sábado, 25 de janeiro de 2025

Fórum Económico Mundial termina com reptos de Trump e de Lagarde

 

O Fórum Económico Mundial, em Inglês, World Economic Forum (WEF), conhecido por Fórum de Davos, retornou a Davos, cidade dos Alpes Suíços, para enfrentar, na 55.ª edição, de 20 a 24 de janeiro, os desafios globais mais urgentes e com a confiança na capacidade de impulsionar soluções voltadas para o futuro, em torno do tema “Colaboração para a Era Inteligente”.

Em 2024, reuniu cerca de 2500 chefes de estado e de governo, CEO de empresas, representantes da sociedade civil, meios de comunicação de todo o Mundo e líderes juvenis procedentes da África, da Ásia, da Europa, do Médio Oriente, da América Latina e da América do Norte. Agora, participaram cerca de três mil líderes de mais de 130 países, destacando-se cerca de 60 chefes de estado e de governo e 900 líderes empresariais e mais de 300 funcionários governamentais, focados na resolução de questões urgentes, como a redefinição do desenvolvimento económico, a capitalização das inovações tecnológicas e o reforço da resiliência socioeconómica em cenário de rápida evolução. O objetivo é que todos trabalhem, juntos para reconstruir a confiança e moldar os princípios, as políticas e as parcerias para enfrentar os desafios de 2025.

Porque as guerras na Ucrânia e em Gaza e o aumento da inflação e das taxas de juros causaram grandes transformações, o encontro abordou os riscos sistémicos para evitar incertezas e fragilidades, procurando impulsionar soluções voltadas para o futuro e enfrentar os desafios globais mais urgentes, através da cooperação público-privada.

Em entrevista à Euronews, Jeremy Jurgen, diretor-geral do WEF, vincou a importância da agenda de 2025, que incluiu temas centrais como o bem-estar e a sustentabilidade. “Identificámos cinco temas-chave que são fundamentais. O primeiro diz respeito à reimaginação do crescimento e ao que temos de fazer, reconhecendo o tipo de ambiente de crescimento lento e de dívida elevada em que nos encontramos atualmente”, afirmou Jurgen, frisando que não se trata só de crescimento pelo crescimento, mas de crescimento para melhorar o bem-estar das pessoas, as suas vidas e a prosperidade comum”, e interpelando: “Como é que vamos quebrar este ciclo e tirar partido dele?

Antes da reunião em Davos, o WEF publicou o Relatório sobre Riscos Globais 2025, destacando o conflito armado baseado no Estado como o risco mais premente, com eventos climáticos extremos e tensões geoeconómicas, todos destacando a necessidade crítica de esforços unificados entre os líderes globais. “Vamos analisar os compromissos ativos que as empresas e os governos assumem para colaborar em áreas específicas”, prometeu Jurgen, frisando a importância da cooperação entre governos e empresas e considerando: “Isto pode incluir a revolução da requalificação, a facilitação do comércio ou o desenvolvimento de clusters industriais. O nosso impacto será medido por estes compromissos concretos de investimento e cooperação.”

Assim, como nos demais anos, o Fórum de Davos dedicou-se a vários temas para fornecer respostas para os problemas atuais, sublinhando a necessidade da cooperação a três níveis fundamentais: em relação ao futuro, dentro das sociedades e entre as nações. O encontro também se focou nos princípios básicos de transparência, consistência e responsabilidade, para responder a perguntas cruciais para promover o futuro em quatro vertentes principais e interligadas:

1. Reconstruir a confiança. Num Mundo sujeito a mudanças constantes, evidenciam-se cada vez mais as divisões sociais, com o contexto geopolítico propenso à crescente competição entre potências globais e ao protecionismo, colocando a cooperação internacional num dilema que dificulta o comércio e os investimentos.

2. Reimaginar o crescimento. A inovação desempenha papel crucial nas economias, visando uma recuperação e um crescimento positivo e a construção de economias mais fortes e resilientes.

3. Investir nas pessoas. Com uma tecnologia a avançar cada vez mais rápida, é preciso adaptar a sociedade e a economia às diversas oportunidades e aos setores emergentes.

4. Proteger o planeta. Para atingir os objetivos de preservação do clima e da Natureza, há que garantir investimentos, tecnologias e fontes de energia que assegurem o cuidado do ambiente.

As mudanças geoeconómicas e tecnológicas foram verdadeiro desafio para as empresas, que tiveram de adaptar as suas estratégias comerciais. É preciso que elas saibam aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas por essa nova era tecnológica.

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Ignacio Galán, presidente executivo da Iberdrola, um dos participantes convidados, defendeu a importância da eletrificação para alcançar a transição energética. Não se trata apenas de soluções de curto prazo, como as baterias, mas também de medidas de longo prazo, como as hidroelétricas reversíveis. Essas soluções promovem as energias renováveis, a descarbonização da economia e o crescimento económico da Europa. “Todas as grandes invenções e setores em crescimento dependem da eletricidade. Por isso, a eletrificação com renováveis, além de ser uma revolução tecnológica em si, viabiliza todas as outras, como a da inteligência artificial”, vincou.

Na verdade, como sustentou, as redes elétricas são o elo fundamental entre as novas fontes de energia verde, a descarbonização de residências e as empresas locais. Por isso, um maior investimento em redes elétricas é o primeiro passo para alcançar a eletrificação de setores como transporte, aquecimento e refrigeração. E, nos setores difíceis de reduzir, – os que, devido à sua atividade, dependem de combustíveis fósseis –, a solução está em alternativas mais sustentáveis, como o hidrogénio verde, que permite a transição para uma indústria mais sustentável.

E Ignacio Galán frisou que, em mercados como o Reino Unido e os Estados Unidos da América (EUA), o investimento em redes elétricas aumentará quase quatro vezes, enquanto, na Europa, o compromisso com a eletrificação deverá aumentar, segundo as previsões do Pacto Verde Europeu.

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Cláudia Azevedo, CEO da Sonae, participou num painel sobre requalificação, enfatizando a importância de investir nas pessoas e de promover a cooperação entre estados, empresas e instituições formadoras para capacitar os Europeus e fomentar a educação ao longo da vida, assim como focou a importância de “reformular a requalificação para a tornar aspiracional”, afirmando que este processo não deve ser visto apenas como uma necessidade para aqueles que “ficam para trás”, mas como oportunidade para todos que desejam avançar nas suas carreiras. Mais disse que “ser curioso e continuar a aprender é a competência mais importante para todos”.

Segundo dados do Eurostat, no final de novembro, estavam desempregadas, na Europa, cerca de 13 milhões de pessoas, mesmo com a taxa de postos de trabalho não preenchidos a duplicar na última década. Estima-se que 20 milhões de pessoas necessitem de requalificação, em breve, para alinhar as competências às exigências do futuro do trabalho.

E Cláudia Azevedo destacou a necessidade de um investimento contínuo em educação, para lidar com as mudanças da transição digital e verde, garantindo acesso a oportunidades de formação, assim como sublinhou a importância da cultura empresarial, afirmando que, “se for uma organização que ‘sabe tudo’, não há necessidade de aprender”. Por conseguinte, defendeu que uma cultura que incentive a aprendizagem contínua faz da curiosidade uma habilidade valiosa.

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O presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, participou no WEF, destacando a importância da digitalização para a juventude timorense e a adesão do país à Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), que deverá ocorrer no próximo mês de maio.

Em entrevista à RFI (Rádio França Internacional) – que se destaca por cobrir várias áreas do WEF –, referindo que esta foi a sua quarta participação (a segunda como presidente), reconhece que “a evolução da situação mundial é óbvia, para melhor nalgumas áreas, como a digitalização e a inteligência artificial”, mas assume uma dimensão “muito grave”, noutras áreas.

“Começámos, em 2020, com a pandemia, com grande impacto nas economias nacionais, um empobrecimento ainda maior dos já pobres, recursos catastróficos em relação aos progressos registados na luta contra a pobreza, e depois, como se isso não bastasse, têm havido grandes catástrofes naturais, inundações graves, incluindo no meu país, dois anos seguidos, inundações e incêndios graves que quase se tornaram um fenómeno anual”, relatou.

Depois, considerou que a invasão da Ucrânia pela Rússia criou impacto na Ucrânia em si e na Rússia, mas também na economia mundial, “com a subida dramática dos preços de produtos de consumo de primeira necessidade, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento”.

Aludindo à eleição de Donald Trump, que tomou posse, a 20 de janeiro, sustenta que isso “oferece algumas perspetivas positivas […] e outras que levantam profundas preocupações”. E, ante o seu discurso, no dia do encerramento do WEF, em que formulou o convite aos empresários presentes em Davos a produzirem nos EUA, admite, com o entrevistador, que se trata de uma declaração que vem confirmar esta política protecionista norte-americana”, mas que é natural “convidar investidores a investir nos Estados Unidos”, pois “qualquer país faz isso”, e os EUA “oferecem condições que muitos outros não oferecem”. “É um mercado riquíssimo, que dá muitas facilidades aos investidores. A economia americana continua forte, o desemprego quase inexistente. Embora os Estados Unidos tenham graves problemas sociais, como milhões de pessoas sem casa, milhões de pessoas a viver em extrema pobreza e violência, em muitas cidades americanas. Mas violência a sério, não é um mar de rosas”, desenvolveu.

Quanto à importância da adaptação à tecnologia, à inteligência artificial (IA), para a população jovem de Timor-Leste, apontou o acompanhamento por parte do governo e prometeu progressos: o cabo submarino de ligação à Austrália e a outros países está em vias de conclusão e de entrar em funcionamento; o país está ligado ao Starlink; as infraestruturas básicas estão a decorrer; os jovens timorenses têm muita inclinação para as áreas de ciências, de tecnologia e de informática; e há vez mais timorenses a viver no exterior (na Austrália, na Coreia do Sul, na China, no Reino Unido e em Portugal).

Sobre a adesão à ASEAN, diz que “é uma prioridade absoluta”, pois significa a “adesão à integração plena” na economia e na diplomacia regionais e “vai elevar a voz de Timor-Leste dentro de uma organização que tem cerca de 700 milhões de pessoas, muito maior que a União Europeia [UE] e quase todo o continente africano, que tem mais de mil milhões de pessoas”. E considera que a ASEAN “tem uma economia de triliões de dólares, com uma população jovem, como a nossa, que é a mais jovem de todo o Sudeste Asiático, de toda a Ásia, com uma população cada vez mais educada”.

No atinente à excecionalidade de Timor-Leste no meio das tensões geopolíticas, na região da Ásia-Pacífico, sublinha a existência de 50 a 70 anos de existência dos outros países da região, quando Timor-Leste tem 25 anos de existência e, nos últimos 20 anos, desde a independência, passou por transformações dramáticas de que muitos que escrevem ou falam sobre Timor “não dão conta, porque não leem, não pesquisam dados simples”. De um único doutorado, em 2002, passou a haver centenas; de 19 médicos, passou a haver 1300; da existência de eletricidade, praticamente, só em Díli, passou-se à cobertura de 97% do território; e da esperança de vida inferior a 60 anos, passou-se para os 70 anos.

Sobre a visibilidade da lusofonia e da Ásia neste encontro mundial, Ramos Horta apontou que “Timor-Leste é o único país, ou um entre muito poucos países de dimensão demográfica semelhante à de Timor-Leste, com pouco mais de um milhão de habitantes e uma economia ainda muito pequena, que tem uma participação ativa neste grande fórum”. Desta vez, Ramos-Horta, foi convidado pelo professor Klaus Schwab, presidente do WEF, “para diversificar os debates”, não sendo tudo sobre a Ucrânia, mas também sobre outros países do Mundo, sobre outros problemas e sobre outras possibilidades e oportunidades.

Relevou que “Timor-Leste é um país mais democrático” e que, “na Ásia, com o ranking em liberdade de imprensa, “é o melhor entre todos os países do Terceiro Mundo” e “é o único dos 100 países em vias de desenvolvimento, que está no ranking entre os primeiros 20. Em 2023, estava entre os primeiros 10. Portugal estava em 9.º, Timor-Leste em 10.º, enquanto a França e a Inglaterra estavam em 27.º.  Estavam, depois, em 40.º a Alemanha, os EUA, a Itália e a Austrália. Timor é a melhor democracia da Ásia e um dos poucos países do Mundo com uma dívida externa muito pequena – 13% do seu produto interno bruto (PIB) é investido no Tesouro americano – e isso chama a atenção.

Questionado se faz sentido a estratégia de Trump espelhada no pedido à Arábia Saudita e à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) de baixa do preço do petróleo para acabar a guerra na Ucrânia, disse não lhe parecer que a Arábia Saudita e os outros países da OPEP digiram a proposta, pois seria uma punição à Rússia, um dos maiores produtores mundiais de petróleo (OPEP+) e do qual depende muito. E a Arábia Saudita está numa fase de grande desenvolvimento, de industrialização e de investimento, pelo que “não pode dar-se ao luxo de baixar artificialmente o preço do petróleo, porque há um excesso de produção mundial”.

E penso eu que, sendo o petróleo a maior riqueza de Timor, o país terá dificuldade em renunciar à energia de origem fóssil.

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Trump, no seu discurso, desfiou os sucessos dos EUA, esquecendo as suas fragilidades frente à China, por exemplo. E, além do pedido de baixa do custo do petróleo à OPEP, desafiou os diferentes países e a UE a investirem nos EUA ou levarão com tarifas alfandegárias. A esse repto a presidente do Banco Central Europeu (BCE) respondeu com uma alfinetada, instigando os talentos norte-americanos que estejam descontentes com o futuro do seu país a virem para a Europa. “Talvez seja a altura de importar alguns talentos que podem estar descontentes do outro lado do Atlântico”, disse, com ironia, Christine Lagarde, no painel de encerramento do WEF, e insurgindo-se contra o pessimismo sobre a Europa.

E, no destaque dos pontos fortes – como a descida da inflação para perto de 2%, a situação orçamental abaixo de 3% do PIB de défice, o nível de dívida no PIB mais baixo do que o dos EUA, um grande contingente de talentos e uma assinalável massa de poupanças – teve a ajuda, inesperada, de um multimilionário norte-americano logo a abrir o painel. “Há muito pessimismo em relação à Europa. Acredito que provavelmente é hora de voltar a investir na Europa”, começou por dizer Laurence (Larry) Fink, fundador e CEO da BlackRock, a maior empresa de gestão de ativos no Mundo.  

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Enfim, num tempo de incertezas no Mundo em conflitos armados, mas com países a crescer e a procurar um lugar de visibilidade, a UE ou se arma de autoconfiança e arregaça as mangas ou se reduz à expressão mais simples ou, mesmo, à nulidade.

2025.01.24 – Louro de Carvalho

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