Donald Trump
tomou posse, a 20 de janeiro, e não se fez esperar para assinar várias ordens
executivas, cerca de 100, impondo algumas das principais bandeiras da campanha.
Destas ordens, 78 são revogações de ordens executivas de Joe Biden.
Desde que
apresentou a candidatura à Casa Branca, em 2015, a imigração foi tema predileto
do candidato e, a seguir, presidente dos Estados Unidos da América (EUA), bem
como da ala mais radical do Partido Republicano. Por isso, sem surpresa,
algumas das principais ordens executivas assinadas no dia da tomada de posse
são centradas neste tema.
O presidente
declarou um estado de emergência na fronteira com o México, exigindo que “todas
as entradas ilegais sejam impedidas e [que] arranque o processo de deportar milhões
e milhões de criminosos”. Isto permite que o exército intervenha na fronteira
para reforçar o controlo, mas não se sabe como será a logística e os métodos
usados para identificar e expulsar imigrantes do país e que imigrantes. Outra
medida polémica, articulada com aquela, aponta o fim do direito à cidadania de
qualquer criança que nasça em território norte-americano, ainda que tenha pais
imigrantes em situação ilegal. Esta alteração, que entrará em vigor daqui a 30
dias, enfrenta um obstáculo: este direito está consagrado na XIV Emenda da
Constituição, o que dá armas a quem pretenda combater judicialmente esta ordem.
A nível
ambiental, apoiado por trabalhadores das indústrias mais poluentes, financiado
por grandes fundos dos combustíveis fósseis e acolhido por negacionistas das
alterações climáticas, Trump sempre foi contra a transição energética e medidas
de proteção do Ambiente. Tal agenda continuará, com um conjunto de decisões já
tomadas. Uma delas aponta o fim da ordem de Biden que apontava que seriam
elétricos, em 2030, pelo menos, metade dos veículos vendidos. Outra ordem
(promessa antiga) remove os EUA do Acordo de Paris – o que já acontecera no
primeiro mandato de Trump, mas revertido por Biden.
No quadro das
relações externas, é expectável que, tal como no primeiro mandato, a relação
com o resto do Mundo mude, com o lema “América Primeiro”. Uma ordem executiva
declara que os EUA abandonarão a Organização Mundial de Saúde (OMS), nos
próximos 12 meses, devido à gestão da covid-19. Trump esteve em conflito com as
restrições defendidas pelos especialistas e impulsionou movimentos
negacionistas que recusavam proteger-se contra a doença. Ora os EUA são o principal
financiador da OMS e a saída, a confirmar-se, será duro golpe para as contas da
organização. E Trump ordenou que o Golfo do México seja renomeado Golfo da
América, decisão que pode alterar a nomenclatura em documentos oficiais
norte-americanos.
O presidente
assinou a ordem que suspende por 75 dias a proibição da rede social TikTok e anunciou,
no primeiro dia de mandato, que vai perdoar a 1500 pessoas envolvidas no ataque
ao Capitólio, de 6 de janeiro de 2021. Falou mesmo em “reféns”, para designar
os condenados por uma das páginas mais negras da História norte-americana.
Por fim, decretou
que só devem existir dois géneros – homem e mulher – na que será a primeira das
medidas contra a comunidade transgénero, contra as respetivas medidas de saúde
e contra afirmação de género, que pode afetar várias crianças.
***
Já falei da crítica da bispa de Washington às
medidas de Trump, atinentes a imigração e a questões de género. Agora, dou a
vez aos bispos católicos dos EUA, que se
manifestaram, a 22 de janeiro, contra as “profundamente preocupantes” ordens
do presidente, nomeadamente as relativas à imigração, à pena de morte e ao Ambiente,
alertando que “terão consequências negativas, muitas das quais prejudicarão os
mais vulneráveis entre nós”.
Em comunicado da Conferência Episcopal dos EUA (USCCB), assinado pelo
seu presidente, Timothy Broglio, são criticadas as restrições à imigração,
a diretiva a favor da pena de morte, e a retirada do Acordo de Paris, como
“profundamente preocupantes”. “É nossa esperança que a liderança do país
reconsidere essas ações que desconsideram, não apenas a dignidade humana de
alguns, mas a de todos nós”, pode ler-se.
Vincando que nem a Igreja Católica nem a USCCB alinham com nenhum
partido político, vinca-se que o ensino da Igreja permanece inalterado,
independentemente da liderança política. “A nossa oração é de esperança de que,
como Nação abençoada com muitos dons, as nossas ações demonstrem genuíno cuidado
pelas nossas irmãs e irmãos mais vulneráveis, incluindo os não nascidos, os
pobres, os idosos e enfermos e os migrantes e refugiados. O justo Juiz não espera nada menos”, reza o texto, prometendo
que informações adicionais relativas a ordens executivas específicas serão
publicadas no site da USCCB.
Timothy Broglio sustenta que muitas das
questões das ordens executivas, juntamente com o que pode ser emitido nos
próximos dias, são questões sobre as quais “a Igreja tem muito a oferecer”. Ora,
algumas disposições, como as do tratamento de imigrantes e refugiados, da ajuda
estrangeira, da expansão da pena de morte e do Ambiente terão consequências
negativas, muitas das quais prejudicarão os mais vulneráveis, ao passo que outras
podem ser vistas a uma luz mais positiva, como expor a verdade sobre cada
pessoa humana como homem ou mulher. Independentemente de quem ocupe a Casa
Branca ou tenha a maioria no Capitólio, o ensino da Igreja permanece inalterado.
E o bispo recorda: “O Papa declarou 2025 como um Ano Jubilar da
Esperança. Como cristãos, a nossa esperança está sempre em Jesus Cristo,
que nos guia através da tempestade e do tempo calmo. Ele é a fonte de toda a
verdade.”
***
No mesmo dia, era publicado novo comunicado, assinado pelo bispo Mark Seitz
(presidente do Comité de Migração da USCCB), a afirmar que “a
Igreja Católica está comprometida em defender a santidade de cada vida humana e
a dignidade dada por Deus a cada pessoa, independentemente da nacionalidade
ou status de imigração”. “O ensino da Igreja
reconhece o direito e a responsabilidade de um país de promover a ordem
pública, a segurança e a proteção por meio de fronteiras bem reguladas e de limites
justos à imigração”, admite Mark Seitz, mas frisando: “No entanto, como
pastores, não podemos tolerar a injustiça e enfatizamos que o interesse
nacional não justifica políticas com consequências contrárias à lei moral. A
generalização abrangente para denegrir qualquer grupo, como descrever todos os
imigrantes indocumentados como ‘criminosos’ ou ‘invasores’, para os privar da
proteção sob a lei, é afronta a Deus, que criou cada um de nós à sua própria
imagem.”
Ao responsável pelo Comité de Migração não restam dúvidas: “Várias das
ordens […] têm a intenção de eviscerar as proteções humanitárias consagradas na
lei federal e de minar o devido processo, sujeitando famílias e crianças
vulneráveis a grave perigo”. E considera “especialmente preocupante” a
“implantação ilimitada de ativos militares para dar suporte à aplicação da lei
de imigração civil, ao longo da fronteira EUA-México.”
Na ótica do bispo de El Paso, impedir acesso a asilo e outras proteções
porá em risco os mais vulneráveis e merecedores de alívio, capacitando
gangues e outros predadores a explorá-los. De igual modo, interromper,
indefinidamente, o reassentamento de refugiados é imerecido, pois está provado
ser um dos caminhos legais mais seguros para os EUA. E Mark Seitz assinala que a
interpretação da XIV Emenda para limitar a cidadania por direito de nascença
estabelece perigoso precedente, contradizendo a velha interpretação do Supremo
Tribunal Federal (STF).
O bispo recorda que “a Igreja Católica está comprometida em
defender a santidade de cada vida humana e a dignidade dada por Deus a cada
pessoa, independentemente da nacionalidade ou status. A generalização abrangente para denegrir qualquer grupo é
afronta a Deus, que nos criou a todos à sua imagem. O Papa declarou: “Ninguém
jamais negará abertamente que [os migrantes] são seres humanos, mas na prática,
por nossas decisões e pelo modo como os tratamos, podemos mostrar que os
consideramos menos dignos, menos importantes, menos humanos. Para os cristãos,
tal modo de pensar e agir é inaceitável”, diz o prelado.
Embora seja bem-vinda a ênfase no combate ao tráfico, várias
ordens executivas intentam eviscerar as proteções humanitárias consagradas na
lei federal e minar o devido processo, sujeitando pessoas vulneráveis a grave
perigo. A implantação ilimitada de ativos militares para dar suporte à
aplicação da lei de imigração civil, ao longo da fronteira EUA-México, é muito
preocupante. Enquanto isso, as políticas que proíbem a consideração de quaisquer
reivindicações humanitárias, incluindo as de crianças desacompanhadas e vítimas
de tráfico, falharam, repetidamente, em reduzir a migração irregular, de forma
legal, sustentável e humana. Até a imigração legal não humanitária e pessoas naturalizadas são
alvos das políticas de apoio à alegada “identidade americana unificada”. “Pedimos
ao presidente Trump que mude essas políticas de execução apenas para soluções
justas e misericordiosas, trabalhando de boa-fé com os membros do Congresso,
para alcançar uma reforma imigratória significativa e bipartidária que promova
o bem comum com um sistema imigratório eficaz e ordenado. […] Apoiaremos isso
de todo o modo que pudermos, enquanto continuamos a acompanhar os irmãos e
irmãs imigrantes de acordo com o Evangelho da Vida”, conclui o texto.
***
A Conferência Episcopal do México publicou o mapa com a localização de
pontos de informação, assessoria legal e distribuição de alimentos a que os
migrantes e deportados podem recorrer, em caso de necessidade no país, sendo
possível identificar cerca de 40 pontos de apoio, dos quais nove estão junto à
fronteira com os EUA. E, em declaração publicada nas redes sociais, os bispos
lamentam que, num duro inverno, muitos migrantes vivam “momentos de angústia,
dor, medo e incerteza”, ante as medidas anunciadas por Trump. “Continuaremos a
esforçar-nos para que, nas nossas casas, albergues e centros de acolhimento,
encontrem teto e alimento, apoio na atenção à saúde física, emocional e
espiritual, ajuda para contactar as famílias e obterem a documentação de que
necessitem, assessoria e acompanhamento legal para os trâmites que requeiram
realizar”, dizem os bispos, apelando a toda a sociedade a que se una a este
esforço, afirmando que os irmãos migrantes são reflexo de Deus (neles vemos o
rosto sofrente de Cristo a pedir para ser acolhido, servido e consolado), e
dizendo unir-se aos esforços da Pastoral da
Mobilidade Humana para oferecer tratamento digno aos conacionais que estão a
ser expulsos pelo governo federal dos EUA e convidar todas as dioceses e instituições
sociais a serem solidárias nestes momentos.
***
A imigração é
móbil de conflito do governo dos EUA com a Igreja, desde o início do governo de
Trump. O Papa criticou o governo dos EUA, um dia antes de ele começar. Com
efeito, a 19 de janeiro, disse a um programa televisivo italiano: “Se ele
quiser expulsar imigrantes sem documentos, será uma vergonha. Isso não vai dar
certo.”
Em setembro de
2024, Francisco disse de Trump e da democrata Kamala Harris: “Ambos são contra
a vida, tanto o que expulsa os migrantes como o que mata os bebés.” E sustentou
que os católicos deviam votar no mal menor, sem dizer quem era quem. As
pesquisas mostram que a maioria dos católicos que votou escolheu Trump.
O debate
sobre imigração acirrou-se desde que Trump o assumiu, há pouco tempo. Às críticas
da USCCB
responderam repreensões dos católicos “czar da fronteira”, Tom Homan e do
vice-presidente, James David Vance.
Os dois lados têm aliados e críticos católicos, sobretudo, no espaço online.
Para católicos comuns sem muita ligação a partidos, o debate é desconcertante.
Há, em ambos os lados, confusão ou leitura seletiva de argumentos e questões conflituantes:
imigração em geral, imigração ilegal, direito de asilo, dignidade humana, lei,
soberania nacional e direitos dos trabalhadores. O magistério da Igreja, desde a
encíclica “Pacem in Terris”, de 1963, até à carta pastoral da USCCB de
2003 “Strangers No longer: Together on the Journey of Hope” são
citados para reforçar um lado ou o outro. O que falta, a ambos os lados, é
perceber que a migração é controversa, no Mundo, para católicos e para não-católicos.
Em 2024, os
principais líderes políticos ocidentais – alguns deles católicos –
posicionaram-se contra a imigração, no Canadá, no Reino Unido, na França e na
Alemanha. Em todos esses países, os políticos criticavam Trump por isso. Agora,
mudaram, porque a opinião popular mudou, tornando-se hostil. E houve menor
reação das conferências episcopais desses países, em comparação com a dos EUA. A
Conferência Episcopal Italiana criticou Giorgia Meloni, primeira-ministra da
Itália, mas brandamente, em comparação com a dos EUA.
No Hemisfério
Ocidental, a migração é mais atenuada ou matizada, quando os EUA não fazem
parte da discussão. O México repatriou milhares de estrangeiros, incluindo
Colombianos e Cubanos, com pouca discussão. Dois países da América – Nicarágua
e Cuba – usam, agressivamente, a expulsão forçada ou o exílio forçado dos
próprios cidadãos como arma política. As críticas das conferências episcopais
ou do Vaticano foram atenuadas, porque estes regimes perseguem a Igreja
(Nicarágua) ou tentam controlá-la (Cuba).
E, assim como
aceitar migrantes ou refugiados se tornou tópico político quente no Ocidente, a
migração virou a arma na guerra híbrida e indireta de alguns países contra os vizinhos,
exportando populações indesejadas e usando fluxos migratórios, para pressionar
outros países para obterem benefícios financeiros ou políticos. Além de Cuba e
Nicarágua, cita-se a Argélia, Marrocos, a Turquia e a Bielorrússia como
praticantes descarados dessa tática. Lucrar com a extorsão de migrantes-refugiados
não se cinge a gangues; inclui estados-nações.
Por exemplo,
no Líbano, o ex-presidente Michel Aoun e o ministro das Relações Exteriores à
época, Gebran Bassil, católicos maronitas, eram contra hospedar mais de 1,5
milhão de refugiados sírios, o maior número de refugiados per capita do
Mundo. Embora houvesse críticas de liberais e de secularistas, tal postura não
era pomo de discórdia entre Igreja e líderes políticos católicos, pois a Igreja
tem preocupações: o Líbano seria inundado de estrangeiros e a população de
refugiados sírios, maioritariamente muçulmana, não iria embora e complicaria a situação
demográfica do país. Na África do Sul e noutros estados ricos no Sul Global, o
desafio é a migração Sul-Sul. Os africanos tentam chegar à Europa ou aos EUA,
mas também vão para o Sul e para o Leste, para entrarem nos ricos Estados do
Golfo Árabe. Em 2023, a Arábia Saudita metralhou centenas de etíopes que
tentavam entrar. E, na África do Sul, migrantes e refugiados entravam, mas eram
vítimas de surtos xenófobos de violência dos moradores locais. Já a maioria dos
requerentes de asilo ali (90%) é rejeitada ou é autorizada a ficar, se pagar
gorjeta.
Leis e
atitudes estão a endurecer na Europa no Mundo. É problema geral, com as
permutações, cambiantes e crueldades possíveis e imagináveis. Só não se lhes dá
atenção.
2025.01.30 – Louro de Carvalho
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