Não há
volta a dar. Por mais que nos digam o contrário – também o garantiram a
propósito do Novo Banco (NB), do Banco Português de Negócios (BPN) –, o
Aeroporto Luís de Camões, o novo aeroporto de Lisboa (NAL), contará, direta ou
indiretamente, com dinheiros do Estado.
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A 16 de janeiro, o governo aprovou a criação da Estrutura de
Gestão e Acompanhamento dos Projetos de Aeroportos (EGAPA), para coordenar a
negociação do NAL, com a gestora aeroportuária ANA – Aeroportos de Portugal.
Em comunicado, o Executivo disse que aprovou uma resolução do
Conselho de Ministros que cria a EGAPA, com o principal objetivo de assegurar o
“acompanhamento técnico, jurídico e financeiro das obrigações contratuais
decorrentes dos contratos de concessão aeroportuários celebrados com a ANA –
Aeroportos de Portugal”.
A estrutura – que será liderada pelo presidente do Instituto da
Mobilidade e dos Transportes (IMT) e contará com um coordenador geral e equipas
de especialistas, que apoiarão o ministro das Infraestruturas, nas negociações
ligadas aos projetos aeroportuários – coordenará, em representação do Estado, a
negociação com a concessionária, no respeitante ao NAL, e as obras de expansão
do Aeroporto Humberto Delgado (AHD).
Na sequência, a 17 de janeiro, em comunicado, o governo
disse ter informado a ANA de que pretende que a concessionária prepare a
candidatura ao NAL e frisou que o “objetivo é assegurar competitividade das taxas
aeroportuárias e limitar extensão da concessão”.
A decisão surge após a entrega do relatório inicial da
ANA, a 17 de dezembro, com as condições para avançar com a construção do
Aeroporto Luís de Camões, que não prevê contribuição direta do Orçamento do
Estado (OE), “em pleno alinhamento com o governo, a este respeito”.
O governo sustenta que, para o processo avançar,
a ANA deve procurar reduzir o custo total do projeto, cumprir a legislação
ambiental, avaliar o prazo de construção de seis anos e reduzir e rever o
modelo financeiro. E propõe a assinatura de um memorando de entendimento com a ANA,
com vista à “clarificação dos momentos procedimentais que se seguem” e do “conteúdo
pretendido pelo concedente a incluir na candidatura ao NAL”.
Segue-se um período de consulta pública aos “cinco maiores operadores aéreos
e [a] outras partes interessadas”, como prevê o contrato de concessão, bem como
a entidades públicas. A ANA tem seis meses para apresentar um Relatório das
Consultas com a síntese dos contributos.
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O
relatório, em versão preliminar, e a resposta do governo expõem diferenças entre as duas partes, as dúvidas por
esclarecer e os aspetos de concordância. Nos próximos meses, estará em consulta
pública, o que ditará ajustes ao projeto, tal como a obrigatória declaração de
impacto ambiental (DIA). Até à versão final, lá para
2029, haverá um longo processo negocial com o Executivo.
Para já, são estes os pontos em que estão alinhados governo
e concessionária e onde não estão:
1. Layout do aeroporto. O projeto do Aeroporto Luís de Camões
– com área cinco vezes maior do que a do AHD – arrancará com duas pistas (de
cerca de quatro mil metros, com 1980, metros de distância entre si) e com capacidade
para 45 milhões de passageiros, por ano, podendo chegar a quatro pistas,
situadas a 760 metros das principais. O
governo não faz objeções e considera que “a concessionária deve avançar
de acordo com a proposta preliminar de layout do aeroporto”,
mas salvaguarda a faculdade da sua revisão, “caso as avaliações das
entidades competentes assim o sugiram ou imponham”.
A concessionária sugere alterações, face às “Especificações Mínimas” do NAL
definidas no contrato de concessão, para as adequar à evolução significativa da
indústria dos aeroportos e do transporte aéreo, e estima um prazo de construção
de seis anos, de forma faseada, bem acolhido pelo Executivo. A data da abertura
varia entre o final de 2036 e o segundo semestre de 2037. Ambos concordam com a necessidade de trabalhar para abreviar o
prazo previsto para os procedimentos anteriores à construção. E os
ministérios das Infraestruturas e Finanças estão disponíveis para discutir as “Especificações
Mínimas”.
2. Investimento
necessário. A ANA estima
que o desenvolvimento do projeto do NAL e a sua construção importem em 8,5 mil milhões de euros, a preços de 2024. Porém, o governo sustenta que é preciso
reduzir o valor total do investimento e critica a falta de
informação, a este respeito. Quanto à estimativa de custos, nomeadamente (mas
não só), no atinente ao detalhe do custo da infraestrutura e respetivos
pressupostos, da sua calendarização e das necessidades de investimento ao longo
do período de concessão, o concedente nota que a informação apresentada pela concessionária
é “insuficiente para permitir uma análise detalhada e obter conclusões
informadas sobre a validade da referida estimativa”, vincando que, “em momento algum, se compromete com o valor de CAPEX total do
projeto apresentado no Relatório Inicial e com os prazos
associados”.
3.
Imputação de encargos. A ANA considera
que a desminagem e a descontaminação dos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete
(CTA) devem ser suportadas pelo Estado. O governo concorda e “entregará os terrenos livres de encargos relacionados com
quaisquer trabalhos de desminagem e/ou descontaminação que se vislumbrem
necessários”. Além disso, será suportada pelo Estado a construção das
infraestruturas e os equipamentos da NAV Portugal e da Força Aérea. Todavia, há
discordâncias, nomeadamente, sobre quem deve assumir o custo de vários riscos,
sobretudo ambientais, como a adoção de medidas de mitigação. A
concessionária considera que devem ficar do lado do Estado, mas o governo
contesta. “No que diz respeito ao risco e incertezas do projeto, notamos
que a proposta de alocação dos riscos apresentada no Relatório Inicial
se afigura desequilibrada a favor da concessionária, não sendo clara a
diferença entre risco e incerteza, nesta avaliação e alocação do risco”, aponta
à ANA a resposta do governo.
4. Ausência
de contribuição do OE. A
proposta de financiamento da ANA não inclui dinheiros públicos, indo ao
encontro do afirmado pelo governo, o que este
saúda.
5. Extensão
da concessão e taxas. Para pagar a
construção do NAL e manter a rentabilidade da concessão, a ANA propõe alargar a
concessão por mais 30 anos, até 2092, e aumentar, de forma significativa, as
taxas aeroportuárias ao longo dos próximos anos, começando já em 2026. Além de notar a “total ausência de informação financeira detalhada” sobre a
proposta, o governo tem “dúvidas substanciais” sobre “os
pressupostos subjacentes à necessidade de extensão da duração da concessão por
mais 30 anos” e sobre o modelo de alteração das taxas aeroportuárias, afirmando a intenção de “minimizar o aumento de taxas e a extensão do prazo da concessão”.
6. Corporate finance ou project
finance? A ANA afirma
que o investimento de 8,5 mil milhões no NAL será financiado em 1,5 mil milhões
de euros, através de recursos próprios, e sete mil milhões com dívida bancária
e nos mercados de capitais, na lógica de financiamento da concessionária (corporate finance) e não de projeto (project finance), com prazos mais longos. E o governo quer saber o motivo desta
opção, importando esclarecer e fundamentar a utilização do modelo corporate finance neste projeto, pois, considerando
a duração do NAL e da concessão, e a necessidade de alinhar expetativas de
custos e de receitas, não é possível retirar
suficientes motivos para a exclusão do modelo de project finance,
solução standard neste tipo de projetos.
7. Acessibilidades.
A ANA sustenta que o NAL “é um projeto de grande escala”, cuja viabilidade depende de um
programa de infraestruturas que assegure a sua acessibilidade, incluindo
a Terceira Travessia do Tejo, que envolve a Lusoponte, detida em 49,5% pela
Vinci; acesso ferroviário de alta velocidade e convencional; e rede rodoviária
com ligação à autoestrada. O governo diz que “é de conhecimento público a
existência de vários projetos que permitirão assegurar
a acessibilidade (multimodal) ao novo aeroporto, os quais estão a
ser desenvolvidos pelo concedente e outros parceiros (incluindo a
concessionária)”. Com efeito, a
obrigação de construir as acessibilidades ao NAL está plasmada no contrato de
concessão e o governo irá cumprir e está disponível para discutir a melhor
forma de articular os referidos projetos, com o do aeroporto.
8. Articulação
com a Comissão Europeia. Para
garantir a segurança jurídica do desenvolvimento do projeto, a ANA pede ao governo a obtenção de “decisão da Comissão Europeia
que confirme que eventuais contrapartidas concedidas à ANA”, pela execução do NAL,
não são auxílios de estado ou constituem auxílios de estado compatíveis.
Defende que a notificação a Bruxelas, não sendo obrigatória, seja feita, a
título voluntário. O Executivo, alinhado com a ANA, concorda com a necessidade
de assegurar articulação com a Comissão Europeia, em matéria de concorrência e
auxílios de estado, e reforça a necessidade do cumprimento da legislação ambiental,
sobretudo, no atinente ao regime da avaliação de impacto ambiental (AIA).
***
Segundo
o governo, a alocação dos riscos apresentada pela ANA é desequilibrada, a favor
da concessionária, devem ser previstos mecanismos de partilha equitativa e não
é clara “a diferença entre risco e incerteza, nesta avaliação e alocação do risco”.
O relatório inclui uma lista de eventos que
devem ser considerados riscos e responsabilidades do
Estado, que a ANA justifica com a necessidade de “garantir a viabilidade
bancária do financiamento” do NAL:
·
Contestação da validade ou da eficácia dos contratos do NAL, por terceiros ou pelo Ministério Público
(MP), bem como impugnação da validade, da exequibilidade ou do
conteúdo da DIA
ou da decisão da conformidade ambiental do projeto de execução (DCAPE) do NAL;
·
Custos de quaisquer
compensações ambientais e/ou medidas de mitigação ambiental previstas na DIA ou na
DCAPE do NAL, bem como custos e execução de quaisquer
expropriações e de desminagem do perímetro do NAL ou que, fora
deste perímetro, tenha nele impacto;
·
Custos de qualquer
descontaminação de contaminação pré-existente do perímetro do NAL ou que, fora
deste perímetro tenha nele impacto, bem como custos e execução de quaisquer
obras a realizar no perímetro do NAL relacionadas com a Alta Velocidade ou com a ligação ferroviária
a Lisboa, ou à linha do Norte, sem prejuízo do previsto na secção ‘Planeamento
e Custos’.
·
Custos
e desempenho de quaisquer projetos conexos, bem como obtenção de protocolos da NAV
e de protocolos da Força Aérea compatíveis com a capacidade e a exploração do
NAL.
O governo
considera que, no atinente aos riscos ambientais e à potencial
necessidade de implementação de medidas mitigadoras dos
mesmos, que decorrem da DIA, “será necessário aferir se os
mesmos decorrem de fatores endógenos ou exógenos ao próprio projeto”.
E há margem para “discutir possíveis mecanismos de mitigação de
alguns dos riscos do projeto“, para assegurar melhores
condições de financiamento, mas não para “alterações da matriz
de risco global do projeto, em detrimento do concedente”.
***
Em
comunicado, a Associação Nacional de Agências de Viagens (ANAV) classifica como
“inaceitáveis os termos apresentados no documento” e mostra-se “preocupada” com
a introdução de um aumento anual progressivo das taxas aeroportuárias do
aeroporto de Lisboa, entre 2026 e 2030, com o objetivo de “atingir uma receita
regulada por passageiro terminal (RRMM) de 23,37 euros, em termos reais”. “Esta
proposta da ANA é inaceitável. O Turismo em Portugal merece ter um novo
aeroporto, há demasiado tempo, mas soluções que, por vezes, procuram atalhos
podem levar a injustiças num setor que já tem sido suficientemente castigado
com este atraso na construção do novo aeroporto”, diz Miguel Quintas,
presidente da ANAV.
A ANAV
defende que o financiamento de um novo aeroporto “não deverá ser realizado com
o prejuízo das gerações presentes, com o sacrifício de um ecossistema que pode
não ser beneficiado com a construção dessa mesma infraestrutura”. Isto
significaria que o investimento seria “suportado por apenas algumas entidades
externas, privadas ou não”, o que poderia gerar “desequilíbrios em todo o setor
de turismo, no que diz respeito à sua contribuição para a construção de um novo
aeroporto”.
“Em
particular, é tão-somente estranho que se queira custear um investimento de uma
entidade privada, comprometendo toda a competitividade turística de um destino,
através de atividades de cobrança de taxas com 10 anos de antelação. Esta
atividade que, a realizar-se, mais pareceria um mega sistema de crowdfunding sem retorno para os
investidores diretos que colocam o seu dinheiro na construção do aeroporto”, lê-se
no comunicado da associação.
A ANAV
sustenta que os grandes investimentos privados devem ser realizados através de
“mecanismos próprios para o efeito e não à custa da competitividade do mercado”.
Para a associação, a proposta da ANA é “contra a lógica do investimento”, que
passa por “investir, hoje, para colher rendimentos, amanhã”, sobretudo, quando
o objetivo, de acordo com o comunicado de imprensa da ANA, será obter a
totalidade do valor do investimento hoje”.
Em segundo
lugar, para a NAV, a proposta da ANA resultaria numa “perda de parte da competitividade
de Portugal como destino turístico”, o que “é totalmente contra os interesses
do setor do turismo”. Apesar dos “bons resultados” do turismo em Portugal,
a carga fiscal e os custos de contexto deixam o país “cada vez menos
competitivo, face aos mercados internacionais”.
“Atualmente,
as taxas aeroportuárias de Lisboa já são mais caras, em média 30%, do que as de
Madrid. Sendo Portugal um país periférico, este desnível é ainda mais
acentuado. Aumentar estes custos reduz, consequentemente, ainda mais, a
competitividade de Lisboa como destino turístico”, vinca a associação, recomendando,
fortemente, a avaliação de outras possíveis soluções para o investimento em
causa e que já se praticam noutros países e cidades do Mundo”, por exemplo, a
realização de concursos públicos abertos a entidades internacionais.
A ANAV
reforça o seu completo alinhamento com a ideia da construção do NAL e estará na
linha da frente para que este processo se desencadeie da forma mais célere
possível”.
***
Pelo exposto,
nota-se, claramente, que OE entrará no investimento em áreas relevantes,
sobretudo, no atinente aos riscos, às compensações à Força Aérea, às operações
de desminagem e de descontaminação dos terrenos do CTA, bem como às
infraestruturas que terão de servir o NAL. Por outro lado, as taxas
aeroportuárias são pagas pelos clientes, que também são contribuintes; e o prolongamento
da concessão não deixa de ser uma limitação da ação do Estado. Por isso, não é
verdade que o NAL não implique dinheiro dos contribuintes, nem é líquido que a resolução
do Conselho de Ministros, de 16 de janeiro. Já vi a reversibilidade de tantas
decisões irreversíveis!
Porém, tudo
isto vale a pena para um investimento decidido, “irreversivelmente, há 56 anos,
e que dará beneficio só com a idade de 68 anos.
2025.01.23 – Louro de Carvalho
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