quarta-feira, 2 de julho de 2025

Empresas dos EUA consideram fontes de abastecimento alternativas

 
Desde a sua tomada de posse, a 20 de janeiro, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, anunciou mais de 50 tarifas novas ou revistas, incluindo pausas, recuos, escaladas e desescaladas. Por isso, a incerteza e a imprevisibilidade afeta muitas empresas norte-americanas que se veem na necessidade de dar resposta aos seus compromissos industriais e comerciais, constrangidas pela eventual redução do fluxo comercial entre os EUA e a China, já que precisam, como do pão para a boca, de matérias-primas e de outros fabricos (por exemplo, chips) do outro lado do Mundo.
Assim, muitas empresas americanas estão a considerar fontes de abastecimento alternativas para evitar o aumento dos preços. E a questão é se pode a Europa ser a resposta.
A verdade é que, sem a mudança para fontes diferentes, os preços podem aumentar e as empresas e os consumidores dos EUA podem ter de reduzir ou de substituir um produto por outro praticamente semelhante. Efetivamente, uma guerra comercial cria sempre turbulência que prejudica o tecido empresarial produtivo e distribuidor. Neste cenário, a Europa poderia desempenhar um papel fundamental, como exportador e como importador. Com efeito, em média, a Europa já fornece 55% do mercado mundial de exportação disponível para os produtos que os EUA importam da China.
“A Europa enfrenta um desafio cada vez mais difícil: como passar de destinatária das decisões tomadas pela China e pelos EUA a moldar ativamente o seu próprio futuro”, afirmou Francesca Ghiretti, diretora da Iniciativa Europa-China da RAND.
De acordo com nove simulações variadas feitas pela empresa de consultoria de gestão global McKinsey & Company, a União Europeia (UE), juntamente com a Noruega, a Suíça e o Reino Unido, poderia potencialmente substituir cerca de 30% a 65% das importações dos EUA provenientes da China pelas suas exportações, mesmo face à imposição de direitos aduaneiros elevados pelos EUA sobre os produtos europeus.
Cada simulação sustenta-se no princípio de que o valor das importações dos EUA provenientes da China para cada produto cai para zero e que, em vez disso, os EUA se abastecem de cada produto junto de outros exportadores.
O papel da Europa é mais pronunciado no atinente à eletrónica, a outras indústrias transformadoras e aos têxteis. E os EUA têm de reorganizar 191 mil milhões de dólares, 52 mil milhões de dólares e 45 mil milhões de dólares, em cada um destes setores, respetivamente.
Estes são os setores para os quais os EUA importam, principalmente, da China. Ora, no setor da eletrónica, em especial, a Europa pode ser o principal fornecedor substituto no mercado dos EUA. E também, por exemplo, no âmbito dos brinquedos, a Europa tem capacidade para abastecer o mercado norte-americano com brinquedos checos e alemães, substituindo os fabricados na China. Os consumidores europeus poderiam, pois, comprar cada vez mais brinquedos de fabrico chinês.
À medida que a Europa aumentou as suas exportações para os EUA, tornou-se um destino importante para as exportações chinesas, absorvendo até 55% dos envios da China para os EUA. E esta mudança poderá conduzir a uma maior interdependência comercial entre a Europa e a China, bem como a tensões geopolíticas. “Os próximos meses e anos vão pôr em causa se a Europa consegue manter o rumo ou se vai perder-se a tentar responder aos desafios atuais”, afirmou Francesca Ghiretti.
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Voltando um pouco atrás, verifica-se que há um percurso complexo na relação entre os EUA e a China, tal como ente China e a UE.
Após ter disparado em várias direções, na promessa de aplicação de tarifas, praticamente a todo o Mundo, exceto à Rússia e a alguns países de tendência russófila, mas com especial gravame, para alguns produtos chineses, para não falar das tarifas ao Canadá e ao México, Donald Trump foi definindo moratórias e exceções.     
Assim, a 12 de abril, anunciou que os smartphones e os computadores, bem como outros dispositivos e componentes eletrónicos, incluindo semicondutores, células solares e cartões de memória, seriam excluídos das tarifas globais de 145% impostas pelo inquilino da Casa Branca às importações chinesas. Tal anúncio, que foi partilhado pelas Alfândegas e pela Proteção das Fronteiras dos EUA, referia que os direitos aduaneiros teriam grande impacto nos gigantes tecnológicos americanos, como a Apple, que tem 90% da sua produção e montagem do iPhone na China. Mais: a isenção aplica-se aos produtos que entraram nos EUA ou que foram retirados dos armazéns, a partir de 5 de abril.
Porém, a 16 do mesmo mês de abril o presidente dos EUA assinou uma ordem executiva para dar início à investigação sobre minerais críticos, potencialmente, conduzindo a tarifas adicionais sobre recursos industriais. A medida segue-se a sondagens sobre as importações de chips e de produtos farmacêuticos, sinalizando novo alargamento da guerra comercial global. E segue-se ao anúncio de Pequim de restrições à exportação de terras raras, marcando uma escalada na guerra comercial entre as duas maiores economias do Mundo.
A investigação em causa, ao abrigo da Secção 232 da Lei de Expansão do Comércio de 1962, visa “determinar os efeitos sobre a segurança nacional das importações de minerais críticos transformados e [de] seus produtos derivados”. Com efeito, os minerais críticos, que incluem os elementos de terras raras, sob a forma de minerais processados, são matérias-primas essenciais e contributos de produção críticos necessários para a segurança económica e nacional. A mesma lei foi invocada por Donald Trump para impor tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio, bem como para lançar a investigação sobre as importações de cobre.
Em março, o presidente dos EUA assinou ordem executiva para impulsionar a produção nacional de minerais críticos, invocando a Lei de Produção de Defesa, fornecendo ao setor apoio, como financiamento e empréstimos. A medida é vista como tendo por alvo a China, que domina a cadeia de abastecimento global.
De acordo com a Casa Branca, os EUA dependem da importação de 15 minerais críticos, 70% dos quais são originários da China. Ora, a 11 de abril, Pequim anunciou restrições à exportação de vasta gama de minerais críticos, como o germânio, o gálio, o antimónio e os ímanes, em resposta às fortes subidas das tarifas impostas por Donald Trump. E, como os EUA só têm uma mina de terras raras e não têm fundições nacionais, ficam gravemente dependentes da China, em recursos naturais, incluindo terras raras e minerais críticos – componentes vitais em dispositivos elétricos, em veículos movidos a bateria, em aeronaves e em equipamento de defesa.
Um relatório da TD Economics revela que a China domina a produção global de mais de metade dos 50 minerais críticos identificados pelo governo dos EUA, em 2022, e mantém um quase monopólio na refinação, processando 90% dos elementos de terras raras, a nível mundial. E, para se defenderem na guerra comercial, os EUA terão de diversificar as fontes de abastecimento destes materiais industriais.
O documento sustenta que “os minerais críticos processados e os seus produtos derivados enfrentam significativas vulnerabilidades, na cadeia de abastecimento global, e distorções de mercado, devido à dependência de um pequeno número de fornecedores estrangeiros”. Por outro lado, a dependência dos EUA das importações e a vulnerabilidade das suas cadeias de abastecimento aumentam os riscos para a segurança nacional, para a prontidão de defesa, para a estabilidade de preços e para a prosperidade económica e para a resiliência.
É de recordar que Donald Trump, em fevereiro, exigiu 500 mil milhões de dólares de terras raras e de minerais críticos da Ucrânia, como parte das conversações de paz, um movimento visto como um esforço estratégico para melhorar a posição dos EUA contra a China.
As principais ações mineiras da Austrália caíram na sessão asiática de 16 de abril, com as ações da BHP a caírem 1,2%, as da Rio Tinto a deslizarem 2,3% e as da Phibara Minerals a caírem 2,9%, a partir das 5h52, na Europa Central. Nas mercadorias, os futuros do minério de ferro (CFR China), na SGX, caíram 0,35% e os futuros do cobre caíram 0,91%.
A queda no setor dos recursos pode estar ligada a notícias de que a Nvidia enfrenta novas restrições à exportação para a China, o que lhe poderá custar milhares de milhões de dólares. Espera-se que as novas regulamentações reduzam a procura de recursos industriais, como o cobre e certos minerais essenciais para o fabrico de chips. Combinadas com a investigação recente de Trump, as notícias contribuíram para fraqueza mais ampla do mercado. E os mercados europeus poderão sentir os efeitos da intensificação da guerra comercial global, com os futuros de ações a apontarem para abertura mais baixa, nos principais índices.
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A 2 de junho, A China criticou os EUA, por “violarem gravemente” as tréguas comerciais acordadas em Genebra, em maio, que tinham reduzido as elevadas tarifas comerciais. As críticas surgiram depois de o presidente Donald Trump, ter dito que a China tinha “violado totalmente” o acordo.
Assim, o Ministério do Comércio chinês denunciou as medidas de Washington para impedir a venda de software para o desenvolvimento de circuitos integrados (chips) à China e os avisos dos EUA contra a utilização de chips fabricados pela empresa chinesa Huawei e contra a revogação de vistos de estudantes chineses. Por consequência, exigiu que tais práticas incorretas fossem corrigidas, de imediato, caso contrário a China tomará “medidas firmes e enérgicas, para salvaguardar os seus direitos e interesses legítimos”.
De facto, no início de maio, Washington baixou as tarifas impostas aos produtos da China de 145% para 30%; e as tarifas de retaliação de Pequim foram reduzidas de 125% para 10%. E, embora o acordo tenha a duração de 90 dias, permitindo que os negociadores norte-americanos e chineses cheguem a acordo mais substancial, as tensões vêm a aumentar.
Jamieson Greer, representante para o Comércio dos EUA, disse, mais tarde, que a China não removia as barreiras não tarifárias, como previsto, que inscrevia empresas norte-americanas em listas negras e que restringia as exportações de ímanes de terras raras para os EUA.
O certo é que os dois países estão na corrida ao desenvolvimento de tecnologia avançada, como a inteligência artificial (IA), com Washington a tentar limitar o acesso da China aos chips de computador mais avançados.
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Entretanto, a 11 de junho, Donald Trump confirmou, através das suas redes sociais, o acordo com a China, dizendo que entendimento impõe tarifas de 55% sobre produtos chineses e o acesso aos minerais de terras raras do país. Em troca, os EUA vão fornecer à China “o que foi acordado”, incluindo permitir que os estudantes chineses frequentem faculdades e universidades americanas. O presidente republicano tinha começado a restringir a presença de cidadãos chineses nos campus universitários dos EUA.
Numa publicação, no TruthSocial, Donald Trump confirmou que “o acordo está feito”, carecendo apenas de aprovação dele próprio e do presidente chinês, Xi Jinping.
A nova taxa alfandegária de 55% representaria um aumento significativo, em relação à taxa de 30% fixada na Suíça, durante as conversações de maio.
O presidente norte-americano garantiu que a relação com a China é “excelente” e que trabalhará de perto com Xi Jinping, para abrir o mercado chinês aos produtos dos EUA.
O acordo foi interrompido por uma série de disputas nas semanas que se seguiram, levando a um telefonema, na semana anterior, entre o presidente dos EUA e o homólogo chinês, Xi Jinping, com o objetivo de aliviar as tensões.
Li Chenggang, vice-ministro do Comércio, que representa a China no comércio internacional, declarou que ambas as partes chegaram a um acordo preliminar sobre um quadro para executar o acordo estabelecido entre os dois líderes, bem como durante as discussões de maio, em Genebra.
Li e Wang Wentao, ministro do Comércio da China, integrava a delegação liderada pelo vice-primeiro-ministro He Lifeng. Reuniram-se com o secretário do Comércio dos EUA, Howard Lutnick, com o secretário do Tesouro, Scott Bessent, e com o representante para o Comércio, Jamieson Greer, na Lancaster House, mansão com 200 anos, perto do Palácio de Buckingham. As duas partes pretendiam capitalizar as discussões realizadas, em Genebra, no mês de maio, que resultaram na pausa de 90 dias, na maioria dos direitos aduaneiros cobrados uma à outra, que excederam os 100%, durante um conflito comercial crescente que suscitou preocupações sobre uma potencial recessão.
A China, maior produtor mundial de terras raras, indicou potencial abrandamento das restrições à exportação impostas a estes materiais, em abril, causando preocupação entre os fabricantes de automóveis de todo o Mundo que deles dependem. Em resposta, Pequim instou Washington a levantar as restrições ao acesso da China à tecnologia necessária para a produção de semicondutores avançados. E Donald Trump disse que queria “abrir a China”, o maior produtor mundial de bens, aos produtos norte-americanos. “Se isso não acontecer, não vale a pena fazer nada”, disse Trump, na Casa Branca.
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Entretanto, após semanas de tentativas de aproximação entre a UE e a China, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, fez abrupta reviravolta, na cimeira do G7, contra o padrão de domínio, de dependência e de chantagem de Pequim, em relação aos seus parceiros comerciais, incluindo a UE e os EUA, aduzindo que “a China demonstrou, em grande medida, a sua falta de vontade de viver dentro dos limites do sistema internacional baseado em regras”. E a China não tardou em responder, tendo por infundadas as asserções da chefe do executivo da UE.
Sendo assim, é de questionar como é que a Europa pode valer às incertezas das empresas dos EUA? Conseguirá um acordo com a Casa Branca? Pretenderá que as empresas se transfiram para a Europa? O certo é que Ursula von der Leyen, se não mudar de ideias, não voltará às negociações com a China. E ainda dizem que as mulheres não desistem. Pobre UE, com tal líder! Há que apelar a António Costa, presidente do Conselho Europeu.  

2025.06.02 – Louro de Carvalho


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