O almirante vai avançar para a corrida a Belém. A sua motivação assenta na evolução do Mundo, face ao agravamento da guerra na Ucrânia, à tensão crescente na Europa e à eleição de Donald Trump, bem como em “alguma instabilidade interna que se tem prolongado”.
Como referiu, em entrevista à Rádio Renascença (RR), a 14 de maio, Gouveia e Melo acredita que, se for eleito, “pode contribuir, de forma muito decisiva, para a estruturação da política de médio e longo prazo, com uma visão estratégica, e para as reformas estruturais que, há muitos anos, estão por fazer na sociedade portuguesa”.
Questionado sobre se as posições assumidas pelo atual chefe de Estado terão contribuído para a sua decisão, o candidato admite que é muito diferente dele. A este respeito, comentou: “Não vou comentar as posições do atual Presidente da República [PR]. No entanto, somos pessoas muito diferentes e, caso os Portugueses considerem que eu tenho condições para ser Presidente da República, a minha forma de atuar será muito diferente do atual Presidente.”
Contudo, no momento do anúncio da candidatura não quer preocupar-se com o passado, mas com o futuro, que passa já pelas eleições legislativas. E, quanto a estas, diz ter a expectativa de que os Portugueses escolham bem qual o tipo de governação que querem para o futuro. Tenta “não influenciar em eleições que têm a ver com os partidos políticos”, mas diz que o tempo para o anúncio da candidatura começa a ser curto, porque precisa de enviar convites para a cerimónia. Por outro lado, seria “um segredo muito mal guardado”. Assim, aproveitou o ensejo para dizer, de viva voz, que é candidato, sendo o “anúncio formal da candidatura” a 29 de maio.
Sobre a situação internacional, referiu, em modo telegráfico, o que todos sabemos. Porém, quanto à instabilidade interna, sustenta que “está aos olhos de todos nós”, pois, como desenvolve, “temos tido governos de curta duração, não temos conseguido ter uma governação estável e, num Mundo em mudança, mudando a própria ordem internacional, com uma guerra na Europa e uma instabilidade que põe em causa a própria NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte], que põe em causa o futuro da ordem mundial, todas estas coisas fizeram-me refletir e contribuíram para a minha motivação para avançar.”
Do modo como sendo PR contribuirá para enfrentar estas situações, entende que, “por ser eleito por maioria e não dependente de partidos”, pode contribuir para a estruturação da política, com uma visão estratégica, e para as reformas estruturais que estão por fazer.
Considerou o anúncio da candidatura só para depois das legislativas, para não interferir, no tempo de o eleitorado ser informado das propostas para a futura governação do país, pois, na sua opinião, “há muito tempo para as presidenciais e há pouco tempo para as legislativas”. Assim, o importante é o público estar concentrado nessas propostas. Porém, não ter assumido a candidatura não lhe retirou “o direito de intervir publicamente ou [de] responder a convites pontuais e expressar o que pensa”, pois, se os Portugueses o querem ouvir sobre determinado assunto, não se sente “obrigado a ficar calado”.
Um dos temas que o almirante colocou na agenda foi o da Defesa, pelo que foi interpelado sobre como Portugal, um país de pequena escala, assegurará a sua soberania, quando impera a lei do mais forte. A isto respondeu que, mesmo as superpotências não têm soberania total, sendo pela perceção da soberania, sempre relativa, e pela utilização inteligente dos diversos fatores de soberania que se pode ficar numa situação melhor ou pior, em liberdade de ação. Assim, por boa diplomacia, pela posição geográfica, pelo prestígio das forças armadas, pelas alianças, pela nossa cultura histórica e pela cultura de povos amigos, que fomos ajudando a construir, teremos alguma soberania, que “deve ser multiplicada”.
Considera que Portugal, sendo um país europeu, é também, desde D. João II, um país atlântico, o que “nos permite um grau de liberdade superior”. Sustenta que a Europa tem de se fortalecer, “evitando conflitos internos”, devendo Portugal participar nesse esforço. Porém, como “somos periféricos a um centro político, económico, industrial e tecnológico”, situado entre a França, a Alemanha e a Polónia, temos outra realidade “em que a nossa posição nos dá vantagens”.
Contudo, não omite as desvantagens que advêm do tráfego marítimo no espaço atlântico, ao nível da vulnerabilidade de segurança, pela distância, mas com vantagens de segurança na distância. Por isso, segundo o almirante, neste contexto, “as nossas decisões devem ser informadas para os nossos objetivos económicos [e] geopolíticos”, sendo essencial a proximidade com as potências marítimas dominantes, como o Reino Unido, no passado, e, agora, os Estados Unidos da América (EUA), com potências emergentes, como o Brasil e Angola, e com a China, com quem “temos uma relação histórica de mais de 500 anos” e, agora, uma boa relação.
E, no plano económico, tendo em conta que um grande banco será comprado por grupos espanhóis e havendo receio de que ponha em causa a nossa soberania, sustenta que “devemos estar atentos a todo o tipo de soberanias que nos possam condicionar ou alavancar a nossa capacidade de decisão”, mas a economia espanhola e a portuguesa estão cada vez mais interligadas e “um solavanco na economia espanhola é um solavanco na economia portuguesa e vice-versa”. E pensa que estar na Península Ibérica com determinado posicionamento favorável a ambas as nações é bom, desde que não haja tentativa de subalternização, em vez da partilha e da cooperação.
Afasta, para já, o espectro da participação dos jovens numa guerra, apoiado nos três estados das relações internacionais: a cooperação, que perdemos, de algum modo, com a Rússia; a confrontação, que não se deseja; e a dissuasão, para que a Europa dispõe de capacidade. Arrisca dizer que a Europa tem uma economia 10 vezes superior à Rússia, população três vezes e meia superior, tecnologia superior, muitos mais portos, mais bem posicionada e sem uma região de gelo grande como a da Rússia. Porém, concorda que o receio é de que os EUA não saiam em defesa da Europa, em caso de ataque, ou da desmotivação da população.
Opina que a questão das armas nucleares “é um falso problema”. A questão é, em seu entender, a capacidade e a vontade de não as usar, porque o poder receia que o sistema político não permite “congregar a vontade no tempo certo”. Por isso, “o que a Europa tem que fazer é mostrar que tem vontade”. De facto, estas novas políticas e esta nova afirmação da Europa é a coisa mais importante para dissuadir qualquer l agressor. Porque se ele tenta a agressão, temos de passar a outra fase que ninguém deseja. Portanto, nós todos, em conjunto, temos de mostrar a disposição para nos defendermos, porque é essa disposição que evitará termos de nos defender.
Refere que, na Europa, dois países têm, em conjunto cerca de 600 ogivas nucleares, o que é muito credível para a dissuasão. É certo que a Rússia tem cerca de cinco mil, mas “bastam dez para arrasar um país”. Considera que é preciso integrar a Rússia no concerto das nações, tal como a China e que isso tem de se fazer pela economia, pois, através dela, se percebe que os outros interesses não comuns são menos importantes.
Do lado da Defesa, para o candidato, “o grande perigo é não percebermos que, se não fizermos a dissuasão, o outro lado pode pensar que pode tomar conta de nós”.
Em relação ao estado das nossas forças armadas, o pilar da defesa militar, afirma que o PR, como seu comandante supremo, podia e pode ter papel mais ativo na definição de uma estratégia para as forças armadas, pois, sendo “ele um dos responsáveis, na lei e na Constituição, por garantir a independência e a soberania nacional, deve ter um papel relevante com a sua opinião”, embora caiba ao governo executar a política de governação. Contudo, o presidente, no papel de aconselhamento e em algum posicionamento estratégico, “tem uma influência importante”. Por isso, os presidentes “podiam e deviam” ter feito mais, neste âmbito, mas “era difícil, na altura, face ao ambiente e à perceção do que era a segurança internacional”.
Descobrimos que estarmos protegidos pelo amigo americano, sem considerarmos uma capacidade autónoma de proteção, pode sair-nos muito caro. Todavia, foi a Europa toda que entrou no equívoco. Aliás, já Barack Obama advertia que a Europa tinha de ajudar.
Fala-se de 800 mil milhões de euros para a Defesa, o que tira dinheiro ao Estado Social e o agora candidato recorda que fizera, há um ano, um artigo sobre essa problemática, no que foi “atacado por todo o sistema político”. Porém, agora, faz gala da sua coerência.
Sobre as críticas ao sistema de contratação de material para a Defesa, diz que “o problema é não se perder a transparência” e que “o processo atual é verdadeiramente kafkiano”, pois, muitas vezes, são disponibilizados recursos às forças armadas e não há tempo, no ano económico, para fazer a contratação pública. Isso postula simplificação administrativa e melhor fiscalização, para edificarmos “um sistema militar em termos das suas capacidades, em dois a três anos.
O material a comprar, segundo o almirante, deve ser português ou com incorporação de algo português e, não podendo ser, material europeu e norte-americano.
O investimento na Defesa é quase obrigação. E, para não prejudicar o Estado Social, a forma de o fazer é pô-lo a promover a tecnologia, que dê maior valor acrescentado à economia, para esta reentrar no Estado Social (paga-se mais imposto, cria-se mais emprego qualificado, paga-se mais para a Segurança Social).
Considera o candidato que empresas, academias e militares são evoluídos, mas precisamos de nos focar em tecnologia transformadora e, dentro dessa, em áreas espaciais relevantes. Com efeito, “o nosso ar e o [nosso] mar são gigantescos”; e, ao fazê-lo, simultaneamente, estamos a adquirir a tal soberania estratégica no momento em que ela está a ser discutida”.
O almirante, reportando-se à Conferência de Yalta, de 1945, sublinha a presença dos três grandes, na altura – Roosevelt, Churchill e Staline –, dos quais dois terços eram democratas (discutível) “e acreditavam num Mundo baseado na regra da lei e na cooperação”. E, embora tenham dividido o Mundo em esferas de influência, criaram as Nações Unidas e os seus primeiros mecanismos. Isso, na prática, mudou. “Esta é a nova ordem mundial”, pensa Gouveia e Melo, que avança com a hipótese de uma conferência de Yalta, em que pontificariam Putin, Xi Jinping e Trump, para discutirem “regras que beneficiassem essas três potências de forma descarada”, em vez de temas de interesse premente para a comunidade internacional.
No seu caso, sendo PR, “achava que devíamos estar preocupados é com a estratégia de médio longo prazo”, pois isso “é que é a estratégia que o Presidente, com a sua influência, deve exercer”, até porque os empresários “precisam de estratégias de médio e longo prazo para fazer os seus investimentos”.
Interrogado sobre se, na economia, Portugal pode aprender com a Espanha, respondeu que temos “muito a aprender”. Depois, lembrou que escreveu, há pouco tempo, um artigo sobre a área económica, a sustentar que “não temos de ser pobres”; e, contra a velha máxima “pobre é honrado”, prefere “rico e honrado”. Ou seja, propõe, na economia, “uma estratégia de soberania, no sentido de termos a máxima liberdade de ação possível, dentro do nosso contexto geográfico e do nosso potencial”, que deve ser perseguida, “com ideias de médio e longo prazo”.
Ora, no dizer do almirante, “para garantir que essa economia possa florescer”, o Estado “tem de criar as condições básicas”, ministrar Justiça mais célere nos assuntos económicos, aligeirar a burocracia na economia. Ao mesmo tempo, há que desfazer a desconfiança sobre empresários, reveladora de uma cultura que “acaba por deprimir a economia”, para não nos queixarmos de andar a “distribuir pobreza em vez de riqueza”.
Concorda com o entrevistador em que, para a economia ser um setor bem-sucedido, tem de haver algum nível de ligação entre o Estado e a Defesa, “uma ligação em termos de objetivos estratégicos e de ambiente previsível” e não “uma ligação no sentido de uma ligação promíscua que, depois, desenvolve todo um conjunto de coisas negativas”, incluindo as que “podem afetar a própria governação e a credibilidade da governação”. “Queremos empresários livres do Estado e um Estado que lhes dê previsibilidade e lhes garanta um ecossistema bom para desenvolverem os seus negócios”, sentencia o almirante e candidato presidencial.
Porém, são relevantes, embora discutíveis, as suas notas sobre Defesa e Estratégia.
2025.05.14 – Louro de Carvalho