quinta-feira, 17 de julho de 2025

AR aprovou alterações polémicas à Lei de Estrangeiros

 

A 16 de julho, a Assembleia da República (AR) aprovou, em votação global final, um conjunto de alterações polémicas à Lei de Estrangeiros, dando luz verde para regras mais duras na permissão de entrada e de permanência de estrangeiros em Portugal. Além disso, tornar-se-á mais moroso o reagrupamento familiar, já que a lei impõe o mínimo de dois anos para ser feito o pedido.
A lei também obriga a que os pedidos de autorização de residência sejam feitos fora de território nacional. Até agora, havia uma possibilidade para os cidadãos de países que não precisavam de visto de entrada.
As alterações à lei foram apresentadas pelo governo de coligação de direita – formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP) –, tendo também incorporado algumas alterações propostas pelo partido Chega.
Na votação final global, apenas estes três partidos votaram a favor, ao passo que os partidos de esquerda votaram contra, tal como o tinham feito em sede de discussão na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, alegando que faltavam pareceres obrigatórios.
A Iniciativa Liberal (IL) absteve-se, criticando as mudanças de última hora e a falta de audições a associações de imigrantes e a constitucionalistas, pedidas pela oposição. Rui Rocha, líder demissionário do partido, disse que o processo decorreu de forma “absolutamente inadmissível”.
A proposta, agora aprovada, está a provocar muita polémica, no país, sendo o governo acusado de cedência à política de extrema-direita, apenas cerca de dois meses depois de o Chega ter alcançado o segundo lugar nas eleições legislativas, com o número de 60 deputados, ultrapassando o histórico Partido Socialista (PS), que se ficou pelos 58. Além disso, a oposição acusa o governo de dificultar a integração dos imigrantes, ao não facilitar a reunificação familiar.
Para os críticos, a esperança está, agora, no Presidente da República (PR), que tem de se pronunciar sobre o diploma, vetando-o politicamente, submetendo-o à fiscalização preventiva da sua constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC) ou promulgando-o.
Neste plenário da AR, foi também aprovada a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) da Polícia de Segurança Pública (PSP), proposta pelo governo, a qual ficará responsável pela vigilância das fronteiras, fiscalizando-as e gerindo os processos de expulsão de imigrantes em situação irregular. Este diploma (o da UNEF) já mereceu a promulgação por parte do PR.
O diploma foi aprovado com os votos favoráveis do PSD, do Chega, da IL e do CDS e com a abstenção do Partido Socialista (PS) e do Juntos pelo Povo (JPP). Os restantes partidos da esquerda parlamentar votaram contra, tendo o Partido Comunista Português (PCP) anunciado uma declaração de voto.
Na discussão em comissão parlamentar, o Chega tentou alterar a designação da nova unidade, mas a sua proposta rejeitada, pelo que a proposta original foi votada no plenário.
Depois de, na última legislatura, o PS e o Chega terem rejeitado um diploma similar, o executivo insistiu na medida, que recoloca, na PSP, uma unidade específica, depois do fim do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2023, e as suas funções terem sido distribuídas pela PSP, pela Guarda Nacional Republicana (GNR), pela Polícia Judiciária (PJ) e pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). 
A AIMA ficou responsável pelo retorno, um sistema, que, segundo o governo, não funciona e não permite fazer cumprir as ordens de expulsão de imigrantes. Doravante, a UNEF integra as atribuições da AIMA, “em matéria de afastamento, readmissão e retorno de cidadãos em situação irregular”. Só é de questionar por que não se criou a UNEF também na GNR e na PJ.

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Em relação às prometidas e polémicas alterações à Lei da Nacionalidade, o PSD aceitou abrir um período de audições até setembro, antes da votação final do diploma, mas avisa que este não se pode estender para lá da conclusão do processo legislativo do Orçamento de Estado para 2026.

No âmbito da discussão em comissão parlamentar, a 9 de julho, o PSD aceitou abrir um período de audições, a realizar até ao fim da terceira semana de setembro. A decisão ocorre após terem sido rejeitadas, pela direita, audições de associações que representam imigrantes propostas pela esquerda, no âmbito da Lei da Nacionalidade.

No dia 4, a proposta de lei, que aumenta o período de permanência, em Portugal, para a obtenção da cidadania – de cinco para sete ou 10 anos, consoante se trate de cidadãos lusófonos ou não lusófonos –, baixou à fase de especialidade, sem votação na generalidade.

O diploma prevê, ainda, a possibilidade da perda da nacionalidade para os naturalizados, há menos de 10 anos e que sejam condenados a pena de prisão efetiva igual ou superior a cinco anos, pela prática de crimes graves. Quanto à atribuição de nacionalidade originária a descendentes de estrangeiros residentes em Portugal, passa a exigir-se a residência legal durante três anos.

No debate na generalidade, foram levantadas dúvidas quanto à constitucionalidade da proposta, nomeadamente, em questões como a possibilidade de perda da nacionalidade obtida por naturalização e por decisão judicial, em caso de condenação por crimes, bem como sobre o efeito retroativo da medida, já que pessoas que reúnem, hoje, os requisitos para requerer a nacionalidade deixarão de o fazer, podendo estar em causa a violação do princípio da proteção de confiança, que protege os cidadãos, face a mudanças inesperadas e arbitrárias nas leis.

Das 41393 pessoas que receberam passaporte português, em 2023, os mais representados foram os Israelitas, com 16377 cidadãos. De todos os novos portugueses, 40% são descendentes de judeus sefarditas. Do número total de estrangeiros naturalizados naquele ano, 24408 não vivem no país, ou seja, 60% dos cidadãos estrangeiros que adquiriram a nacionalidade portuguesa vivem fora de Portugal.

A tendência que se tem verificado, desde 2021, de que há mais estrangeiros a viver no estrangeiro a adquirir nacionalidade do que os que residem em Portugal, será revertida, se as alterações à Lei da Nacionalidade se materializarem. A proposta também pretende a revogação da naturalização dos descendentes de sefarditas, medida aprovada, unanimemente, em 2013.

Nos últimos anos, este regime tem estado envolto em polémica por suspeitas de ser usado, de forma fraudulenta, por pessoas sem ligação ao país, mesmo que ancestral.

Depois dos cidadãos israelitas, o segundo lugar é ocupado por brasileiros, que representam 23,5% de todos os casos de 2023, seguido, com grande diferença, por cabo-verdianos (4,3%) e ucranianos (3,5%). Um total de 2795 cidadãos do Nepal (1156), da Índia (776), do Bangladesh (513) e do Paquistão (350) obteve a nacionalidade portuguesa.

Apenas um quarto de todas as nacionalidades adquiridas foi concedida a estrangeiros que residiam em Portugal, há pelo menos seis anos – os tais que serão afetados pela mudança da lei. Destes a viver em Portugal, 30% são de países de Língua Portuguesa, como o Brasil e Cabo Verde.

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A nacionalidade portuguesa passa a ser das mais difíceis de obter na Europa. Na verdade, a proposta do governo representa uma mudança substancial no regime atual, colocando Portugal entre os países europeus com critérios mais exigentes para aquisição da cidadania por naturalização. Esta alteração afasta Portugal da média europeia, que tende a variar entre os cinco e os sete anos. Por exemplo, a França, a Bélgica, a Finlândia, a Irlanda e a Suécia, mantêm o requisito mínimo dos cinco anos, enquanto a Alemanha admite a naturalização, ao fim de cinco anos ou mesmo três, caso haja demonstração de forte integração. E a Espanha exige 10 anos, embora com redução para dois, no caso de cidadãos de países da América Latina.

No atinente ao conhecimento da Língua e da Cultura, a proposta visa reforçar os critérios de integração, com a introdução de um exame que abrange a proficiência linguística de nível A2 (básico), exigido atualmente, e conhecimentos de Cultura, de História e dos direitos fundamentais da República. É uma orientação que aproxima o país das práticas de países, como França e a Alemanha, que exigem conhecimentos mais aprofundados. O nível de exigência linguística francês pode equivaler ao B1 (intermédio) ou B2 (avançado), enquanto na Alemanha o B1 é obrigatório, a par do exame de integração. E a Espanha exige um teste de Língua (também B1) e uma prova cultural, que avalia conhecimentos constitucionais e socioculturais.

Outro ponto controverso nas propostas são os critérios aplicados às crianças nascidas em solo português. Filhos de pais estrangeiros deixam de adquirir a nacionalidade, de forma automática, e só podem aceder à nacionalidade, se, pelo menos, um dos progenitores residir legalmente no país, há pelo menos três anos, e for feito um pedido formal. Esta alteração contrasta com modelos, como o francês, onde a nacionalidade pode ser adquirida, automaticamente, aos 18 anos, caso o jovem tenha residido em França, durante, pelo menos, cinco anos. A Alemanha concede nacionalidade no nascimento a filhos de estrangeiros, desde que, pelo menos, um dos progenitores resida legalmente no país, há cinco anos, e possua autorização de residência permanente. A naturalização por nascimento em território, na Espanha e na Itália, depende de múltiplas condições, sendo raramente automática. A aquisição de nacionalidade através do mecanismo do reagrupamento familiar sofre um reforço de critérios substancial, o que levou os críticos a acusarem o governo de querer separar famílias.

As novas regras exigem dois anos de residência legal do requerente para que o direito ao reagrupamento familiar possa ser exercido. Além disso, passa a restringir-se o reagrupamento de pessoas que estejam em território nacional a menores. Os maiores terão de o pedir fora do território nacional e de sujeitar-se a deferimento pelas autoridades portuguesas. É obrigatória prova de meios de subsistência, sem incluir prestações sociais, e alojamentos adequados. E os menores têm de frequentar o ensino obrigatório.

Quanto à possibilidade de revogação da nacionalidade, por motivos de segurança ou por criminalidade grave, prevê-se a retirada da cidadania a naturalizados que cometam crimes particularmente graves, como homicídio ou terrorismo. A medida tem paralelo em diversos países europeus: a França, a Alemanha e a Espanha têm disposições similares para casos de ameaça à segurança nacional, sobretudo, se os indivíduos mantêm dupla nacionalidade.

Relativamente a descendentes de judeus sefarditas. Portugal tinha um dos regimes mais generosos da Europa, aceitando a naturalização sem exigência de residência para os que demonstrassem ligação a comunidades sefarditas expulsas no século XV. Em Espanha, mecanismo semelhante acabou em 2021. A generalidade dos países da União Europeia (UE) não dispõe de regimes análogos.

Em contraste com o endurecimento europeu, em Itália, decorreu um referendo para reduzir de 10 para cinco anos o tempo de residência exigido para a naturalização. Apesar de a maioria (65%) dos votantes ter optado pela diminuição do prazo, a consulta falhou, por baixa participação: apenas cerca de 30% dos eleitores compareceram.

As novas medidas afastam-se da posição de abertura dos últimos anos e colocam Portugal num patamar de exigência superior ao de muitos dos parceiros europeus. A serem aprovadas, as alterações tornam mais difícil receber um dos passaportes mais valiosos do Mundo do que permitir viajar, sem visto, para 189 países.

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O Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado (STRN) considera que, após as alterações à Lei da Nacionalidade, não há capacidade para responder à procura nas conservatórias.

Bastou o anúncio de alterações à lei, para se desencadear uma “corrida às conservatórias”, para submissão de novos pedidos, a juntar aos 700 mil já pendentes, alertou o STRN.

De acordo com o sindicato, o crescimento no número de novo pedidos é transversal a todo o território, ocorrendo tanto nas submissões online – feitas por advogados e por solicitadores – como presencialmente, nos postos de atendimento: Conservatória dos Registos Centrais, Arquivo Central do Porto e restantes Conservatórias do Registo Civil em todo o território nacional.

“A autêntica corrida às conservatórias está a exercer uma pressão insustentável sobre serviços que já se encontravam em situação de rutura, agravada por uma carência crítica de recursos humanos, estimada em cerca de 40% abaixo das necessidades reais”, denunciou o STRN.

Segundo o STRN, faltam 266 conservadores de registos e os 120 em formação apenas estarão aptos para entrar em serviço, no final de 2026. Faltam 1867 oficiais de registos, tendo sido preenchida apenas metade das 240 vagas recentemente levadas a concurso, “devido à falta de atratividade das carreiras”, a que se juntam as dezenas de aposentações, a cada mês.

O STRN prevê que as férias dos funcionários sejam fator de agravamento das pendências, no período de verão. E menciona “constrangimentos tecnológicos”, visto que “a plataforma informática criada para submissão desmaterializada dos pedidos de nacionalidade, financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), apresenta falhas graves”, sem solução à vista, e porque a interoperabilidade com a AIMA continua a funcionar com sérias limitações.

“Apesar dos esforços incansáveis dos conservadores e oficiais de registos, está a tornar-se humanamente impossível conter os atrasos e o número de processos pendentes continua a aumentar de forma dramática”, reforçou o STRN.

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Os críticos esperam pela decisão do PR, que prometeu ouvir o TC. No entanto, em meu entender – e, nisto, penso estar em consonância com alguns observadores, geralmente, sensatos –, seria de esperar uma demarcação política, através do veto presidencial, deste furor negativo. Não esqueço que, em 2021, o então recandidato se afirmou da direita social.
Digo isto, porque o TC, se verificar algum segmento de inconstitucionalidade ou de ilegalidade (e haverá) na Lei de Estrangeiros já aprovada ou na futura nova Lei da Nacionalidade, fica-se pelos mínimos, pois, como é óbvio, não julga a bondade das leis. Já o PR tem a possibilidade de fazer um juízo político e de ponderar se o debate foi suficientemente claro e tão consensual quanto possível. E, ainda que a AR viesse a confirmar os diplomas, com a maioria constitucional requerida, o país teria uma voz política a defender os princípios do humanismo, da dignidade humana, do personalismo (valores do PSD de Sá Carneiro e seu), do Portugal plúrimo que sabe acolher e integrar; e, sem negar a legitimidade da vontade das maiorias, a sustentar o dever de respeito pelas minorias, pelo seu direito à vida, à família (o que os tradicionais partidos amigos da família olvidam), ao trabalho e à convivência social.

2025.07.17 – Louro de Carvalho

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