Pela primeira vez, desde 1923, o Rio Sena, na capital de França, foi aberto a banhos para benefício da população, constituindo o culminar de uma limpeza do icónico rio de Paris, que se iniciou a pretexto dos Jogos Olímpicos de 2024 e cujo valor atingiu mais de 1400 milhões de euros. Atualmente, as autoridades dizem que o Sena cumpre as normas europeias de qualidade da água, na maioria dos dias.
As águas do Sena foram abertas ao público em três partes do curso: Bras Marie, em frente à Ile Saint-Louis, perto da catedral de Notre-Dame; Bercy, perto da Biblioteca Nacional; e Grenelle, em frente à Ile des Swans, a dois passos da Torre Eiffel.
Estas zonas de banhos permanecerão abertas até 31 de agosto. Porém, caso as bandeiras estejam vermelhas, a natação será interditada.
Embora a natação seja gratuita e aberta ao público, de acordo com a Câmara Municipal de Paris, não será acessível sem condições. Os nadadores devem ter, pelo menos, 14 anos de idade e 1,40 metros de altura. É obrigatória, a utilização de boia de segurança e haverá, pelo menos, três nadadores-salvadores presentes em permanência em cada zona.
Além disso, não será possível nadar em toda a largura do rio, pois o Sena é muito suscetível aos efeitos da navegação e das tempestades. Por isso, foram criados “espaços de segurança”, e o restante das águas continua interdito para banhos.
Além dos três trechos, em Paris, a administração local abrirá mais 14 áreas de banho nos rios Sena e Marne, fora dos limites da capital. Duas delas já foram inauguradas no Marne, em junho.
Marc Guillaume, prefeito da região de Ile-de-France, em Paris, garantiu que a qualidade sanitária da água é excecional. “Há duas bactérias que monitorizamos, a E.coli e os enterococos, algumas das quais estão 10 vezes abaixo dos limiares e outras mais de 25 vezes abaixo dos limiares”, explicou.
Porém, dado que, em Paris, as águas pluviais e residuais são misturadas numa única rede, em caso de chuvas fortes, o excesso ainda é descarregado no Sena. Durante os Jogos Olímpicos de 2024, os recordes de pluviosidade tornaram, muitas vezes, a água imprópria para os atletas.
Por isso, neste verão, tal como na praia, serão utilizadas bandeiras (verde, amarela e vermelha) para indicar o estado do Sena. E a qualidade da água será analisada por sondas instantâneas e por amostras de cultura.
A presidente da Câmara Municipal de Paris, Anne Hidalgo, que esteve presente na reabertura, juntamente com a ministra do Desporto, Marie Barsacq, declarou que abrir o Sena aos banhistas “é também uma forma de adaptar a cidade às mudanças de temperatura”. E, falando do projeto limpeza, Anne Hidalgo vincou o objetivo de abrir cerca de 30 locais a banhistas. Para tanto, foram investidos mais de 1400 milhões de euros, para melhorar a qualidade da água a montante, com obras de captação de águas residuais, para evitar que estas desaguem no rio.
Há uma semana, a autarca assinou o decreto que autoriza o acesso às águas num “momento histórico”, após mais de 100 anos.
E, no dia 5, antes do nascer do sol, um funcionário municipal limpou as últimas manchas de algas com uma rede de pesca. Pouco depois, formou-se uma fila de parisienses ansiosos, de toalha na mão, à espera da sua oportunidade de saltar para a água.
A reação generalizada do público foi de satisfação e de alegria, com gritos de “uau” e “está quente!”, a ecoar pelo Sena. Os primeiros nadadores entraram na água verde-esmeralda e os gritos de alegria ecoaram pelas margens do rio.
“Pensava que ia estar um frio de rachar, mas, na verdade, é muito bom”, entusiasmou-se Karine, assistente de cuidados de saúde, de 51 anos, que foi uma das primeiras banhistas a entrar na água com uma boia amarela.
Sob a supervisão cuidadosa de uma dúzia de nadadores-salvadores com coletes de alta visibilidade – cada nadador colocava uma boia salva-vidas amarela brilhante à volta da cintura – correu bem o primeiro dia do banho. A corrente era fraca, apenas o suficiente para puxar, suavemente, os membros – um lembrete de que este ainda é um rio vivo e urbano.
“É tão bom nadar no coração da cidade, especialmente, com as altas temperaturas que temos tido, ultimamente”, disse Amine Hocini, trabalhador da construção civil de 25 anos de Paris, vincando: “Estou surpreendido, porque pensei que ia estar mais fresco; e, de facto, está muito mais quente do que pensava.”
A presidente da Câmara Municipal, Anne Hidalgo, que já deu um mergulho, em 2024, estava lá, na manhã do dia 5, segurando uma garrafa transparente cheia de água do rio como demonstração de confiança, e afirmou que “é um sonho de infância fazer com que as pessoas nadem no Sena”.
E, agora, a qualidade da água é “excecional”.
Do convés das embarcações, turistas, tal como, das margens, corredores matinais pararam para observar. Alguns aplaudiam, quando os nadadores subiam as escadas de aço, sorridentes e a pingar. Porém, outros, como François Fournier, permaneceram céticos. “Francamente, não me arrisco”, disse Fournier, que vive nas margens do rio e observa a cena de uma ponte, apontando: “Já vi coisas inimagináveis a flutuar no Sena, por isso vou esperar que esteja tudo bem limpo.”
Ainda havia detritos a flutuar aqui e ali – uma folha perdida, um invólucro de plástico –, mas o cheiro era quase impercetível: não havia um forte odor a esgoto, apenas um cheiro a terra, a rio.
O parisiense não pode querer que não haja folhas de plantas ou algas no rio.
“É tão chique nadar no Sena, ao lado da Île Saint-Louis”, diz Lucile Woodward, 43 anos, uma residente, explanando: “Há algumas apreensões, claro, sempre que se vai nadar para algum lado, mas acho que esta é uma das zonas mais testadas, em todo o Mundo, atualmente. Acho que a Câmara Municipal não se pode permitir ter problemas.”
E acrescentou com uma gargalhada: “A minha pele está bem!”
A natação no Sena era ilegal, desde 1923, com algumas exceções, devido à poluição e aos riscos da navegação fluvial. E, doravante, para dar um mergulho fora das zonas balneares continua a ser proibido, por motivos de segurança.
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É
de lembrar que, apesar do investimento inerente ao projeto de limpeza das águas
do Sena, os recordes de pluviosidade registados, durante os Jogos Olímpicos de
2024, tornaram, muitas vezes, a água imprópria para os atletas nadarem.Ainda a 29 de julho de 2024, se colocava a hipótese de a poluição do rio poder transformar o triatlo em duatlo, nos Jogos Olímpicos. Autoridades diziam continuar a adiar as corridas da prova de triatlo, até que a qualidade da água melhorasse. Todavia, caso isso não acontecesse, a prova de triatlo poderia tornar-se num duatlo, com apenas duas modalidades.
Pelo segundo dia consecutivo, os treinos para a prova de triatlo tiveram de ser adiados, porque o Sena, onde os atletas iriam competir, estava demasiado poluído.
O triatlo masculino estava agendado para o dia 30, enquanto a prova feminina seria no dia 31. Porém, as autoridades locais adiaram, mais uma vez, as corridas. E, na pior das hipóteses, os triatletas só participariam nas secções de ciclismo e de corrida, não havendo natação.
Quanto às maratonas de natação previstas para o Sena, nos dias 8 e 9 de agosto, a organização tinha um plano B. Se o rio Sena estivesse demasiado poluído, a prova teria lugar no Estádio Náutico de Vaires-sur-Marne, a Leste de Paris, que já recebia as competições olímpicas de remo e a canoagem. No entanto, desde o início de junho de 2024, estavam a ser feitos testes diários à qualidade da água do rio Sena.
Entretanto, a 7 de agosto, os nadadores olímpicos de águas abertas já estavam a treinar no rio Sena, durante a manhã, depois dos organizadores de Paris terem determinado que era seguro mergulhar. A sessão de treino de duas horas realizou-se numa manhã fresca e nublada, constituindo a única oportunidade para os nadadores se familiarizarem com o pitoresco percurso que atravessa o centro da capital francesa. Isto aconteceu após um teste semelhante, que deveria ter tido lugar na véspera, ter sido cancelado, devido a preocupações com a qualidade da água.
Dezenas de nadadores – desde Sharon van Rouwendaal, campeã olímpica de 2016, até ao irlandês Daniel Wiffen, que competiu, pela primeira vez, em águas abertas – mergulharam no Sena um dia antes da maratona feminina de 10 quilómetros. A prova masculina ficou marcada para 9 de agosto. E, antes de mergulharem, vários nadadores verificaram as condições, a partir da famosa Ponte Alexandre III, com vista para a boia de partida e para a rampa de chegada.
Os nadadores de águas abertas fazem a maior parte do seu treino nas condições controladas de uma piscina. E os responsáveis mostravam-se confiantes de que ambas as provas se realizariam sem problemas, especialmente, com uma previsão favorável que previa céu soalheiro, durante a tarde, e com poucas hipóteses de chuva.
A World Aquatics cancelou um teste, no dia 6 de agosto, devido a preocupações com a flutuação dos níveis de bactérias no curso de água, mas esta não é a única preocupação, pelo menos, para os competidores. A maioria dos nadadores aproveitou a sessão de treino, especialmente, para verificar a forte corrente que também suscitou preocupações. A corrente foi medida a 2-3 mph (milhas por hora) ou cerca de 3,2-4,8 kmh (quilómetros por hora), um desafio significativo, quando se sobe o rio no percurso de seis voltas.
No entanto, o Rio Sena foi palco de duas grandes modalidades dos Jogos Olímpicos: triatlo e maratona aquática.
A prova de triatlo de estafetas mistas realizou-se, no dia 5, e a World Triathlon divulgou dados, no dia 6, que mostram que os níveis de bactérias fecais E. coli e enterococos estavam dentro dos limites aceitáveis, para a extensão do percurso de estafetas de triatlo.
No entanto, quatro triatletas – dos mais de 100 que competiram nas provas individuais masculinas e femininas, na semana anterior – ficaram doentes nos dias, embora não tenha sido claro se a água foi a culpada. Com efeito, a maioria das estirpes das bactérias de E. coli e enterococcus são inofensivas e algumas vivem nos intestinos de pessoas e animais saudáveis, mas outras são perigosas e um pouco de água contaminada pode causar infeções no trato urinário ou nos intestinos.
Depois, foi a vez de os atletas de águas abertas competirem, mas a modalidade tinha um plano de reserva, caso o Sena parecesse inseguro. As provas de maratona aquática (águas abertas) seriam transferidas para o Estádio Náutico de Vaires-sur-Marne, onde se realizam as provas de remo e canoagem.
Os nadadores da maratona nadaram em troços mais longos do rio e começam e terminam na Ponte Alexandre III. Deram seis voltas no percurso de 1,67 quilómetros, num total de 10 quilómetros.
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Em 2024, os atletas acabaram por competir em provas aquáticas
no rio, apesar de ter havido denúncias de que as águas estavam impróprias para
banho dias antes.Porém, só agora, o Sena foi aberto também a banhistas. Nos três locais destinados a banhos públicos, foram construídos deques, e nadadores-salvadores monitorizam os banhistas, durante o horário permitido para entrar no rio. E a Câmara Municipal instalou bandeiras verdes, amarelas e vermelhas, ao longo das margens do Sena, para que os banhistas saibam os locais onde o banho é permitido ou proibido.
Para limpar o rio, a administração local fez um megapacote de obras que incluíram a conexão de milhares de residências ao sistema de esgoto, a modernização das estações de tratamento de água e a construção de grandes reservatórios de água da chuva, para evitar o transbordamento do esgoto durante fortes tempestades.
Embora os atrasos causados pelas chuvas tenham afetado alguns treinos olímpicos e provocado o adiamento do evento de triatlo masculino, no verão passado, as competições ocorreram, essencialmente, como o planeado.
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É irónico que vários grandes rios banhem, durante o
seu percurso, grandes cidades e os habitantes estejam proibidos de se banharem
neles. É o fenómeno da poluição de toda a espécie, mas sendo que, em muitos casos,
o rio ou a ribeira era o vazadouro de todos os efluentes. Tardiamente se construíram
estações de tratamento de águas residuais (ETAR). E os rios que, por sua natureza,
lavam, também arrastam consigo detritos e muito lixo, e as autoridades acordaram
tarde para promoverem obras de limpeza e de despoluição. No caso, do Sena, mais
de um século foi excessivo, mas – ainda bem – o rio reconciliou-se com a cidade
e com os cidadãos.
2025.07.05 – Louro de Carvalho