sexta-feira, 4 de julho de 2025

Marchas do Orgulho e marchas da Humildade

 
 
No âmbito do mês de junho como o Mês do Orgulho, centenas de milhares de pessoas desfilaram, no dia 28, em Budapeste, na Hungria, na marcha do Orgulho (o Pride), organizada pela ONG Rainbow Mission e pela Câmara Municipal, apesar da proibição do governo. Estava em causa a defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+ e a liberdade de reunião contra as políticas de Viktor Orbán. O evento decorreu sem incidentes, com pouca intervenção policial e com os contramanifestantes mantidos afastados.
Em março, o parlamento e o governo húngaros tentaram proibir esta marcha anual regular, que foi só mais uma das várias cidades do Mundo, em especial, da Europa. Para tanto, os deputados favoráveis ao executivo aprovaram várias alterações constitucionais e legislativas, alegando que a marcha viola os direitos das crianças, que, doravante, se sobrepõem a outros direitos fundamentais. A polícia rejeitou o pedido de autorização das organizações não-governamentais (ONG) que habitualmente organizavam o Pride, mas Gergely Karácsny, presidente da Câmara Municipal de Budapeste, anunciou que seria realizado outro evento como municipal, porque o município não está sujeito à lei da reunião, pelo que, de acordo com a sua interpretação da lei, não precisa de autorização para realizar o evento. A polícia considerou o evento ilegal e avisou que os participantes poderiam ser multados e os organizadores condenados a um ano de prisão. Não obstante, compareceu grande multidão.
“Se não falarmos, agora, podemos nunca mais ter a oportunidade de o fazer, de novo”, dizia um participante. “Não nos envolvemos em política, só queremos ser livres e é assim que podemos ser livres, saindo à rua e defendendo-nos”, disse um jovem casal de homens.
Antes do evento, havia preocupação por a polícia ter permitido contramanifestações de grupos de extrema-direita no percurso da marcha, mas as autoridades separaram-nos dos participantes no Pride e a sua presença não causou perturbação. Apesar de os contramanifestantes do grupo Nossa Pátria terem bloqueado a Ponte da Liberdade, no percurso original, foram cercados pela polícia de ambos os lados, enquanto os participantes no Pride atravessavam a Ponte Erzsébet. “O que está a acontecer, aqui, é completamente ilegal, está a pôr em perigo o desenvolvimento saudável das crianças e acho muito triste que a polícia não esteja a parar este processo. […] Enquanto as organizações radicais nacionais têm sido restringidas nas suas manifestações, como têm sido, há muitos anos, os manifestantes do Nossa Pátria não têm sido autorizados a atravessar a Ponte da Liberdade”, dizia Tamás Gaudi-Nagy, diretor executivo do Serviço Nacional de Defesa Legal.
Já o presidente da Câmara Municipal, ameaçado de prisão pelo Ministro da Justiça húngaro, afirmou, no seu discurso: “Se podem proibir um evento Pride num estado-membro da União Europeia [UE], então nenhum presidente de câmara na Europa está seguro. E, hoje, ao virdes tantos de vós, fizestes de Budapeste a capital da Europa por este dia.”
Gergely Karácsony afirmou que os participantes “mostraram força, face ao poder”, e criticou Péter Magyar, líder do Tisza, o maior partido da oposição, que não participou na marcha e só publicou uma cautelosa mensagem de apoio nas redes sociais, sem explicitar o evento.
Segundo a polícia, a quem Gergely Karácsony agradeceu, até às 20 horas, foram detidas 36 pessoas e só duas ficaram presas – uma, por hooliganismo, e outra, por posse de drogas – o que mostra que o Budapest Pride terminou, praticamente, sem incidentes.
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Hadja Lahbib, Comissária Europeia para a Igualdade, e 70 eurodeputados foram à Hungria, para protestarem contra a proibição da marcha do Orgulho, mas o líder da oposição não se juntou aos manifestantes, que marchavam (chegaram a estar na rua 200 mil), agitando bandeiras do arco-íris e da UE. Os eurodeputados eram, maioritariamente, do grupo liberal Renew Europe, dos Socialistas e Democratas, da Esquerda e dos Verdes, aos quais se juntou Maria Walsh, eurodeputada irlandesa do Partido Popular Europeu (PPE). E, de Portugal, estiveram presentes as eurodeputadas Catarina Martins (BE) e Ana Catarina Mendes (PS).
Maria Walsh declarou que “não se trata de colocar partidos uns contra os outros, mas de seres humanos que se manifestam por outros”. E a francesa Emma Rafowicz, eurodeputada socialista, acusou o PPE de estar, desde o início da legislatura, “a oscilar entre as forças democráticas e a extrema-direita”, não percebendo “quem são os seus adversários”.
O Tisza, partido de centro-direita, cujo líder é o eurodeputado e chefe da oposição húngara, Péter Magyar, está à frente do Fidesz, partido governamental, nas sondagens para as eleições legislativas de 2026. E Magyar não esteve em Budapeste, evitando tomar posição sobre a questão da Marcha do Orgulho, que divide as opiniões no país, com 47% dos Húngaros a oporem-se à sua realização. Porém, no início do dia, apelou a protesto pacífico. “Peço a todos que não caiam em nenhuma provocação. Se alguém se magoar, hoje, em Budapeste, se alguém se magoar, Viktor Orbán será o único responsável”, publicou, nas suas plataformas sociais.
A comissária europeia para a Igualdade reuniu-se com organizações da sociedade civil local, no dia anterior, mas não compareceu na marcha, alegando que iria participar em reuniões na cidade.
Segundo a lei aprovada em março, é proibida qualquer representação de relações entre pessoas do mesmo sexo para menores, norma que o evento poderia violar. Porém, a Comissão Europeia, sustentando que se trata de violação do seu direito comunitário e remeteu o caso para o Tribunal de Justiça Europeu (TJUE). E os eurodeputados conservadores e de extrema-direita defendem o governo, afirmando que a UE não deve interferir nos assuntos internos da Hungria. No entanto, o presidente da Câmara de Budapeste, do partido dos Verdes, permitiu o desfile, reetiquetando-o de celebração do “Dia da Liberdade”, oficialmente organizado pela edilidade.
Esta lacuna legal permitiu que milhares de pessoas marchassem pelas ruas de Budapeste sob um calor sufocante, protestando contra a proibição do Pride e contra o governo de Viktor Orban em geral. Além das bandeiras LGBTQIA+ e da música alta, havia cartazes com a imagem do primeiro-ministro. A segurança foi apertada, com câmaras de segurança instaladas em postes de iluminação no centro da cidade e centenas de polícias colocados em pontos-chave do desfile, vigiando os manifestantes e assegurando que não houvesse confrontos.
Os participantes foram avisados pelo Ministério da Justiça húngaro de que os organizadores do desfile corriam o risco de serem condenados a até um ano de prisão e que os participantes poderiam ser multados em 500 euros. A polícia foi encorajada pelo governo a utilizar tecnologia de reconhecimento facial para identificar os participantes, embora Karácsony insista que ninguém será punido pela sua participação no desfile.
Por sua vez, o grupo nacionalista “Movimento da Juventude dos 64 Condados” organizou um evento permitido pelas autoridades, na mesma praça de Budapeste onde os participantes no Pride se reuniram, mais tarde. E o Movimento Nossa Pátria, pequeno partido parlamentar de extrema-direita, organizou uma contramarcha aprovada pela polícia, ao longo do mesmo percurso do Pride. Porém, durante o dia, o protesto da extrema-direita foi bloqueado por forte presença policial para evitar conflitos. E, ao fim do dia, não se registaram incidentes de maior, embora se tenha registado um confronto entre um pequeno grupo do “Movimento Juvenil dos 64 Condados” – que segurava uma faixa a comparar as pessoas LGBTQIA+ a pedófilos – e a Marcha do Orgulho. Também outro manifestante antipride tentou parar a marcha, pondo-se em frente ao camião que liderava o desfile, mas foi gozado pela multidão e retirado pela polícia.
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Paralelamente, um movimento de jovens católicos filipinos organizou “marchas da humildade”, no mês de junho, com procissões eucarísticas e com atos públicos de reparação ao Coração de Jesus, em cidades importantes por todo o país, em alternativa espiritual às celebrações do “mês do orgulho” LGBTQIA+.
O movimento foi iniciado pela jovem filipina Raven Castañeda, triste com o que viu no campus da sua universidade jesuíta. “Comecei a marcha Humilitas por causa de uma inspiração que recebi um dia”, disse a estudante universitária que fundou o movimento, que relatou: “Em junho de 2023, caminhava pelo campus da minha universidade, quando vi uma multidão a promover o vício do orgulho, agitando bandeiras numa universidade dedicada a Nossa Senhora. Então, senti profunda dor no coração, porque não entendia como era possível a universidade católica permitir um evento que promove o vício e promove uma ideologia contrária às verdades da nossa fé.”
Então foi à capela rezar diante do Santíssimo Sacramento. Lá, Raven e alguns amigos restauraram a devoção da hora santa no campus da faculdade, após terem sido informados de que não se fazia, há cerca de 20 anos. Porém, depararam com uma capela vazia. Raven ajoelhou-se e rezou a consolar Cristo, naquela hora sombria. E sentiu-se movida a promover o Sagrado Coração de Jesus. Fez a Deus o voto de que, no ano seguinte, com a ajuda da sua graça, agitaria a bandeira do seu Humilde e Sacratíssimo Coração, para lembrar às pessoas que nesse Coração está o Amor que salva, que nos salva da nossa miséria, “o amor que nos dá a paz que o Mundo não pode dar; o amor que pode nos proporcionar a alegria e a bem-aventurança que o Mundo nem sequer começa a compreender”.
Raven Castañeda e outros voluntários foram de porta em porta, em diferentes paróquias, a convidar pessoas a participarem na marcha. Centenas de fiéis, na maioria, jovens, compareceram. Organizações, como Famílias Missionárias de Cristo, Solteiros por Cristo, Jovens por Cristo, Filipinas Pró-Vida, Movimento Social Conservador das Filipinas, The Sentinel Philippines, Conservadores das Filipinas, juntaram-se às marchas, além de padres e religiosos.
As Filipinas têm a tradição de devoção ao Coração de Jesus, há muito tempo. A primeira consagração foi feita pelo presidente Ramon Magsaysay em 1956. E, em junho de 1995, o presidente Fidel Ramos, protestante, renovou-a, pessoalmente.
Uma ex-lésbica que participara em paradas do orgulho LGBTQIA+, juntou-se à Marcha da Humildade, neste ano, falou do seu estilo de vida, no passado: “Achava que tinha encontrado o amor e a identidade, mas, no fundo, sempre me senti perdida e incompleta.”
Viu, na missa, quando o padre elevava a hóstia sagrada, um “coração brilhante” de Jesus atrás do padre, visivelmente a estender-se na sua direção. Como protestante, não compreendia a presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Mas a experiência foi tão profunda que se sentiu fortemente atraída pela Igreja. “Daquela noite em diante, comecei a buscar. […] Li. Rezei mais. Visitei diferentes igrejas. A minha alma começou a ter fome”, confessou.
Por fim, após receber formação de um diretor espiritual, que descreveu como “oração atendida”, tornou-se católica. E, quando ouviu falar da Marcha da Humildade deste ano, lembrou-se de tudo e pensou que tinha de caminhar, “não para ser vista pelo Mundo, mas para caminhar para Aquele que primeiro me estendeu a mão”. “A marcha Humilitas não foi como a do orgulho. Não foi barulhenta, nem ostentosa. Não se tratava de ser adoração, mas de ser vista por Deus. Não foi um protesto, mas uma procissão”, disse.
Um rapaz confessou que lutava contra pecados sexuais, mas, às vezes, justificava-os, porque toda a gente os faz. Entretanto, percebeu o que é o orgulho. Segundo o jovem, o orgulho diz que fará as suas regras, redefinirá género, casamento e sexualidade como quiser, em vez de seguir a vontade e o plano de Deus para a sexualidade, ou seja, fazer a própria vontade, não a de Deus. Ao invés, a humildade submete-se ao senhorio de Jesus e obedece-Lhe. Se Ele é o Senhor deve ser seguido, mesmo que, às vezes, seja difícil.
O padre Joel Jason, conhecido pela promoção da Teologia do Corpo, de São João Paulo II, disse que a tática do diabo é sempre a mesma: “O orgulho dá lugar à rebelião e à revolta contra a Natureza e contra a criação. O orgulho diz: não sou criatura; sou o meu próprio criador. […] É o pecado original do primeiro homem e da primeira mulher que os separou de Deus”, diz o padre.
O movimento quer ser contramovimento silencioso e devoto de católicos a testemunhar, publicamente, a fé e a fazer reparação pelos pecados, numa sociedade que busca normalizar, glorificar e celebrar a imoralidade. “O objetivo da nossa iniciativa é, simplesmente, promover o Sagrado Coração de Jesus e encorajar os jovens filipinos a encontrar em seu Coração um refúgio para todos os seus problemas”, disse Nirva Dela Cruz, que organizou a marcha.
“Não podemos tornar-nos tão frios e indiferentes a esse Coração tão terno e transbordante de amor por nós. A nossa esperança é que o Sagrado Coração de Jesus seja consolado por esses atos de fé”, disse Christine May, devota do Coração de Jesus que compôs a canção-tema da marcha.
“Estamos a levar a nossa fé do santuário para as ruas, proclamando as palavras do próprio Jesus [ditas a santa Margarida Maria Alacoque]: Eis o coração que amou tanto os homens, que não poupou nada, até [ao ponto de] esgotar-Se e consumir-se [para testemunhar] o seu amor; [e] em troca, recebe da maior parte só ingratidão, pela sua irreverência e sacrilégio, e pela frieza e desprezo que Me [mostram] a Mim…”, disse Raven Castañeda.
Depois da marcha, centenas de jovens assinaram a declaração de compromisso que diz: “Somos a Igreja jovem das Filipinas. Estamos comprometidos a promover e a crescer, na devoção ao Sagrado Coração e à Eucaristia; a caminhar com os pobres, encontrando maneiras de servi-los e defender sua causa, pois, neles, vemos o Sagrado Coração; a construir uma sociedade onde a verdade reine e seja guiada pelas doutrinas de Cristo; e a evangelizar com ousadia, mesmo quando for desconfortável, fortalecendo comunidades formadas na fé católica verdadeira.”
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Todas as manifestações em referência são legítimas em democracia, pois correspondem a um direito fundamental, porém não podem alterar gravemente a ordem pública.
Todavia, embora os grupos minoritários devam ser protegidos e ter os seus direitos respeitados por todos, não têm, contudo, o direito de se imporem como modelo social, levando a uma certa ostracização dos demais. Os grupos políticos de extrema-direita não são combatíveis com as proibições ou com insultos, mas com o discurso democrático lúcido e com ações políticas que obviem aos falhanços económicos e sociais que eles denunciam.
Os cidadãos e cidadãs LGBTQIA+ não são só de esquerda, nem só de direita. E não derivam daí os crimes de pedofilia, como não resultam do celibatarismo. Por sua vez, os católicos têm o dever de aumentar e de manifestar a sua fé, também publicamente, pois não é habitante de sacristia, mas sem hostilizar os demais e sem dar azo a justas reclamações. Ninguém é dono exclusivo da Verdade, nem do Mundo: somos seus intérpretes e professamos a fraternidade.

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2025.07.03 – Louro de Carvalho


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