sexta-feira, 18 de julho de 2025

O declínio da natalidade na Europa: um desafio aos líderes políticos

 
Embora os especialistas sustentem que são necessários 2,1 filhos, por mulher, para se manter a população europeia estável, vários países apresentam números consistentemente inferiores a 1,5.
Em 2024, muitos países europeus registam as taxas de natalidade mais baixas das últimas décadas, se não mesmo as mais baixas de sempre. Uma em cada quatro pessoas vive num país onde a população atingiu o seu pico. O número de crianças nascidas na União Europeia (UE) tem registado uma tendência decrescente, desde 1960. E há quem julgue que últimos dados sobre a fertilidade, no continente, não estão longe de ser apocalípticos e se interrogue se a nova vaga de pais boomers, com mais de 60 anos, vai salvar o continente.
Um estudo publicado no mês de junho deste ano mostra que as baixas taxas de fertilidade resultam mais da falta de escolhas do que de decisões pessoais.
Assim, de acordo com um novo relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), milhões de pessoas não conseguem ter o número de filhos que desejam, devido a barreiras conexas com fatores económicos e de saúde. É a falta de escolha, e não o desejo, que impede as pessoas de terem as famílias que desejam, desafiando as alegações de que as pessoas rejeitam a paternidade. “A liberdade reprodutiva é mais do que apenas a liberdade contra a coerção ou um melhor acesso aos serviços, é a gama completa de condições que permitem às pessoas exercer os seus direitos reprodutivos e garantir uma verdadeira escolha, incluindo a igualdade de género, a estabilidade económica, uma saúde decente e a confiança no futuro”, afirmou Natalia Kanem, diretora-executiva do UNFPA.
O UNFPA e a YouGov (empresa líder internacional de pesquisa de mercado baseada na Internet, sediada no Reino Unido) realizaram um inquérito online a mais de 14 mil adultos, homens e mulheres, em 14 países que, em conjunto, albergam mais de 37% da população mundial. 
Entre esses quatro países, fatores como a infertilidade e a dificuldade em conceber, bem como o mau estado de saúde geral ou as doenças crónicas, são os que mais afetam a Itália, com 15% e 13%, respetivamente. Alemanha e Suécia registaram problemas semelhantes.
As limitações financeiras são também um dos principais fatores que impedem estes países de ter mais filhos, sendo a Hungria o país que regista a taxa mais elevada, com 34%. Alemanha e Suécia também apontaram as limitações financeiras como uma das principais preocupações quanto ao número de filhos desejados. Entretanto, os inquiridos italianos foram os que mais se debateram com o desemprego ou a com a insegurança no emprego, com 30%. E 19% destes inquiridos apontaram, como obstáculo, as preocupações com o atual panorama político ou social.
Os inquiridos italianos, suecos e húngaros também se mostraram preocupados com a falta de parceiro adequado, com 17%. Na Alemanha, 15% dos inquiridos partilharam esta preocupação.
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Na Alemanha, a migração é a causa única do crescimento da população. O seu nível de fertilidade desceu para 1,35, o valor mais baixo desde 1994 (1,24), após um período de recessão.
O Serviço Federal de Estatística (Statistisches Bundesamt) sustenta que “a imigração líquida foi a única causa do crescimento da população”. Contudo, apesar dos números acrescentados pelos imigrantes, a população cresceu apenas 0,1%, ou seja, 121 mil pessoas, em 2024. Na realidade, “morreram mais pessoas do que nasceram”, afirma o instituto.
Os dados também revelam uma enorme divisão entre os estados alemães. Enquanto a população cresceu nos estados mais ricos, como a Baviera e Hamburgo, as quedas mais acentuadas registaram-se nos estados mais pobres, como a Turíngia, a Saxónia e a Saxónia-Anhalt.
Na Áustria, a situação era ainda mais preocupante, em 2024, com o país a registar a taxa de natalidade mais baixa de que há registo: 1,32 ou 77238 novas crianças, uma queda de 0,5%, de acordo com o Statistik Áustria.
Com 166 mil nascimentos, a migração também abrandou o declínio da população italiana, mas não o suficiente para evitar uma diminuição. Após vários anos de declínio, a população italiana está a diminuir para menos de 60 milhões de pessoas. A taxa de natalidade, em 2024, atingiu um novo mínimo histórico (1,18), segundo o ISTAT: por cada mil pessoas, nasceram apenas seis bebés, enquanto 11 morreram. Para piorar a situação, o número de italianos que deixaram o país (156 mil) foi três vezes superior ao dos que regressaram (53 mil). As maiores quedas de população registaram-se nas zonas mais pobres do interior do Sul.
Na França, que é, tradicionalmente, uma das nações mais férteis da Europa, os números também estão a diminuir rapidamente. A taxa de fertilidade em 2024, de 1,62, foi a mais baixa, desde o fim da Primeira Guerra Mundial, segundo o INSEE.
Nos últimos 15 anos, a fertilidade do país caiu um quinto, o suficiente para manter um pequeno saldo positivo de nascimentos/mortes (+17 mil), o mais baixo desde o final da Segunda Guerra Mundial. A esperança de vida foi a única boa notícia. Atingiu, agora, 85,6 anos, para as mulheres, e 80 anos, para os homens, um recorde histórico.
A Inglaterra e o País de Gales são uma das poucas exceções na Europa. Isso deve-se a um aumento surpreendente de bebés nascidos de pais com mais de 60 anos (+14%), que ajudou a desencadear o primeiro aumento do número de nascimentos em Inglaterra e no País de Gales, desde 2021 (+0,6%). Ao invés, os nascimentos de mães e pais jovens diminuíram, diz o INS.
A proporção de crianças nascidas de pais estrangeiros foi significativamente elevada: 40%, em Inglaterra, e quase 20%, no País de Gales, registando o aumento de 34%, entre 2023 e 2024.
A Espanha é outra exceção. De acordo com os dados do INE espanhol, a taxa de natalidade, em 2024, poderá aumentar 0,4%, graças a um número estimado de 322034 novos bebés.
Tal como noutros países, a diminuição da fecundidade, em Espanha, tem sido acompanhada pelo aumento da idade das mães. Nos últimos dez anos, o número de mães, com 40 anos ou mais, registou um aumento de 8,5%.
Nos países nórdicos, a Finlândia regista a taxa mais baixa, desde 1776. A taxa de fertilidade da Finlândia desceu para 1,25, em 2024, segundo o instituto estatística finlandês. Esta é a pior taxa, desde o início da recolha de dados, no final do século XVIII, quando o território ainda fazia parte da Suécia, que também enfrenta problemas demográficos.
A taxa registada, em Estocolmo, em 2024, é de 1,43, ligeiramente superior à da maioria dos países e, no entanto, a mais baixa taxa de fecundidade de que há registo, segundo o SCB. O número total de novas crianças foi de 98500, o valor mais baixo dos últimos 23 anos, uma vez que a população diminuiu, em 169 dos 290 municípios do país.
Apesar das recentes políticas destinadas a aumentar a natalidade, a Hungria e a Polónia também fazem parte do clube da baixa fecundidade, para 2024.
As estatísticas publicadas por Varsóvia são particularmente brutais, com a taxa de natalidade de 1,1, o que significa que o número de novas crianças diminuiu para quase para metade em relação a 1990, ou seja, 1,9. Além disso, as mulheres tornam-se mães, em média, aos 29 anos, muito mais tarde do que há 35 anos, quando a idade média era de pouco menos de 23 anos.
A Hungria não é exceção, com 77500 novos bebés, em 2024, o valor mais baixo de sempre, para lá da taxa de natalidade de 1,38, nunca tão baixa, desde 2014, de acordo com o KLS da Hungria.
Em 2024, a Roménia registou a taxa de natalidade mais baixa dos últimos 100 anos, com os dados a mostrarem que nasceram menos de 150 mil bebés, em 2024.
Muitas aldeias romenas registam um envelhecimento da população. Nas zonas urbanas, muitas pessoas optam por colocar a carreira profissional em primeiro lugar e por ter filhos em idade mais avançada. Algumas escolas e jardins de infância foram obrigados a fechar, devido à falta de crianças para frequentar os diferentes níveis de ensino. É o caso das aldeias de Chilia e Brebu.
“Já não há escola aqui”, disse Alexandru Petzi, antigo diretor de um estabelecimento escolar encerrado em Brebu, acrescentando: “Há outra escola noutra aldeia aqui perto, em Valic. Duas crianças da nossa aldeia andam lá na escola.”
Os especialistas romenos atribuem as mudanças ao processo de modernização que não deve assustar ninguém. “Eu próprio não teria medo disto, estamos a falar de um processo em curso em muitos países europeus”, referiu Bogdan Voicu, sociólogo da Academia Romena de Ciências, frisando: “A Roménia começou, há alguns anos, a modernizar-se, demograficamente falando.”
As estatísticas mostram que os municípios de Tulcea, de Caras Severin, de Mehedinti, de Covasna, de Teleorman e de Giurgiu fazem parte da lista de concelhos com uma taxa de natalidade notavelmente baixa. Ora, há quase cem anos, em 1930, a Roménia registava mais de 480 mil nascimentos, o que representa grande contraste, face aos tempos atuais.
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Pela primeira vez desde 1960, o número de nados-vivos, na UE, desceu abaixo dos quatro milhões, o que representa uma das taxas de fertilidade mais baixas do Mundo. Na verdade, em 2022, o número de nados-vivos, na UE, atingiu o seu nível mais baixo desde 1960, de acordo com os últimos dados disponíveis. Nesse ano, nasceram apenas 3,88 milhões de bebés na UE, marcando a primeira vez que o número desceu abaixo dos quatro milhões.
Em 1990, nasceram 5,1 milhões de bebés na UE, o último ano em que o número de nascimentos ultrapassou os cinco milhões.
A taxa de fertilidade da UE diminuiu, aproximando-se dos níveis registados, pela última vez, há duas décadas, e tornou-se uma das taxas mais baixas de fertilidade do Mundo, definida como o número de nados-vivos por mulher.
As taxas de fertilidade variam, consideravelmente, na Europa.
De acordo com os dados do Eurostat, o serviço de estatística da UE, de maio de 2024, em 2022, a taxa de fertilidade, que reflete o número de nados-vivos, por mulher, variou, significativamente, na UE, oscilando entre 1,79, na França (em 2024, baixou para 1,62), e 1,08, em Malta. 
A média da UE no seu conjunto é de 1,46. Incluindo a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), o Reino Unido e os países candidatos à UE, a Geórgia (1,83) e a Moldávia (1,81) registaram taxas mais elevadas do que a França.
Embora a taxa de fecundidade mais elevada seja observada na França, um país mediterrânico, outras nações mediterrânicas como Malta (1,08), a Espanha (1,16), a Itália (1,24), a Grécia (1,32) e Chipre (1,37) apresentam taxas notavelmente mais baixas.
Foram registadas taxas de fertilidade ligeiramente mais elevadas em países, como a Roménia (1,71), a Turquia (1,63), o Reino Unido (1,56), a Alemanha (1,46) e a Finlândia (1,32).
A análise da evolução, a longo prazo, da taxa de fertilidade na UE revela uma clara tendência para a baixa.
Em 1970, era de 2,35, o nível mais elevado registado, antes de cair para o seu nível mais baixo, no final da década de 1990, atingindo 1,4, em 1998, de acordo com os dados do Banco Mundial.
Em seguida, começou a aumentar, gradualmente, atingindo um pico recente de 1,57, em 2016.
Em 2022, a taxa de fertilidade total na UE era de 1,46 nados-vivos, por mulher, aproximando-se dos níveis registados no início da década de 2000, que eram de cerca de 1,4.
A taxa de fertilidade mudou, significativamente, nos países da UE, nos últimos 20 anos, diminuindo em 13 dos 27 estados-Membros da UE, entre 2002 e 2022
A Irlanda e a Finlândia registaram os decréscimos mais significativos nas taxas de fertilidade, tendo cada uma delas diminuído mais de 0,4 pontos, o que corresponde a descidas superiores a 20%. Em contraponto, a Chéquia, a Roménia e a Bulgária registaram os maiores aumentos, cada um deles, superior a 35%.
Esta taxa manteve-se estável na UE, com o aumento de apenas 2%, sendo, como se disse, uma das taxas de fertilidade mais baixas do Mundo.
Em 2021, a UE registou uma taxa de fertilidade de 1,52, a mais baixa depois da região da Ásia Oriental e do Pacífico, que teve uma taxa de 1,49, de acordo com dados do Banco Mundial. A África Ocidental e Central registou a taxa de fertilidade mais elevada, com 4,98, seguida da África Oriental e Austral, com 4,35, e do mundo árabe, com 3,14. A taxa de fertilidade média global foi de 2,27, com o Norte de África e o Médio Oriente a registarem uma taxa mais elevada de 2,63. A taxa da América do Norte, de 1,64, foi ligeiramente superior à média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), de 1,59.
Desde 1970, tem-se verificado uma tendência notável de descida das taxas de fertilidade em quase todas as regiões, embora esta descida tenha sido, significativamente, mais lenta na África.
As taxas de fertilidade, em todos os 41 países europeus, incluindo a UE, a EFTA e os países candidatos, estão abaixo da média global.
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Em Portugal, no ano de 2024, nasceram 84631 bebés, menos 1133 do que em 2023, que registou 85764. Os dados são do Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN), recolhidos através do teste do pezinho, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) à quase totalidade dos nascidos em Portugal, para despistagem de doenças raras. Mesmo assim, o número de 2024 é superior ao de 2022 (83436) e ao de 2021 (79217), o primeiro ano em que o país desceu da barreira dos 80 mil nascimentos, mas ainda longe dos números alcançados, em 2019 (87 364) ou em 2016 (87 577), que eram indicadores de que algo poderia começar a mudar na trajetória das últimas duas últimas décadas da natalidade, em Portugal.
Em relação ao futuro, Maria Filomena Mendes, socióloga e ex-presidente da Sociedade Portuguesa da Demografia, assume que as previsões “não são muito risonhas”, porque a maioria das mulheres continua “a ter filhos numa idade muita tardia, o que faz com que, depois, ou desista ou já não consiga sequer concretizar a decisão de ter pelo menos mais um ou dois filhos”.
A socióloga sustenta que não é com uma ou outra medida política que se reverte a tendência da natalidade. “Há muitas circunstâncias que pesam na decisão de se ter um filho, como a habitação, que é muito importante, o emprego estável, os salários e até as circunstâncias das guerras dentro e fora da Europa, pela perspetiva que dão do futuro dos próprios e para os seus filhos”, diz, vincando que tem de se perceber que medidas políticas podem envolver boa parte destes fatores, a fim de contribuírem para a tomada da decisão dos casais, no sentido de terem um filho ou com outra segurança e certezas face ao futuro”.
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A situação constitui um sério aos líderes políticos europeus, bastante desatentos.

2025.07.18 – Louro de Carvalho


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