segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Há 80 anos, aconteceu a libertação de Auschwitz-Birkenau

 

No dia 27 de janeiro, a Organização das Nações Unidas (ONU) assinalou o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, celebrando o 80°aniversário da libertação de Auschwitz-Birkenau, um complexo da Polónia então mantido pelo regime nazista, que assassinou, durante a II Guerra Mundial, seis milhões de judeus, minorias e dissidentes políticos.

Este dia foi implementado através da Resolução 60/7 da ONU, a 1 de novembro de 2005. O seu propósito é não esquecer o genocídio em massa de milhões de pessoas, entre os quais seis milhões de judeus pelos nazis e pelos respetivos colaboracionistas. Em concreto, estima-se que, no campo de concentração e de extermínio, em Auschwitz, 1,1 milhões de pessoas tenham perdido a vida, a maioria das quais judeus.

A efeméride juntou sobreviventes da tortura e do morticínio, líderes mundiais, representantes na ONU e representantes da sociedade civil. Assim, em Nova Iorque, na respetiva sede, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, Philemon Yang, presidente da Assembleia Geral, representantes dos estados-membros e sobreviventes realizaram um evento sob o lema “Memória do Holocausto e educação para a dignidade e os direitos humanos”, a relevar o papel da educação para a sã convivência e para a cultura da dignidade e dos direitos humanos.

Os sobreviventes do Holocausto partilharam testemunhos com oradores e convidados, lembrando os seis milhões de judeus que morreram e muitos outros milhões de vítimas da perseguição nazista. Previamente, em videomensagem, o secretário-geral da ONU disse que a data também lembra os povos Roma e Sinti, pessoas com deficiência e todos os que foram escravizados, perseguidos, torturados e mortos. E reiterou o apoio às vítimas, aos sobreviventes e às famílias, além da determinação de nunca esquecer o genocídio. Para ele, permitir que o Holocausto desapareça da memória seria desonrar o passado e trair o futuro. Por isso, sustenta que essa memória é ato moral e apelo à ação para conhecer o Holocausto e para travar as injustiças atuais.

Segundo António Guterres, o antissemitismo continua presente e em ascensão, alimentado pelas mentiras e pelo ódio que permitiram o genocídio nazista, o que o levou a destacar uma realidade de discriminação generalizada, eivada de “ódio instigado no Mundo inteiro e [de] factos históricos indiscutíveis distorcidos, diminuídos e negados”.

O pronunciamento do secretário-geral denunciou, ainda, os esforços que vêm sendo feitos para reformular e inocentar os nazistas e os seus colaboradores. 

António Guterres considera que o tema das celebrações deste ano é um reflexo da relevância da memória do Holocausto para o presente, marcada pelo diário ataque à dignidade e aos direitos humanos, a nível global. Na sua mensagem, assinala o Holocausto como uma ilustração do que acontece quando o ódio, a desumanização e a apatia vencem. Paralelamente, sublinha que a lembrança dos eventos do Holocausto é um bastião contra a difamação da Humanidade e um apelo à ação coletiva para garantir o respeito pela dignidade e pelos princípios fundamentais. E sustenta que as redes sociais devem promover reflexões sobre o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto que foi proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

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Entretanto, vários grupos judaicos alertam para o aumento do antissemitismo, a nível global. E o comissário de antissemitismo em Berlim, Sigmount Königsberg, afirma que o ódio contra os judeus é como um camaleão e que já não se sente tão seguro na Alemanha como há 20 anos. “Já não há eventos judaicos, nem mesmo um teatro de marionetas para crianças, que não estejam protegidos pela polícia,” diz Königsberg, referindo-se também aos procedimentos de segurança no estilo de aeroportos para entrar na sinagoga onde foi entrevistado pela Euronews.

Königsberg aponta a persistência de mitos antissemitas: “Hoje em dia, dizem ‘sionista’, em vez de ‘judeu’, mas, no fundo, trata-se do mesmo preconceito.” E fala em teorias da conspiração conexas com a família Rothschild (família judia originária de Frankfurt am Main, na Alemanha, que estabeleceu uma dinastia bancária na Europa).

Recente pesquisa do grupo de campanha norte-americano Anti-Defamation League revela que um, em cada 12 adultos, na Alemanha, e 46% dos adultos, em todo o Mundo, têm visões antissemitas. “Estamos a ser atacados por simpatizantes do Hamas, pela extrema-esquerda, por supostos antifascistas e por islamistas. Também somos atacados pela extrema-direita. Grupos políticos que geralmente se opõem, amargamente, uns aos outros unem-se no antissemitismo. Isto está a acontecer com uma intensidade que nunca vimos antes. Há pessoas que, há poucos anos, exibiam abertamente a sua identidade judaica, mas já não o fazem,” referiu.

Segundo o Ministério do Interior alemão, o número de ataques antissemitas, no país, atingiu novo recorde em 2024. E Königsberg afirma que houve um “ataque massivo à vida judaica, particularmente, em Berlim”, desde o ataque de 7 de outubro de 2023 ao Estado de Israel pelo grupo militante Hamas, que deu início a uma guerra de 15 meses, suspensa por um cessar-fogo alcançado este mês. “A complacência da maioria da sociedade, que se identifica como democrática, deve acabar. O mal prospera, quando as pessoas boas falham em enfrentá-lo. Permitir que o ódio continue sem controlo apenas o fortalece. Quando os que espalham ódio não enfrentam limites, sentem-se encorajados a continuar”, considera.

Königsberg responsabiliza, em parte, as redes sociais, onde o discurso de ódio, frequentemente, não é controlado, sobretudo, após decisões de empresas como X (gerida por Elon Musk) e Meta (gerida por Mark Zuckerberg) de reduzir esforços de verificação de factos. E argumenta que isto também leva à polarização da população, como aconteceu durante a pandemia, quando surgiram falsas acusações contra os Judeus, relacionadas com a covid-19. “As redes sociais amplificam este perigo, ao reduzirem temas complexos a slogans curtos e simplistas, sem análise aprofundada ou respostas significativas. É exatamente isso que o partido AfD [Alternativa para a Alemanha] faz – oferece soluções simplistas. No entanto, essas soluções estão desatualizadas, remontam às décadas de 1940 e 1950 e não abordam as complexidades do século XXI, afirma Königsberg, que também considera que partidos autoritários, incluindo o AfD, se aproveitam disso para reforçar preconceitos sobre os judeus. “O AfD intensificou, dramaticamente, o discurso político, tornando aceitáveis declarações que antes eram impensáveis, por serem ofensivas. A provocação e o escândalo tornaram-se parte da estratégia política, onde o objetivo não são argumentos factuais, mas o sensacionalismo”, frisou Königsberg, enfatizando que “o AfD é apenas parte do problema”.

O clima político na Alemanha intensificou-se nos últimos 15 anos. Não é algo que tenha ocorrido só nos últimos dois anos, mas verifica-se um agravamento gradual, ao longo de um período mais longo. Raramente ocorre o discurso político. Em vez de trocarem argumentos, as pessoas mantêm-se rígidas nas suas posições pré-definidas, sem diálogo de relevo.

Königsberg pensa que a capacidade de ver as coisas da perspetiva dos outros está “relativamente subdesenvolvida, na Alemanha, pelo que apela a mais tolerância e a que ambos os lados do espetro político se escutem, calmamente, uns aos outros e reflitam.

Para combater o antissemitismo e os mitos conspiratórios a ele associados, “é necessário atingir as pessoas a nível emocional”, diz ele, destacando que, apesar de ser um desafio e de exigir muitos recursos, é fundamental chegar às pessoas emocionalmente. “Este esforço requer o confronto com narrativas antissemitas, não apenas nas histórias tradicionais de família, mas também nas redes sociais e plataformas digitais. Estas plataformas transmitem conteúdo antissemita não filtrado, em várias línguas – Alemão, Inglês, Francês, Árabe, entre outras”, diz Königsberg.

“A internet tornou-se um terreno fértil para o ódio. Antes, esses comentários poderiam estar limitados a pequenas reuniões em bares, onde apenas algumas pessoas os ouviam. Agora, uma publicação no X ou Instagram pode alcançar, instantaneamente, milhares ou dezenas de milhares de pessoas. Mesmo que as pessoas não gostem ou partilhem o conteúdo, ainda o veem, e essa visibilidade importa. A repetição sistemática reforça as narrativas antissemitas”, explica.

Combater o discurso de ódio exige esforços em várias frentes, como educação, reformas nos meios de comunicação e regulação da internet – “uma tarefa de Sísifo”, que, segundo Königsberg, exige “um esforço imenso e trabalho contínuo”.

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Líderes europeus assinalaram os 80 anos da libertação de Auschwitz-Birkenau e apelaram para que a memória do Holocausto não desapareça. A cerimónia contou com a presença do chanceler alemão, Olaf Scholz, do rei Carlos III, do Reino Unido, do presidente francês Emmanuel Macron, do presidente do Conselho Europeu, António Costa. Portugal foi representado pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e Israel pelo Ministro da Educação, Yoav Kisch.

Pawel Sawicki, porta-voz do Museu e Memorial de Auschwitz-Birkenau, disse que não haveria discursos de políticos e que os líderes ouviriam as vozes dos sobreviventes. “Está claro, para todos nós, que este é o último aniversário marcante em que podemos ter um grupo de sobreviventes visíveis e presentes no local”, sublinhou, prognosticando: “Daqui a dez anos isto não vai acontecer; e, enquanto pudermos, devemos ouvir as vozes dos sobreviventes, os seus testemunhos, as suas histórias pessoais. É algo de enorme importância quando falamos sobre como a memória de Auschwitz é moldada.”

O chanceler alemão, Olaf Scholz, manifestou a sua solidariedade com as vítimas dos campos de concentração e de extermínio da Alemanha nazi. “Filhos, filhas, mães, pais, amigos, vizinhos, avós: mais de um milhão de indivíduos com esperanças e sonhos foram assassinados por alemães em campos de extermínio. Lamentamos as suas mortes. E expressamos as nossas mais profundas condolências”, escreveu Scholz, na rede social X, vincando: “Nunca os esqueceremos, nem hoje, nem amanhã”.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, cujo país luta contra a invasão russa, há três anos, apelou ao Mundo que “impeça que o mal vença”. “A memória do Holocausto está, gradualmente, a desaparecer. Não devemos permitir o seu esquecimento”, disse Zelensky, ele próprio de origem judaica, acrescentando, em clara referência à Rússia: “A missão de todos é fazer tudo o que for possível para impedir que o mal vença.”

O presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu que o seu país “não cederá perante o antissemitismo em todas as suas formas”. “O universalismo da França é alimentado por estas lutas […]”, escreveu, no livro de visitas do Memorial da Shoah, em Paris.

O presidente da Polónia, Andrzej Duda, disse que “os Polacos são os guardiões da memória” das vítimas dos nazis nos campos de Auschwitz-Birkenau, que foi libertado pelo exército soviético, há 80 anos.

O Parlamento Europeu (PE) tem em agenda, para o dia 29, em Bruxelas, a realização de uma sessão plenária extraordinária, para assinalar o dia internacional da memória das vítimas do Holocausto e o 80.º aniversário da libertação de Auschwitz. A Presidente do PE, Roberta Metsola, abrirá a cerimónia solene, seguida da intervenção de Corrie Herman, que contará a história do seu pai, o violoncelista e compositor húngaro Pál Hermann, assassinado pelos nazis em 1944.

Os eurodeputados observarão um minuto de silêncio – “para nunca ninguém esquecer o horror” – e a cerimónia terminará com a interpretação de “Kaddish”, de Maurice Ravel. O termo Kaddish é usado para se referir especificamente ao “Kaddish do Enlutado”, que é cantado como parte dos rituais de luto no judaísmo em todos os serviços de oração, bem como em funerais e memoriais.

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Em Portugal, o Presidente da República assinalou o 80.º aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz, construído pelos nazis, durante a II Guerra Mundial, na Polónia, “prestando uma sentida homenagem a todas as vítimas da barbárie nazi”.

Numa mensagem partilhada no site da presidência, Marcelo Rebelo de Sousa recorda que “o campo de concentração e de exterminação de Auschwitz foi libertado, há 80 anos, revelando a escala das atrocidades cometidas pelo regime nazi naquele e noutros locais, que chocaram para sempre o mundo inteiro”.

O Presidente “reitera o imperativo da preservação da memória das vítimas do Holocausto, bem como da promoção da tolerância e da luta contra o ódio e a segregação”. “Num mundo crescentemente polarizado, é nossa obrigação permanente e coletiva recordar as vítimas do antissemitismo e de outras formas de ódio e discriminação, para que atos abomináveis como os perpetrados pelo regime nazi durante a Segunda Guerra não voltem a repetir-se”, remata a nota divulgada pela Presidência.

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É, efetivamente, necessário apostar na educação para a cultura da dignidade humana e pelos direitos fundamentais, mas também Israel não pode mimetizar o Holocausto contra os Palestinianos. E que dizer dos trauliteirismo espelhado na ascensão de uma certa extrema-direita?    

2025.01.27 – Louro de Carvalho

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