A 28 de janeiro, Andrius Kubilius, comissário europeu para a Defesa e o Espaço, intervindo na 17.ª Conferência Espacial Europeia, em Bruxelas (de 28 a 29 de janeiro), apelou a que a UE adote uma abordagem “big bang” em relação ao espaço, injetando investimentos, de acordo com linhas semelhantes às novas prioridades em matéria de Defesa.
Andrius Kubilius afirmou querer que a Europa seja líder na indústria espacial, mas admitiu que o orçamento é limitado e fragmentado e que o bloco corre o risco de ficar para trás, se não atuar.
Em dez anos, a economia espacial mundial poderá triplicar de dimensão e a Europa quer manter-se na vanguarda do setor, mas corre o risco de ficar para trás, se as palavras não forem acompanhadas de ações. “A nossa despesa pública com o espaço é demasiado baixa e também fragmentada. É muito difícil realizar projetos grandes, ambiciosos e de longo prazo”, frisou o antigo primeiro-ministro lituano.
O responsável europeu pelo Espaço e pela Defesa sustenta que a Comissão Europeia espera chegar a acordo sobre novo financiamento para o espaço, no próximo orçamento de longo prazo (2028-34), o chamado Quadro Financeiro Plurianual, a negociar a partir do verão de 2025. Porém, isso é o mais longe que o executivo da UE foi, em relação às necessidades de financiamento, já que não dispõe, atualmente, de números sobre o montante de que o bloco necessita para se manter competitivo, face a potências mundiais como os Estados Unidos da América (EUA) e a China.
Por sua vez, o diretor-geral da Defesa, Indústria e Espaço, Timo Pesonen, afirmou a necessidade da avaliação exaustiva das necessidades, das capacidades e do que a Europa deveria fazer melhor. Depois, serão efetuadas estimativas das necessidades de financiamento e, entretanto, a Europa terá de mobilizar fundos de fontes públicas e privadas.
Josef Asbacher, diretor da Agência Espacial Europeia (ESA), concordou com a necessidade de aumentar o financiamento, a nível da ESA e da UE, para realizar todo o potencial da Europa.
A quota-parte da Europa no financiamento público global para o espaço é de 11% do total mundial (12 mil milhões de euros) e está a diminuir, enquanto os EUA representam 64% do total mundial (mais de 65 mil milhões de euros). No atinente à quota-parte da Europa no investimento privado mundial, os números são semelhantes, com a Europa a investir 980 milhões de euros, em comparação com os 3,6 mil milhões de euros investidos pelos EUA. “Este não é apenas um investimento no espaço – é um investimento em segurança, [em] prosperidade e [em] autonomia. É um investimento no futuro”, vincou Josef Asbacher.
“Ainda estamos no topo, quando se trata de navegação, observação e exploração. Mas, noutras áreas, estamos a perder terreno”, disse Andrius Kubilius, apontando que os problemas estruturais estão a atrasar a UE.
De acordo com o relatório de Mario Draghi sobre a competitividade, nos últimos anos, a UE também se atrasou nas atividades espaciais e enfrentou perturbações significativas na cadeia de abastecimento, o que fez com que a indústria se tornasse menos rentável, com vendas mais baixas e mais dependente de componentes como semicondutores e detetores.
Por exemplo, a Europa perdeu a sua posição de liderança no mercado dos lançadores comerciais (Ariane 4-5) e dos satélites geoestacionários, o que a obrigou a recorrer, temporariamente, aos foguetões SpaceX dos EUA, para lançar os seus satélites. Ora, neste contexto, Andrius Kubilius delineou o roteiro da UE para continuar a ser uma potência espacial: continuar a desenvolver naves espaciais emblemáticas, lançar uma estratégia industrial espacial da UE, para ser inovadora e competitiva, garantir o acesso autónomo ao espaço, criar uma ligação mais forte entre a defesa e o espaço e aumentar o investimento. “Temos de dizer: ‘Comprem europeu’. E temos de dizer: ‘Comprem em massa’. […] A indústria precisa de ordens claras”, enfatizou.
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Com o compromisso da Europa de expandir as suas capacidades espaciais, de cultivar um ecossistema espacial dinâmico e de estabelecer forte presença na arena espacial global num contexto internacional em evolução, o domínio espacial europeu experimentará significativos desenvolvimentos em 2025. Neste pressuposto, a 17.ª Conferência Espacial Europeia, de dois dias, propôs-se explorar o estado atual das ambições espaciais da Europa, através do fornecimento de uma plataforma para encontros envolventes, dinâmicos e com visão de futuro. Na verdade, o grande objetivo é “consolidar a ambição espacial da Europa: rumo a um futuro competitivo, seguro e autónomo”. Para tanto, é preciso facilitar o diálogo e promover a colaboração essencial para a Europa estabelecer “uma presença forte num contexto internacional em constante evolução e cultive um ecossistema dinâmico e orientado para o futuro”.
A 17.ª Conferência Espacial Europeia em torno do tema “Impulsionando as ambições espaciais da Europa”, nos dias 28 e 29 de janeiro, no Square Convention Centre, em Bruxelas, na Bélgica, foi organizada de modo a compreender várias sessões principais, pontuadas por discursos principais e diálogos individuais, assim como sessões específicas dedicadas a temas específicos – acolhendo personalidades importantes do domínio espacial europeu, incluindo representantes de alto nível das instituições da UE, dos estados-membros, da Agência Espacial Europeia (AEE), das agências espaciais nacionais e da indústria europeia.
Com base nos sucessos das edições anteriores, a edição da Conferência Espacial Europeia deste ano propôs-se explorar o status atual dos esforços espaciais da Europa, por meio de uma série de diálogos de alto nível e servindo como uma plataforma para discussões aprofundadas, envolventes e progressistas, sobre a direção futura das iniciativas espaciais europeias.
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Passando
ao estado do investimento europeu no espaço, conclui-se que o Luxemburgo continua a ser o maior investidor europeu
no setor espacial; que, em 2023, as despesas com a Defesa ultrapassaram os
orçamentos espaciais civis, pela primeira vez, desde a década de 1990; e que o investimento público mundial no espaço atingiu um nível recorde de
106 mil milhões de euros, em 2023, um aumento de 11 %, em relação a 2022.De acordo com um estudo, publicado, em 2024, sobre os dados de 2023, na Europa, o financiamento total foi de 11,9 mil milhões de euros –, mas só 20% dos EUA –, revelando um modesto aumento de 1% na sua quota do investimento espacial global.
De acordo com a AEE, em 2023, pela primeira vez, desde a década de 1990, as despesas com a Defesa no espaço excederam os orçamentos espaciais civis. Prevê-se que as despesas com a Defesa no espaço cresçam mais rapidamente do que as despesas civis, representando 53% do orçamento, em 2024.
Os EUA continuam a dominar o investimento espacial global, representando 64% do orçamento total, enquanto a China ocupa um forte segundo lugar, aumentando a sua quota de cerca de 2%, em 2000, para 12%, em 2023, através de programas de longo prazo, tanto civis como de Defesa.
Em 2023, os EUA investiram 73 biliões de dólares; a China, 14 biliões; e a UE, 13 biliões. Estima-se que, em 2023, os investimentos sejam de 80 biliões de dólares, nos EUA, 20 biliões, na China, e 14 biliões, na UE.
O quadro geral da distribuição dos orçamentos do espaço institucional em 2023 (Civil e Defesa) foi: EUA - 64%; China - 12%; Europa - 11%; Japão - 4%; Rússia - 3%; Índia - 2%; resto do Mundo - 4%.
A Europa ocupa o terceiro lugar, contribuindo com 11% do orçamento espacial mundial, em 2023.
As percentagens do investimento dos países da UE em investimento públicos para o espaço são como segue: o Luxemburgo continua a ser o principal investidor europeu no espaço, dedicando ao setor 0,281% do investimento público, seguido pela França, que investe 0,167%, pela Itália, com 0,103%, e pela Bélgica, com 0,095%.
A nível mundial, o Luxemburgo ocupa o terceiro lugar, investindo 135% do seu produto interno bruto (PIB), atrás dos EUA (0,262%) e da Rússia (0,169%).
Por outro lado, o investimento privado no espaço continuou a diminuir, em 2023, caindo 32%, em relação a 2022. E a Europa registou uma diminuição de 14 %, em 2023, comparativamente com 2022, recebendo os empreendimentos espaciais privados perto de 980 milhões de euros.
Embora os EUA sejam responsáveis pela maior parte do declínio global, em 2023, o seu setor espacial continua a atrair a maior parte dos investimentos, com 60 %, seguido da Europa, com 16 %, e da China, com 9 %. Registaram-se 221 lançamentos orbitais, em 2023, um aumento de 18%, em relação a 2022, tendo sido bem-sucedido um total de 212 lançamentos. Os EUA realizaram mais de metade dos lançamentos, com 96 deles conduzidos pela SpaceX. A China foi responsável por 30%, com 67 lançamentos, um aumento de 5%, em relação a 2022. A Rússia realizou 19 lançamentos. E o fornecedor europeu de serviços de lançamento realizou três lançamentos, em 2023, incluindo a primeira missão da Europa a Júpiter, que visava explorar se as três luas do planeta – Calisto, Europa e Ganimedes – poderiam suportar vida nos seus oceanos.
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A convicção
de que o investimento no espaço é uma prioridade da UE levou a presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no seu segundo mandato, a nomear um comissário
para a Defesa e o Espaço, o que aconteceu pela primeira vez. Porém, segundo os
analistas e os representantes do setor, a sua missão e apoio não correspondem
ao reconhecimento que se verifica a nível político.O lituano Andrius Kubilius é comissário incumbido da pasta recém-criada, com responsabilidade pela Defesa e pelo Espaço da UE. No entanto, os investigadores e os representantes da indústria receiam que, apesar dos muitos desafios, o Espaço venha a ser prioridade secundária, sem verdadeira ambição. “Estou um pouco preocupada que, por haver tão pouco trabalho a ser feito na política espacial, não haja interesse, nem orçamento, nem nada”, declarou à Euronews, a 1 de outubro de 2024, Reinhilde Veugelers, membro sénior do grupo de reflexão económica Bruegel, com sede em Bruxelas.
Na carta de missão a Andrius Kubilius, Ursula von der Leyen atribuiu-lhe uma missão de continuidade, apelando à implementação da estratégia espacial da UE para a Segurança e Defesa e à manutenção do “acesso económico ao Espaço” do bloco. Contudo, previa apenas duas novas propostas para o próximo mandato de cinco anos: a lei espacial da UE, esperada antes da pausa do verão passado; e uma estratégia de economia de dados espaciais, para libertar o potencial dos dados, produtos e tecnologias derivados do Espaço. “Existe um claro desafio para aumentar a ambição da pasta do novo comissário”, afirmava Tomas Hrozensky, investigador sénior do Instituto Europeu de Política Espacial (ESPI), observando que, embora o papel do Espaço na Segurança e na Defesa haja recebido um reconhecimento sem precedentes, a nível político, a escala institucional e programática do apoio é insuficiente e é subvalorizada a dimensão industrial.
De modo geral, o financiamento institucional europeu dos programas espaciais está fragmentado e corresponde só a 20% do nível dos EUA, criando desequilíbrio com os principais concorrentes, como os EUA e a China, em termos de capacidade industrial e de mão-de-obra especializada, como indica o relatório de Mario Draghi sobre a competitividade.
Segundo alguns especialistas, a avaliação de Mario Draghi sobre os desafios que a indústria espacial enfrenta no futuro é correta, mas não aborda o potencial de comercialização e continua a ser conservadora nas soluções, pois não apela ao aumento do financiamento da Segurança e da Defesa, excetuando o já orçamentado pelos estados-membros, nem giza “uma proposta para a exploração espacial humana”. “A economia espacial é um setor importante em si mesmo, independentemente das diferenças [nacionais], pelo que há muitas atividades comerciais, serviços espaciais, em que há muita criação de valor e possível captura de valor e em que a Europa está a ficar tremendamente para trás”, considerou Reinhilde Veugelers, vincando que só vale a pena desenvolver este tipo de atividades numa política industrial.
A Comissão Europeia tem de enfrentar vários desafios: a falta de investimento em investigação e desenvolvimento, o acesso limitado das empresas ao financiamento, a fragmentação do sistema de governação e a falta de cooperação entre os países da UE. E a indústria espacial europeia está particularmente preocupada com a forma como estes problemas irão afetar a sustentabilidade das cadeias de abastecimento, a preservação das competências e a independência estratégica da UE.
Por isso, a UE deve abordar, urgentemente, a questão da segurança das cadeias de abastecimento do espaço europeu, através da elaboração de uma política industrial para o espaço.
A UE continua a ser competitiva em áreas como a observação da Terra, a navegação e a exploração, mas perdeu a posição de liderança no mercado dos lançadores comerciais (Ariane 4-5) e dos satélites geoestacionários, o que a obrigou a depender, temporariamente, dos foguetões SpaceX dos EUA, para lançar os seus satélites. Nos últimos anos, ficou para trás nas atividades espaciais e enfrentou interrupções significativas na cadeia de abastecimento; primeiro, devido à pandemia de vovid-19; depois, em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia. Como resultado, a indústria espacial da UE tornou-se menos rentável, com vendas mais baixas, especialmente em lançadores e sistemas de satélites, e tornou-se mais dependente de componentes como semicondutores e detetores, como referiu Mario Draghi.
Ora, é fundamental que a UE e os seus estados-membros definam e apliquem estratégias que estabilizem a produção, promovam o fabrico em grande escala, aumentem a utilização de sistemas recorrentes em missões operacionais e desenvolvam interfaces normalizadas. Para o investigador do Bruegel, a ligação mais estreita entre as pastas do Espaço e da Defesa pode ser a melhoria a curto prazo. “Não estamos a explorar as complementaridades potenciais que permitiriam que a Defesa e o Espaço funcionassem de forma mais eficaz”, disse Reinhilde Veugelers.
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Veremos se Andrius Kubilius e os
estados-membros da UE desmentirão os pessimistas, o que é bem necessário, pois
a geopolítica passa por todos os setores.
2025.01.28 – Louro de Carvalho
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