sábado, 25 de janeiro de 2025

É necessário pôr fim à guerra na Ucrânia

 

O presidente dos Estados Unidos da América (EUA), em campanha eleitoral, prometeu que, sendo eleito, acabaria com a guerra da Rússia na Ucrânia em 24 horas. Obviamente, essas 24 horas estão largamente ultrapassadas. Contudo, Donald Trump não desiste facilmente, parecendo convincente o seu forte poder de comunicação.

Ao discursar no Fórum Económico Mundial (WEF, na sigla em Inglês), a 23 de janeiro, prometeu exercer pressão sobre a Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP), ao afirmar que a descida do preço do petróleo poderia pôr termo, “imediatamente”, à guerra na Ucrânia. “Neste momento, o preço é suficientemente elevado para que a guerra continue e é preciso baixar o preço do petróleo e acabar com a guerra”, defendeu.

A OPEP é constituída por 13 países ricos em petróleo, incluindo o Iraque, o Irão, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), que representam, juntos, cerca de 40% da oferta mundial de petróleo. A sua importância significa que podem afetar, drasticamente, o preço do petróleo, aumentando ou diminuindo a produção. E o presidente dos EUA sustenta que a aliança OPEP partilha a responsabilidade pelo conflito de quase três anos na Ucrânia, porque manteve os preços do petróleo demasiado altos. “Se o preço baixasse, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia acabaria imediatamente”, porfiou.

Donald Trump comprometeu-se a pressionar a Arábia Saudita e a OPEP a baixar os preços do petróleo, sugerindo que as medidas económicas – e não a ajuda militar – poderiam ser a chave para pôr fim ao conflito. Ao mesmo tempo, mostrou vontade de dialogar diretamente com Vladimir Putin, para pôr fim à guerra. E, embora não tenha dado pormenores sobre a forma como negociaria a paz, insistiu que “a Ucrânia está pronta para fazer um acordo”.

A estratégia do presidente dos EUA não é clara e a Rússia não esquece que tem resistido a uma série de sanções dos EUA e da União Europeia (UE) desde o início da invasão da Ucrânia, há quase três anos. O petróleo era a maior exportação da Rússia para os EUA, mas esse negócio cessou em 2023. Ora, as vendas de energia constituem uma grande parte das receitas da Rússia.

Por outro lado, não é de esquecer que, no início da primeira semana do seu mandato, o chefe de Estado norte-americano ameaçou impor “um elevado nível de impostos, tarifas e sanções”, à Rússia, se Vladimir Putin não chegar a um acordo para acabar com a guerra.

Por sua vez, o Irão, que é membro da OPEP e aliado da Rússia, poderá opor-se ao plano proposto por Donald Trump.

Entretanto, o novo inquilino da Casa Branca também está a propor mais perfurações de petróleo e de gás nos EUA, o que poderá fazer baixar os preços globais e pressionar a Rússia.

Da sua parte, o presidente ucraniano, Volodymr Zelenskyy, no seu discurso do dia 23, disse: “O principal é não abrandar e pressionar a Rússia, a única entidade que quer esta guerra. […] Os recursos energéticos, nomeadamente o petróleo, são uma das chaves mais importantes para a paz e para a segurança real. […] A Europa precisa de trabalhar mais com a América e [com] outros parceiros no Mundo, e não com a Rússia, no que diz respeito aos recursos energéticos.”

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Em resposta ao desafio dos EUA, o presidente russo, propõe uma reunião com Donald Trump. Em entrevista pela televisão, Vladimir Putin repetiu a afirmação do presidente norte-americano de que o conflito na Ucrânia poderia ter sido evitado, se ele estivesse na Casa Branca em 2022. E declarou o Kremlin pronto para dialogar com os EUA sobre uma vasta gama de questões. “É melhor encontrarmo-nos e conversarmos, calmamente, sobre todas as questões de interesse para os EUA e para a Rússia, com base nas realidades atuais”, sustentou o líder russo, elogiando Donald Trump como “homem inteligente e pragmático”, focado nos interesses dos EUA.

“Eu não poderia discordar de que, se ele tivesse sido presidente, se eles não tivessem roubado a vitória dele em 2020, a crise que surgiu na Ucrânia em 2022 poderia ter sido evitada”, declarou o presidente russo, Vladimir Putin, mostrando convicção.    

Esta declaração do presidente russo foi o seu endosso mais direto, até agora, da recusa de Donald Trump em aceitar a derrota nas eleições de 2020. Contudo, é difícil de acreditar na capacidade de Trump em evitar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Na verdade, disse, repetidamente, que não teria permitido que o conflito começasse, se estivesse no cargo, mas era presidente enquanto os combates cresciam, no Leste da Ucrânia, entre as forças de Kiev e os separatistas alinhados com Moscovo, antes de Vladimir Putin enviar dezenas de milhares de tropas, em 2022.

No dia 23, Donald Trump disse à Fox News que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, deveria ter feito um acordo com Putin para evitar o conflito; e no dia 24, Vladimir Putin sublinhou que está aberto a negociações, mas apontou a decisão de Zelenskyy de 2022 de excluir Moscovo. Neste âmbito, questionou: “Como é que é possível conversar se isso for proibido?” E advertiu: “Se as conversações começarem no quadro jurídico existente, serão ilegítimas e os seus resultados também poderão ser declarados ilegítimos.”

Todavia, o presidente russo afirmou que os EUA e a Rússia têm muitos outros pontos na sua agenda, incluindo o controlo de armas nucleares e questões económicas. “Podemos ter muitos pontos de contacto com a atual administração e procurar soluções para as questões fundamentais da atualidade”, adiantou.

Vladimir Putin disse que as sanções contra a Rússia, introduzidas durante o primeiro mandato de Donald Trump e sob a administração de Joe Biden, prejudicaram os interesses dos EUA, minando o papel do dólar no sistema financeiro global. E descreveu o líder norte-americano como “não só inteligente, mas também um homem pragmático”, sustentando: “Acho difícil imaginar que ele tomaria decisões que prejudicariam a economia americana. […] É melhor encontrarmo-nos e termos uma conversa calma sobre todas as questões de interesse para os Estados Unidos e para a Rússia, com base nas realidades atuais.”

De facto, enquanto principais produtores de petróleo e grandes potências industriais, a Rússia e os EUA não têm interesse em que os preços globais do petróleo sejam demasiado baixos ou demasiado altos. “Temos coisas para falar”, disse Putin.

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Questionado sobre os comentários de Trump, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que Moscovo entende que o conflito “não depende dos preços do petróleo”, pois foi desencadeado pela recusa do Ocidente, sem ter em conta os interesses de segurança da Rússia. “O conflito está a decorrer, devido à ameaça à segurança nacional da Rússia, à ameaça aos Russos que vivem nesses territórios e à recusa dos Americanos e dos Europeus em ouvirem as preocupações de segurança da Rússia. Não está relacionado com os preços do petróleo”, disse Peskov, cujos comentários são eco das declarações de Putin, segundo as quais teve de enviar tropas para a Ucrânia, para afastar a ameaça à segurança da Rússia, resultante dos planos de adesão da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e para proteger os russófilos que aí vivem.

A Ucrânia e o Ocidente denunciaram a ação de Moscovo como um ato de agressão não provocado. E Peskov disse que o Kremlin estava a seguir, atentamente, as declarações de Trump e observou que este impôs uma série de sanções no seu primeiro mandato. Moscovo “continua pronta para um diálogo igualitário, para um diálogo mutuamente respeitoso”, afiançou Peskov, segundo o qual “este diálogo teve lugar entre os dois presidentes, durante a primeira presidência de Trump”, aguardando-se, agora, sinais que ainda não se receberam.

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Os Russos estão cansados da guerra. “Toda a gente está preparada. Por isso, é difícil adivinhar o que está para acontecer”, disse o porta-voz do Kremlin, assegurando que, se for acordada uma conversa entre os dois líderes, Moscovo informará, atempadamente, sobre essa reunião.

A Reuters noticiou que Trump queria uma reunião com Putin, “imediatamente”, mas não foi especificado quando é que o presidente norte-americano pretende encontrar-se com o homólogo russo, sendo, no entanto, o principal objetivo é pôr fim a uma guerra de quase três anos.

Espera-se que os líderes dos EUA e da Rússia trabalhem em conjunto para se acabar com a guerra na Ucrânia e para retomarem as negociações sobre o desarmamento nuclear e sobre o regime de sanções. A determinação de pôr fim ao conflito foi uma das promessas de campanha mais mediáticas de Trump. E, imediatamente após a sua tomada de posse, o 47.º presidente dos EUA apelou a ambas as partes para que pusessem fim às hostilidades, embora ainda não tenha sido apresentado qualquer plano de paz concreto.

De acordo com a imprensa russa, a 24 de janeiro, Vladimir Putin disse que a Rússia estava pronta para conversações sobre a Ucrânia. “Sempre dissemos, e quero voltar a sublinhar, que estamos prontos para as conversações sobre a questão ucraniana. Mas também há questões que requerem uma atenção especial”, avisou o presidente russo, sem deixar de criticar o decreto do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que proíbe as negociações.

No final de 2024, Vladimir Putin nomeou os termos das negociações com a Ucrânia, que, no entanto, não foram levadas a sério nem na UE, nem nos EUA.

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, reiterou: “O cessar-fogo temporário e o congelamento do conflito são inaceitáveis. Serão certamente utilizados pelo Ocidente para reforçar o potencial militar do regime de Kiev e as tentativas de vingança armada. São necessários acordos e mecanismos fiáveis e juridicamente vinculativos para garantir que o conflito não seja retomado.”

Por sua vez, Peskov afirmou, num briefing, que devem ser retomados os acordos de desarmamento nuclear, “no interesse de todo o Mundo e no interesse dos povos dos nossos países”, sustentando que “a Rússia acredita no reinício das negociações de desarmamento o mais rapidamente possível”, sobretudo, porque “o quadro jurídico e de tratados no domínio do controlo de armas foi significativamente prejudicado”, não por culpa da Federação Russa. Foram os EUA quem pôs termo à sua participação e minou a própria deste quadro jurídico.

Todavia, recorda as palavras do presidente russo de que, “nas atuais circunstâncias, é evidente que todas as capacidades nucleares devem ser tidas em conta”, sendo impossível, por exemplo, negociar e não ter em conta as capacidades da França e do Reino Unido. As realidades atuais é que ditam esta necessidade. “Portanto, há que falar, há que falar, e perdeu-se muito tempo. […] A bola está no campo dos Americanos, que suspenderam todos os contactos, todos os contactos substantivos com a nossa parte”, disse Peskov.

Sergei Naryshkin, diretor do Serviço de Informações Externas da Rússia, falou da possibilidade de diálogo com Washington, a nível da sua agência. Anteriormente, disse à agência noticiosa TASS que estava pronto para reunir com o chefe da CIA, John Ratcliffe, se houvesse interesse da parte dos EUA. “Estamos sempre prontos para conversações”, referiu, questionado sobre a disponibilidade para uma reunião, se esta fosse solicitada pela parte americana.

Em resposta a uma pergunta de esclarecimento sobre se ainda existem contactos entre o SVR (Serviço de Inteligência Estrangeiro russo) e a CIA, declarou: “Temos um representante oficial em Washington e a Central Intelligence Agency tem um representante oficial em Moscovo.”

Um dia antes, Sergey Lavrov falou sobre como e quem poderia tornar-se um intermediário em possíveis negociações entre a Rússia e a Ucrânia, afirmando que a Rússia “não considera a Itália como possível participante nas conversações de paz na Ucrânia”. “Infelizmente, as relações russo-italianas estão a atravessar a crise mais profunda, desde a Segunda Guerra Mundial, e a responsabilidade oficial cabe, certamente, a Roma”, disse Lavrov, recordando que a Itália bloqueou todas as relações bilaterais com a Rússia.

Assim, entre os países que poderiam participar no processo de manutenção da paz, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo destacou a China e o Brasil, mas sublinhou que Moscovo “está aberta a quaisquer negociações, se forem, essencialmente, sobre as causas profundas e os princípios que Vladimir Putin afirmou em junho de 2024, falando no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que gostaria de vincar que “não se trata de quaisquer condições prévias”.

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Por fim, é de referir que o presidente ucraniano defendeu, a 25 de janeiro, que as conversações de paz com a Rússia não terão “resultados reais” sem a Ucrânia, pelo que pediu aos aliados para procurarem um formato negocial com esse fator. “É impossível excluir a Ucrânia de qualquer plataforma de negociação. Caso contrário, esta plataforma de negociação não conseguirá resultados efetivos”, explicou Volodymyr Zelensky, durante uma reunião, em Kiev, com a sua homóloga moldova, Maia Sandu.

“Antes de qualquer reunião, seja ela qual for, é apropriado estabelecer um formato: como podemos alcançar uma paz justa? Penso que nos devemos concentrar nisso”, frisou o líder ucraniano, temendo que a Rússia escolha o modelo de decreto de paz sem a aprovação da Ucrânia.

Já no dia 25, Andrii Yermak, chefe de gabinete presidencial ucraniano, vincara que Kiev se opõe a conversações de paz entre Vladimir Putin e Donald Trump, sem a Ucrânia. E sintetizou a posição de Kiev, dizendo que Putin quer “negociar o destino da Europa sem a Europa”.

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A paz é passível e é urgente, mas não se impõe. Ao invés postula os esforços de todos.

2025.01.25 – Louro de Carvalho

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