sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Israel intercetou dezenas de barcos destinados a Gaza e deteve ativistas

 

De acordo com informação dos organizadores da flotilha que rumava a Gaza, com dezenas de barcos que transportavam ajuda humanitária, incluindo aqueles onde seguiam os portugueses Mariana Mortágua, Sofia Aparício, Miguel Duarte e Diogo Chaves, os barcos foram intercetados pelas forças de defesa israelita (FDI), a 1 de outubro.
Ao cair da noite, a flotilha registou a aproximação de dezenas de navios de guerra. Pouco depois, a transmissão em direto da maioria dos navios foi interrompida. Alguns ativistas conseguiram transmitir, em direto, através dos seus smartphones, o momento em que as FDI se aproximaram, antes de atirarem os aparelhos à água. Nos seus canais nas redes sociais, o grupo partilhou vídeos pré-gravados de ativistas a bordo de vários dos navios intercetados, cada um indicando o seu nome e nacionalidade. “Se estão a ver este vídeo”, começavam muitos, declarando que tinham sido levados por Israel contra a sua vontade e reiterando a natureza não violenta da sua missão.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Israel publicou um vídeo no qual a Marinha comunicava por rádio com os ativistas, dizendo que eles estavam a “aproximar-se de uma zona bloqueada”. “Se desejam entregar ajuda a Gaza, podem fazê-lo através dos canais estabelecidos. Por favor, mudem o rumo para o porto de Ashdod, onde a ajuda será submetida a uma inspeção de segurança e, depois, transferida para a Faixa de Gaza”, foi possível ouvir.
Segundo o site oficial de Flotilha Global Sound, na manhã do dia 2, havia 21 embarcações confirmadamente intercetadas e 19 que se presume que tenham também sido intercetadas.
As autoridades israelitas afirmaram que os ativistas a bordo dos navios intercetados, incluindo a ativista climática Greta Thunberg, estavam em segurança e foram transferidos para Israel.
Esta interceção, por Israel, dos barcos que integravam a flotilha, no dia 1, suscitou críticas generalizadas, com protestos que eclodiram, durante a noite, nas principais cidades do Mundo.
O ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Antonio Tajani, disse à emissora pública italiana RAI que os ativistas seriam deportados, nos próximos dias, e que as FDI foram instadas a “não usarem violência”. E o MNE da Turquia condenou a interceção dos barcos por Israel, denunciando-a como um “ato de terrorismo” e uma grave violação do direito internacional.
A Flotilha é composta por 50 barcos cerca de 500 ativistas, incluindo Greta Thunberg, o neto de Nelson Mandela, Mandla Mandela, a antiga presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau, e vários deputados europeus. O grupo, que tem transmitido, em direto, a sua missão, afirmou que não se deixa intimidar no objetivo de quebrar o bloqueio israelita de longa data a Gaza e de levar ajuda aos palestinianos. “As interceções ilegais israelitas não nos vão dissuadir. Continuamos a nossa missão para quebrar o cerco e abrir um corredor humanitário”, afirmou a organização, numa publicação, no Instagram.
O grupo iniciou a sua viagem no porto de Espanha e, mais tarde, juntaram-se-lhe comboios adicionais de Itália e da Tunísia. Várias nações europeias, incluindo Espanha e Itália, escoltaram a flotilha, durante parte da viagem, após relatos de ataques de drones perto da Grécia.
Segundo os organizadores, a Flotilha, que constitui a maior tentativa de quebrar o bloqueio marítimo israelita à Faixa de Gaza, que dura, há 18 anos, deveria chegar às costas do enclave, na manhã do dia 2. Os organizadores reconheceram a probabilidade de interceção, já que as autoridades israelitas bloquearam todas as tentativas anteriores.
As embarcações navegavam em águas internacionais a Norte do Egito e entraram no que os ativistas designam por “zona de perigo”, área que as autoridades israelitas avisaram a flotilha de não podia atravessar e onde já tinham mandado parar outras embarcações.
Segundo os ativistas, a Marinha israelita aproximou-se da flotilha na madrugada do dia 1 e, através de mensagem de rádio, indicou que a tripulação deveria mudar de rota, visto que que se aproximava de uma “zona de combate ativa”, reiterando a oferta de transferir a ajuda para Gaza, através de outros canais.
A interceção da Flotilha por Israel suscitou críticas generalizadas, com protestos em grandes cidades de todo o Mundo, incluindo o Reino Unido, a Itália, a Grécia, a Espanha, a Bélgica, a Turquia, a Argentina e a Colômbia. E, em Portugal foram programados protestos em várias cidades do país, para o dia 2. “Convidamos todas as pessoas solidárias com a Palestina, defensoras da paz e dos direitos humanos e todas e todos os cidadãos indignados com este ataque a juntarem-se a nós neste protesto”, lia-se na publicação a Flotilha Humanitária, em Portugal, no Instagram.
Em Itália, milhares de pessoas reuniram-se nas ruas de Roma, de Nápoles, de Milão e de Turim. Os manifestantes na capital italiana gritaram “vamos bloquear tudo” e levaram as autoridades a fechar várias estações de metro. Em Nápoles, os manifestantes percorreram os carris da principal estação da cidade, gritando “Palestina livre” e agitando numerosas bandeiras.
Na capital da Argentina, Buenos Aires, os manifestantes juntaram-se, para instar o governo a tomar medidas, a fim de libertar Celeste Fierro, deputada eleita pelo Movimento Socialista dos Trabalhadores, que se encontrava a bordo do navio Adara.
O navio militar israelita que abordou a Flotilha Global Sumud, segundo o ativista Thiago Ávila e outros, danificou os sistemas de comunicação de algumas das embarcações da frota, incluindo os barcos Alma e Sirius, e efetuou “manobras muito perigosas”. Numa publicação colaborativa na página do Instagram de Ávila, pôde ver-se um grande navio a circular em torno da frota da flotilha. Não está claro se era realmente israelita, pois a visibilidade era limitada. “Apesar da perda de dispositivos eletrónicos, ninguém ficou ferido e continuamos a ir a Gaza, para quebrar o cerco e [para] criar um corredor humanitário”, disse Ávila no Instagram.
O grupo afirmou, numa publicação no Telegram, no dia 1, que os seus navios estavam a cerca de 120 milhas náuticas (222 quilómetros) de Gaza, quando vários navios não identificados, alguns com luzes apagadas, se aproximaram deles, os quais, segundo eles, já teriam partido. E frisou que está determinado a superar as frotas anteriores e a chegar a Gaza desta vez. Navios israelitas intercetaram as duas últimas missões a navegar, a Madleen, em junho, a cerca de 100 milhas náuticas da Faixa de Gaza, enquanto a Handala atingiu 57 milhas náuticas.
Desta vez, o Alma, barco que lidera a missão, foi um dos primeiros a ser intercetado pelas autoridades israelitas, que pediram, várias vezes, para as embarcações mudarem o curso da viagem. Não demorou muito até que o Adara, embarcação onde seguia Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda (BE) fosse abordado também. Nas redes sociais, o movimento informou que as embarcações foram abordadas por militares israelitas e que as câmaras dos barcos intercetados ficaram offline, estando a tentar confirmar a condição dos ocupantes.
Israel confirmou a detenção de mais de 400 pessoas, transferidas para o porto de Ashdod. “Durante uma operação, que durou cerca de 12 horas, o pessoal da Marinha israelita conseguiu impedir uma tentativa de incursão em grande escala, realizada por centenas de pessoas a bordo de 41 navios que tinham declarado a intenção de violar o bloqueio marítimo legal sobre a Faixa de Gaza”, informou um responsável israelita, vincando que, no final, mais de 400 participantes foram transferidos em segurança para o porto de Ashdod para serem recebidos pela polícia”.
Benjamin Netanyahu felicitou a ação dos militares que, segundo o primeiro-ministro israelita, “repeliram uma campanha de deslegitimação contra Israel”. “Felicito os soldados e comandantes navais que realizaram a sua missão durante o Yom Kippur (feriado judaico) da forma mais profissional e eficiente”, disse Netanyahu, em comunicado, frisando: “A sua importante ação impediu que dezenas de navios entrassem na zona de guerra e repeliu uma campanha de deslegitimação contra Israel.”

***

Ainda na noite do dia 1, Marcelo Rebelo de Sousa emitiu um comunicado a garantir que os portugueses detidos terão “todo o apoio consular”. O Presidente da República informou que “confirmou junto do governo que será assegurado, através da nossa Embaixada em Telavive, todo o apoio consular aos compatriotas detidos, como é de regra, e, em particular, quando implica titulares de órgãos de soberania, bem como todo o apoio ao regresso a Portugal”.
O MNE, tutelado por Paulo Rangel, também divulgou, na mesma noite, uma declaração a assegurar que a proteção consular “esteve sempre garantida e a recordar que o acompanhamento da missão foi feito pela frota italiana, a pedido do governo português. Referiu que os serviços consulares da embaixada de Portugal em Telavive estão em contacto com as autoridades israelitas, há vários dias, tendo solicitado que os cidadãos nacionais fossem tratados “com dignidade e sem violência” e em “respeito dos seus direitos humanos individuais”. E garantiu que as autoridades israelitas manifestaram disponibilidade para que, na primeira oportunidade, seja permitida uma visita aos cidadãos portugueses.
Entretanto o MNE israelita informou que “várias embarcações da flotilha Sumud-Hamas foram travadas em segurança e os seus passageiros estão a ser transferidos para um porto israelita”. “Greta e os seus amigos estão seguros e bem de saúde”, lê-se na declaração das autoridades de Telavive, que acusam a Flotilha de mancomunação com o Hamas, o que os ativista negam.
O ministro italiano da Defesa, Guido Croseto, informou que Israel deu garantias de que não seria exercida violência sobre os ativistas. Segundo informou o ministro italiano, os ocupantes dos barcos intercetados serão transferidos para Israel, para expulsão. “Todos os barcos estão cercados e devem ser transferidos para o porto de Ashdod, onde cada país terá que cuidar de seus cidadãos", declarou o ministro à emissora pública de televisão RAI.

***

Milhares de pessoas juntaram-se em Lisboa e no Porto, a 2 de outubro, nos protestos convocados pelo Movimento de Solidariedade com a Palestina. Os manifestantes exigiram libertação dos ativistas detidos, sanções internacionais contra Israel e o fim do genocídio, na Faixa de Gaza.
Numa altura em que nada se sabe ainda sobre o estado dos quatro portugueses detidos pelas forças israelitas, Portugal não ficou de fora das manifestações, com protestos a serem convocados em nove cidades do país, acompanhando os demais países, sobretudo aqueles da nacionalidade dos ativistas e dos deputados que integram a Flotilha.
Em Lisboa, mais de mil pessoas deslocaram-se até à porta da embaixada de Israel, para protestarem contra a detenção dos ativistas e contra o que chamam de “genocídio”, na Faixa de Gaza. O protesto teve início pelas 18h00, perto da zona do Saldanha. Muitos seguravam cartazes onde pedem “Liberdade para a flotilha” e “Sanções para Israel”. O local foi inundado de bandeiras palestinianas e do lenço simbólico Keffiyeh. Popularizado por Yasser Arafat, este lenço, que servia à proteção contra sol e areia, agora, com o seu padrão xadrez, representa identidade e é usado hoje em manifestações de apoio à causa palestiniana, em todo o Mundo. 
No Porto, a maior concentração ocorreu na Praça D. João I, junto ao Mercado do Bolhão. Segundo a agência Lusa, os manifestantes deixaram o espaço pedonal, em frente ao Teatro Municipal Rivoli, e cortaram o trânsito pelas 20h00, levando a que a polícia redirecionasse o trânsito.
Em Coimbra, cerca de 300 pessoas desfilaram pela Baixa, em protestos contra a situação na Faixa de Gaza e contra a detenção dos ativistas da flotilha humanitária. 
Além da libertação dos ativistas detidos, os manifestantes exigem o fim ao cerco ilegal à Faixa de Gaza e sanções dos países contra Israel.
Os protestos contra as ações israelitas realizaram-se em várias cidades de países, como a Espanha, a França, o Reino Unido, a Itália, a Polónia, os Países Baixos, a Alemanha, o Paquistão, a Malásia, a Colômbia e o México – em mais lugares do que o previsto inicialmente.
O Presidente da República adiantou, no dia 2, a confirmação de que os portugueses detidos iriam receber a visita da embaixadora portuguesa em Israel durante o dia 3. Explicou que o contacto com os quatro detidos irá permitir “perceber, exatamente, o que se está a passar, em termos de identificação administrativa”.
É esperado que os ativistas detidos sejam deportados nos próximos dias, num processo atrasado também pela celebração do Yom Kipur, o feriado religioso no país.
O chefe de Estado indicou que não são conhecidas as condições de saúde dos portugueses a quem será dada uma escolha”. “Ou assinam um documento, dizendo que saem com a sua concordância do território de Israel, e aí, Israel cobre as despesas dessa saída o mais rápido possível”, começou por dizer, explicando a seguir: “Ou preferem a outra via que é ficar em território israelita e, nessa medida, iniciar o processo que conduz à intervenção do juiz, que depois decidirá em que termos ocorre essa saída – e, aí, já o Estado de Israel não cobrirá essas saídas.”

***

Os protestos, as Flotilhas e a sua intercetação ocorrem enquanto as forças israelitas continuam a intensificar a sua ofensiva em Gaza, que completa dois anos, a 7 de outubro.
Fontes médicas palestinianas afirmam que, pelo menos, 42 pessoas foram mortas nos ataques de 30 de setembro, em todo o território sitiado, principalmente, no Norte, onde as FDI estão a conduzir operações terrestres na cidade de Gaza, e feriram cerca de 200 outras.
O número de mortos já ultrapassou os 66 mil, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, gerido pelo Hamas, cujos números não distinguem entre vítimas civis e combatentes.
A 29 de setembro, o presidente dos EUA, Donald Trump, revelou o seu plano de paz de 21 pontos para Gaza, juntamente com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, numa reunião na Sala Oval, na Casa Branca. O plano prevê a libertação de todos os reféns do Hamas em Gaza, cerca de 50, dos quais aproximadamente metade ainda estão vivos, a dissolução do Hamas, que terá direito a “salvo-conduto” para sair de Gaza para outros países ou a amnistia, se optar por permanecer no enclave, e a nomeação de um governo provisório de supervisão, liderado pelo antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair.
Donald Trump afirma que “todos os países árabes” concordaram com a proposta, juntamente com Israel, embora países, como o Qatar, tenham oferecido uma perspetiva diferente, afirmando que eram necessárias “mais discussões” antes de poderem aprovar o plano. E referiu que o Hamas tem de aceitar o acordo para que este possa avançar, instando-o a aceitar a proposta e alertando-o para as graves consequências do facto de não o fazer.

***

Dificilmente o Hamas resistirá à sanha de Netanyahu e à perigosa esperteza de Trump. É o tempo que temos que permite um mínimo de paz, de duração limitada, mas há que estancar a morte!

2025.10.03 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário