O
relatório preliminar Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com
Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) sobre o descarrilamento do Elevador
da Glória, em Lisboa, divulgado a 20 de outubro, aponta que o cabo de
tração/equilíbrio entre as duas cabinas “não estava certificado para
utilização em instalações para o transporte de pessoas”, nem para “utilização
no Ascensor da Glória”. Foi esse o cabo que sofreu uma rutura, “após 337 dias
de uso”, devendo ser, ainda, necessário determinar o “exato mecanismo de
cedência do material e fatores causais” que estiveram na base dessa ocorrência
e do consequente descarrilamento.
O Elevador da Glória, que faz o percurso entre os Restauradores e o Miradouro de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, descarrilou, na calçada com o mesmo nome, a 3 de setembro, pouco depois das 18 horas, tendo sido os serviços de emergência a mobilizados, imediatamente, para o local.
O Elevador da Glória, que faz o percurso entre os Restauradores e o Miradouro de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, descarrilou, na calçada com o mesmo nome, a 3 de setembro, pouco depois das 18 horas, tendo sido os serviços de emergência a mobilizados, imediatamente, para o local.
Sobre
a inadequação do referido cabo que cedeu, o relatório preliminar considera que
esse “não era indicado para ser instalado com destorcedores nas suas
extremidades, como é o sistema no Ascensor da Glória”, nem no Ascensor do
Lavra.
O
GPIAAF sustenta que a “utilização de cabos multiplamente desconformes com as
especificações e restrições de utilização” se deveu a “diversas falhas
acumuladas no seu processo de aquisição, aceitação e aplicação”, por parte da
Carris. Porém, visto que “cabos iguais estiveram em uso, durante 601 dias, no
Ascensor da Glória”, e “606 dias, no Ascensor do Lavra”, sem registo de
incidentes, “não é possível, neste momento, afirmar se as desconformidades
na utilização do cabo são ou não relevantes para o acidente”.
No
atinente à manutenção do ascensor, registaram-se “evidências de que tarefas de
manutenção registadas como cumpridas nem sempre correspondem às tarefas
efetivamente realizadas”, bem como de terem sido executadas “tarefas críticas
para a segurança de forma não padronizada, com parâmetros de execução e
validação díspares”. Assim, aponta-se para que esses procedimentos tenham sido,
de certo modo, falseados.
Além
do mais, destaca-se que as “inspeções previstas para o dia do acidente e
antecedentes estão registadas como executadas e o pessoal do prestador de
serviço esteve presente”. Contudo, “as evidências não suportam o período
horário indicado nas folhas de trabalho para a sua execução”.
Sobre
o “modo específico de execução dos trabalhos especializados no ascensor”, o
GPIAAF esclarece que “não há, por parte do quadro técnico do prestador de
serviços de manutenção, qualquer orientação aos trabalhadores ou supervisão”,
no atinente ao desempenho da tarefa. Porém, frisa que, nesta fase da
investigação, “não é possível afirmar se algum indício de anomalia no cabo
poderia ou não ser observado, algum tempo antes da rotura numa inspeção à parte
visível junto ao trambolho”, peça metálica robusta, de engate, entre o cabo do
funicular e o veículo.
O
relatório nota, ainda, na sequência do incidente que provocou 16 vítimas
mortais e 21 feridos, que “o sistema incorporado no Ascensor da Glória de
deteção de rotura do cabo atuou devidamente, cortando a energia elétrica às
cabinas, a fim de desencadear nelas uma frenagem de emergência com vista à sua
imobilização segura”. Todavia, de forma contrastante, o “sistema de frenagem
das cabinas não foi eficaz para as imobilizar, apesar de, na cabina 1 [a que
descarrilou], todos os existentes, automáticos e manuais, terem sido aplicados”.
Além disso, não há registo de que, “alguma
vez, tenha sido testado o freio de emergência na situação de falha no cabo”.
O
relatório conclui que, entre diversos técnicos e trabalhadores da Companhia
Carris de Ferro de Lisboa (CCFL) ou, simplesmente, Carris, ligados aos
ascensores, “havia a perceção de que a segurança do sistema dependia
inteiramente do cabo e que o sistema de freio não era eficaz para imobilizar as
cabinas, sem o cabo”, pelo que “havia um elevado cuidado no controlo do cabo,
nomeadamente, limitando a sua utilização a 600 dias, muito abaixo da duração
expectável para aquele componente, mas esta perceção nunca se materializou,
organizacionalmente, numa reavaliação das condições de segurança do sistema”.
O
GPIAAF, na sua avaliação preliminar do acidente, revela que os aspetos de
segurança da operação de ambos os ascensores se encontravam “à exclusiva
responsabilidade da CCFL [Carris], enquanto entidade operadora”, não sendo “supervisionados
por qualquer entidade independente, pública ou privada”.
Segundo
a RTP, o diretor de Manutenção do Modo Elétrico da Carris foi
demitido, embora a empresa tenha rejeitado a exclusiva responsabilidade pela
segurança dos ascensores, como é o caso do Elevador da Glória. Aliás, a Carris
recordou que tais procedimentos estiveram a cargo da MNTC, empresa de
manutenção que operava como prestadora de serviços, desde 2019.
Por
seu turno, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, citado
pela CNN Portugal, considerou, com base nas conclusões do relatório,
que “a infeliz tragédia do elevador da Glória foi derivada de causas
técnicas e não políticas”. Por isso, criticou a “politização que alguns fizeram
durante a campanha” para as eleições autárquicas de 12 de outubro.
***
Conhecidas
as conclusões deste relatório preliminar do GPIAAF, a Carris reagiu, vincando
que, no mesmo, se pode ler que “[...] não é possível, neste momento, afirmar se
as desconformidades na utilização do cabo são ou não relevantes para o
acidente”. Num comunicado, a empresa afirma que o processo de aquisição
dos cabos, “com alegadas inconformidades, que condicionaram todo o processo de
substituição dos cabos, ocorreu em mandato anterior ao do presente conselho de
administração”.
O atual mandato, presidido por Pedro Bogas, foi viabilizado pelo Partido Socialista (PS), em maio de 2022. Os cabos que não estavam em conformidade com o que era recomendado, e que eram diferentes dos utilizados até então, entraram em operação a 20 de dezembro de 2022, operando, durante 601 dias, até 26 de agosto. O segundo, igual ao anterior, entrou em operação, no dia 1 de outubro de 2024. Durou 337 dias, até ao dia do acidente.
O atual mandato, presidido por Pedro Bogas, foi viabilizado pelo Partido Socialista (PS), em maio de 2022. Os cabos que não estavam em conformidade com o que era recomendado, e que eram diferentes dos utilizados até então, entraram em operação a 20 de dezembro de 2022, operando, durante 601 dias, até 26 de agosto. O segundo, igual ao anterior, entrou em operação, no dia 1 de outubro de 2024. Durou 337 dias, até ao dia do acidente.
No
entanto, o processo de aquisição do mesmo iniciou-se em março de 2022, “quando
estavam em curso trabalhos de remotorização do elevador de Santa Justa”. No dia
17 desse mês, a Direção de Manutenção do Modo Elétrico (DME) da CCFL constatou
a inexistência em armazém dos cabos necessários e sinalizou a “necessidade da
sua compra urgente à Direção de Logística e Património (DLP) da empresa”.
Os
vereadores do PS na Câmara Municipal de Lisboa (CML), no dia 21, em comunicado,
exigiram a demissão da administração da Carris, pois consideram “muito
graves” as conclusões do relatório preliminar do GPIAAF, que detetou
falhas e omissões na manutenção do ascensor, apontando também a falta de
formação dos funcionários e de supervisão dos trabalhos efetuados pela empresa
prestadora do serviço.
Segundo
os vereadores do PS, o relatório, ao “revelar falhas e negligência
inaceitáveis num equipamento público sob responsabilidade municipal”, desmente
a versão inicial da Carris de “que todos os procedimentos de
manutenção tinham sido cumpridos”.
“Os
vereadores socialistas consideram que a liderança da Carris perdeu as
condições para continuar em funções, face às contradições e à gravidade das
conclusões conhecidas. Se o presidente do conselho de administração não
apresentar a sua demissão, cabe ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa
tomar essa decisão, assumindo a responsabilidade política que lhe compete,
enquanto tutela da empresa”, defenderam os vereadores, exigindo que sejam
assumidas as devidas responsabilidades, sem exceções, nem encobrimentos” e que “o
executivo camarário assegure total transparência na investigação, implemente
todas as medidas de correção e segurança recomendadas”, com reforço dos “mecanismos
de controlo interno e externo da empresa municipal, garantindo que situações
semelhantes não se repitam”.
“Não
é admissível que um acidente com vítimas mortais e feridos ocorra num
equipamento público e que as consequências se limitem a sanções intermédias ou
a um mero passa-culpas”, acrescentaram.
Antes
de o comunicado do PS-Lisboa ser conhecido, já Alexandra Leitão dava conta
deste posicionamento, em declarações à TSF. A vereadora socialista
na CML já defendia que “o presidente do conselho de administração da Carris não
tem condições para continuar no cargo, [que] há uma quebra absolutamente
inultrapassável de confiança”. Apesar de pressionar o recém-reeleito presidente
da CML a agir, Alexandra Leitão manteve a posição de não pedir a demissão do
autarca, face às revelações do relatório preliminar.
Também
os vereadores do partido Chega e do Partido Comunista Português (PCP) pediram
responsabilidades políticas à liderança de Carlos Moedas.
Bruno
Mascarenhas, vereador do Chega, qualificou o documento de “arrasador” e
afirmou à TSF: “Naturalmente que um relatório destes nunca poderia
apontar falhas políticas. Agora, é preciso perceber que tem de se deduzir um
conjunto de responsabilidades políticas, porque o relatório é arrasador.” O
vereador frisou que “o relatório aponta para a informação de que a empresa de
manutenção informou a Carris que o cabo não estava adequado à função” e que “é
preciso perceber se a Carris soube, antecipadamente, que este cabo que se
rompeu não estava ajustado àquilo que era a função para a qual foi
adquirido”.
João
Ferreira, vereador do PCP, reforçou à TSF que “é uma
responsabilidade do presidente da Câmara, que tutela a empresa, garantir que
estas recomendações são efetivamente implementadas, [que] há uma
responsabilidade também, perante o que está para trás, que é explicar porque é
que elas não tinham sido até agora implementadas” e destacou que as
desconformidades apontadas pelo relatório “são graves”.
O
vereador acrescentou que, “ainda que não tivesse acontecido o acidente, é
suficientemente grave que equipamentos da Carris, e não foi só o elevador da
Glória, tenham funcionado em condições em que não deveriam ter funcionado e que
representavam risco para os utilizadores. Isto, por si só, justifica
a assunção de responsabilidades no plano técnico e no plano político
e justifica medidas, desde logo, de correção e de garantia de que toda a
segurança é restabelecida”.
Ao
invés, a reação do presidente da CML foi vincar que o relatório
preliminar aponta para que o acidente tenha “causas técnicas e não políticas”.
***
Pedro
Bogas sabia que não ia ser reconduzido do cargo, mas antecipou-se, apresentando
a sua demissão ao presidente da CML, informou a autarquia, em comunicado.
No dia 22, Pedro Bogas – que estava na administração da Carris, desde o verão de 2022, uma escolha já de Carlos Moedas, depois de ter vencido as eleições autárquicas de há quatro anos – esteve reunido com o presidente da CML. “Neste encontro, foi apresentada a renúncia ao cargo de presidente da CARRIS, extensível a todos os restantes elementos do Conselho de Administração da empresa”, lê-se no comunicado enviado pela CML.
No dia 22, Pedro Bogas – que estava na administração da Carris, desde o verão de 2022, uma escolha já de Carlos Moedas, depois de ter vencido as eleições autárquicas de há quatro anos – esteve reunido com o presidente da CML. “Neste encontro, foi apresentada a renúncia ao cargo de presidente da CARRIS, extensível a todos os restantes elementos do Conselho de Administração da empresa”, lê-se no comunicado enviado pela CML.
“O
presidente Carlos Moedas destaca a forma profissional e corajosa com que, no
momento mais duro do mandato, na sequência do trágico acidente do Elevador da
Glória, o atual Conselho de Administração defendeu os interesses da empresa e,
apesar de terem colocado o lugar à disposição desde a primeira hora, aceitaram
manter-se em funções”, prossegue o comunicado.
A
atual administração garantirá a gestão da empresa municipal, até que haja uma
nova administração, que o presidente da Câmara diz que deve assumir funções, em
breve, para “restabelecer, o mais depressa possível, a total confiança e
credibilidade de uma empresa fundamental para a cidade de Lisboa”.
***
Só
por fatores ainda não determinados, o mesmo não sucedeu no ascensor do Lavra e
no elevador de Santa Justa. Os cabos não eram os apropriados, a fixação não
seguia as regras, o processo administrativo falhou, os travões não foram
eficazes, a manutenção não era feita e não havia fiscalização externa.
O
cabo foi um dos fatores, mas não o único a contribuir para o acidente. Com
efeito, “houve outros fatores que tiveram forçosamente de intervir”. Era o
chamado cabo com alma em fibra, ou seja, além de ser composto por aço tem
o seu núcleo em fibra e, como tal, tem especificações técnicas diferentes do
que era até aí usado com “satisfação” pela Carris. E, como “não era o
adequado” para equipamentos de transportes de pessoas, “não estava
certificado” para o efeito, nem estava de acordo com as normas da
própria Carris. Porém, havia outros elementos inadequados, como o destorcedor; a
pinha de amarração; o aumento do comprimento do cabo, com o peso das cabinas, o
que implicou um corte de 4,5 metros; a manutenção com tarefas não realizadas; a
não testagem dos travões de eficiência; e a monitorização feita a nível unicamente
interno, sem qualquer supervisão externa.
É
óbvio que um relatório desta natureza não se pronuncia sobre responsabilidades políticas.
No entanto, como aponta falhas que têm a ver com falta de qualidade de materiais,
com duvidosa regularidade em termos processuais e com deficiência de manutenção
e de supervisão, os decisores políticos, que não andaram a boicotar o sistema,
devem tomar medidas políticas junto das administrações que deixam andar o
pessoal e os equipamentos na corda bamba.
Assim,
embora não se devam assacar responsabilidades políticas a priori, os decisores
políticos, que exercem a tutela de uma empresa municipal (que é política) não podem,
após uma ocorrência sinistra desta magnitude, circunscrever as
responsabilidades ao campo técnico. As políticas da empresa falharam. Por isso,
têm de ser corrigidas e os administradores têm de ser responsabilizados. Morreram
pessoas (portuguesas e estrangeiras) e, só por acaso, não houve acidente
similar noutros equipamentos do género. Não me digam, pois, que os poderes
políticos – autárquico e central (governo, parlamento, Presidente da República,
poder judicial) – não têm de se interrogar sobre se devem (ou não) intervir e
em que medida. “Salus Reipublicae lex suprema esto” (“A salvação do Estado seja
a lei suprema”), clamavam os políticos e os juristas romanos.
2025.10.22
– Louro de Carvalho
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