segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Oração crente deve ser dialogante e perseverante, não para despachar

 

É essencial manter com Deus uma relação estreita, uma comunhão íntima, um diálogo insistente, uma escuta atenta. Só assim a nossa vida terá a nova luz, que permite compreender os silêncios de Deus, respeitar os seus tempos, entender o seu desígnio, corresponder ao seu amor.
A primeira leitura do XXIX domingo do Tempo Comum no Ano C (Ex 17,8-13a) oferece-nos um episódio da caminhada do povo de Deus pelo deserto. Num confronto de Israel com os amalecitas, Moisés ficou em oração, no cimo do monte, pedindo a Deus que salvasse o povo. Com esta narrativa, a catequese de Israel pretende vincar o poder da oração. O crente só enfrenta as batalhas que a vida lhe impõe, se contar com a ajuda e com a força de Deus, que brotam do diálogo, nunca interrompido e nunca acabado, com o Deus salvador e libertador que acompanha o seu povo, em cada passo do caminho.
Josué, por indicação de Moisés, leva os seus homens de guerra a combater os amalecitas. Após esta indicação, o narrador afasta-nos da batalha e leva-nos a contemplar a ação de Moisés. Este, no cimo da colina, acolitado por Aarão e por Hur e tendo na mão a vara de Deus com operara tantos prodígios, intercede ante Deus pelo seu povo. Quando Moisés tinha as mãos levantadas ao Céu, Israel levava vantagem no combate; quando Moisés, cansado, baixava as mãos, a vantagem pendia para os amalecitas. Aarão e Hur fizeram sentar Moisés numa pedra e puseram-se, um de cada lado, a sustentar-lhe as mãos. Moisés continuou com as mãos levantadas, a interceder pelo povo, até ao pôr do sol. E os israelitas derrotaram totalmente as tropas amalecitas.
Esta vitória dos hebreus sobre os inimigos não se deveu ao génio militar de Josué, nem à bravura dos seus homens de guerra, nem à vara dos prodígios que Moisés leva consigo para a colina de onde contempla o curso da batalha. O autor desta narração sugere que a vitória deve ser atribuída a Deus. Não é o valor guerreiro dos hebreus, nem os malabarismos de um líder carismático que salvam Israel, mas a ação do Deus libertador e salvador, que acompanha o seu povo, ao longo do caminho, e o livra de todos os perigos. Esta não é uma vitória militar, mas um acontecimento de salvação. Porém, há outro elemento a sublinhar: o poder da oração. Os teólogos de Israel querem dizer aos conterrâneos que, ante as crises e dificuldades da vida, é preciso invocar o Deus libertador, com perseverança e com insistência.

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No Evangelho (Lc 18,1-8), Jesus conta aos discípulos uma parábola sobre “a necessidade de orar sempre, sem desanimar”. Deus escuta sempre a oração dos seus filhos e, no tempo oportuno, dá resposta a tudo o que eles lhe dizem. Entretanto, independentemente da resposta de Deus, a oração faz bem: aproxima os crentes de Deus, fá-los entender o desígnio de Deus, leva-os a confiar, incondicionalmente, em Deus, na sua misericórdia, na sua bondade, no seu amor.
Na parábola, há duas personagens: um juiz e uma viúva. Viviam numa cidade não identificada. O juiz “não temia a Deus, nem respeitava os homens”. A asserção sugere o exercício autocrático do poder judicial, mas pode evidenciar a venalidade do juiz, que não tinha problemas em torcer a justiça, conforme os seus interesses. Em todo o caso, o comportamento do juiz é definido como “iníquo”, porque não está preocupado em remediar as injustiças cometidas contra os mais frágeis da sociedade. A outra personagem é uma viúva, vítima da prepotência de um adversário que se aproveita da sua fragilidade para a defraudar. Na Palestina, a viúva é o protótipo da pessoa indefesa, como os órfãos e os estrangeiros: não tem quem a defenda, pelo que está vulnerável, ante as arbitrariedades dos poderosos. Não se especifica quem é o adversário, nem que tipo de conflito está em causa: o que é decisivo é a injustiça de que a viúva é alvo.
Durante muito tempo, o juiz, por inércia ou porque tenha sido pago para tal, ignorou os pedidos de justiça apresentados pela viúva. Poderoso e prepotente, sentia que podia fazer o que quisesse e que não tinha de dar contas a ninguém pelos seus atos. Porém, a mulher não se conformou com aquela porta fechada: de forma insistente, sem desanimar, levava o caso à consideração do juiz e a reclamar por justiça.
Entretanto, o narrador deixa a viúva em segundo plano e convida-nos a acompanhar o raciocínio cínico do juiz: “Eu não temo a Deus nem respeito os homens; mas, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, para que não venha incomodar-me indefinidamente.” O juiz prepotente e corrupto, ao tomar posição, não o fez movido pela justiça, nem pela compaixão, mas só porque não queria problemas; estava farto de aturar a mulher que, dia a dia, não o deixava em paz. No final, a persistência da viúva venceu a insensibilidade e a prepotência do juiz sem coração.
A explicação da parábola vem logo a seguir. Jesus pede aos ouvintes que façam um esforço e que comparem o juiz injusto com Deus: “Escutai o que diz o juiz iníquo!… E Deus não havia de fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo? Eu vos digo que lhes fará justiça bem depressa.” Jesus não diz que Deus é, como o juiz da parábola, prepotente e injusto, mas garante que não fica indiferente às nossas súplicas: se um juiz sem coração é capaz, apesar da relutância de atender os pedidos da viúva sem poder nem influência, Deus – que é justo, que tem coração, que defende sempre os pobres e débeis, que ama os seus filhos com amor de pai e de mãe – não será capaz de escutar o que Lhe dizemos e não fará tudo para corresponder aos pedidos que Lhe fazemos?
Portanto, os discípulos de Jesus devem dialogar continuamente com Deus e apresentar-Lhe as suas dúvidas, anseios, inquietações e problemas. Deus, garantidamente, escutá-los-á. Pode parecer, momentaneamente, que Deus mantém silêncio inexplicável e desconcertante; mas, seja qual for a razão do seu silêncio, Ele não fica indiferente às súplicas dos seus filhos. Se os discípulos confiarem em Deus e dialogarem com Ele, sairão dessas conversas mais revigorados, mais pacificados, mais esclarecidos, mais cônscios do desígnio de Deus e mais dispostos a aceitá-lo, mais preparados para acolher e viver os valores do Reino.
O tema da parábola original de Jesus – “a necessidade de orar sempre sem desanimar” – será aproveitado por Lucas, na década de 80 do século I, para deixar forte mensagem aos destinatários do 3.º Evangelho. A situação das comunidades cristãs era, por então, muito peculiar. No ano 70, Jerusalém foi destruída pelas tropas romanas; no ano 81, o imperador Domiciano assumiu o poder, em Roma, e começou, de forma organizada, a perseguir os cristãos. Eram tempos difíceis e o futuro era sombrio; para as comunidades cristãs espalhadas pelo mundo greco-romano, o Mundo parecia estar a desabar. Neste cenário de angústia, a comunidade gritava por justiça, pedia a Deus que interviesse para salvar o seu povo e questionava se Ele ouviria os pedidos de socorro dos seus filhos ou se tardaria muito a responder-lhes. Lucas, a partir da parábola contada por Jesus na caminhada para Jerusalém, garante aos crentes desanimados que Deus não tardará a intervir, pois escuta os filhos e far-lhes-á justiça. O que é preciso é que, apesar das vicissitudes que enfrentam, eles não percam a fé, não desistam de confiar em Deus, se mantenham fiéis a Jesus e ao Evangelho. Saberão os discípulos, no meio de tanta incerteza, manter a confiança em Deus (“quando o Filho do homem voltar, encontrará fé sobre esta terra?”)  

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Na segunda leitura (2Tm 3,14-4,2), os crentes são convidados a terem sempre em conta, na construção do edifício da fé, a Sagrada Escritura, que é lugar privilegiado de encontro entre Deus e o homem. Escutar a Escritura é escutar o Deus que fala e que mostra o caminho para a vida. E oração informada passa pela escuta do Deus que nos fala pela Palavra escrita.
O epistológrafo, depois de avisar Timóteo para ter cuidado com os falsos mestres, “pessoas de mente corrupta e inapta para a fé”, que se “opõem à verdade” e que “não irão longe, pois a sua insensatez tornar-se-á patente a todos”, convida-o a “permanecer firme” no que aprendeu. Ele sabe que a doutrina que recebeu vem dos apóstolos e lhe foi fielmente transmitida por pessoas mandatadas para tal; e sabe que essa doutrina está em total conformidade com a Escritura.
Desde a sua infância que Timóteo conhece a Sagrada Escritura. Sabe que é “inspirada por Deus” (o termo grego “théopneustos” sugere que, na composição dos livros que formam a Escritura, interveio, além do autor humano, o próprio Deus). O Espírito Santo influiu na mente e no coração dos escritores sagrados, de modo que estes puseram por escrito o que Deus queria comunicar-nos por eles. Por isso, a Escritura contém “a sabedoria que leva à salvação”. É a grande base para formar e educar na fé e na sã doutrina. A sua utilidade na formação do crente é descrita através de quatro verbos: “ensinar”, “persuadir”, “corrigir” e “formar”. Desta escola de fé sairá o “homem de Deus”, o “homem “perfeito”, “bem preparado para todas as boas obras”.
No final, o epistológrafo renova a exortação a Timóteo no sentido de que cumpra, com esmero, a tarefa de animador da comunidade cristã. Em tom solene, mas comovente, suplica-lhe que proclame a Palavra, que insista “a propósito e fora de propósito” (mesmo quando a ocasião não parece propícia), sem medo das reações, sem respeitos humanos, sem falsos pudores, “com toda a paciência e doutrina” – isto é, com adequada pedagogia pastoral. Timóteo sabe que, um dia, se apresentará diante de Deus para dar conta da forma como cumpriu a missão que lhe foi confiada; isso deverá servir-lhe de estímulo para ser testemunha dedicada e fiel da fé recebida. 

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Leão XIV, na homilia da missa de canonização de sete beatos, em Dia Mundial das Missões, na Praça de São Pedro, considerou que a pergunta que encerra o Evangelho do dia nos revela “o que é mais precioso aos olhos do Senhor: a fé, ou seja, o vínculo de amor entre Deus e o ser humano”.
Dos novos santos e santas, diz que são testemunhas que “mantiveram acesa, com a graça de Deus, a lâmpada da fé”, e se fizeram “lâmpadas capazes de difundir a luz de Cristo”.
A fé sobressai nos grandes bens materiais e culturais, científicos e artísticos, não porque se devam desprezar, mas porque perdem sentido sem fé. A relação com Deus é fulcral, porque Ele, no início dos tempos, tudo criou do nada e, no tempo, salva do nada tudo o que acaba. Uma terra sem fé é povoada por filhos que vivem sem Pai ou “criaturas sem salvação”. Por isso, no dizer do Pontífice Jesus, Filho de Deus feito homem, interroga-nos sobre a fé e se ela desaparecesse. O Céu e a Terra permaneceriam, mas não haveria esperança nos corações; a liberdade de todos seria derrotada pela morte; o nosso desejo de vida precipitar-se-ia no nada. Efetivamente, como assegura o Papa, “sem fé em Deus, não podemos ter esperança na salvação” e a pergunta de Jesus inquieta-nos, “só se esquecemos que é o próprio Jesus que a pronuncia”, pois “as palavras do Senhor permanecem sempre Evangelho, ou seja, alegre anúncio de salvação”, salvação que “é o dom da vida eterna que recebemos do Pai, por meio do Filho, com a força do Espírito Santo”.
Passando à oração, o Papa, sustentando que Jesus enuncia a obrigação de “orar sempre, sem desfalecer”, por causa do Evangelho, apela a que, “tal como não nos cansamos de respirar, não nos cansemos de orar”, pois, como “a respiração sustenta a vida do corpo”, “a oração sustenta a vida da alma: a fé, com efeito, expressa-se na oração e a oração autêntica vive da fé”.
Na parábola do Evangelho, o Santo Padre entende que a tenacidade da viúva pobre é “um bonito exemplo de esperança, especialmente, nos momentos de provação e tribulação”, mas “a perseverança da mulher e o comportamento do juiz […] preparam uma provocante pergunta de Jesus: Deus, Pai bom, ‘não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite?’”
Diz o Pontífice que o Senhor pergunta se cremos que “Deus é um juiz justo para com todos” e que “o Pai quer sempre o nosso bem e a salvação de todas as pessoas”. E duas tentações nos põem à prova: o escândalo do mal que faz pensar que Deus não ouve o clamor dos oprimidos, nem tem piedade do sofrimento dos inocentes; e a pretensão de que Deus deve agir como nós queremos, mudando a oração em ordem a Deus, “para Lhe ensinar o modo de ser justo e eficaz”.
Ora, Jesus, a perfeita testemunha da confiança filial, liberta-nos dessas tentações. É o inocente que, na sua Paixão, reza: “Pai, faça-se a tua vontade”. É a petição que nos entrega na oração do Pai Nosso. Jesus confia-Se como Filho ao Pai; e nós como irmãos, em seu nome, proclamamos: “Senhor, Pai santo, Deus eterno e omnipotente, é nosso dever, é nossa salvação, dar-Te graças sempre e em toda a parte, por Jesus Cristo, teu amado Filho.”
A oração da Igreja lembra que Deus, dando a vida por todos, faz justiça a todos. E, ao clamarmos ao Senhor: “Onde estás?”, fazemos da pergunta oração e reconhecemos que Deus está onde o inocente sofre. A cruz de Cristo revela a justiça de Deus, que é o perdão: Ele vê o mal e redime-o, tomando-o sobre Si. Crucificados pela dor e pela violência, pelo ódio e pela guerra, temos Cristo na cruz por nós e connosco. E diz o Papa: “Não há choro que Deus não console, nem lágrima que esteja longe do seu coração. O Senhor escuta-nos, abraça-nos como somos, para nos transformar como Ele é. Quem […] recusa a misericórdia de Deus, é incapaz de misericórdia para com o próximo. Quem não acolhe a paz como dom, não sabe dar a paz.”
Assim, as interpelações de Jesus são vigoroso convite à esperança e à ação. É a fé que sustenta o empenho pela justiça, pois cremos que Deus, por amor, salva o Mundo e nos liberta do fatalismo. Por isso, ao ouvirmos o apelo de quem está em dificuldade, devemos interrogar-nos se somos testemunhas do amor do Pai, como Cristo o foi para com todos. Ele é o humilde que chama os prepotentes à conversão, o justo que nos torna justos, como atestam os novos santos: não heróis, nem paladinos de um ideal qualquer, mas homens e mulheres. São mártires pela fé, evangelizadores e missionários, benfeitores da Humanidade, de coração ardente em devoção, ou fundadoras carismáticas. Que a intercessão deles nos assista nas provações e o seu exemplo nos inspire na vocação à santidade. “A fé sobre a Terra sustenta a esperança do Céu”, diz o Papa.

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“O nosso auxílio vem do Senhor, / que fez o céu e a terra.”

"Levanto os meus olhos para os montes: / donde me virá o auxílio? / O meu auxílio vem do Senhor, / que fez o céu e a terra.
“Não permitirá que vacilem os teus passos, / não dormirá Aquele que te guarda. /Não há de dormir nem adormecer / aquele que guarda Israel.
“O Senhor é quem te guarda, / o Senhor está a teu lado, Ele é o teu abrigo. / O sol não te fará mal durante o dia, / nem a luz durante a noite.
“O Senhor te defende de todo o mal, / o Senhor vela pela tua vida. / Ele te protege quando vais e quando vens, / agora e para sempre.”

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“Aleluia. Aleluia. / A palavra de Deus é viva e eficaz, / pode discernir os pensamentos e intenções do coração.”

2025.10.19 – Louro de Carvalho


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