro a deputada e porta-voz do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), num texto publicado no Expresso, sob o título “Há um trabalho que é invisível e são as mulheres que o pagam”, vincava que a desigualdade de género se manifesta “em muitas dimensões”, sendo uma delas “o trabalho doméstico não remunerado”, pela “vulnerabilidade socioeconómica que cria”.
Sublinhava Sousa Real a “clara desigualdade na distribuição das responsabilidades domésticas e familiares, que recaem, maioritariamente, sobre as mulheres” – desigualdade reforçada pela ausência de “reconhecimento formal do valor económico deste trabalho, deixando muitas mulheres aprisionadas e invisibilizadas pela falta de reconhecimento da sociedade”.
Segundo a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), 73% das mulheres realizam mais tarefas domésticas não pagas do que os homens, enquanto apenas cerca metade dos casais dividem, equitativamente, estas funções. Na educação e no cuidado dos filhos, a balança volta a pender para o lado das mães, que assumem carga três vezes superior à dos pais.
Apesar disso, há alguns sinais de mudança. E Sousa Real exemplifica com três casos: um da Espanha e dois de Portugal. Na Espanha, o Tribunal de Primeira Instância de Vélez-Málaga condenou um homem a pagar 204 mil euros à ex-sua mulher “como compensação pelo trabalho doméstico realizado em casa, não remunerado”, nos 25 anos de casados.
Em Portugal, em Barcelos, um homem foi condenado ao pagamento de mais de 60 mil euros à ex-companheira, pelo trabalho doméstico que esta desempenhou, ao longo de quase 30 anos de união de facto, praticamente em exclusivo e sem qualquer contrapartida, o que “resulta num verdadeiro empobrecimento desta e a correspetiva libertação do outro membro da realização dessas tarefas”. E, num outro caso, na sequência de decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que fez com que o ex-marido escapasse ao pagamento decretado no final do divórcio litigioso, uma mulher de 80 anos recorreu ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), tendo obtido a indemnização de 100 mil euros, por condenação do Estado português.
Tudo isto reforça que é o momento para melhorar a lei, nesta matéria, introduzindo requisitos concretos. “Esta injustiça precisa de ser corrigida, através de nova legislação”, diz Sousa Real.

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Servet Yanatma, em artigo intitulado “Trabalho não remunerado na Europa: Que países apresentam as maiores disparidades entre homens e mulheres?”, publicado pela Euronews, a 28 de setembro, sustenta que “o trabalho não remunerado é um aspeto significativo da desigualdade entre homens e mulheres, na Europa, com as mulheres a gastarem, em média, mais duas horas, por dia, do que os homens”, seguindo as diferenças, neste domínio, “tendências regionais, moldadas por estereótipos e normas de género”.
Aliás, a desigualdade de género não é exclusiva do trabalho não remunerado: ela é um dado evidente na economia, “em toda a Europa”, surgindo “em muitas áreas, incluindo o emprego, a participação laboral e a remuneração”, de acordo com a articulista, para quem “o trabalho não remunerado é um dos principais fatores desta disparidade”. E não é só na Europa que isso acontece: “Nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], as mulheres efetuam quase duas vezes mais trabalho não remunerado do que os homens, por dia.”
Servet Yanatma refere que, “em 23 países europeus, as mulheres fazem, em média, 86% mais trabalho não remunerado do que os homens, um pouco menos do dobro”. Ou seja, gastam 262 minutos, por dia, nesse trabalho, ao passo que os homens gastam 141 minutos – “uma diferença de 121 minutos, ou seja, duas horas por dia”.
Verifica a articulista que “as disparidades no trabalho não remunerado entre homens e mulheres variam muito entre os países europeus”. Assim, entre 23 países europeus, a diferença de trabalho não remunerado entre homens e mulheres varia entre 29%, na Suécia, e 349%, na Turquia. Na Suécia, as mulheres gastam 220 minutos, por dia, em trabalho não remunerado, em comparação com 171 minutos para os homens – uma diferença de 49 minutos. As mulheres suecas registam também o menor tempo de trabalho não remunerado de todos os países da lista.
Três outros países nórdicos seguem a Suécia com as menores disparidades, em termos de trabalho não remunerado: a Dinamarca, com 31%, a Noruega, com 35% e a Finlândia, com 50%.
Depois da Turquia, onde as mulheres efetuam 3,5 vezes (349%) mais trabalho não remunerado do que os homens, as disparidades mais elevadas surgem no Sul da Europa: em Portugal, com 242%, na Grécia, com 173%, e na Itália, com 134%. E a Espanha também ocupa lugar de destaque, em sétimo lugar, com a diferença de 98%, significando que as mulheres fazem quase o dobro do trabalho não remunerado do que os homens.
Recorda a articulista que o relatório da OCDE sobre a igualdade de género, num Mundo em mudança, conclui que “o trabalho não remunerado funciona como barreira ao trabalho remunerado para algumas mulheres, mantendo-as fora do mercado de trabalho”. Assim, de acordo com aquela organização internacional, a Turquia regista a taxa de participação laboral mais baixa, em 2024, com 37%, comparativamente com a média da União Europeia (UE), de 53%. Segue-se a Itália, com 42%, e a Grécia, em quarto lugar, com 45%. Estes países registam também as maiores disparidades de género no trabalho não remunerado.
Dorothea Schmidt-Klau, diretora do departamento de emprego, mercados de trabalho e juventude da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, explicou à Euronews Business a razão por que a Turquia e a Itália ocupam os lugares cimeiros na Europa, no atinente à percentagem de “pessoas disponíveis para trabalhar, mas que não procuram”. “As responsabilidades de cuidados e as normas sociais são dois outros fatores que desempenham um papel importante, especialmente na Turquia”, afirmou, considerando que “o acesso limitado a serviços de acolhimento de crianças e de cuidados a idosos a preços acessíveis, juntamente com as atitudes sociais, relativamente ao papel da mulher, reduzem a capacidade das mulheres para se envolverem na procura ativa de emprego.
Por conseguinte, as taxas de participação das mulheres estão entre as mais baixas dos países da OCDE, segundo Dorothea Schmidt-Klau.
Entre as cinco maiores economias da Europa, a Itália e a Espanha registam os piores resultados, enquanto a Alemanha apresenta a menor diferença, com 61%, seguida da França, com 66%, e do Reino Unido, com 78%. As mulheres fazem mais de cinco horas de trabalho não remunerado, em Portugal (328 minutos), na Itália (306 minutos) e na Turquia (305 minutos). Este valor é também superior a 3,5 horas, mesmo na Suécia, que regista o menor tempo de trabalho não remunerado. A França ocupa o segundo lugar, onde as mulheres passam 224 minutos em trabalho não remunerado.
Para Servet Yanatma, não é de surpreender que os homens sejam os que menos tempo dedicam ao trabalho não remunerado, nos três países com as maiores disparidades. A Turquia é o país mais isolado, onde os homens dedicam apenas 68 minutos, por dia, ao trabalho não remunerado, seguida da Grécia, com 95 minutos, e de Portugal, com 96 minutos.
Em todos os países, tanto para as mulheres como para os homens, o trabalho doméstico de rotina constitui a maior parte. Em vários países, representa mais de 70% do tempo diário não remunerado. Seguem-se os cuidados aos membros do agregado familiar e as compras. Em conjunto, as três categorias principais representam cerca de 90% de todo o trabalho não remunerado, segundo a OCDE. Por exemplo, em Portugal, as mulheres gastam 253 dos seus 328 minutos diários não remunerados em tarefas domésticas, o que corresponde a 77%. Em França, essa percentagem desce para 70% e, na Dinamarca, para 60%.
Viu-se quais os países com maiores e menores disparidades, quais são as principais razões subjacentes ao trabalho não remunerado e porque a diferença é especialmente grande, em alguns países. Importa, agora, saber como reduzir as disparidades entre homens e mulheres.
A articulista enfatiza que a OCDE salienta o papel das “normas e [dos] estereótipos” na origem das desigualdades, referindo que estes são apreendidos, desde tenra idade. Por isso, o relatório recomenda aos diversos países e à Comissão Europeia que tomem medidas mais firmes para reduzir as disparidades de género no trabalho não remunerado. Algumas das principais recomendações incidem diretamente nos fatores que ancoram tais disparidades.
As recomendações da OCDE são:
* promover a partilha equitativa dos cuidados e das responsabilidades domésticas entre homens e mulheres, nomeadamente, pondo em causa os estereótipos e as normas de género (através de campanhas de sensibilização, materiais educativos, etc.);
* proporcionar às mães e aos pais o direito a licenças individuais remuneradas;
* alargar o acesso equitativo ao trabalho híbrido e remoto, investindo em infraestruturas digitais e em formação;
* investir em educação e em cuidados na primeira infância acessíveis, económicos e de elevada qualidade, bem como em cuidados fora do horário escolar; e
* melhorar a remuneração, a qualidade do emprego e a formalização nas profissões de prestação de cuidados dominadas pelas mulheres, incentivando, simultaneamente, os homens ao ingresso em carreiras relacionadas com a prestação de cuidados.

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Além das leis adequadas a estes quesitos, cujo comprimento deve ser assiduamente fiscalizado e monitorizado, impõe-se a mudança de mentalidades, para a assunção de valores, de atitudes e de comportamentos, em prol da igualdade e do respeito e do culto da dignidade de cada pessoa.

2025.09.28 – Louro de Carvalho

Imagem de Nossa Senhora de Fátima vai ao encontro de Leão XIV

 

Se o Papa não vem a Fátima, vai Fátima ter com o Papa ao Vaticano, para o Jubileu da Espiritualidade Mariana, no âmbito do Ano Jubilar ordinário da Igreja Católica, no termo de cada quartel de século. Desta vez, de 24 de dezembro de 2024 a 6 de janeiro de 2026.
Já é conhecido o programa do Jubileu da Espiritualidade Mariana, que decorre em Roma a 11 e 12 de outubro, e no qual estará presente a escultura de Nossa Senhora de Fátima que é venerada na Capelinha das Aparições.
A iniciativa da presença da veneranda imagem partiu do Papa Francisco e foi reafirmada pelo Papa Leão XIV. Assim se cumpre o desejo papal de ter, no Jubileu da Espiritualidade Mariana, em Roma, a 11 e 12 de outubro, a presença da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
A escultura que é venerada na Capelinha das Aparições partirá da Cova da Iria, no dia 10 de outubro, de modo marcar presença no programa acabado de divulgar pelo Dicastério para a Evangelização.
Serão dois os momentos em que o Leão XIV estará junto à imagem da Virgem Maria: no sábado, dia 11, às 18h00, na vigília de oração, na Praça São Pedro; e na missa a que preside, no domingo, 12 de outubro, às 10h30, também na Praça de São Pedro.
Ao longo do dia 11, os fiéis terão oportunidade de venerar da Imagem de Nossa Senhora e de estar próximos dela, na Igreja de Santa Maria in Traspontina. Nesse dia, o programa prevê, às 9h00, missa presidida pelo reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas; às 12h00, Rosário presidido pelo pároco, o padre Giuseppe Midili; e às 17h00, procissão da Igreja de Santa Maria in Traspontina até à Praça de São Pedro.
No comunicado emitido, a 27 de fevereiro, a confirmar a ida da imagem de Nossa Senhora a Roma, o Dicastério para a Evangelização considerou que a presença da imagem da Virgem Maria no Jubileu da Espiritualidade Mariana enriquecerá “ainda mais este momento de oração e reflexão”.
Citado no comunicado, D. Rino Fisichella, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, descreveu a Imagem como “um dos ícones marianos mais significativos para os cristãos de todo o Mundo” e sublinhou que “a presença da amada imagem original de Nossa Senhora de Fátima permitirá a todos fazer a experiência da proximidade da Virgem Maria”.
No referido documento, o Dicastério para a Evangelização informa que, na missa presidida pelo Papa, no dia 12 de outubro, às 10h30, na Praça de S. Pedro, “a célebre imagem da Virgem Maria, conhecida pelos fiéis de todo o Mundo, estará também presente entre os fiéis participantes”, enriquecendo, “ainda mais, este momento de oração e de reflexão”.
Ainda no dia 12, a imagem de Nossa Senhora regressará a Fátima, para estar presente nas celebrações da Peregrinação Internacional Aniversária de outubro.
Esta será a quarta vez que a escultura sai da Cova da Iria para ir a Roma. Para o reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, é motivo de grande alegria: “Neste tempo jubilar, a Virgem de Fátima é, assim, a mulher da alegria pascal, mesmo no tempo doloroso que o Mundo vive. […] “Mais uma vez, a ‘Senhora vestida de branco’ se fará peregrina da esperança e, em Roma, estará junto do ‘bispo vestido de branco’, como carinhosamente os pastorinhos de Fátima se referiram ao Santo Padre”, referiu.
Do programa, no horário de Itália, consta:
No sábado, 11 outubro, às 9h00, Missa presidida pelo reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, com a presença da imagem de Nossa Senhora de Fátima, na igreja de Santa Maria in Traspontina, onde a imagem permanece disponível para a veneração dos fiéis;
Às 12h00, recitação do rosário, ainda na igreja de Santa Maria in Traspontina, sob a presidência do pároco, padre Giuseppe Midili;
Às 17h00, procissão da igreja de Santa Maria in Traspontina até à Praça de São Pedro;
Às 18h00, vigília de oração presidida pelo Santo Padre, na Praça São Pedro;
Às 21h00, rosário e procissão de velas, na Praça São Pedro;
No domingo, 12 outubro, às 10h30, Missa presidida pelo Santo Padre, na Praça São Pedro.

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A 27 de fevereiro, como referia o portal do Vaticano, Vatican News, o Dicastério para a Evangelização anunciou que, por ocasião da missa na Praça São Pedro, no domingo 12 de outubro, a famosa imagem da Virgem estará presente entre os fiéis participantes, enriquecendo o momento de oração.
Em vista do Jubileu da Espiritualidade Mariana, previsto para 11 e 12 de outubro de 2025, a imagem original de Nossa Senhora de Fátima estará em Roma. A famosa imagem da Virgem, conhecida pelos fiéis do mundo inteiro e símbolo da “Esperança que não dececiona”, estará presente entre os fiéis participantes da Santa Missa na Praça de São Pedro no domingo, 12 de outubro de 2025, às 10h30 locais, enriquecendo, ainda mais, este momento de oração e de reflexão. A entrada na Praça São Pedro, para a celebração eucarística, é gratuita e não é necessário ingresso. As inscrições para participar desse evento jubilar já estiveram abertas no site do Jubileu e foram encerradas em 10 de agosto de 2025.
Esta é a quarta vez que a imagem sai do Santuário de Fátima para vir a Roma: a primeira foi em 1984, por ocasião do Jubileu Extraordinário da Redenção, quando em 25 de março São João Paulo II consagrou o Mundo ao Imaculado Coração de Maria; a segunda vez foi no Grande Jubileu do Ano 2000; e a terceira, em outubro de 2013, por ocasião do Ano da Fé, com o Papa Francisco.
A mais carinhosa das mães. “A presença da amada imagem original de Nossa Senhora de Fátima permitirá a todos viver a proximidade da Virgem Maria”, enfatizou o pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, Dom Rino Fisichella. “É um dos ícones marianos mais significativos para os cristãos de todo o Mundo que, como o Santo Padre enfatiza na Bula de Proclamação do Jubileu Spes non confundit, A veneram como a “mais afetuosa das mães, que nunca abandona os seus filhos”. Em Fátima, de facto, a Virgem disse aos três pastorinhos o que Ela continua a assegurar a cada um de nós: “Eu nunca vos abandonarei. O meu Imaculado Coração será seu refúgio e o caminho que o levará a Deus”.
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O Papa Leão XIV, a 24 setembro, convidou todos a participarem no Jubileu da Espiritualidade Mariana: o Rosário na praça pela paz
“O mês de outubro, que agora se aproxima na Igreja, é particularmente dedicado ao Santo Rosário. Por isso, exorto a que, em todos os dias do próximo mês, rezem o Rosário pela paz, pessoalmente, em família, em comunidade.” Foi o apelo concreto que o Santo Padre Leão XIV dirigiu aos fiéis no final da Audiência Geral de quarta-feira, 24 de setembro, precisando: “Em particular, na noite de sábado, 11 de outubro, às 18 horas, fá-lo-emos, juntos, aqui, na Praça de São Pedro, na vigília do Jubileu da Espiritualidade Mariana, recordando também o aniversário da abertura do Concílio Vaticano II.”
No sábado, dia 11 de outubro, às 18 horas, o encontro na Praça de S. Pedro para a Vigília de Oração com o Santo Padre por ocasião do Jubileu da Espiritualidade Mariana, na qual participarão numerosos reitores e trabalhadores de santuários, pertencentes a movimentos, confrarias e diversos grupos de oração mariana. O programa completo pode ser consultado na secção dedicada ao Calendário dos Grandes Eventos.
Em particular, por ocasião do evento jubilar, estará presente na praça a imagem original de Nossa Senhora do Rosário de Fátima que, em maio de 1917, na sua aparição aos pastorinhos daquele povoado português, lhes pediu que rezassem “o terço, todos os dias, para obter a paz no Mundo e o fim da guerra”.
Será também uma ocasião para comemorar o aniversário do início do Concílio Ecuménico Vaticano II, inaugurado a 11 de outubro de 1962 com a cerimónia solene presidida pelo Papa São João XXIII.

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O Jubileu de 2025, em Roma, decorre de 24 de dezembro de 2024 a 6 de janeiro de 2026, e não apenas no ano de 2025, com a abertura oficial da Porta Santa da Basílica de São Pedro, a 24 de dezembro de 2024. Este evento católico, que ocorre a cada 25 anos, reúne milhões de peregrinos, em Roma, para celebrações, peregrinações e o perdão dos pecados através da passagem pelas Portas Santas das quatro basílicas maiores, com o programa a incluir um Jubilei dos Jovens em julho de 2025, e um calendário de eventos temáticos para diferentes grupos de fiéis ao longo do Ano Santo. 
Assim, a duração oficial do Jubileu de 2025 compreende o horizonte temporal de 24 de dezembro de 2024 (véspera de Natal) a 6 de janeiro de 2026 (solenidade da Epifania do Senhor). 
Os principais destaques do evento são: abertura das Portas Santas, um ritual simbólico de fé onde os fiéis são convidados a atravessar as Portas Santas, nas quatro basílicas maiores de Roma: São Pedro, São Paulo Fora dos Muros, Santa Maria Maior e São João de Latrão; Jubileu dos Jovens, um dos eventos mais esperados, com a participação de mais de um milhão e meio de jovens de diversos países, realizado entre 28 de julho e 3 de agosto de 202; e eventos temáticos, para diferentes grupos, como os artistas, as forças armadas, os trabalhadores, entre outros, ao longo de 2025. 
Assim, o Jubileu da Espiritualidade Mariana pertence ao quadro dos eventos temáticos.
O vaticano deu informações importantes para os peregrinos, como no atinente à inscrição, sendo necessário planear com antecedência e, para a passagem pelas Portas Santas, inscrever-se no site oficial do Jubileu para receber um agendamento; à superlotação, pois Roma espera mais de 35 milhões de turistas, especialmente, nas áreas centrais e ao redor das basílicas, o que pode resultar em preços mais altos e necessidade de paciência; e ao transporte, recomendando-se alojamento próximo das estações de metro, para minimizar problemas de mobilidade.

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O Jubileu de 2025 é um Ano Santo para a Igreja Católica, proclamado pelo Papa Francisco com o lema “Peregrinos da Esperança”, convidando os fiéis de todo o Mundo a uma peregrinação espiritual, focada na conversão, no perdão e na renovação da fé, com a esperança cristã como mensagem central para um Mundo mais justo e pacífico. Os peregrinos são encorajados a encontrar Jesus, a “porta” da salvação, e a espalhar essa esperança. 
Nestes termos, o que é o Jubileu de 2025 é um Ano Santo, ou um período de celebração religiosa e de graça especial, com celebrações e a possibilidade de receber indulgências plenárias. 
O seu lema central “Peregrinos da Esperança” insta os fiéis a serem portadores de esperança, especialmente, em tempos de adversidade. 
As marcas do jubileu são: o chamamento à ação, ou seja, um convite à preparação individual e comunitária, na oração e na renovação do compromisso com a fé e com a justiça social; a esperança, vista como uma chama viva que guia e energiza a caminhada da vida e nos torna sentinelas de Deus neste Mundo (não a espera passiva do sofá); a peregrinação, como jornada espiritual, seja em Roma, seja nas igrejas particulares ou nas paróquias, para encontrar Cristo e para renovar o espírito; o encontro com Cristo, uma oportunidade para um encontro pessoal e vivo com Jesus, que é a esperança da Igreja; e a conversão e perdão, pois o jubileu é um tempo para a reconciliação, para o perdão e para a abertura a uma transformação pessoal e social. 
Como participar? Visitando o site oficial, encontram-se informações sobre eventos, a oração oficial, o hino e o logótipo em www.iubilaeum2025.va/pt, que também oferece a aplicação móvel IUBILAEUM25; participando localmente, celebre o Jubileu nas igrejas da diocese e da paróquia, seguindo as indicações do Papa e dos bispos locais; e assumindo o voluntariado através do sítio web oficial. 
Bom Jubileu 2025!

2025.09.28 – Louro de Carvalho