terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Estranha maneira de acabar com a guerra de Israel em Gaza

 
O presidente Donald Trump conversou, a 25 de janeiro, com o rei Abdullah II, da Jordânia, parceiro importante dos Estados Unidos da América (EUA) na região, sobre a possibilidade de construir moradias e de transferir mais de um milhão de Palestinianos de Gaza para países vizinhos. E declarou aos repórteres, a bordo da Força Aérea One: “Disse-lhe que adoraria que assumisse mais, porque estou a olhar para a Faixa de Gaza, agora, e está uma bagunça.”
A agência de notícias estatal da Jordânia Petra relatou a ligação com o presidente dos EUA, mas sem mencionar a realocação de Palestinianos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o reino já abriga mais de 2,39 milhões de refugiados Palestinianos registados.
Há cerca de 5,9 milhões de refugiados Palestinianos no Mundo, a maioria deles descendentes de pessoas que fugiram com a criação de Israel, em 1948.
Trump disse que gostaria que a Jordânia e o Egito (que faz fronteira com o enclave) abrigassem pessoas, e que falaria com o presidente egípcio, Abdel Fattah el-Sisi, sobre o tema, no dia 26. Tendo observando que há conflitos centenários, na região, disse estar a falar de um milhão e meio de pessoas e que se limpava tudo. E prosseguiu o presidente e antigo promotor imobiliário: “Não sei, algo tem de acontecer, mas é, literalmente, um local de demolição, agora. Quase tudo está demolido, e as pessoas estão a morrer lá. Então prefiro envolver-me com algumas nações árabes e construir moradias num local diferente, onde acho que talvez possam viver em paz, para variar.” E referiu que tal habitação poderia ser temporária ou de longo prazo.
Porém, o Ministério das Relações Exteriores do Egito declarou, no dia 26, que rejeita qualquer deslocamento forçado de Palestinianos. Sem mencionar Donald Trump, reiterou a posição do Egito contra “o deslocamento de Palestinianos de suas terras, por meio de despejo forçado”. “Tais ações ameaçam a estabilidade, correm o risco de estender ainda mais o conflito na região e prejudicam as oportunidades de paz e coexistência”, reza a declaração.
A Jordânia está comprometida em “garantir que os Palestinianos permaneçam nas suas terras”, garantiu o seu ministro das Relações Exteriores, no dia 26. “A nossa recusa de deslocamento é posição firme que não mudará”, disse Ayman Safadi, vincando que “a Jordânia é para os Jordanianos e a Palestina é para os Palestinianos”, dizendo-se ansioso para trabalhar com a nova administração dos EUA e sustentando que Trump foi “claro, ao declarar que quer alcançar a paz na região”. Porém, reiterou a posição “firme e imutável” da Jordânia pela solução de dois estados e apelou à comunidade internacional para que apoie o objetivo da solução de dois estados para o conflito israelo-palestiniano.
Os comentários de Trump – rompendo com décadas de política externa dos EUA, que enfatizam, há muito, a solução de dois estados Israel e Palestina – vêm 15 meses após o início da guerra entre Israel e o Hamas, que reduziu a escombros grande parte de Gaza, danificando ou destruindo cerca de 60% dos edifícios, incluindo escolas e hospitais, e cerca de 92% das casas, de acordo com a ONU. Aproximadamente 90% dos moradores de Gaza foram deslocados, e muitos forçados a mudar-se repetidamente, alguns mais de 10 vezes. E Amit Segal, analista da rede israelita Channel 12 News, citando autoridades israelitas, frisou que a atitude de Trump “não foi um deslize, mas parte de um movimento muito mais amplo do que parece, coordenado com Israel”. Há muito, existe o medo, na região, de que Israel queira expulsar os Palestinianos de Gaza para os países vizinhos, premissa que o governo de Israel diz rejeitar, mas apoiada por fações de extrema-direita da coligação no governo.
O deslocamento de Palestinianos da Faixa de Gaza para o Egito significa que ocorrerá situação similar, ou seja, a expulsão de Palestinianos da Cisjordânia para a Jordânia. Nesse caso, não fará sentido discutir um estado palestiniano, pois “a terra estará lá, mas o povo não”.
Bassem Naim, alto funcionário do Hamas, pensa que os Palestinianos “não aceitarão nenhuma proposta ou solução” de deixar a terra natal, mesmo que aparentemente bem-intencionada “sob o pretexto de reconstrução”. E o Dr. Mustafa Barghouti, político palestiniano independente, disse ter rejeitado completamente os comentários de Trump. “O que a ocupação não conseguiu alcançar, pelo seu bombardeio criminoso e pelo genocídio em Gaza não será implementado por meio de pressões políticas”, disse Barghouti, vincando: “A conspiração de limpeza étnica não terá sucesso em Gaza ou na Cisjordânia.”
Ao assumir a presidência dos EUA, Trump revogou as sanções de Joe Biden contra colonos israelitas considerados responsáveis ​​pela violência mortal na Cisjordânia ocupada, medida saudada pelo ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, que defende que Israel restabeleça os assentamentos judaicos em Gaza, abandonados por ordem israelita de 2005.
Smotrich endossou os comentários de Trump, dizendo que a ideia de ajudar os moradores de Gaza a encontrar outros lugares para começar vida nova e melhor é ótima ideia.
O presidente dos EUA disse que “poderia” ter um papel na reconstrução de Gaza, elogiando-a por ter “localização fenomenal, no mar” e “o melhor clima”. Tais comentários replicam observações, em 2024, do seu genro Jared Kushner, que chamou a propriedade à beira-mar, em Gaza, de muito valiosa e sugeriu que Israel deveria tirar os Palestinianos de Gaza e “limpá-la”.
Trump confirmou que havia revogado uma proibição da era Biden do fornecimento de bombas de duas mil libras a Israel. “Nós libertámo-los [os Palestinanos], hoje, e eles tê-los-ão. Eles pagaram por eles e estão esperando por eles há muito tempo”, disse aos repórteres.
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A proposta do presidente dos EUA de “limpar” a Faixa de Gaza, transferindo mais de um milhão de Palestinianos para países vizinhos atraiu duras críticas, com oponentes a condená-la como limpeza étnica e a alertar para o caos regional. A proposta, se adotada, marcaria rutura brusca com a posição do governo Biden de que Gaza não seria despovoada e poderia sinalizar mudança de uma posição de longa data dos EUA de que Gaza deveria fazer parte de um futuro estado palestiniano. Também alinharia o governo Trump com os políticos de extrema-direita mais radicais de Israel, que defendem a transferência de Palestinianos para fora do território, para abrir caminho aos assentamentos judaicos.
Ao invés dos países mencionados, que a rejeitaram, a proposta foi acolhida por políticos israelitas extremistas, incluindo o Ministro das Finanças Bezalel Smotrich, que gerou polémica, ao afirmar que “não existe povo palestiniano”, e o ex-Ministro da Segurança Nacional Itamar Ben Gvir, que já foi condenado por apoiar o terrorismo e incitar o racismo antiárabe.
Políticos palestinianos condenaram o plano como um plano de limpeza étnica dos moradores de Gaza. E, nos EUA, até o senador Lindsey Graham, um dos mais fervorosos apoiantes de Israel no Congresso, disse à CNN que não acreditava que a ideia fosse “excessivamente prática”.
Especialistas alertam que, além das preocupações morais e legais, o influxo de refugiados para países árabes vizinhos desestabilizaria e seria ameaça existencial. Concordar com a proposta de Trump provocaria raiva pública generalizada – risco insustentável para esses governos.
O governo egípcio e o jordaniano “enfrentariam uma oposição interna avassaladora, se fossem vistos pelos seus povos como complacentes com uma segunda Nakba palestiniana”, disse Hasan Alhasan, pesquisador sénior de política do Médio Oriente no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos no Bahrein, referindo-se a 1948, quando cerca de 700 mil Palestinianos fugiram ou foram expulsos de suas casas, na Palestina histórica, aquando da criação de Israel. Israel impediu que eles e os seus descendentes retornassem, deixando milhões de refugiados em países vizinhos sem cidadania ou sem perspetivas de reassentamento permanente.
“Dado que é altamente improvável que os Palestinianos de Gaza saiam voluntariamente, o deslocamento forçado em direção ao Egito ou à Jordânia representaria várias ameaças existenciais para os dois países”, disse Alhasan, referindo que, na Jordânia, que já abriga milhões de Palestinianos, uma demografia alterada ameaçaria o poder da monarquia Hachemita.
O Egito e a Jordânia são dois dos aliados mais próximos dos EUA no Médio Oriente e grandes recetores de ajuda dos EUA que, durante décadas alinharam as suas políticas regionais com os interesses dos EUA. Foram os primeiros países árabes a assinar tratados de paz com Israel, com quem mantiveram relações cordiais, incluindo a coordenação de segurança, apesar do generalizado descontentamento público. Resta saber até onde esses países irão, para enviarem clara mensagem a Washington de que o deslocamento em massa não extinguirá o conflito.
Durante a guerra, a Jordânia e o Egito ignoraram os apelos domésticos para romper laços com Israel, e o Egito desempenhou papel fundamental de mediação entre Israel e o Hamas.
Em outubro de 2023, eclodiram protestos, em ambos os países, em apoio aos Palestinianos em Gaza, com muitos a mostrar descontentamento com a cooperação dos seus governos com Israel, dado o alto número de vítimas humanas causadas pela guerra israelita.
Timothy Kaldas, do Instituto Tahrir, disse que aceitar a transferência de população palestiniana seria mais custoso para os dois países do que perder a ajuda americana de que ambos os países dependem. Com efeito, o Egito e a Jordânia já acolhem um número considerável de refugiados.
Em janeiro, havia 877 mil refugiados e requerentes de asilo registados no Egito, segundo o ACNUR, a agência de refugiados da ONU. De acordo com a Reuters, em maio, Diab al-Louh, embaixador palestiniano no Cairo, disse que cerca de 100 mil moradores de Gaza cruzaram para o Egito desde o início da guerra. Na Jordânia, mais de 2,39 milhões de refugiados palestinianos estão registados na UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinianos.
Ambos os países podem ter problemas de segurança, se os seus territórios forem locais de preparação para ataques a Israel, o que prejudicaria os tratados de paz com Israel. “Ao tentar despovoar Gaza dos habitantes palestinianos, Trump faz o que os fanáticos de extrema-direita de Israel querem”, vincou Hasan Alhasan, sustentando que a proposta de Trump, a concretizar-se, seria “autodestrutiva”, pois desestabilizar o Egito e a Jordânia “favoreceria forças políticas islâmicas, nomeadamente, a Irmandade Muçulmana”, que “provariam ser muito menos amigáveis ​​com os EUA e mais simpáticas com o Hamas”.
Tendo levantado a ideia, pela primeira vez, no dia 25, Trump entusiasmou-se com ela, no dia 27, afirmando, do povo de Gaza, que gostaria de que vivesse numa área onde pudesse viver “sem tanta perturbação, revolução e violência”. Porém, não especificou se a migração seria voluntária, pois forçar o deslocamento de civis “pode constituir crime de guerra e/ou crime contra a Humanidade”, segundo a ONU. “Acho que é possível fazer com que as pessoas vivam em áreas muito mais seguras, talvez muito melhores e talvez muito mais confortáveis”, disse.
Embora não tenha havido resposta do gabinete do primeiro-ministro israelita, a ideia foi aplaudida por políticos israelitas de extrema-direita. Bezalel Smotrich, líder do partido Sionismo Religioso, disse que Trump reconheceu que Gaza era “um terreno fértil para o terror” e “não há dúvida de que, a longo prazo, incentivar a migração é a solução que trará paz e segurança aos moradores de Israel e aliviará o sofrimento dos moradores árabes de Gaza”.
Bezalel Smotrich, que tem uma posição ministerial no Ministério da Defesa, disse que tra balhanum plano para implementar a visão de Trump. “Quando ele quer algo, isso acontece”, disse Smotrich, que tem defendido o que chama de “emigração voluntária de Árabes de Gaza para países ao redor do Mundo”, desde 2023.
Como a Dinamarca espera que os EUA abandonem o controlo da Groenlândia, os estados árabes moderados rezam para que se esqueçam de transferir os habitantes de Gaza. A este respeito, o ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, declarou, em entrevista à Sky News, no dia 28, que “a Palestina não pode ser destruída e os Palestinianos não podem ser expulsos” e atirou, ironicamente, que levem, antes, os Israelitas para a Groenlândia.
A Jordânia e o Egito parecem propensos a unirem-se aos seus aliados no Golfo, especialmente, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), para apresentarem uma frente unida.
Até agora, os Sauditas e os Emiradenses permaneceram em silêncio sobre o plano de Trump. O rei Abdullah II, da Jordânia, nada disse sobre o telefonema de Trump. Mas o tribunal jordaniano divulgou uma leitura da sua ligação telefónica com o secretário de Estado, Marco Rubio, que pode ter sido um esforço para limitar os danos. Discutiram maneiras de “melhorar a segurança e a estabilidade regionais e meios para fortalecer a parceria estratégica entre a Jordânia e os EUA, bem como o interesse em manter a coordenação e a consulta sobre várias questões”.
Um alto funcionário egípcio negou que o presidente Abdel Fattah al-Sisi tenha falado com Trump, apesar da afirmação deste, no dia 27, de que tinham falado. Trump recusou dizer se o presidente egípcio tinha opinião sobre receber refugiados Palestinianos adicionais.
Após um ano de agitação no Médio Oriente, até a ideia de que milhões de Palestinianos podem ser removidos de suas casas é fonte de instabilidade, pois acolher moradores de Gaza ameaçaria o acordo de paz do Egito com Israel, devido ao risco de alguns voltarem a lutar contra o estado judaico de dentro das fronteiras do seu país. Além disso, o Egito é o terceiro maior beneficiário da ajuda dos EUA na região, com 1,5 bilião de dólares entregue em 2023.
O risco é existencial para a Jordânia, que tem mais de um milhão de refugiados de países vizinhos e cerca de 2,4 milhões de refugiados palestinianos registados. Mais de metade dos seus habitantes descendem de Palestinianos, e a sua demografia seria transformada por novo influxo. Porém, não pode descartar a ajuda de Trump, de imediato. É país de poucos recursos, com défice orçamental de 5,1% da sua produção económica e com 20% da força de trabalho desempregada. Depende da ajuda externa e é o segundo maior beneficiário de ajuda dos EUA no Médio Oriente, depois de Israel, com mais de 1,7 biliões de dólares entregues em 2023.
Trump já pôs a ajuda externa e as tarifas no centro da política externa cujos princípios foram mais punição do que recompensa. O governo jordaniano e o egípcio percebem isso.
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O plano constitui uma estranha maneira de querer acabar a guerra – desalojar um povo do território que lhe pertence tradicionalmente, originando uma ação contra a Humanidade e configurando ameaça a décadas de consenso internacional sobre o direito dos Palestinianos a uma pátria. Assim, deixará de fazer sentido equacionar a ideia de dois estados. Bastaria só que Israel recolonizasse, sem qualquer entrave, todo o território da Palestina. A iteração do êxodo equivaleria a levar a cabo, a tolerar e a apoiar a limpeza étnica. Ou será desígnio do promotor imobiliário Trump edificar um empório imobiliário sobre as ruinas de Gaza? 

2025.01.28 – Louro de Carvalho


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