quinta-feira, 24 de julho de 2025

Álvaro Santos Pereira foi nomeado governador do Banco de Portugal

 
O Conselho de Ministros, na sua reunião de 24 de julho, nomeou Álvaro Santos Pereira para o cargo de governador do Banco de Portugal (BdP), sucedendo a Mário Centeno, apesar de o primeiro-ministro (PM) ter confessado, recentemente, que o ainda governador do BdP tinha competências para exercer tais funções.
Nascido em Viseu, em 1972, Álvaro Santos Pereira licenciou-se em Economia pela Universidade de Coimbra e doutorou-se em Economia pela Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá, onde lecionou Desenvolvimento Económico e Política Económica. A sua carreira de docente estendeu-se ainda à  Universidade da Colúmbia Britânica, no mesmo país, e, mais tarde, lecionou Economia Europeia e Desenvolvimento Económico na Universidade de Iorque, no Reino Unido.
Assumiu a pasta de economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no início de 2024, sendo responsável pela liderança da análise económica e pela prestação de aconselhamento político aos países membros.
Quando do PM foi questionado pelos jornalistas sobre Mário Centeno, já sabia que o governo não iria reconduzi-lo, pelo que poderia ter sido mais contido na apreciação desta personalidade, que, de todo, não lhe agradava.
O nome do economista e ex-ministro da Economia e do Emprego, num dos governos de Passos Coelho e, até agora, economista-chefe na OCDE, liderava a “shortlist” dos potenciais candidatos ao governo do banco central português e foi ganhando cada vez mais consistência, nos últimos dias, depois de afastadas personalidades, como o ex-ministro das Finanças do mesmo governo, Vítor Gaspar, ou o economista Ricardo Reis.
Embora Vítor Gaspar e Santos Pereira tenham ambos a marca da governação austeritária que ia estrangulando o país, Vítor Gaspar ficou-me na memória como o governante cínico, a falar devagarinho com os deputados, com os jornalistas e com os Portugueses, em geral (como se fôramos incapazes de o perceber), a mandar virar as páginas e a apontar a linha “x” ou a linha “y” e a perguntar, depois de clamar que “não há dinheiro”, qual destas palavras é que o senhor deputado não tinha entendido. E, quando um deputado, teve o azar de lhe dizer que “o senhor ministro” fora eleito para zelar os interesses do país, gritou, abespinhado: “Eu não fui eleito coisíssima nenhuma!”
Já Santos Pereira, que mal aqueceu a cadeira no governo e pouco pôde fazer, pois a economia não cresce, em tempo de constrição, deixou um laivo de simpatia e de ridículo, ao querer que o tratassem por Álvaro e ao prometer a internacionalização do pastel de nata (embora positiva, não seria a prioridade de um governo em tempo de crise). A este respeito, o Álvaro tem a possibilidade de promover tal internacionalização, exceto no atinente ao pastel de Belém, cujo segredo aqueles malandros não revelam.    
Ao invés ou em complemento das declarações do PM, o ministro da Presidência sublinhou que Mário Centeno não foi reconduzido, porque o governo escolheu “alguém que é melhor para o cargo”. “Entendemos que o Álvaro Santos Pereira serve melhor os objetivos que se pretendem para um banco central, que é a autoridade de supervisão, [que] tem responsabilidades de estudos e de estatísticas e que é parte de um eurossistema de supervisão. Essas caraterísticas são várias. É a melhor escolha e é a melhor escolha, por ser independente, porque vem não de dentro do banco, nem do governo. É independente. É, com muito mérito pessoal e do seu talento, um economista muito reconhecido por departamentos e organizações económicas. É o principal economista da OCDE, mérito alcançado pelo próprio. Entrou na OCDE, por concurso, e subiu ao cargo de economista-chefe, por mérito próprio, reconhecido internacionalmente. Esse reconhecimento prestigia o papel do Banco de Portugal. Tudo isto, sendo profundamente independente e conhecedor da economia nacional e internacional e do sistema financeiro”, afirmou António Leitão Amaro, em conferência de imprensa.
Embora Santos Pereira tenha integrado um governo do Partido Social Democrata (PSD) e do partido do Centro Democrático Social - Partido Popular) CDS-PP), Leitão Amaro salientou que, “no caso português, houve vários governadores com experiência governativa”, o que é diferente de “um governador saído de um governo”.
“Álvaro Santos Pereira não é governante, há mais de uma década, não é membro de nenhum partido, nem foi candidato por algum partido. Serviu Portugal. Nunca serviu um partido. A boa preservação de independência diz que não se deve sair de um governo para a liderança de um banco central, num período mínimo de dois a três anos. Há bons economistas no governo, mas está fora de questão, até porque o governador tem peso no Banco Central Europeu [BCE], onde se decide a política monetária. A experiência em cargos executivos pode ser uma mais-valia. São vários anos a servir a OCDE e a economia internacional e a honrar Portugal, a partir dessa função”, reforçou o governante, que agradeceu a Mário Centeno o exercício da função e rejeitou fazer “observações” ou “considerações” sobre o desempenho do antigo ministro socialista, enquanto governador do BdP.
Tanta farófia para ocultar o verdadeiro motivo! Mário Centeno foi um governante socialista e deu o rosto à análise macroeconómica que esteve na base da subida ao poder executivo por António Costa. Além disso, foi presidente do Eurogrupo e, ultimamente, pôs os nervos do governo em franja com as chamadas à atenção para os possíveis riscos orçamentais inerentes a algumas medidas tomadas pelo executivo. Até sucedeu que, a talho de foice, nesta semana, surgiu a notícia dos excessivos gastos na nova sede do BdP, como se fosse uma novidade excecional em obras públicas, o que levou os serviços a revelar, publicamente, que tal informação fora enviada, a seu tempo, ao gabinete do ministro de Estado e das Finanças.        
Questionado pelos jornalistas sobre os outros nomes ventilados pela comunicação social, o ministro da Presidência reconheceu o “talento indiscutível” de Ricardo Reis, que foi seu “supervisor de doutoramento”, mas não se quis alongar muito, preferindo realçar a opção do governo: “É a nossa escolha, a nossa proposta ao país.”
A designação do atual economista-chefe da OCDE era para ter sido revelada na semana anterior, tal como o Jornal de Negócios noticiou, mas acabou por ser adiada, devido a questões conexas com a vida profissional do economista, que saiu de Portugal, após deixar o Ministério da Economia e do Emprego, em 2013.
Mário Centeno não é, sem surpresas, reconduzido no cargo de governador do BdP e cessará funções em setembro. É a primeira vez, desde 2000, que um governador não cumpre os dois mandatos possíveis. Não obstante, apesar de o seu mandato ter terminado a 21 de julho, Mário Centeno ainda é governador com plenos poderes, e esteve, inclusivamente, a representar Portugal na reunião do Conselho do BCE, em Frankfurt, a 24 de julho. Será também ele a representar Portugal na reunião de política monetária do BCE, agendada para depois do verão. Isto, porque o executivo se atrasou no anúncio da nova escolha.
Apesar de o motivo do atraso não ser oficial, fontes próximas do processo garantem que este atraso se deveu a uma série de convites que terão sido, inicialmente, feitos e recusados.
Álvaro Santos Pereira será, assim, o sucessor de Mário Centeno. O economista ainda tem ir à audição na Assembleia da República (AR), para que os deputados elaborem um relatório – não vinculativo – sobre a escolha governativa, mas tudo indica que será ele a ocupar o cargo. Aliás, é por isso, que Mário Centeno se manterá em funções para lá do fim do mandato, pois as férias parlamentares colocaram-se no meio do processo.
Economista de formação, Santos Pereira não tem filiação política e acumula vasta experiência académica internacional, sendo, desde o início de 2024, economista-chefe da OCDE. Regressa a Portugal para suceder a Mário Centeno, a quem teceu, recentemente, críticas pelas intervenções em que tem comentado políticas do executivo de Luís Montenegro. Santos Pereira considera que o banco central deve ser independente e técnico.
Ora, é, exatamente, nisto em que discordo do renomado economista-chefe da OCDE. Embora o BdP, tal como o BCE, seja uma instância de natureza técnica, também é a autoridade da política monetária. Por isso, tem o dever e o direito de alertar o governo para os riscos das suas políticas económicas. O BdP não manda, nem governa, mas tem a função de alertar. 
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Rute Simão, no Diário de Notícias online (DN), a 24 de julho, traça o perfil do antigo ministro da internacionalização dos pastéis de nata, epíteto pelo qual foi ridicularizado.
Em 2012, em plena crise económica, o ministro da Economia e do Emprego, do executivo de Pedro Passos Coelho lançou o repto: “Por que não existe um franchising de pastéis de nata?”, questionou, durante a abertura da Conferência DN Made In Portugal. 
O ex-governante, recém-chegado do Canadá, pouco adepto dos títulos de “doutores e engenheiros”, pediu que o tratassem por “Álvaro”.
Esta personagem politica, pelos vistos, não partidária, assumiu uma das pastas ministeriais mais pesadas do governo de coligação PSD/CDS, entre 2011 e 2013, e foi um dos principais rostos nas negociações trimestrais com  a troika, quando o desemprego estava no máximo e os Portugueses eram instados a emigrar. E a receita governativa para combater a recessão económica era o aumento das exportações e a captação de investimento.
Coube-lhe a liderança de uma série de reformas estruturais, como a da legislação laboral, tendo assinado, em sede de concertação social,  um acordo com a  União Geral dos Trabalhadores (UGT), com vista à paz social, num país conturbado onde se somavam protestos em vários lugares, incluindo a AR. “Portugal implementou, nos últimos dois anos [2012/2013], o programa de reformas mais ambicioso na Europa, desde a era Thatcher”, afirmou.
Era defensor da reindustrialização de Portugal, mas foi responsável pela queda do projeto do TGV, obra que considerou “um erro financeiro”. Introduziu uma nova Lei da Concorrência para reforçar “o poder da Autoridade da Concorrência [AdC], dotando-a de instrumentos capazes de assegurar um combate rápido aos principais entraves ao investimento e à confiança, como sejam os cartéis ou os abusos de posição dominante”, explicou.
Orgulhou-se de ter “cortado nas rendas da energia e nas parcerias público privadas (PPP)” e de ter conseguido, “pela primeira vez, na História da democracia, um resultado operacional positivo para as empresas de transportes”.
Conduziu o negócio da privatização da ANA com a Vinci, ao lado de Passos Coelho, de Vítor Gaspar e de Sérgio Monteiro, e declarou, com o aperto de mãos, entre o governo e a empresa francesa, que assinalou a cerimónia da assinatura do respetivo contrato: “É muitíssimo bom, para o país e para a empresa, e mostra, muito claramente, que é um país que tem a confiança dos investidores internacionais”.
Em 2013, foi deixado de fora na remodelação do governo, tendo-lhe sucedido o centrista António Pires de Lima, mas com a coordenação de toda a área económica nas mãos do poderoso vice-primeiro-ministro Paulo Portas.
Depois de ver Passos Coelho de costas voltadas, escreveu o livro “Reformar Sem Medo, Um Independente no Governo de Portugal”, para relatar a sua passagem pelo executivo.
 
Concluindo: Apesar da sua simpatia e da sua competência técnica, a gestão política não foi o seu forte, além de ter sido problemática e contraditória. Por exemplo, defender a industrialização moderna e adiar o projeto ferroviário não é um bom cartaz; sobraçar a pasta do Emprego e deixar que os Portugueses fossem aconselhados a emigrar não é testemunho de boa governação; e receitar investimento e exportações num ambiente de economia estrangulada politicamente não é uma opção sensata. Oxalá que, tendo sido vítima da “maldição” que tem assolado os titulares da pasta da Economia (muito poucos levaram essa cruz até ao Calvário), seja eficaz na gestão técnica do BdP, já que a política não é com ele.  

2025.07.24 – Louro de Carvalho


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