quinta-feira, 24 de julho de 2025

BCE mantém intactas as taxas diretoras da moeda única

 
Após sete cortes consecutivos das taxas de juro, desde setembro de 2023, o Banco Central Europeu (BCE), com sede em Frankfurt, decidiu fazer uma pausa na política monetária e manteve intactas as taxas diretoras da moeda única, aliás como era esperado pela esmagadora maioria dos analistas e dos economistas.
Efetivamente, como a economia está a apresentar um desempenho relativamente bom, mas as negociações comerciais com os Estados Unidos da América (EUA) ainda estão em curso, os analistas não esperavam que o BCE se apressasse em baixar a taxa de juro de referência.
Um possível acordo comercial entre a União Europeia (UE) e os EUA poderia alimentar a inflação no bloco, portanto, esperava-se que o BCE adiasse o corte das taxas, até que as possíveis implicações das negociações comerciais entre a UE e os EUA ficassem claras.
Esta pausa chega num momento em que a inflação na Zona Euro voltou, em junho, ao alvo de 2%, mas em que as nuvens sobre a guerra comercial com Washington tornaram a adensar-se.
Deste modo, a taxa de juro da facilidade permanente de depósito mantém-se nos 2% (a principal taxa de juro que influencia a política monetária), enquanto a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento permanece nos 2,15% e a taxa de juro de facilidade permanente de cedência marginal de liquidez nos 2,4%.
No seu comunicado oficial, o Conselho do BCE revela que a decisão de manter as taxas inalteradas assenta, fundamentalmente, no facto de a inflação se situar, atualmente, “no objetivo de médio prazo de 2%”, representando a estabilização dos preços o culminar de um processo que começou há mais de um ano, quando a autoridade monetária europeia iniciou um ciclo agressivo de cortes, para combater as pressões inflacionistas que haviam assolado a Zona Euro.
A instituição a que preside Christine Lagarde sublinha que “a informação que tem vindo a ser disponibilizada está, em geral, em conformidade com a anterior avaliação do Conselho do BCE das perspetivas de inflação”, sinalizando que os dados económicos recentes não trouxeram surpresas significativas que justificassem uma alteração de rumo.
Um dos fatores-chave que sustentaram a decisão do Conselho do BCE prende-se com a evolução das dinâmicas internas de preços. Com efeito, a autoridade de política monetária da Zona Euro considera que “as pressões internas sobre os preços continuaram a abrandar, com o crescimento mais lento dos salários”. Na verdade, a desaceleração salarial é um elemento crucial para a estabilidade futura dos preços, visto que os custos laborais constituem uma significativa componente da inflação subjacente. Desta forma, a presente evolução permite ao BCE manter uma postura expectante, sem a urgência de novos cortes que caracterizou os últimos meses. A moderação salarial sugere que se encontram controlados os riscos de uma espiral preços-salários, um dos grandes receios dos banqueiros centrais.
Apesar do desafiante ambiente internacional, o BCE frisa que “refletindo, em parte, as anteriores reduções das taxas de juro decididas pelo Conselho do BCE”, a economia mostrou ser, até agora, “globalmente resiliente, num enquadramento mundial difícil”. Esta resiliência económica constitui outro argumento a favor da pausa, pois não há sinais imediatos de necessidade de estímulo adicional.
Os cortes de juros implementados desde junho de 2024, que reduziram a taxa de depósito de um máximo histórico de 4% para os atuais 2%, estão a surtir o efeito desejado no apoio à atividade económica. O nível de 2% da taxa de depósitos é considerado pelos analistas como neutro para a evolução da economia, não sendo nem restritivo nem excessivamente estimulante. Contudo, a principal fonte de cautela do BCE reside na “conjuntura que se mantém excecionalmente incerta, sobretudo, devido a litígios comerciais”. Esta referência aos conflitos comerciais é uma alusão clara às tensões entre os EUA e a União Europeia (UE), no atinente às ameaças tarifárias da Administração de Donald Trump.
Além disso, o BCE reforça o seu compromisso com “uma abordagem dependente dos dados e, reunião a reunião, para decidir a orientação apropriada da política monetária”. Esta formulação, patente nos comunicados recentes, frisa que não há um caminho pré-determinado para as taxas de juro, mantendo-se a porta aberta para novos cortes ou para uma pausa prolongada.
O comunicado do BCE, delineando os critérios que nortearão as futuras decisões, especifica que as decisões do Conselho do BCE sobre as taxas de juro se basearão “na avaliação das perspetivas de inflação e dos riscos em torno das mesmas, à luz dos dados económicos e financeiros que forem sendo disponibilizados, bem como da dinâmica da inflação subjacente e da força da transmissão da política monetária”. E conclui que “o Conselho do BCE não se compromete, previamente, com uma trajetória de taxas específica”, reforçando a flexibilidade que a instituição manterá em contexto de incerteza, e que as carteiras do programa de compra de ativos (APP – asset purchase programme) e do programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (PEPP –pandemic emergency purchase programme) diminuem a um ritmo comedido e previsível, já que o Eurosistema deixou de reinvestir os pagamentos de capital de títulos vincendos.
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O BCE define a política monetária para a Zona Euro, principalmente, por via de três taxas de juros. A facilidade de depósito é a taxa de juro que os bancos recebem quando depositam dinheiro no banco central, durante a noite. A taxa de juro das operações principais de refinanciamento é a taxa que os bancos pagam quando pedem dinheiro emprestado ao BCE, por uma semana, enquanto a facilidade de cedência marginal é a taxa que os bancos pagam quando pedem dinheiro emprestado ao BCE durante a noite.
Na sua reunião anterior, o banco central reduziu as suas taxas de juro de referência, pela oitava vez, desde junho de 2024, baixando a taxa de referência para 2%, de um máximo histórico de 4%.
Embora a inflação na Zona Euro se mantenha próxima da meta definida pelo BCE, de 2%, as últimas estimativas preliminares mostram um ligeiro aumento, mantendo o banco cauteloso sobre como proceder. De acordo com o Eurostat, os preços no consumidor subiram 2%, em junho, em relação ao ano anterior, acima dos 1,9% registados em maio. A inflação básica – que exclui os bens voláteis, como alimentos e energia – permaneceu estável em 2,3%.
Assim, o BCE está em modo de “esperar para ver”, por causa da incerteza que reina nas economias, designadamente, a que decorre das tarifas e das negociações comerciais em curso.
Atualmente, “as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de depósito, às operações principais de refinanciamento e à facilidade permanente de cedência de liquidez permanecerão inalteradas em, respetivamente, 2%, 2,15% e 2,4%”.
Uma das principais razões desta pausa é que “as pressões internas sobre os preços continuaram a abrandar, com o crescimento mais lento dos salários”. Além disso, “a economia provou ser, até à data, globalmente resiliente, num enquadramento mundial difícil”, “refletindo”, por exemplo, as subidas de juros pronunciadas do passado recente (até ao referido máximo histórico de 4% na taxa de depósito).
No entanto, a conjuntura mantém‑se excecionalmente incerta, sobretudo, devido aos litígios comerciais.
Apesar de a economia europeia ter tido um arranque de ano “mais forte que o esperado” e de as descidas de juro, desde setembro de 2024, contribuírem para animar a atividade, Christine Lagarde reparou, na conferência de imprensa subsequente à reunião, que essa maior dinâmica do início do ano “ocorreu, em parte, porque as empresas anteciparam as exportações”, para evitarem os aumentos de tarifas comerciais previstos.
Segundo a presidente do BCE, “o crescimento foi também impulsionado pelo reforço do consumo privado e do investimento”, embora inquéritos recentes “apontem para uma expansão modesta na indústria transformadora e dos serviços”. Ao mesmo tempo, as tarifas atuais, efetivamente mais elevadas, e as tarifas esperadas, também mais altas, o euro mais forte e a persistente incerteza geopolítica “estão a tornar as empresas mais hesitantes em investir”.
Na opinião de Lagarde, “os riscos para o crescimento económico continuam negativos”. Entre os principais perigos, “está uma nova escalada das tensões comerciais globais”, que pode “prejudicar as exportações e reduzir o investimento e o consumo”. Adicionalmente, “uma deterioração do sentimento do mercado financeiro poderá levar a condições de financiamento mais restritivas e a uma maior aversão ao risco, além de tornar as empresas e as famílias menos dispostas a investir e a consumir”, considera a presidente do BCE, vincando que “a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o trágico conflito no Médio Oriente continuam a ser uma grande fonte de incerteza”.
Sobre o futuro próximo, Christine Lagarde sustenta que “a perspetiva para a inflação é mais incerta do que o habitual, como resultado do ambiente volátil da política comercial global”. Além disso, “um euro mais forte poderá reduzir a inflação ainda mais do que o esperado” e a inflação “pode acabar por ser mais baixa, se tarifas mais elevadas conduzirem a uma menor procura de exportações da área do euro e induzirem os países com excesso de capacidade a redirecionar as suas exportações para a área do euro”.
Outro efeito possível é as tensões comerciais poderem “levar a uma maior volatilidade e aversão ao risco nos mercados financeiros, o que pesaria sobre a procura interna e, por conseguinte, também reduziria a inflação”. Porém, a inflação pode ser maior com o aumento das despesas com a Defesa e com as Infraestruturas; e “os eventos climáticos extremos e a crise climática em desenvolvimento de forma mais ampla” também “podem elevar os preços dos alimentos mais do que o esperado”, explicou a líder da autoridade monetária.
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Já no fim de março, se pensava que as tarifas alfandegárias de Donald Trump poderiam afetar o crescimento da UE e fazer subir a inflação, colocando o BCE perante um dilema.
De facto, o BCE começou a preparar-se para uma nova incerteza económica, uma vez que o presidente dos EUA, se prepara para impor tarifas muito abrangentes.
A 2 de abril, os EUA iriam apresentar uma nova ronda de “tarifas recíprocas”, elemento fundamental do esforço do presidente norte-americano para reduzir o défice comercial do país.
Embora o âmbito e a escala exatos fossem incertos, intensificou-se a especulação de que a Casa Branca poderia impor tarifas de até 25% sobre os produtos europeus. Estes direitos seriam aplicados com base nas taxas existentes já aplicadas a automóveis e peças, que aumentaram o custo das exportações relacionadas com veículos em 50%.
O impacto potencial seria significativo. De acordo com o Centro de Comércio Internacional, em 2024, a UE exportou 382 mil milhões de euros de mercadorias para os EUA. Deste montante, 46,3 mil milhões de euros foram provenientes de veículos, incluindo automóveis, motociclos e peças.
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Embora a UE não renuncie à negociação com os EUA sobre as tarifas, os seus estados-membros adotaram, na manhã de 24 de julho, a lista de contramedidas que visam produtos norte-americanos, no valor de 93 mil milhões de euros, em resposta às tarifas impostas pelos EUA, tendo a Hungria votado contra. Porém, a Comissão Europeia ainda não tomou nenhuma decisão.
A lista em causa inclui o pacote inicial de medidas adotadas, no início de abril, e visa produtos, como aeronaves, automóveis e peças automóveis, sumo de laranja, aves, soja, aço, alumínio e iates. O uísque Bourbon também foi incluído na lista, apesar do intenso lobby de França e da Irlanda, que temem retaliações dos EUA sobre vinhos e bebidas espirituosas. As indústrias da UE também foram consultadas antes de a Comissão propor a lista aos estados-membros.
As contramedidas só entrarão em vigor, se não for alcançado um acordo até 1 de agosto, prazo estabelecido pelo presidente dos EUA, Donald Trump, a partir do qual diz estar pronto para impor tarifas de 30% sobre as importações da UE.
Uma maioria qualificada dos Estados-membros também parece disposta a acionar o instrumento anticoação, que permitiria à UE atingir os serviços dos EUA caso não se chegue a um acordo. A Alemanha resistiu, durante muito tempo, a utilizar esta poderosa bazuca, mas juntou-se, agora, à França, que há muito é uma forte defensora do instrumento anticoação.
Após um jantar, no dia 23, entre o chanceler alemão, Friedrich Merz, e o presidente francês, Emmanuel Macron, uma fonte do Eliseu afirmou a visão comum dos dois líderes sobre as negociações em curso entre a UE e os EUA. “Esperam um resultado satisfatório das discussões que salvaguarde os interesses da UE”, disse a fonte, acrescentando, “ao mesmo tempo, que estavam a acelerar o trabalho sobre as contramedidas – incluindo o instrumento anticoação – em coordenação com a Comissão, caso não seja alcançado um acordo”.
Os EUA impõem atualmente taxas de 50% sobre o aço e o alumínio vindo da UE, 25% sobre os automóveis e 10% sobre todas as importações.
Além disso, está em curso a retoma das negociações com vista a um acordo comercial entre a UE e a China, embora as expectativas sejam baixas.
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A UE tem de articular a firmeza com a flexibilidade nas negociações e procurar interlocutores comerciais e políticos diversos, na convicção de que nada é definitivamente certo. Por seu turno, o BCE deve desenvolver uma política monetária amiga dos cidadãos europeus. É certo que só é responsável pela Zona Euro, mas as suas decisões, por arrastamento, condicionam toda a UE.

2025.07.24 – Louro de Carvalho


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