quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Novo aeroporto de Lisboa postula uso de dinheiro dos contribuintes

 

Não há volta a dar. Por mais que nos digam o contrário – também o garantiram a propósito do Novo Banco (NB), do Banco Português de Negócios (BPN) –, o Aeroporto Luís de Camões, o novo aeroporto de Lisboa (NAL), contará, direta ou indiretamente, com dinheiros do Estado.  

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A 16 de janeiro, o governo aprovou a criação da Estrutura de Gestão e Acompanhamento dos Projetos de Aeroportos (EGAPA), para coordenar a negociação do NAL, com a gestora aeroportuária ANA – Aeroportos de Portugal.

Em comunicado, o Executivo disse que aprovou uma resolução do Conselho de Ministros que cria a EGAPA, com o principal objetivo de assegurar o “acompanhamento técnico, jurídico e financeiro das obrigações contratuais decorrentes dos contratos de concessão aeroportuários celebrados com a ANA – Aeroportos de Portugal”. A estrutura – que será liderada pelo presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e contará com um coordenador geral e equipas de especialistas, que apoiarão o ministro das Infraestruturas, nas negociações ligadas aos projetos aeroportuários – coordenará, em representação do Estado, a negociação com a concessionária, no respeitante ao NAL, e as obras de expansão do Aeroporto Humberto Delgado (AHD).

Na sequência, a 17 de janeiro, em comunicado, o governo disse ter informado a ANA de que pretende que a concessionária prepare a candidatura ao NAL e frisou que o “objetivo é assegurar competitividade das taxas aeroportuárias e limitar extensão da concessão”.

A decisão surge após a entrega do relatório inicial da ANA, a 17 de dezembro, com as condições para avançar com a construção do Aeroporto Luís de Camões, que não prevê contribuição direta do Orçamento do Estado (OE), “em pleno alinhamento com o governo, a este respeito”.

O governo sustenta que, para o processo avançar, a ANA deve procurar reduzir o custo total do projeto, cumprir a legislação ambiental, avaliar o prazo de construção de seis anos e reduzir e rever o modelo financeiro. E propõe a assinatura de um memorando de entendimento com a ANA, com vista à “clarificação dos momentos procedimentais que se seguem” e do “conteúdo pretendido pelo concedente a incluir na candidatura ao NAL”.

Segue-se um período de consulta pública aos “cinco maiores operadores aéreos e [a] outras partes interessadas”, como prevê o contrato de concessão, bem como a entidades públicas. A ANA tem seis meses para apresentar um Relatório das Consultas com a síntese dos contributos.

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O relatório, em versão preliminar, e a resposta do governo expõem diferenças entre as duas partes, as dúvidas por esclarecer e os aspetos de concordância. Nos próximos meses, estará em consulta pública, o que ditará ajustes ao projeto, tal como a obrigatória declaração de impacto ambiental (DIA). Até à versão final, lá para 2029, haverá um longo processo negocial com o Executivo.

Para já, são estes os pontos em que estão alinhados governo e concessionária e onde não estão:

1. Layout do aeroporto. O projeto do Aeroporto Luís de Camões – com área cinco vezes maior do que a do AHD arrancará com duas pistas (de cerca de quatro mil metros, com 1980, metros de distância entre si) e com capacidade para 45 milhões de passageiros, por ano, podendo chegar a quatro pistas, situadas a 760 metros das principais. O governo não faz objeções e considera que “a concessionária deve avançar de acordo com a proposta preliminar de layout do aeroporto”, mas salvaguarda a faculdade da sua revisão, “caso as avaliações das entidades competentes assim o sugiram ou imponham”.

A concessionária sugere alterações, face às “Especificações Mínimas” do NAL definidas no contrato de concessão, para as adequar à evolução significativa da indústria dos aeroportos e do transporte aéreo, e estima um prazo de construção de seis anos, de forma faseada, bem acolhido pelo Executivo. A data da abertura varia entre o final de 2036 e o segundo semestre de 2037. Ambos concordam com a necessidade de trabalhar para abreviar o prazo previsto para os procedimentos anteriores à construção. E os ministérios das Infraestruturas e Finanças estão disponíveis para discutir as “Especificações Mínimas”.

2. Investimento necessário. A ANA estima que o desenvolvimento do projeto do NAL e a sua construção importem em 8,5 mil milhões de euros, a preços de 2024. Porém, o governo sustenta que é preciso reduzir o valor total do investimento e critica a falta de informação, a este respeito. Quanto à estimativa de custos, nomeadamente (mas não só), no atinente ao detalhe do custo da infraestrutura e respetivos pressupostos, da sua calendarização e das necessidades de investimento ao longo do período de concessão, o concedente nota que a informação apresentada pela concessionária é “insuficiente para permitir uma análise detalhada e obter conclusões informadas sobre a validade da referida estimativa”, vincando que, “em momento algum, se compromete com o valor de CAPEX total do projeto apresentado no Relatório Inicial e com os prazos associados”.

3. Imputação de encargos. A ANA considera que a desminagem e a descontaminação dos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete (CTA) devem ser suportadas pelo Estado. O governo concorda e “entregará os terrenos livres de encargos relacionados com quaisquer trabalhos de desminagem e/ou descontaminação que se vislumbrem necessários”. Além disso, será suportada pelo Estado a construção das infraestruturas e os equipamentos da NAV Portugal e da Força Aérea. Todavia, há discordâncias, nomeadamente, sobre quem deve assumir o custo de vários riscos, sobretudo ambientais, como a adoção de medidas de mitigação. A concessionária considera que devem ficar do lado do Estado, mas o governo contesta. “No que diz respeito ao risco e incertezas do projeto, notamos que a proposta de alocação dos riscos apresentada no Relatório Inicial se afigura desequilibrada a favor da concessionária, não sendo clara a diferença entre risco e incerteza, nesta avaliação e alocação do risco”, aponta à ANA a resposta do governo.

4. Ausência de contribuição do OE. A proposta de financiamento da ANA não inclui dinheiros públicos, indo ao encontro do afirmado pelo governo, o que este saúda.

5. Extensão da concessão e taxas. Para pagar a construção do NAL e manter a rentabilidade da concessão, a ANA propõe alargar a concessão por mais 30 anos, até 2092, e aumentar, de forma significativa, as taxas aeroportuárias ao longo dos próximos anos, começando já em 2026. Além de notar a “total ausência de informação financeira detalhada” sobre a proposta, o governo tem “dúvidas substanciais” sobre “os pressupostos subjacentes à necessidade de extensão da duração da concessão por mais 30 anos” e sobre o modelo de alteração das taxas aeroportuárias, afirmando a intenção de “minimizar o aumento de taxas e a extensão do prazo da concessão”.

6. Corporate finance ou project finance? A ANA afirma que o investimento de 8,5 mil milhões no NAL será financiado em 1,5 mil milhões de euros, através de recursos próprios, e sete mil milhões com dívida bancária e nos mercados de capitais, na lógica de financiamento da concessionária (corporate finance) e não de projeto (project finance), com prazos mais longos. E o governo quer saber o motivo desta opção, importando esclarecer e fundamentar a utilização do modelo corporate finance neste projeto, pois, considerando a duração do NAL e da concessão, e a necessidade de alinhar expetativas de custos e de receitas, não é possível retirar suficientes motivos para a exclusão do modelo de project finance, solução standard neste tipo de projetos.

7. Acessibilidades. A ANA sustenta que o NAL “é um projeto de grande escala”, cuja viabilidade depende de um programa de infraestruturas que assegure a sua acessibilidade, incluindo a Terceira Travessia do Tejo, que envolve a Lusoponte, detida em 49,5% pela Vinci; acesso ferroviário de alta velocidade e convencional; e rede rodoviária com ligação à autoestrada. O governo diz que “é de conhecimento público a existência de vários projetos que permitirão assegurar a acessibilidade (multimodal) ao novo aeroporto, os quais estão a ser desenvolvidos pelo concedente e outros parceiros (incluindo a concessionária)”. Com efeito, a obrigação de construir as acessibilidades ao NAL está plasmada no contrato de concessão e o governo irá cumprir e está disponível para discutir a melhor forma de articular os referidos projetos, com o do aeroporto.

8. Articulação com a Comissão Europeia. Para garantir a segurança jurídica do desenvolvimento do projeto, a ANA pede ao governo a obtenção de “decisão da Comissão Europeia que confirme que eventuais contrapartidas concedidas à ANA”, pela execução do NAL, não são auxílios de estado ou constituem auxílios de estado compatíveis. Defende que a notificação a Bruxelas, não sendo obrigatória, seja feita, a título voluntário. O Executivo, alinhado com a ANA, concorda com a necessidade de assegurar articulação com a Comissão Europeia, em matéria de concorrência e auxílios de estado, e reforça a necessidade do cumprimento da legislação ambiental, sobretudo, no atinente ao regime da avaliação de impacto ambiental (AIA).

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Segundo o governo, a alocação dos riscos apresentada pela ANA é desequilibrada, a favor da concessionária, devem ser previstos mecanismos de partilha equitativa e não é clara “a diferença entre risco e incerteza, nesta avaliação e alocação do risco”. O relatório inclui uma lista de eventos que devem ser considerados riscos e responsabilidades do Estado, que a ANA justifica com a necessidade de “garantir a viabilidade bancária do financiamento” do NAL:

·         Contestação da validade ou da eficácia dos contratos do NAL, por terceiros ou pelo Ministério Público (MP), bem como impugnação da validade, da exequibilidade ou do conteúdo da DIA ou da decisão da conformidade ambiental do projeto de execução (DCAPE) do NAL;

·         Custos de quaisquer compensações ambientais e/ou medidas de mitigação ambiental previstas na DIA ou na DCAPE do NAL, bem como custos e execução de quaisquer expropriações e de desminagem do perímetro do NAL ou que, fora deste perímetro, tenha nele impacto;

·         Custos de qualquer descontaminação de contaminação pré-existente do perímetro do NAL ou que, fora deste perímetro tenha nele impacto, bem como custos e execução de quaisquer obras a realizar no perímetro do NAL relacionadas com a Alta Velocidade ou com a ligação ferroviária a Lisboa, ou à linha do Norte, sem prejuízo do previsto na secção ‘Planeamento e Custos’.

·         Custos e desempenho de quaisquer projetos conexos, bem como obtenção de protocolos da NAV e de protocolos da Força Aérea compatíveis com a capacidade e a exploração do NAL.

O governo considera que, no atinente aos riscos ambientais e à potencial necessidade de implementação de medidas mitigadoras dos mesmos, que decorrem da DIA, “será necessário aferir se os mesmos decorrem de fatores endógenos ou exógenos ao próprio projeto”. E há margem para “discutir possíveis mecanismos de mitigação de alguns dos riscos do projeto“, para assegurar melhores condições de financiamento, mas não para “alterações da matriz de risco global do projeto, em detrimento do concedente”.

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Em comunicado, a Associação Nacional de Agências de Viagens (ANAV) classifica como “inaceitáveis os termos apresentados no documento” e mostra-se “preocupada” com a introdução de um aumento anual progressivo das taxas aeroportuárias do aeroporto de Lisboa, entre 2026 e 2030, com o objetivo de “atingir uma receita regulada por passageiro terminal (RRMM) de 23,37 euros, em termos reais”. “Esta proposta da ANA é inaceitável. O Turismo em Portugal merece ter um novo aeroporto, há demasiado tempo, mas soluções que, por vezes, procuram atalhos podem levar a injustiças num setor que já tem sido suficientemente castigado com este atraso na construção do novo aeroporto”, diz Miguel Quintas, presidente da ANAV.

A ANAV defende que o financiamento de um novo aeroporto “não deverá ser realizado com o prejuízo das gerações presentes, com o sacrifício de um ecossistema que pode não ser beneficiado com a construção dessa mesma infraestrutura”. Isto significaria que o investimento seria “suportado por apenas algumas entidades externas, privadas ou não”, o que poderia gerar “desequilíbrios em todo o setor de turismo, no que diz respeito à sua contribuição para a construção de um novo aeroporto”.

“Em particular, é tão-somente estranho que se queira custear um investimento de uma entidade privada, comprometendo toda a competitividade turística de um destino, através de atividades de cobrança de taxas com 10 anos de antelação. Esta atividade que, a realizar-se, mais pareceria um mega sistema de crowdfunding sem retorno para os investidores diretos que colocam o seu dinheiro na construção do aeroporto”, lê-se no comunicado da associação.

A ANAV sustenta que os grandes investimentos privados devem ser realizados através de “mecanismos próprios para o efeito e não à custa da competitividade do mercado”. Para a associação, a proposta da ANA é “contra a lógica do investimento”, que passa por “investir, hoje, para colher rendimentos, amanhã”, sobretudo, quando o objetivo, de acordo com o comunicado de imprensa da ANA, será obter a totalidade do valor do investimento hoje”.

Em segundo lugar, para a NAV, a proposta da ANA resultaria numa “perda de parte da competitividade de Portugal como destino turístico”, o que “é totalmente contra os interesses do setor do turismo”. Apesar dos “bons resultados” do turismo em Portugal, a carga fiscal e os custos de contexto deixam o país “cada vez menos competitivo, face aos mercados internacionais”. 

“Atualmente, as taxas aeroportuárias de Lisboa já são mais caras, em média 30%, do que as de Madrid. Sendo Portugal um país periférico, este desnível é ainda mais acentuado. Aumentar estes custos reduz, consequentemente, ainda mais, a competitividade de Lisboa como destino turístico”, vinca a associação, recomendando, fortemente, a avaliação de outras possíveis soluções para o investimento em causa e que já se praticam noutros países e cidades do Mundo”, por exemplo, a realização de concursos públicos abertos a entidades internacionais.

A ANAV reforça o seu completo alinhamento com a ideia da construção do NAL e estará na linha da frente para que este processo se desencadeie da forma mais célere possível”.

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Pelo exposto, nota-se, claramente, que OE entrará no investimento em áreas relevantes, sobretudo, no atinente aos riscos, às compensações à Força Aérea, às operações de desminagem e de descontaminação dos terrenos do CTA, bem como às infraestruturas que terão de servir o NAL. Por outro lado, as taxas aeroportuárias são pagas pelos clientes, que também são contribuintes; e o prolongamento da concessão não deixa de ser uma limitação da ação do Estado. Por isso, não é verdade que o NAL não implique dinheiro dos contribuintes, nem é líquido que a resolução do Conselho de Ministros, de 16 de janeiro. Já vi a reversibilidade de tantas decisões irreversíveis!

Porém, tudo isto vale a pena para um investimento decidido, “irreversivelmente, há 56 anos, e que dará beneficio só com a idade de 68 anos.   

2025.01.23 – Louro de Carvalho

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