No dia 27 de
janeiro, a Organização das Nações Unidas (ONU) assinalou o Dia Internacional em
Memória das Vítimas do Holocausto, celebrando o 80°aniversário da libertação de Auschwitz-Birkenau, um complexo da Polónia então mantido pelo
regime nazista, que
assassinou, durante a II Guerra Mundial, seis milhões de judeus, minorias e
dissidentes políticos.
Este dia foi
implementado através da Resolução 60/7 da ONU, a 1 de novembro de 2005. O seu propósito
é não esquecer o genocídio em massa de milhões de pessoas, entre os quais seis
milhões de judeus pelos nazis e pelos respetivos colaboracionistas. Em concreto,
estima-se que, no campo de concentração e de extermínio, em Auschwitz, 1,1
milhões de pessoas tenham perdido a vida, a maioria das quais judeus.
A
efeméride juntou sobreviventes da tortura e do morticínio, líderes mundiais, representantes
na ONU e representantes da sociedade civil. Assim, em Nova Iorque, na respetiva
sede, António Guterres, secretário-geral
das Nações Unidas, Philemon Yang, presidente
da Assembleia Geral, representantes
dos estados-membros e sobreviventes realizaram um evento sob o lema “Memória do
Holocausto e educação para a dignidade e os direitos humanos”, a relevar o
papel da educação para a sã convivência e para a cultura da dignidade e dos direitos humanos.
Os sobreviventes
do Holocausto partilharam testemunhos com oradores e convidados, lembrando os
seis milhões de judeus que morreram e muitos outros milhões de vítimas da
perseguição nazista. Previamente, em videomensagem, o secretário-geral da ONU
disse que a data também lembra os povos Roma e Sinti, pessoas com deficiência e
todos os que foram escravizados, perseguidos, torturados e mortos. E reiterou o
apoio às vítimas, aos sobreviventes e às famílias, além da determinação de
nunca esquecer o genocídio. Para ele, permitir que o Holocausto desapareça da
memória seria desonrar o passado e trair o futuro. Por isso, sustenta que essa
memória é ato moral e apelo à ação para conhecer o Holocausto e para travar as injustiças
atuais.
Segundo
António Guterres, o antissemitismo continua presente e em ascensão, alimentado
pelas mentiras e pelo ódio que permitiram o genocídio nazista, o que o levou a destacar
uma realidade de discriminação generalizada, eivada de “ódio instigado no Mundo
inteiro e [de] factos históricos indiscutíveis distorcidos, diminuídos e
negados”.
O pronunciamento
do secretário-geral denunciou, ainda, os esforços que vêm sendo feitos para
reformular e inocentar os nazistas e os seus colaboradores.
António Guterres
considera que o tema das celebrações deste ano é um reflexo da relevância da
memória do Holocausto para o presente, marcada pelo diário ataque à dignidade e
aos direitos humanos, a nível global. Na sua mensagem, assinala o Holocausto
como uma ilustração do que acontece quando o ódio, a desumanização e a apatia
vencem. Paralelamente, sublinha que a lembrança dos eventos do Holocausto é um
bastião contra a difamação da Humanidade e um apelo à ação coletiva para
garantir o respeito pela dignidade e pelos princípios fundamentais. E sustenta
que as redes sociais devem promover reflexões sobre o Dia Internacional em
Memória das Vítimas do Holocausto que foi proclamado pela Assembleia Geral das
Nações Unidas.
***
Entretanto,
vários grupos judaicos alertam para o aumento do antissemitismo, a nível
global. E o comissário de antissemitismo em Berlim, Sigmount Königsberg, afirma
que o ódio contra os judeus é como um camaleão e que já não se sente tão seguro
na Alemanha como há 20 anos. “Já não há eventos judaicos, nem mesmo um teatro
de marionetas para crianças, que não estejam protegidos pela polícia,” diz
Königsberg, referindo-se também aos procedimentos de segurança no estilo de
aeroportos para entrar na sinagoga onde foi entrevistado pela Euronews.
Königsberg
aponta a persistência de mitos antissemitas: “Hoje em dia, dizem ‘sionista’, em
vez de ‘judeu’, mas, no fundo, trata-se do mesmo preconceito.” E fala em teorias
da conspiração conexas com a família Rothschild (família judia originária de
Frankfurt am Main, na Alemanha, que estabeleceu uma dinastia bancária na Europa).
Recente pesquisa
do grupo de campanha norte-americano Anti-Defamation League revela que um, em
cada 12 adultos, na Alemanha, e 46% dos adultos, em todo o Mundo, têm visões antissemitas.
“Estamos a ser atacados por simpatizantes do Hamas, pela extrema-esquerda, por
supostos antifascistas e por islamistas. Também somos atacados pela
extrema-direita. Grupos políticos que geralmente se opõem, amargamente, uns aos
outros unem-se no antissemitismo. Isto está a acontecer com uma intensidade que
nunca vimos antes. Há pessoas que, há poucos anos, exibiam abertamente a sua
identidade judaica, mas já não o fazem,” referiu.
Segundo o
Ministério do Interior alemão, o número de ataques antissemitas, no país, atingiu
novo recorde em 2024. E Königsberg afirma que houve um “ataque massivo à vida
judaica, particularmente, em Berlim”, desde o ataque de 7 de outubro de 2023 ao
Estado de Israel pelo grupo militante Hamas, que deu início a uma guerra de 15
meses, suspensa por um cessar-fogo alcançado este mês. “A complacência da
maioria da sociedade, que se identifica como democrática, deve acabar. O mal
prospera, quando as pessoas boas falham em enfrentá-lo. Permitir que o ódio
continue sem controlo apenas o fortalece. Quando os que espalham ódio não
enfrentam limites, sentem-se encorajados a continuar”, considera.
Königsberg
responsabiliza, em parte, as redes sociais, onde o discurso de ódio,
frequentemente, não é controlado, sobretudo, após decisões de empresas como X (gerida por Elon Musk) e Meta (gerida por Mark Zuckerberg) de
reduzir esforços de verificação de factos. E argumenta que isto também leva à
polarização da população, como aconteceu durante a pandemia, quando surgiram
falsas acusações contra os Judeus, relacionadas com a covid-19. “As redes
sociais amplificam este perigo, ao reduzirem temas complexos a slogans curtos e simplistas, sem análise
aprofundada ou respostas significativas. É exatamente isso que o partido AfD [Alternativa
para a Alemanha] faz – oferece soluções simplistas. No entanto, essas soluções
estão desatualizadas, remontam às décadas de 1940 e 1950 e não abordam as
complexidades do século XXI, afirma Königsberg, que também considera que
partidos autoritários, incluindo o AfD, se aproveitam disso para reforçar
preconceitos sobre os judeus. “O AfD intensificou, dramaticamente, o discurso
político, tornando aceitáveis declarações que antes eram impensáveis, por serem
ofensivas. A provocação e o escândalo tornaram-se parte da estratégia política,
onde o objetivo não são argumentos factuais, mas o sensacionalismo”, frisou
Königsberg, enfatizando que “o AfD é apenas parte do problema”.
O clima
político na Alemanha intensificou-se nos últimos 15 anos. Não é algo que tenha
ocorrido só nos últimos dois anos, mas verifica-se um agravamento gradual, ao
longo de um período mais longo. Raramente ocorre o discurso político. Em vez de
trocarem argumentos, as pessoas mantêm-se rígidas nas suas posições
pré-definidas, sem diálogo de relevo.
Königsberg pensa
que a capacidade de ver as coisas da perspetiva dos outros está “relativamente
subdesenvolvida, na Alemanha, pelo que apela a mais tolerância e a que ambos os
lados do espetro político se escutem, calmamente, uns aos outros e reflitam.
Para
combater o antissemitismo e os mitos conspiratórios a ele associados, “é
necessário atingir as pessoas a nível emocional”, diz ele, destacando que,
apesar de ser um desafio e de exigir muitos recursos, é fundamental chegar às
pessoas emocionalmente. “Este esforço requer o confronto com narrativas
antissemitas, não apenas nas histórias tradicionais de família, mas também nas
redes sociais e plataformas digitais. Estas plataformas transmitem conteúdo
antissemita não filtrado, em várias línguas – Alemão, Inglês, Francês, Árabe,
entre outras”, diz Königsberg.
“A internet tornou-se um terreno fértil
para o ódio. Antes, esses comentários poderiam estar limitados a pequenas
reuniões em bares, onde apenas algumas pessoas os ouviam. Agora, uma publicação
no X ou Instagram pode alcançar, instantaneamente, milhares ou dezenas de
milhares de pessoas. Mesmo que as pessoas não gostem ou partilhem o conteúdo, ainda
o veem, e essa visibilidade importa. A repetição sistemática reforça as
narrativas antissemitas”, explica.
Combater o
discurso de ódio exige esforços em várias frentes, como educação, reformas nos
meios de comunicação e regulação da internet – “uma tarefa de Sísifo”, que,
segundo Königsberg, exige “um esforço imenso e trabalho contínuo”.
***
Líderes
europeus assinalaram os 80 anos da libertação de Auschwitz-Birkenau e apelaram
para que a memória do Holocausto não desapareça. A cerimónia contou com a
presença do chanceler alemão, Olaf Scholz, do rei Carlos III, do Reino Unido,
do presidente francês Emmanuel Macron, do presidente do Conselho Europeu,
António Costa. Portugal foi representado pelo ministro da Presidência, António
Leitão Amaro, e Israel pelo Ministro da Educação, Yoav Kisch.
Pawel Sawicki, porta-voz do Museu e
Memorial de Auschwitz-Birkenau, disse que não haveria discursos de políticos e
que os líderes ouviriam as vozes dos sobreviventes. “Está claro, para todos nós,
que este é o último
aniversário marcante em que podemos ter um grupo de sobreviventes visíveis e
presentes no local”, sublinhou, prognosticando: “Daqui a dez
anos isto não vai acontecer; e, enquanto pudermos, devemos ouvir as vozes dos sobreviventes, os seus testemunhos, as suas
histórias pessoais. É algo de enorme importância quando falamos
sobre como a memória de Auschwitz é moldada.”
O chanceler
alemão, Olaf Scholz, manifestou a sua solidariedade com as vítimas dos campos
de concentração e de extermínio da Alemanha nazi. “Filhos, filhas, mães, pais,
amigos, vizinhos, avós: mais de um milhão de indivíduos com esperanças e sonhos
foram assassinados por alemães em campos de extermínio. Lamentamos as suas
mortes. E expressamos as nossas mais profundas condolências”, escreveu Scholz,
na rede social X, vincando: “Nunca os
esqueceremos, nem hoje, nem amanhã”.
O presidente
ucraniano, Volodymyr Zelensky, cujo país luta contra a invasão russa, há três
anos, apelou ao Mundo que “impeça que o mal vença”. “A memória do Holocausto
está, gradualmente, a desaparecer. Não devemos permitir o seu esquecimento”,
disse Zelensky, ele próprio de origem judaica, acrescentando, em clara
referência à Rússia: “A missão de todos é fazer tudo o que for possível para
impedir que o mal vença.”
O presidente
francês, Emmanuel Macron, prometeu que o seu país “não cederá perante o
antissemitismo em todas as suas formas”. “O universalismo da França é
alimentado por estas lutas […]”, escreveu, no livro de visitas do Memorial da
Shoah, em Paris.
O presidente
da Polónia, Andrzej Duda, disse que “os Polacos são os guardiões da memória”
das vítimas dos nazis nos campos de Auschwitz-Birkenau, que foi libertado pelo
exército soviético, há 80 anos.
O Parlamento Europeu (PE) tem em agenda, para o dia 29, em
Bruxelas, a realização de uma sessão plenária extraordinária, para assinalar o
dia internacional da memória das vítimas do Holocausto e o 80.º aniversário da
libertação de Auschwitz. A Presidente do PE, Roberta Metsola, abrirá a
cerimónia solene, seguida da intervenção de Corrie Herman, que contará a
história do seu pai, o violoncelista e compositor húngaro Pál Hermann, assassinado
pelos nazis em 1944.
Os
eurodeputados observarão um minuto de silêncio – “para nunca ninguém esquecer o
horror” – e a cerimónia terminará com a interpretação de “Kaddish”, de Maurice
Ravel. O termo Kaddish é usado para se referir especificamente ao “Kaddish do
Enlutado”, que é cantado como parte dos rituais de luto no judaísmo em todos os
serviços de oração, bem como em funerais e memoriais.
***
Em Portugal, o Presidente da República assinalou o
80.º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz,
construído pelos nazis, durante a II Guerra Mundial, na Polónia, “prestando uma
sentida homenagem a todas as vítimas da barbárie nazi”.
Numa mensagem partilhada no site
da presidência, Marcelo Rebelo de Sousa recorda que “o campo de concentração e de
exterminação de Auschwitz foi libertado, há 80 anos, revelando a escala das
atrocidades cometidas pelo regime nazi naquele e noutros locais, que chocaram
para sempre o mundo inteiro”.
O Presidente “reitera o imperativo da preservação da memória das vítimas do
Holocausto, bem como da promoção da tolerância e da luta contra o ódio e a
segregação”. “Num mundo crescentemente polarizado, é nossa obrigação permanente
e coletiva recordar as vítimas do antissemitismo e de outras formas de ódio e
discriminação, para que atos abomináveis como os perpetrados pelo regime nazi
durante a Segunda Guerra não voltem a repetir-se”, remata a nota divulgada pela
Presidência.
***
É, efetivamente, necessário apostar na educação para a cultura da dignidade
humana e pelos direitos fundamentais, mas também Israel não pode mimetizar o Holocausto
contra os Palestinianos. E que dizer dos trauliteirismo espelhado na ascensão
de uma certa extrema-direita?
2025.01.27 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário