Na
sequência da proclamação presidencial de que, nos Estados Unidos da América (EUA),
só haverá dois géneros – homem e mulher (masculino e feminino) – o presidente
Donald Trump já passou aos decretos em concreto. Assim, a 28 de janeiro, assinalou publicar o decreto
que restringe drogas e cirurgias de “mudança de sexo” para menores. Os EUA “não
vão financiar, patrocinar, promover, ajudar ou apoiar” esse tipo de
procedimento, disse o presidente.
O decreto “Protegendo Crianças de Mutilação Química e Cirúrgica” considera
que, em todo o país, “profissionais médicos estão a mutilar e a esterilizar um
número cada vez maior de crianças impressionáveis”, sobre a “alegação falsa e
radical de que adultos podem mudar o sexo de uma criança, através de uma série
de intervenções médicas irreversíveis”.
O decreto, preconizando que “essa tendência perigosa será uma mancha na
História da nossa nação e que isso tem de acabar”, estabelece que, para
oferecer bolsas de pesquisa ou de estudo a instituições médicas, todas as agências
federais têm de se assegurar de que as instituições beneficiadas não fazem
procedimentos de “mudança de sexo” em menores. Mais determina que o secretário
do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) “tome toda a ação apropriada”
para “dar fim à mutilação química e cirúrgica de crianças”.
O decreto pretende acabar com o uso do que chama de “ciência-lixo”
promovida pela Associação Profissional Mundial para Saúde Transgénero (WPATH).
A organização foi criticada por apoiar o que os críticos chamam de
“pseudociência” da “mudança de sexo”. Um inquérito interno, em 2024, revelou
que membros da WPATH admitiram que as crianças são muito jovens para entenderem
as consequências de tais procedimentos.
As agências federais “devem rescindir ou alterar todas as políticas” com
base na orientação da WPATH, diz o decreto de Trump. Enquanto isso, o HHS vai
fazer e publicar uma revisão das “melhores práticas, para promover a saúde de
crianças que sentem a disforia de género”, distúrbio que seria o responsável
por algumas pessoas se identificarem com o sexo oposto.
Em dezembro, o então presidente eleito prometeu assinar decretos para
acabar com cirurgias de mudança de sexo em crianças, para impedir que homens
que se identificam como mulheres pratiquem desportos femininos e para acabar com
a promoção da ideologia de género nas escolas e nas forças armadas. E, na
primeira semana do seu governo, assinou o decreto “Defendendo as mulheres
do extremismo da ideologia de género”, que restaura a “verdade biológica”. Entre
outras medidas abrangentes, estabeleceu um reconhecimento governamental da
realidade do sexo natural, incluindo a afirmação explícita de que só há dois
sexos, masculino e feminino.
Trump,
que se concentrou na questão da ideologia de género em grande parte da sua campanha
presidencial, em 2024, assinou, a 20 de janeiro, no primeiro dia do retorno à
presidência dos EUA, a congruente ordem executiva. Este é um dos aspetos em que
a Igreja Católica (assim como outras Igrejas cristãs) apoia, na linha dos princípios,
a política trumpiana. Com efeito, a ideologia de género é a militância política
baseada na teoria de que a sexualidade humana é independente do sexo e se
manifesta em géneros mais variados do que homem e mulher, ao arrepio do enunciado
bíblico: “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem
e mulher Ele os criou” (Gn 1,27).
O
número 369 do Catecismo da Igreja Católica diz: “O homem e a mulher foram
criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade enquanto
pessoas humanas, por um lado; mas, por outro, no seu respetivo ser de homem e
de mulher. Ser homem, ser mulher é realidade boa e querida por Deus: o homem e
a mulher têm uma dignidade inamissível, que lhes vem de Deus, seu Criador. O
homem e a mulher são, com a mesma dignidade, ‘à imagem de Deus’. No seu ‘ser
homem’ e no seu ‘ser mulher’, refletem a sabedoria e a bondade do Criador.”
Ora,
“em todo o país, os ideólogos que negam a realidade biológica do sexo usam,
cada vez mais, meios legais e outros meios socialmente coercitivos para
permitir que homens se identifiquem como mulheres e acedam a espaços e a atividades
íntimas de só um sexo projetados para mulheres, desde abrigos para mulheres até
chuveiros femininos no local de trabalho. Isso está errado”, diz a ordem
executiva.
Uma
ordem executiva é abrangente por natureza. A sua aplicação incluirá a remoção
de orientações, comunicações, políticas e formulários de ideologia de género de
agências governamentais. Assim, a ordem diz que a palavra ‘mulher’ significa ‘mulher
humana adulta’ e ordena que a identificação do governo, como em passaportes e em
registos pessoais, reflita a realidade natural e “não a identidade de género
autoavaliada”. Estabelece o reconhecimento, em todo o governo dos EUA, da
realidade do sexo natural, incluindo a afirmação explícita de que só há dois
sexos, masculino e feminino. Põe fim à prática de colocar homens em prisões
femininas e ao uso do dinheiro de imposto para financiar tratamentos hormonais
ou cirúrgicos para disforia de género, distúrbio que leva a
pessoa a identificar-se com o sexo oposto de reclusos. E determina que a Procuradoria-geral dos EUA “emita
orientações para garantir a liberdade de expressar
a natureza binária do sexo e o direito a espaços do mesmo sexo, em locais de
trabalho, e a entidades financiadas pelo governo federal cobertas pela Lei dos
Direitos Civis de 1964”.
Num
comício em Washington, D.C., a 19 de janeiro, Trump disse à multidão que pretende
“manter os homens fora dos desportos femininos.
***
Antes do
decreto “Protegendo
Crianças de Mutilação Química e Cirúrgica”, o presidente assinou, no dia 27, um
decreto para acabar com a “ideologia radical de género” nas forças armadas (FA),
revertendo a diretriz do ex-presidente Joe Biden que aceitava pessoas que se
identificam com o sexo oposto nas FA. Essa ordem, que se efetiva em 30 dias, diz que qualquer
pessoa que expresse “falsa ‘identidade de género’ divergente do sexo de um
indivíduo não consegue satisfazer os padrões rigorosos necessários para o
serviço militar”. E estipula que “o serviço militar deve ser reservado para os aptos,
mental e fisicamente, para o serviço”. Ora, segundo um relatório da agência do governo dos EUA Congressional Research Service, atualizado
a 10 de janeiro, o Departamento de Defesa dos EUA gastou cerca de 15 milhões de
dólares em tratamentos para mudança de sexo de integrantes das FA, de 1 de
janeiro de 2016 a 14 de maio de 2021.
Também
entram em vigor, em 30 dias, todas as instalações para dormir, trocar de roupa
e tomar banho, que serão separadas com base no sexo natural, independentemente
da identidade de género autoafirmada pela pessoa.
Outra
disposição determina que o secretário de Defesa dos EUA emita ordem a proibir o
uso de pronomes inconsistentes com o sexo natural. “Além das intervenções
médicas hormonais e cirúrgicas envolvidas, a adoção de identidade de género
inconsistente com o sexo do indivíduo entra em conflito com o compromisso do soldado
com um estilo de vida honrado, verdadeiro e disciplinado, mesmo na vida
pessoal”, diz o decreto, sustentando que “a afirmação de um homem de que é
mulher, e a sua exigência de que outros afirmem essa falsidade, não é
consistente com a humildade e com a abnegação exigidas de um membro do
serviço”.
“É
política do governo dos EUA estabelecer altos padrões de prontidão das tropas, de
letalidade, de coesão, de honestidade, de humildade, de uniformidade e de integridade”,
diz o decreto, segundo o qual a principal missão dos militares é “proteger o
povo americano e a nossa pátria como a força de combate mais letal e eficaz do
Mundo”. “O sucesso nessa missão existencial requer o foco no desenvolvimento do ethos guerreiro necessário e a procura
da excelência militar não pode ser diluída para acomodar agendas políticas ou
outras ideologias prejudiciais à coesão da unidade”, diz o texto.
Além
de rever as políticas de género do Departamento de Defesa, o presidente assinou
três outros decretos ligados às FA, no dia 27, um dos quais encerra iniciativas
de diversidade, de equidade e de inclusão (DEI). “Essas ações minam a
liderança, o mérito e a coesão da unidade, corroendo assim a letalidade e a
prontidão da força”, diz o decreto, nos termos do qual violam a consciência dos
Americanos, ao envolverem discriminação racial e sexual odiosa”.
Outro
decreto reintegra membros das FA que foram dispensados, por se recusarem a
tomar vacina contra a covid-19, e determina o pagamento de salários atrasados
e benefícios para eles.
O presidente restaurou, no dia 24, a Política da Cidade do México, que
proíbe usar dinheiro do governo federal americano para financiar organizações
estrangeiras que façam e promovam o aborto, revogando a diretriz de 2021 de Joe
Biden, que eliminou tal política.
A proibição foi adotada pelo presidente republicano Ronald Reagan, em 1985.
Desde então, foi revogada por todos os presidentes democratas e restaurada por
todos os republicanos. Trump expandiu a regra, no primeiro mandato, para cobrir
várias novas iniciativas de saúde do governo. A regra proíbe o financiamento
pelos pagadores de impostos americanos de organizações não-governamentais (ONG)
estrangeiras que promovam ou façam abortos como método de planeamento familiar,
mas não abrange governos estrangeiros e alguns grupos internacionais.
A medida foi anunciada, pela primeira vez, pelos EUA, em 1984, na II
Conferência Internacional sobre População da Organização das Nações Unidas
(ONU), na Cidade do México, dando origem ao seu nome popular. É uma das ordens
executivas emitidas por Trump, na primeira semana de exercício do cargo. O
presidente deu diretrizes sobre políticas climáticas, sobre a pena de
morte, sobre a imigração e sobre a ideologia de género, algumas das quais foram
criticadas pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB), bem como pela
bispa episcopaliana de Washington. A ordem executiva sobre o aborto recebeu
elogios de ativistas pró-vida. “Grande movimento do presidente Trump, ao
restaurar a política da Cidade do México, que garante que os contribuintes
americanos não financiem a matança de bebés no exterior!”, escreveu Lila Rose,
fundadora do grupo pró-vida Live Action, na rede social X, no dia 24.
“A vida está a vencer na América”, escreveu Mike Pence, vice-presidente dos
EUA, no primeiro governo Trump, também na rede social X.
Antes da ordem executiva sobre o aborto, o deputado republicano Chris
Smith, do Estado de Nova Jersey, disse à CNA
esperar que a restauração da regra permita que o Congresso dos EUA reveja os
programas internacionais que recebem financiamento federal do governo
americano. “Temos grandes esperanças e expectativas. É precisa a revisão
completa desses programas. Precisamos de perguntar o que estão a fazer com o
dinheiro”, declarou à CNA o deputado
que, tendo assumido o cargo, em 1981, se tornou um defensor original da
política da Cidade do México, quando o presidente Ronald Reagan a implementou,
pela primeira vez, e defendeu a necessidade de supervisão do dinheiro federal
que vai para grupos internacionais, citando o escândalo em que fundos do Plano
de Emergência do Presidente para o Alívio da AIDS (PEPFAR) foram usados para
fazer abortos em Moçambique.
Esses abortos são “absolutamente a ponta do iceberg”, disse
Smith, que previu uma “grande luta, neste ano”, por ativistas pró-vida a tentar
barrar o financiamento internacional federal do aborto.
A senadora democrata Patty Murray, do estado de Washington, disse que a regra
da Cidade do México é política perigosa que restringe “serviços de saúde
reprodutiva que salvam vidas”.
Ao prever mais ações pró-vida do governo Trump, Murray disse que os
democratas “vão reagir de todas as maneiras que puderem”.
Em outra ordem do dia 24, Trump revogou o que diz serem diretrizes do governo
Biden que violaram a Emenda Hyde, que proíbe o uso de fundos federais, para
financiar abortos nos EUA.
A emenda entrou em vigor, pela primeira vez, em 1980, mas o governo Biden “desconsiderou
essa política estabelecida e de senso comum, ao incorporar o financiamento
forçado de abortos seletivos pelos contribuintes em ampla variedade de
programas federais, disse Trump.
***
É
óbvio que a Igreja Católica e as outras Igrejas cristãs não renunciam,
coerentemente, à doutrina condenatória do aborto, bem como às questões
atinentes à identidade de género. Porém, não podem ignorar o sofrimento de
tantas pessoas (como vincou a bispa de Washington), que, por motivos existenciais,
as atinge de forma brutal, secundada pela forma ostracizante com que muitos
setores da sociedade as encaram (o estado não pode discriminar as pessoas, mas tratá-las
por igual e como diferentes no que são diferentes; e as Igrejas devem acolhê-las
e tentar compreendê-las e acompanhá-las). É o caso das pessoas que se sentem
constrangidas pelo padrão dos géneros masculino e feminino. A este respeito, devo
dizer que acho abusivo submeter crianças à mudança de sexo, pois não têm
capacidade de decisão e é matéria em que os pais devem coibir-se de decidir, até
para que não venham a ser apontados pelos intervencionados por uma decisão
irreversível.
Quanto
ao aborto, gostaria de acompanhar a postura do movimento pró-vida nos EUA, mas,
pelo que é dado observar, a questão coloca-se a nível económico: o estado, os
contribuintes vão deixar de pagar abortos no estrangeiro, mas o decreto isenta
governos estrangeiros e alguns grupos internacionais. Brinca-se à doutrina, à
moral, à saúde, à de democracia?
2025.01.30 – Louro
de Carvalho
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