Um
novo estudo do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, publicado na revista
Biogeosciences (BG), a 8 de outubro, revela que os incêndios
afetaram 3,3 milhões de hectares da Amazónia, só em 2024.
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A
Biogeosciences (BG) é uma revista científica internacional sem fins lucrativos,
da Plataforma Interativa da EGUsphere, dedicada à publicação e à discussão de
artigos de pesquisa, de comunicações breves e de artigos de revisão sobre todos
os aspetos das interações entre os processos biológicos, químicos e
físicos da vida terrestre ou extraterrestre com a geosfera, com a hidrosfera e com
a atmosfera. Tem por objetivo ultrapassar as fronteiras das ciências
estabelecidas e alcançar uma visão interdisciplinar dessas interações, pelo que
a ela são bem-vindas abordagens experimentais, conceituais e de modelagem.
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A
floresta amazónica sofreu a sua “época de incêndios florestais mais devastadora”
em mais de duas décadas, apesar da tendência de desaceleração do
desmatamento.
Os
investigadores Clément Bourgoin, René Beuchle, Alfredo Branco, João Carreiras,
Guido Ceccherini, Duarte Oom, Jesus San-Miguel-Ayanz e Fernando Sedano sustentam
que isto desencadeou emissões recorde de carbono e a degradação do ecossistema,
expondo a “crescente fragilidade ecológica” da região.
A
partir de dados do sistema de monitorização de Florestas Tropicais Húmidas (TMF)
e filtrando sinais falsos causados por incêndios agrícolas ou por coberturas de
nuvens, os cientistas dizem que conseguiram detetar e verificar a degradação
florestal causada por incêndios com um “nível de precisão inédito”. Assim, descobriram
que os incêndios de 2024 libertaram cerca de 791 milhões de toneladas de
dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera, o que é, aproximadamente,
a quantidade de emissões que a Alemanha produz num ano, o que representa um
aumento de sete vezes, em relação à média dos dois anos anteriores e marca, pela
primeira vez, que a degradação provocada por incêndios ultrapassou o
desmatamento, como principal causa das emissões de carbono, na Amazónia.
“A
escalada de incêndios, impulsionada pelas alterações climáticas e pelo uso
insustentável da terra, ameaça empurrar a Amazónia para um ponto de inflexão
catastrófico,” alerta o estudo, vincando que “esforços urgentes e
coordenados são cruciais para mitigar estes fatores e [para] prevenir danos
irreversíveis ao ecossistema.”
Outra
preocupação dos investigadores é a disseminação geográfica dos incêndios, com o
Brasil a registar o nível mais elevado de emissões por degradação florestal de
sempre.
Na
Bolívia, os incêndios afetaram quase um décimo (9%) da cobertura florestal
intacta do país, o que foi descrito como um “golpe dramático” para uma região
que, há muito, serve de reservatório vital de biodiversidade e de sumidouro de
carbono.
Graças
à elevada humidade e às chuvas regulares, as florestas amazónicas têm,
historicamente, sido resistentes ao fogo. Porém, depois da seca de 2023-2024, das
ondas de calor intensas e da aceleração da atividade humana, os recursos
hídricos de superfície foram reduzidos e a humidade do solo diminuiu – o que
aumenta a probabilidade e a severidade dos incêndios.
A
seca de 2023/2024, superando recordes anteriores, combinada com a fragmentação
florestal, aumentou, drasticamente, a vulnerabilidade ao fogo. Analisando os dados
da Floresta Tropical Húmida (TMF) e do Sistema Global de Informação sobre
Incêndios Florestais (GWIS), encontra-se um aumento de 152% nas perturbações
florestais, em 2024, atingindo um pico de duas décadas, de 6,64 milhões de
hectares. A degradação florestal, particularmente, a degradação em larga escala
ligada a incêndios, aumentou em mais de 400%, superando, em muito, o
desmatamento. O Brasil e a Bolívia sofreram os impactos mais severos. A
degradação florestal causada por incêndios, na Pan-Amazónia, libertou 643
milhões de toneladas de CO2, em 2024, um aumento de sete vezes
em relação aos dois anos anteriores. A crescente ocorrência de incêndios,
impulsionada pelas mudanças climáticas e pelo uso insustentável do solo, ameaça
empurrar a Amazónia para um ponto crítico catastrófico.
Em
2024, as perturbações aumentaram 152%, atingindo o maior nível, em 20 anos. A
degradação florestal gerada por incêndios aumentou mais de 400%, superando a
causada pelo desmatamento. Esses incêndios libertaram enormes quantidades de CO2 (sete
vezes mais do que nos últimos anos), empurrando a região para um perigoso ponto
de inflexão. São, pois, cruciais esforços urgentes e coordenados para mitigar
esses fatores e prevenir danos irreversíveis ao ecossistema.
Os
investigadores dizem que o surto extraordinário de atividade de incêndios é alimentado
pelo stresse extremo da seca, agravado pelas mudanças climáticas, pela fragmentação
florestal (grandes áreas contínuas de floresta divididas em pedaços menores pela
atividade humana) e pela má gestão do uso da terra.
Isso
inclui incêndios de escape (técnica com que os bombeiros iniciam um incêndio
menor, em área segura, para criar uma zona deserta para onde se retiram, quando
um incêndio maior se aproxima) e incêndios criminosos iniciados por grileiros (pessoas
que se apropriam de terras alheias, especialmente, de terras públicas, usando
títulos falsificados).
Os
incêndios podem erodir a integridade da floresta, sem a limparem, e “florestas
degradadas podem parecer intactas, vistas de cima, mas [que] perdem uma parte
significativa da sua biomassa e função ecológica”. Por isso, os investigadores apelam
a uma “ação imediata e coordenada”, de ajuda à redução do uso do fogo, ao fortalecimento
das políticas de proteção florestal e ao apoio aos esforços de gestão local, para
evitar danos irreversíveis.
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Porém,
não é só a Amazónia que sofre o impacto dos incêndios. Neste ano, no princípio
de setembro, os incêndios florestais, em toda a União Europeia (UE), já tinham
queimado uma área quase com metade do tamanho da Sicília, de acordo com os
últimos dados do Sistema Europeu de Informação sobre os Incêndios
Florestais do Copernicus, tendo ardido, até então, cerca de 986 mil hectares,
mais do triplo dos 227627 hectares registados em 2024 e detetados quase dois
mil incêndios.
Desde
o final de fevereiro, o número médio mensal de incêndios é o mais elevado de
que há registo. A Espanha foi o país mais afetado, com mais de 380 mil hectares
ardidos, o que corresponde a cerca de 1,5 vezes o tamanho do Luxemburgo. Portugal
sofreu danos ainda mais graves, em relação à sua dimensão, com cerca de 263 mil
hectares destruídos, o que corresponde a cerca de oito vezes a dimensão de
Malta. E a emergência levou a uma ajuda internacional, com os bombeiros
malteses a juntarem-se aos esforços em Portugal e na Grécia.
De
acordo com o Eurostat, em toda a UE, há quase 400 mil bombeiros em serviço. A
Alemanha detém o maior número de bombeiros (66 mil), seguida de França (52 mil),
da Polónia (49 mil) e de Itália (43500). No entanto, o maior número de
bombeiros, em relação à dimensão do mercado de trabalho encontra-se na Croácia
(0,45%), seguida da Grécia (0,41%). E os Países Baixos vêm em último lugar, com
0,08%.
Contudo,
em termos de dinheiro, a Roménia lidera. O seu governo afeta quase 1% do seu
orçamento à proteção contra incêndios florestais, seguido do da Estónia e do da
Grécia, com 0,7%.
Os
países com o orçamento mais baixo são: a Dinamarca (0,1%), Malta (0,2%),
Portugal e a Áustria (com 0,3%). E a média na UE é de 0,5%, num total de 40 mil
milhões de euros gastos.
À
medida que o fim do verão se aproximava, os dados da UE mostravam a escala
surpreendente da destruição causada pelos incêndios florestais, em todo o
continente, em 2025.
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Nem
só os incêndios alteram a paisagem da superfície terrestre e dificultam a vida
humana. As montanhas glaciares são caraterística fundamental de vários parques
nacionais dos Estados Unidos da América (EUA), como o de Yosemite, na
Califórnia. Porém, é sem precedentes o derretimento dos glaciares nas montanhas
da Sierra Nevada, na Califórnia. Aliás, com o aquecimento global, muitas massas
de gelo centenárias estão a derreter rapidamente.
Um
novo estudo, publicado na revista Science Advances, mostra
quão novo é o derretimento na Sierra Nevada. São algumas massas de gelo no Oeste
dos EUA que os investigadores descrevem como “emblemas públicos das mudanças
climáticas”.
O
estudo analisou quatro glaciares, na Sierra Nevada: Conness, Maclure, Lyell e
Palisade – bons “indicadores” para observar o desaparecimento dos glaciares,
pois resistiram ao teste do tempo e ao aquecimento da era industrial. Analisando
amostras de rochas expostas, os investigadores determinaram que o gelo existe,
há muito mais tempo do que se pensava. Os glaciares existem, pelo menos, desde
todo o Holoceno, isto é, nos últimos 11700 anos, desde a última era glacial. A
datação cosmogénica in situ por exposição a carbono-14 e a berílio-10,
em leitos rochosos pró-glaciais recém-expostos, indica contínua cobertura do
Holoceno, talvez por gelo.
Num
glaciar menor próximo, as idades de exposição e de soterramento do leito
rochoso sugerem expansão glacial, há cerca de sete mil anos, antes do que se
reconhecia antes. As idades de exposição a moreias, nesses locais e no maior
glaciar da Sierra Nevada, estão distribuídas ao longo dos últimos milhares de
anos, sugerindo que os glaciares estavam próximos da sua extensão
pré-industrial, em grande parte do Holoceno tardio. Tais descobertas implicam
que uma Sierra Nevada sem glaciares é inédita desde antes do Holoceno. Os
futuros ambientes glaciais alpinos na Califórnia são, provavelmente, cenário
sem paralelo no atual período interglacial.
O
fluxo de gelo foi documentado, pela primeira vez, na região, no final do século
XIX. O eventual desaparecimento marcaria a primeira vez que esses topos de
montanha ficariam livres de gelo.
No
Oeste dos EUA, prevê-se que as montanhas glaciares desapareçam até 2100 EC (EC:
Era Cristã), de acordo com pesquisas anteriores. “A nossa reconstrução da História
glacial indica que uma futura Sierra Nevada sem gelo é inédita na História
humana, desde a presença conhecida das Américas, há cerca de 20 mil anos”,
escrevem os autores do estudo.
O
derretimento dos glaciares é fenómeno global. A cada ano, à medida que as
geleiras derretem, perdem mais água do que o Mundo consumirá em três décadas.
Também
a Europa tem assistido a um enorme derretimento, devido ao aquecimento global. Na
Suíça, onde existe o maior número de glaciares na Europa, mais de mil pequenos
glaciares já desapareceram. O glaciar Ventina, na Itália, foi grandemente
afetado pelo clima quente. O derretimento rápido e o terreno instável tornam a
visita insegura. Por isso, os geólogos dependem de ferramentas de monitorização
remota, para avaliarem os danos. E também estão a derreter, mais rapidamente
do que nunca, os glaciares da Suécia e da Noruega. Em 2024, o ano mais quente
da história da Europa, esses locais registaram um derretimento médio de
aproximadamente 1,8 metros, o que supera as médias históricas.
Enfim,
o colapso glacial está a tornar-se mais frequente, ameaçando as comunidades
locais. Por exemplo, no início de 2025, enorme deslizamento de gelo soterrou a
maior parte de uma aldeia alpina suíça. Porém, é possível a recuperação dos
glaciares, se o aquecimento global for revertido, de algum modo, mas, ainda que
isso venha a acontecer, não será durante a nossa vida.
O
estudo simulou a mudança dos glaciares em “cenários de ultrapassagem”, até
2500. Estas são situações em que o planeta ultrapassa o limite de 1,5 °C (graus
celsius) até 3 °C e, em seguida, arrefece, de novo. “Os nossos modelos mostram
que levaria muitos séculos, se não milénios, para que os grandes glaciares
polares se recuperassem de uma ultrapassagem de 3 °C”, diz Lilian Schuster,
autora principal do estudo.
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Ao
aquecimento global, à seca extrema, à perda de humidade, ao degelo (neves, glaciares,
icebergs), ao aumento do nível da água dos oceanos, ao excesso da atividade
extrativa e de desmatamento e à má gestão do uso da Terra adicionam-se as
emissões de gases com efeito de estufa (GEE) com origem humana, que atingiram o
nível mais elevado de sempre, em 2024, apesar de todas as promessas de ação
climática mais consequente. E a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) considera
“essencial” a sua redução.
O Boletim
sobre Gases com Efeito de Estufa da Organização Mundial de Meteorologia,
n.º 21, divulgado a 15 de outubro e citado pelo site Esquerda.net, revela
que, em 2024, os níveis de CO2, na atmosfera, atingiram níveis
recorde.
Desde
a década de 1960, as taxas de crescimento de CO2 triplicaram. O seu
aumento médio, que era de 0,8 ppm (partes por milhão), por ano, passou para 2,4
ppm, por ano, na década de 2011 a 2020. Contudo, entre 2023 e 2024, a
concentração média global de CO2 aumentou 3,5 ppm. É o maior aumento,
desde que as medições modernas começaram, em 1957.
O
Boletim atribui este crescimento às emissões com origem em atividades humanas, como
a persistência na queima de combustíveis fósseis a níveis incomportáveis, e o
aumento dos incêndios florestais. Ao mesmo tempo, verifica-se a redução da
absorção de CO2, através dos “sumidouros de carbono”, o que “ameaça
ser um ciclo vicioso climático”. Até agora, perto de metade das emissões de CO2
anuais eram retiradas da atmosfera, através da dissolução no oceano ou da
absorção por árvores e por plantas em crescimento. Mas os oceanos estão a ficar
mais quentes, absorvendo, assim, menos CO2, e condições mais quentes
e secas e mais incêndios florestais implicam também menos crescimento das
plantas.
As
concentrações atmosféricas de metano e de óxido nitroso, que são o segundo e o
terceiro gases com efeito de estufa mais importantes conexos com as atividades
humanas, também atingiram níveis recorde no ano passado.
Ko
Barrett, secretária-geral adjunta da OMM, explica que o calor retido pelo CO2
e por outros GEE “está a sobrecarregar o clima e a conduzir a eventos
climáticos mais extremos. A redução das emissões é, portanto, essencial não só
para o nosso clima, mas também para a nossa segurança económica e o bem-estar
da comunidade”. E a OMM alerta que os efeitos das emissões de CO2, perdurarão
por séculos, devido ao tempo de vida longo deste gás, na atmosfera.
E Oksana
Tarasova, coordenadora do Boletim, defende que manter e expandir a
monitorização dos GEE “é fundamental para apoiar estes esforços” de redução de
emissões. Aliás, um dos objetivos desta edição é fornecer “informação
científica credível” à próxima Cimeira sobre as Alterações Climáticas, a COP
30, se reunirá, em novembro em Belém, no Brasil.
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Têm
de levar uma volta as políticas ambientais e da ação climática, para bem de
todos.
2025.10.17 – Louro de Carvalho
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