quarta-feira, 30 de abril de 2025

Significado e objetivos do Dia Internacional do Trabalhador

 
A 1 de maio, celebra-se o Dia Internacional do Trabalhador, o qual, na perspetiva da exigência atual da linguagem inclusiva, perfeitamente aceitável (não digo o mesmo da linguagem dita neutra), deveria denominar-se de Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora.
Nesta data, destacam-se as conquistas no campo dos direitos dos trabalhadores, fazem-se diversas reivindicações sociais e laborais e pretende-se sensibilizar para a falta de condições de trabalho que ainda se verificam por todo o Mundo, assim como para as desigualdades de género no trabalho, a nível salarial e de acesso às profissões. É, por isso, um dia querido para todos os que defendem uma sociedade mais humana, mais justa e mais solidária.
Este dia tem origem na histórica greve geral de Chicago, ocorrida a 1 de maio de 1886, na qual foram reivindicadas melhores condições laborais e salariais, nomeadamente, a redução da jornada de trabalho, que chegava a 17 horas, para oito horas. Durante a manifestação houve confrontos com a polícia, o que resultou em prisões e em mortes de trabalhadores, ocorrência que serviria de inspiração a muitas outras manifestações que se lhe seguiriam. Estas lutas operárias culminaram numa série de direitos, previstos em leis e sancionados pelas Constituições nacionais.
Nos Estados Unidos da América (EUA), no congresso de 1884, os sindicatos estabeleceram o prazo de dois anos, para impor aos empregadores a limitação da jornada de trabalho para oito horas. A campanha começou a 1 de maio, quando muitas empresas iniciavam o ano contabilístico, os contratos de trabalho terminavam e os trabalhadores buscavam outros empregos. Estimulada pelos anarquistas, a adesão à greve geral de 1 de maio de 1886 foi ampla, envolvendo cerca de 340 mil trabalhadores, no país, mas a manifestação envolveu cerca de 500 mil trabalhadores.
Em Chicago, a greve atingiu várias empresas. A 3 de maio, durante uma manifestação, grevistas da fábrica McCormick saíram em perseguição dos indivíduos contratados pela empresa para furar a greve. São recebidos pelos detetives da agência Pinkerton e por polícias armados de espingardas. O confronto resultou em três trabalhadores mortos. No dia seguinte, realizou-se uma marcha de protesto e, à noite, após a multidão ter dispersado na Haymarket Square, restaram cerca de 200 manifestantes e o mesmo número de polícias. Explodiu uma bomba perto dos polícias, matando um, e outros sete foram mortos no confronto subsequente. Ao todo, morreram 10 pessoas.
Em consequência desses eventos, apesar da inexistência de provas, os sindicalistas anarquistas Albert Parsons, Adolph Hisher, George Engel, August Spies e Louis Lingg, foram condenados à forca. Louis Lingg suicidou-se na prisão, ingerindo uma cápsula explosiva. Os outros quatro foram enforcados a 11 de novembro de 1887, dia que ficou conhecido como Black Friday. Três outros foram condenados à prisão perpétua. Em 1893, foram inocentados e reabilitados pelo governador de Illinois, que confirmou ter sido o chefe da polícia quem organizara tudo, inclusive encomendando o atentado para justificar a repressão que viria a seguir.
A 20 de junho de 1889, a II Internacional Socialista, reunida em Paris, decidiu convocar, anualmente, uma manifestação, para lutar pela jornada de oito horas de trabalho. A data escolhida foi 1 de maio, em homenagem às lutas sindicais de Chicago. A 1 de maio de 1891, no Norte da França, a polícia dispersou uma manifestação, tendo resultado na morte de 10 manifestantes, drama que serviu para reforçar o significado da data como dia de luta dos trabalhadores. Meses depois, a Internacional Socialista, em Bruxelas proclamou a data como dia internacional de reivindicação de condições laborais. A 23 de abril de 1919, o senado francês ratificou a jornada de oito horas e proclamou feriado o dia 1 de maio daquele ano. E, em 1920, a então União Soviética adotou o 1.º de Maio como feriado nacional, no que foi seguida por outros países.
No período entre a duas guerras mundiais, a duração máxima da jornada de trabalho foi fixada em oito horas, na maior parte dos países industrializados.
As lutas e manifestações russas inspiraram artistas de todo o Mundo que tinham o socialismo como ideologia. Entre eles, destaca-se o artista mexicano Diego Rivera, o qual conseguiu expressar a sua admiração pelo passado da luta dos trabalhadores numa das suas obras que retrata a Manifestação do Primeiro de Maio em Moscovo, realizada em 1956.
Até hoje, o governo dos EUA nega-se a reconhecer a data como o Dia do Trabalhador. Porém, em 1890, a luta dos trabalhadores norte-americanos fez com que o Congresso aprovasse a redução da jornada de trabalho, de 16 horas para oito horas diárias.
A 14 de julho de 1989, o Congresso Operário Internacional, em Paris, assumiu, oficialmente, a data para as comemorações e para as reivindicações sociais e laborais.
Em Portugal, o Dia do Trabalhador é celebrado desde 1890. Porém, as ações do Dia do Trabalhador limitavam-se, inicialmente, a piqueniques de confraternização, com discursos, e a romagens aos cemitérios, em homenagem aos operários e ativistas caídos na luta pelos seus direitos laborais. Com as alterações qualitativas assumidas pelo sindicalismo português, no fim da Monarquia, ao longo da I República, o 1 de maio transformou-se num sindicalismo reivindicativo, consolidado e ampliado, adquirindo caraterísticas de ação de massas, até que, em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo português, foi conquistada e consagrada na lei a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.
Na Ditadura Nacional e no Estado Novo, a comemoração era violentamente reprimida pela polícia. Todavia, mesmo nesse período, os Portugueses tornearam os obstáculos do regime à expressão das liberdades. As greves e as manifestações de 1962, um ano após o início da guerra colonial em Angola, são provavelmente as mais relevantes e carregadas de simbolismo. Apesar das proibições e da repressão, houve manifestações dos pescadores, dos corticeiros, dos telefonistas, dos bancários, dos trabalhadores da Carris e da CUF. A 1 de maio, em Lisboa, manifestaram-se 100 mil pessoas, no Porto 20 mil e, em Setúbal, cinco mil. Ficarão, pois, como marco indelével na História do operariado português, as revoltas dos assalariados agrícolas dos campos do Alentejo, com o grande impulso no 1.º de maio de 1962.
Com efeito, mais de 200 mil operários agrícolas, que, até então, trabalhavam de sol a sol, participaram nas greves realizadas e impuseram aos agrários e ao governo de Salazar a jornada de oito horas de trabalho diário.
Contudo, só a partir de maio de 1974, após a Revolução dos Cravos, é que se voltou a comemorar, livremente, o Primeiro de Maio, que passou a ser feriado.
O Dia Mundial do Trabalhador é comemorado em todo o país, com manifestações, comícios e festas de caráter reivindicativo, promovidos pela central sindical CGTP-IN (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical) nas principais cidades de Lisboa e Porto, assim como pela central sindical UGT (União Geral dos Trabalhadores). No Algarve, na Madeira e nos Açores, a população faz piqueniques e são organizadas festas alusivas à data.
Em Portugal, o feriado começou a ser assinalado logo em 1890. Todavia, as comemorações cessaram com o início do regime do Estado Novo. Posteriormente, o 1.º de maio voltou a ser festejado em maio de 1974, 8 dias após a Revolução dos Cravos.
Foram os factos históricos que transformaram o 1 de maio no Dia do Trabalhador. Até 1886, os trabalhadores jamais pensaram exigir os seus direitos, apenas trabalhavam.
No Brasil, é usual os governos anunciarem o aumento anual do salário mínimo, no dia 1 de maio.
Claro que o 1.º de maio mais extraordinário realizado, até hoje, em Portugal, com direito a destaque certo na história, foi o que se realizou oito dias depois do 25 de Abril de 1974.
O Dia do Trabalhador também tem sido turbulento, na Turquia, e violento e mortal, muitas vezes. O ano de 2015 teve uma originalidade: o regime não quis proibir, diretamente, a manifestação na Praça Taksim, mas impediu a concentração de trabalhadores e de intelectuais naquele local emblemático. No Japão, o 1 de maio é comemorado a 23 de novembro, desde 1948. É chamado de Kinrou Kansha no Hi, que significa “Dia da Ação de Graças ao Trabalho”.
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Muito antes de ser o Dia do Trabalhador, o 1 de maio foi dia de outros factos históricos.
Por exemplo, em 1500, Pedro Álvares Cabral tomou posse da Ilha de Vera Cruz (atual Brasil), em nome do Rei de Portugal.
Em 1707, entrou em vigor o Tratado de União, que fez da Inglaterra e da Escócia o Reino Unido.
Em 1786, ocorreu a estreia da ópera “As Bodas de Fígaro”, de Mozart, em Viena, na Áustria.
Em 1834, foi abolida a escravatura nas colónias inglesas.
Em 1960, eclodiu uma crise diplomática entre antiga União Soviética e os EUA, com o abate do U2, um avião espião norte-americano, pilotado por Francis Gary Powers.
Em 1994, o automobilismo sofreu uma grande perda com a morte do brasileiro Ayrton Senna, no Grande Prémio de San Marino.
Em 2004, a União Europeia (EUA) cresceu, com a entrada de mais 10 países: a Chéquia, a Hungria, Chipre, a Eslováquia, a Polónia, a Eslovénia, a Estónia, a Letónia, a Lituânia e Malta.
Em 2011, ocorreu a beatificação do Papa João Paulo II, no mesmo dia em que Barack Obama disse “We got him”, referindo-se à captura e à morte do terrorista Osama Bin Laden, numa operação norte-americana realizada no Paquistão.
Enfim, é o dia de nascimento do escritor francês Jean de Joinville (1225), do poeta russo Aleksey Khomyakov (1804), e do 4.º Presidente da República Portuguesa, Sidónio Pais (1872).
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O dia 1 de maio devia ser Dia da Trabalhadora e do Trabalhador, traduzindo a igualdade entre homens e mulheres, a conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar e pessoal e a garantia de que o rendimento do trabalho daria para a sobrevivência da família e do trabalhador, para lá do horizonte vital da produtividade pessoal. Porém, há muito por fazer.
Por exemplo, em Portugal, as mulheres trabalhadoras, em média, obtêm, por mês, menos 157,12€ (euros), de remuneração base, do que os homens trabalhadores; a taxa de emprego a tempo completo das mulheres é de 86,58%, e a dos homens é de 90,75%; a taxa de emprego a tempo parcial das mulheres foi de 13,42%, e a dos homens foi de 9,25%.
Em média, as mulheres dedicam 04h23m, por dia, ao trabalho não pago e os homens dedicam 02h38m (minutos); as mulheres dedicam, 03h06m, por dia, às tarefas domésticas e os homens 01h54m; as mulheres dedicam 03h14m, por dia, ao trabalho de cuidados, e os homens 02h19m.
O número de homens que receberam o subsídio de licença parental obrigatória vem a aumentar, situando-se em 56704, em 2017; o número dos que recebem subsídio por licença parental facultativa de uso exclusivo do pai vem a aumentar, situando-se em 51269, em 2017; o número de homens que partilharam a licença parental de 120 a 150 dias subiu de 20430, em 2012, para 28466, em 2017 – um avanço social e familiar.
A igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, no universo laboral, também depende da divulgação das boas práticas para o equilíbrio entre mulheres e homens, em lugares de decisão, apoiando o acesso das mulheres a tais funções, pelas suas competências individuais, e atuando a nível dos processos de recrutamento e de desenvolvimento de carreiras, com políticas de remuneração mais igualitárias; da eliminação da segregação vertical e horizontal entre mulheres e homens, evitando disparidades remuneratórias e enviesamentos discriminatórios, de modo a garantir a paridade ao nível da representação e da tomada de decisão; da promoção de políticas e de boas práticas de conciliação nos vários domínios da vida das trabalhadoras e dos trabalhadores, permitindo melhor gestão dos tempos e formas de organização do trabalho pago e do trabalho não pago; da sensibilização dos trabalhadores e das trabalhadoras para o exercício dos direitos parentais e para partilha igualitária de tarefas domésticas e de cuidados, e de outras responsabilidades familiares; da aplicação de medidas e de ações de prevenção de combate ao assédio moral e sexual e de reparação de danos ou prejuízos causados no clima organizacional; e da adoção de planos para a igualdade e de códigos de ética e de conduta, que assegurem a eliminação das desigualdades entre homens e mulheres no trabalho.
A  Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) é o mecanismo que prossegue a igualdade e a não discriminação entre mulheres e homens no trabalho e no emprego e, no âmbito da sua missão, desenvolve estudos, em parceria com diversas entidades, de que se destacam os mais recentes: com o CESIS – Centro de Estudos para a Intervenção Social, publicou “Os Usos do tempo de Homens e de Mulheres em Portugal”; com o ICS – Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou “Livro Branco Homens e Igualdade de Género em Portugal” e, com o CIEG – Centro Interdisciplinar de Estudos de Género do ISCSP, publicou “Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho”.
Contudo, abunda a precariedade no emprego, a imposição de sobrecarga de trabalho, o inadequado pagamento do trabalho duro e do trabalho de alta responsabilidade. Há profissões em que o trabalhador não pode fazer pausa, noite e dia, no contacto com o empregador e com os clientes (não pode desligar). Muitas empresas não empregam trabalhadores, vivendo da prestação de serviços, da parte de empresas que põem ao seu serviço pelotões de assalariados mal pagos. O sindicalismo é olhado de soslaio. O trabalhador é tratado pelo eufemismo de colaborador. E o Estado não é exemplo, nesta área, e as suas carreiras não são atrativas.
Há retrocesso nos direitos do trabalhador e na valorização do trabalho.
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Segundo o Objetivo 8 dos Objetivos De Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, é primordial promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, o  emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos e para todas. Aproximadamente, metade  da população  mundial ainda  vive com o equivalente a dois dólares diários, pelo que é necessário refletir sobre este progresso lento e desigual e rever as políticas económicas e sociais destinadas a erradicar a pobreza no Mundo. A diminuição da produtividade laboral e o aumento das taxas de desemprego influenciam, negativamente, o nível de vida e os salários, pelo  que a criação de empregos de qualidade continua a constituir um grande desafio.
Para conseguir o desenvolvimento económico sustentável e inclusivo, devem criar-se as condições necessárias para que as pessoas acedam a empregos de qualidade, estimulando a economia, sem prejudicar o ambiente, bem como aumentar, consideravelmente, as competências necessárias, em particular, técnicas e profissionais da população jovem e adulta para lhe facilitar o acesso ao emprego, ao  trabalho decente e ao  empreendedorismo.
Há muitos mares que ainda não foram navegados e outros que deixaram de o ser!

2025.04.30 – Louro de Carvalho


terça-feira, 29 de abril de 2025

Longo apagão na Península Ibérica e em zonas francesas confinantes

 

Grande falha no fornecimento de energia atingiu Portugal e a Espanha, a 28 de abril, deixando milhões de pessoas sem energia elétrica, de acordo com as respetivas autoridades da Península.

Em Portugal, fontes oficiais afirmaram aos meios de comunicação social que o corte de energia foi de âmbito nacional e, na Espanha, há relatos semelhantes. O aeroporto internacional de Barajas, em Madrid, ficou sem eletricidade e as telecomunicações foram afetadas, assim como ficaram paralisados outros aeroportos da região. E os cidadãos de Andorra e de partes de França, que fazem fronteira com Espanha, também foram afetados pelo apagão e foram registados outros cortes de energia até à Bélgica.

Os meios de comunicação social davam conta de problemas na rede elétrica europeia, que afetaram as redes nacionais da Península Ibérica, e foi apontado, como causa possível, um incêndio no Sudoeste da França, na montanha Alaric, que danificou uma linha elétrica de muito alta tensão entre Perpignan e Narbonne oriental. E o primeiro-ministro (PM) português, na sua comunicação ao país, subsequente à primeira parte de uma sessão extraordinária do Conselho de Ministros, que se prolongou por mais de duas horas, adiantou que o apagão não teve origem em Portugal e que “foi completamente inesperado”.

A sessão do Conselho de Ministros manteve-se, mas o PM deslocou-se ao centro de operações da REN – Redes Energéticas Nacionais, para falar aos cidadãos.

Em comunicado, o Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS) garantiu, na tarde do dia 28, que não tinham sido identificados, até àquele momento, indícios que apontassem para um ciberataque, a justificar a falha generalizada na rede elétrica; que fora informado, às 11h30, de uma falha na rede elétrica nacional; que, após contacto com as entidades incumbentes se apurou que se tratara de uma falha que afetou alguns países europeus; e que estava em contacto com as suas congéneres nesses países e com as entidades relevantes nacionais.

A presidente da Comissão Europeia garantiu, no próprio dia, que Bruxelas iria “coordenar esforços”, para ajudar na reposição rápida do fornecimento de eletricidade. “Conversei com Pedro Sánchez sobre o corte de energia na Península Ibérica. Reafirmei-lhe o apoio da Comissão Europeia, na monitorização da situação com as autoridades nacionais e europeias, e com o nosso Grupo de Coordenação da Eletricidade”, escreveu Ursula von der Leyen, no X.

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Este grande corte de energia deixou Espanha e Portugal às escuras, com muitas pessoas retidas nos aeroportos, por falta de voos de regresso a casa, e em grandes centros urbanos, por falta de transportes para voltarem para casa no fim do trabalho, o que levou as autarquias de algumas cidades, como Barcelona, à improvisação de tendas para dormir. Com efeito, em ambos os países e em partes da França, o corte de energia fez parar o metro, os comboios, cortou os serviços telefónicos, as emissões de televisão e as ligações à Internet, desligou as caixas multibanco e os semáforos, encerrou bombas de combustíveis e escolas e impediu que aparelhos a funcionar com bateria, não restabelecessem a autonomia pelo recarregamento. Assim, a informação tornou-se, cada vez, mais escassa e muitas famílias enfrentavam, além da falta de comida quente e de água doméstica, a perspetiva de uma noite sem eletricidade, com recurso à vela ou à lanterna.

Entretanto, depois de cenas de açambarcamento de produtos, em supermercados, o fornecimento de eletricidade começou a ser reestabelecido, no início da noite, e regressou, no dia 29, a quase todo o território de Espanha e Portugal, sem ter evitado que o grande corte de energia tenha provocado o caos entre os habitantes da Península Ibérica, que tem uma população de cerca de 60 milhões de pessoas, embora não se saiba quantas foram afetadas pelo corte de energia.

A Red Electrica, o operador nacional da rede elétrica espanhola, afirmou, em comunicado, que o fornecimento de energia fora restabelecido em partes de várias regiões, incluindo a Catalunha, a Andaluzia, o País Basco e Castela e Leão, no dia 28, à noite.

Eduardo Prieto, chefe de operações da Red Eletrica, disse à Associated Press (AP) que a situação era sem precedentes, descrevendo o evento como “excecional e extraordinário”, enquanto Teresa Ribera, vice-presidente executiva da Comissão Europeia encarregada de promover a energia limpa, considerou que o incidente foi “um dos episódios mais graves registados na Europa, nos últimos tempos”. As autoridades ainda tentam determinar a causa exata do corte de energia, mas os especialistas avançaram alguns cenários possíveis. No entanto, é de salientar que há poucos indícios que permitam afirmar definitivamente o que correu mal.

Segundo as informações que circularam, no dia 28, o corte de energia poderia ter sido o resultado, além do referido incêndio, em Alaric, de um fenómeno raro chamado “vibração atmosférica induzida”, que causou oscilações anómalas, nas linhas de alta tensão da rede de energia espanhola. “Estas oscilações provocaram falhas de sincronização entre os sistemas elétricos, levando a perturbações sucessivas nas redes europeias interligadas”, afirmou a REN à BBC, na tarde do dia 28. Porém, mais tarde, desmentiu estas afirmações, nos meios de comunicação social portugueses.

Sobre o que terão sido tais vibrações e sobre o efeito que terão tido na rede elétrica da região, Solomon Brown, professor de Sistemas de Processo e Energia na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, disse à Euronews Next, que uma “vibração atmosférica induzida” poderia ser o equivalente a “induzir uma pequena mudança no campo eletromagnético local”, com “o mesmo tipo de impacto que, por exemplo, um evento solar”, podendo “causar desequilíbrios nos fluxos de energia elétrica que teriam de ser controlados”.

O distribuidor de energia pode utilizar uma série de ações para controlar esta situação, como pedir às fontes de energia que produzam ou reduzam a quantidade de energia que fornecem. E, nos casos em que a perturbação é demasiado grande, os operadores podem desligar a rede e voltar a ligá-la lentamente. Porém, de acordo com Solomon Brown, a reativação da rede é “complicada”, podendo levar várias horas, até que a energia volte a ser ligada em todo o lado.

Embora não seja especialista na rede espanhola e portuguesa, Solomon Brown acredita que as duas estão interligadas, através de cabos de alta tensão que sincronizados para criar uma única rede elétrica. “Isto é bastante comum e, para a Europa, ajuda a criar uma rede elétrica única que pode cooperar, mas que, em momentos de stresse, tem de ser gerida separadamente e voltar a ser unida”, explicitou.

Onyema Nduka, professor catedrático de Sustentabilidade Energética na Universidade de Londres, afirmou que as redes elétricas estão, normalmente, interligadas, porque as centrais de produção que as alimentam estão localizadas longe das cidades. Assim, um corte de energia numa parte da rede pode “levar a um efeito de cascata, noutras áreas”. “Idealmente, as redundâncias estão integradas no sistema, como a existência de vários pontos de abastecimento, geradores de reserva situados em locais diferentes, fios e cabos interligados, etc.”, especificou, vincando que a solução passa por as empresas de energia restabelecerem a eletricidade aos clientes afetados, o mais rapidamente possível, mas que o procedimento para fazê-lo “ainda não foi revelado”.

As autoridades portuguesas, citadas pela AP e pelos meios de comunicação social nacionais, atribuíram a falha de energia a problemas técnicos não especificados, com origem no exterior do país, mas referiram que a investigação ainda está em curso.

Juanma Moreno, presidente do governo regional da Andaluzia, comunidade autónoma no Sul da Espanha, afirmou que não está excluído um ataque informático e aconselhou os cidadãos a serem cautelosos. No entanto, a hipótese de ciberataque foi refutada por Pedro Sánchez, primeiro-ministro de Espanha, por Luís Montenegro, primeiro-ministro de Portugal, e por António Costa, presidente do Conselho Europeu.

Pedro Sánchez escreveu, na rede social X: “A Espanha dispõe de mecanismos para lidar com este tipo de situações. Mais uma vez, apelo ao público para que coopere com todas as autoridades e atue de forma responsável e civilizada, como sempre fizemos.”

O CNC português também afirmou, em comunicado, que não há indícios de que a falha tenha sido causada por um ataque informático.

Em declarações à Euronews, Taco Engelaar, diretor-geral da NEARA – New England Antiquities Research Association, especialista em infraestruturas energéticas, disse que a interconetividade das redes nacionais e dos seus sistemas significaria que uma falha ou um ataque teria o mesmo resultado líquido. “Uma falha tão generalizada da rede é extremamente invulgar e pode ser causada por uma série de fatores: pode haver uma falha física, na rede, que provoque o corte de energia, pode estar, por detrás disso, um ciberataque coordenado ou um desequilíbrio dramático entre a procura e a oferta que tenha feito o sistema da rede ultrapassar os limites”, sustentou, vincando: “Se for uma falha do sistema, então a interconetividade entre as diferentes redes regionais e nacionais pode estar a levar à grande quantidade de cortes de energia a que estamos a assistir hoje [dia 28]. […] O mesmo se aplica a um ciberataque – muitos destes sistemas estão ligados e partilham ativos – derrubar um pode derrubar muitos.”

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Especialistas e empresas pronunciaram-se sobre o impacto que o corte de eletricidade que atingiu os dois países poderá ter nas suas economias. Desde logo, muitos trabalhadores foram obrigados a abandonar os seus postos de trabalho, em Portugal e na Espanha, no dia 28, depois do grande corte de energia. Seja como for, o Presidente do Conselho da UE, tal como os chefes de governo em causa, excluiu a hipótese de ciberataque como causa do ocorrido, desmentindo os rumores.

Kyle Chapman, analista de mercados FX do Ballinger Group, considerou: “Essencialmente, a economia espanhola está encerrada durante o dia e isso significa que as empresas vão sofrer um golpe a curto prazo, mas, em última análise, a perturbação total será provavelmente marginal, desde que a energia volte relativamente depressa.”

A operadora REN disse que, na pior das hipóteses, poderia demorar até uma semana, para que os serviços normais regressem.

Porém, Kyle Chapman adiantou: “Suspeito que a maior preocupação será o estado das infraestruturas e a resiliência, o que poderá afetar, ligeiramente, o crescimento do PIB [produto interno bruto], a nível mensal. Penso que estamos provavelmente a ver as questões fundamentais da expansão das energias renováveis a virem ao de cima.”

A economia espanhola cresceu 3,2% em 2024, mais do dobro da média da Zona Euro (0,9%), com a procura interna a impulsionar a expansão e com o turismo a contribuir para o crescimento. E, em Portugal, o crescimento foi de 1,9% em 2024, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE).

Beatriz Barber, que vive em Madrid e trabalha numa empresa de engenharia espanhola, disse à Euronews que foi mandada para casa, ao início da tarde, por não ter condições para continuar a trabalhar. “Estive a trabalhar, normalmente, até às 12h30 (em Portugal, 11h30). Tinha uma reunião online no meu escritório. E a colega que estava a falar na reunião foi desligada, de repente, porque estava a ligar de casa. É provável que estivesse ligada a outro operador de Internet que já estava em baixo. Os outros colegas que estavam na reunião mantiveram a ligação, tal como eu”.

Depois, Beatriz referiu que os ecrãs dos seus computadores ficaram negros e que esteve ligada à Internet no seu computador portátil, mas não no telemóvel, durante mais ou menos meia hora.

Passado esse tempo, deixou de ter Internet no seu computador portátil. Foi “um colapso progressivo”. E o chefe disse-lhe a ela e à equipa que podiam ir para casa, porque não se poderia “continuar a trabalhar e a recuperação da rede elétrica deveria demorar várias horas”.

Este cenário foi muito comum em trabalhadores portugueses e causou grandes transtornos a quem estava em trabalho remoto ou teletrabalho.

Pessoalmente, assisti a trabalho que deveria ser feito com ferramentas elétricas e que teve de ser feito com ferramentas manuais, pelo que demorou o dobro do tempo.  

Embora o impacto económico não seja totalmente conhecido até que a poeira assente, o setor das viagens terá sentido a pressão, dado que o corte de energia fez parar os comboios e causou grandes perturbações nos aeroportos e no metro (houve composições retidas na linha).

Eduardo Prieto, chefe de operações da Red Eléctrica, disse aos jornalistas que a situação não tinha precedentes, classificando-a de “excecional e extraordinária”.

Mirko Woitzik, diretor de inteligência de risco da Everstream Analytics, referiu que o abastecimento de combustível fora interrompido, prejudicando os camiões, em toda a Península Ibérica; que as fábricas de automóveis e de camiões, desde a Ford à Iveco, que empregam cerca de cinco mil trabalhadores, pararam; e que as principais indústrias transformadoras e cadeias de abastecimento de Espanha incluem os veículos automóveis, a produção alimentar e os produtos químicos. Entretanto, é provável que milhares de pequenos fornecedores que não dispõem de uma fonte de energia de reserva adequada sejam igualmente afetados.

A nível bolsista, ressalta que, a partir das 17h30 Central European Summer Time (CEST, UTC+02:00), os mercados europeus mostraram pouco impacto, com os principais índices em território positivo. O IBEX 35 de Espanha, o principal índice de referência do mercado acionista espanhol, subiu 0,75%, para 13456,10, e o EUROSTOXX 600, uma medida geral do mercado acionista europeu, ganhou 0,53%, para 523,19. Entretanto, em França, o CAC 40 subiu 0,50%, para 7573,76 pontos, enquanto o Dax, da Alemanha, subiu, 0,13%, para 22271,67 pontos. E o FTSE MIB, de Itália, também estava a negociar no verde, subindo 0,31%, no fecho do mercado.

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A Proteção Civil portuguesa tentou, por telemóvel, avisar os consumidores, em muitos casos, sem êxito, para o alerta laranja da situação. O governo de Portugal declarou a “crise energética”, pediu um investigação europeia e criou uma comissão independente para acompanhar a situação e fazer propostas, tendo a ação governativa, no caso, sido elogiada por muitos e criticada por alguns, como insuficiente. O PM, na comunicação ao país, declarou que a falha não teve origem em Portugal, o que terá incomodado Espanha (ter-se-á precipitado), não afastou nenhum fator como causa do apagão, pediu contenção nos consumos (fez bem) e disse algo chocante, ao referir que importávamos energia da Espanha por ser mais barata (para os fornecedores procura-se a mais barata, que se torna cara para o consumidor final!).

Lamento o abandono dos transístores a pilha, que possibilitariam informação essencial, nestas ocasiões dramáticas, e a pouca atenção às infraestruturas de produção e de distribuição de energia. É uma eternidade o tempo da demora da elaboração de projetos de infraestruturas, da sua aprovação, do seu desenvolvimento e do funcionamento das obras. Levámos mais de 50 anos, no Alqueva, e, desde 1969, pensamos num aeroporto pelo qual o fim dos tempos espera.

2025.04.29 – Louro de Carvalho

Falta de alimentação e ataques bélicos continuam a matar em Gaza

 

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), em meados de abril, cerca de 80% da população de Gaza, com mais de dois milhões de habitantes, dependia, principalmente, de cozinhas de beneficência, para obter alimentos, visto que as outras fontes de abastecimento foram encerradas, devido ao bloqueio de Israel. Por outro lado, a 27 de abril, o Programa Alimentar Mundial (PAM) declarou, em comunicado, que as suas reservas de alimentos, no enclave, se esgotaram, durante o bloqueio israelita de quase oito semanas, pondo fim a uma das principais fontes de subsistência de centenas de milhares de palestinianos no território, tendo a organização já entregado as últimas reservas às cozinhas de beneficência que apoia em Gaza.

O PAM, que tem estado a apoiar 37 cozinhas que produzem cerca de 500 mil refeições, por dia, previa que essas cozinhas ficassem sem alimentos, nos dias subsequentes, não tendo ficado claro quantas cozinhas ainda funcionariam em Gaza, se estas fechassem.

Na verdade, Israel cortou a Gaza a entrada de todos os alimentos, de combustíveis, de medicamentos e de outros fornecimentos, a 2 de março, e retomou os bombardeamentos e as ofensivas terrestres, duas semanas mais tarde (18 de março), pondo fim ao cessar-fogo de dois meses com o Hamas, a fim de, alegadamente, pressionar o grupo militante a libertar os 59 reféns que ainda mantém em seu poder. Porém, os grupos de defesa dos direitos humanos consideraram o bloqueio como uma “tática de fome” e como um potencial crime de guerra.

Israel contrapõe que Gaza tem mantimentos suficientes, depois de uma vaga de ajuda ter entrado, durante o cessar-fogo, e acusa o Hamas de desviar estes mantimentos para os seus objetivos. E, por sua vez, os trabalhadores humanitários negam que haja desvio significativo da ajuda, porque a ONU controla, rigorosamente, a distribuição, e dizem que o fluxo de ajuda, durante o cessar-fogo, mal chegou para cobrir as imensas necessidades provocadas pelos meses de conflito.

Sem a entrada de novas mercadorias em Gaza, desapareceram dos mercados muitos alimentos, incluindo carne, ovos, frutas, lacticínios e muitos legumes. E os preços do que resta aumentaram, drasticamente, tornando-se incomportáveis para grande parte da população.

Por consequência, a desnutrição está a aumentar, tendo a ONU afirmado que identificou, em março, 3700 crianças que sofrem de desnutrição aguda, o que representa um aumento de 80%, em relação ao mês anterior. Devido à diminuição dos fornecimentos, os grupos de ajuda humanitária só conseguiram fornecer suplementos nutricionais – ferramenta crucial para evitar a subnutrição – a cerca de 22 mil crianças, em março, menos 70% do que em fevereiro. Quase todas as padarias fecharam, há semanas, e o PAM suspendeu a distribuição de alimentos básicos às famílias, por falta de provisões. E, com as reservas da maioria dos ingredientes esgotadas, as cozinhas de beneficência, só podem servir refeições de massa ou arroz com pouco suplemento.

A World Central Kitchen, instituição de caridade norte-americana, uma das maiores a operar em Gaza, que não depende do PAM, disse, a 24 de abril que as suas cozinhas tinham ficado sem proteínas. Em vez disso, fazem guisados com legumes enlatados. E, como o combustível é escasso, são desmanteladas paletes de madeira para queimar nos seus fogões.

Aquela instituição também gere a única padaria ainda em funcionamento em Gaza, produzindo 87 mil pães pita (pães sírios ou pães árabes), por dia.

O PAM disse que 116 mil toneladas de alimentos estão prontas para entrar em Gaza, se Israel abrir as fronteiras, o suficiente para alimentar um milhão de pessoas, durante quatro meses. Porém, Israel arrasou grande parte de Gaza com a sua campanha aérea e terrestre, prometendo destruir o Hamas, após o ataque de 7 de outubro de 2023, ao Sul de Israel.

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A situação vem a agravar-se. Outras fontes de informação sustentam que 91% da população da Faixa de Gaza vive, atualmente, na fase de “crise” de insegurança alimentar (fase 3 e superior), enquanto 345 mil pessoas se encontram na fase 5 – a mais perigosa – que significa fome total.

Dizem os habitantes da Faixa de Gaza que a vida se lhes transformou num inferno insuportável, porque todas as necessidades básicas da vida entraram em colapso: as padarias não funcionam, os hospitais transformaram-se em arenas de morte lenta e as crianças estão a morrer de fome, sendo a mais recente Uday Fadi Ahmed, que morreu de subnutrição no Hospital Al-Aqsa, em Deir al-Balah.

Números recentes refletem a dimensão da tragédia: 3600 crianças recebem tratamento para a desnutrição, o que representa um aumento de 80%, em relação ao mês de março, de acordo com o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA).

A UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) alertou para o facto de 335 mil crianças com menos de cinco anos – todas as crianças de Gaza neste grupo etário – estarem à beira da morte, devido a desnutrição aguda.

O panorama é sombrio, pois 96% da população de Gaza sofre de insegurança alimentar aguda e 345 mil pessoas estão em estado de fome total e 91% da população sofre de insegurança alimentar.

De acordo com um comunicado da Rede de ONG Palestinianas, Gaza entrou na fase de fome total, alertando para uma catástrofe humanitária sem precedentes, que ameaça a vida da população, em especial, das crianças e das mulheres, devido à contínua recusa de ajuda humanitária, desde 2 de março de 2025. E, segundo dados divulgados por organizações de ajuda humanitária, citados pelo comunicado, 91% da população da Faixa de Gaza vive na fase de “crise” de insegurança alimentar (fase 3 e superior), enquanto 345 mil pessoas se encontram na quinta fase, que significa fome total.

Os números revelam que 92% das crianças com idades compreendidas entre os seis meses e os dois anos, bem como as mães que amamentam, não têm acesso à colmatação das suas necessidades nutricionais básicas mínimas, ficando expostas a graves riscos de saúde que as perseguirão ao longo das suas vidas. Além disso, 65% da população já não tem acesso a água potável, para beber ou para cozinhar.

Do seu lado, o Hamas acusou Israel de utilizar a fome como arma de guerra e confirmou, em comunicado, que Gaza entrou na fase da fome efetiva, descrevendo a crise como “uma das piores catástrofes humanitárias da História moderna”. “Desde 2 de março, Israel intensificou o seu cerco, fechando as passagens e impedindo a entrada de alimentos, de água e de medicamentos, num crime que representa uma grave escalada da política de genocídio”, vincou o movimento.

Em frente à sua tenda, uma residente sentada com a família de sete pessoas, conta a luta diária para satisfazer as necessidades mais básicas da vida. O marido, que perdeu o emprego, devido à guerra, sai, todas as manhãs, à procura de qualquer fonte de sustento, enquanto a família depende, inteiramente, do que é fornecido pelos “takiyat” e pelos projetos de alimentação temporária do campo, que tem sofrido, por sua vez, uma grave escassez de alimentos, após o encerramento das passagens. Os legumes e a carne desapareceram dos mercados, obrigando as famílias a depender de uma ajuda limitada que já não é suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas.

Outra, noutro lugar, conta a sua dolorosa história aos sobrinhos, pelos quais se tornou responsável depois de a mãe deles ter sido morta e de o pai ter viajado para receber tratamento médico, no início de janeiro. Ela e os sobrinhos só têm consumido “massa, lentilhas e arroz” e sofrem de subnutrição. E, para agravar o caso, a tia é alérgica aos conservantes das conservas, que foram, durante muito tempo, a única salvação da família. Não obstante, incita as crianças a comerem o que está disponível, mas falha, frequentemente, enquanto os problemas de saúde de todos são exacerbados pela falta de uma nutrição adequada.

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De acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, dirigido pelo Hamas, os ataques israelitas na Faixa de Gaza mataram, a 24 de abril, pelo menos, 50 palestinianos, muitos deles mulheres e crianças.

Os ataques visaram zonas residenciais, incluindo edifícios, locais de deslocação e campos de tendas improvisados, bem como uma esquadra de polícia, entre outros locais.

Um ataque no norte de Gaza matou, pelo menos, 18 pessoas e outro matou 11, incluindo, pelo menos, uma criança, de acordo com as autoridades sanitárias palestinianas. Os militares israelitas afirmaram que o ataque à esquadra de polícia tinha por alvo um centro de comando dos militantes. Pelo menos, sete pessoas foram mortas, incluindo uma mãe e os seus dois filhos, e outras duas crianças, em três ataques à cidade de Khan Younis, no Sul do país. Os ataques no centro de Gaza mataram seis pessoas, incluindo duas mulheres e duas crianças.

Israel pôs termo ao cessar-fogo com o Hamas e retomou a guerra aérea e terrestre a 18 de março.

Porém, desde o início de março, isolou os dois milhões de palestinianos da Faixa de Gaza de todas as importações de alimentos e de outros produtos, a fim de pressionar o Hamas a libertar os reféns, dos quais se crê que ainda estejam vivas duas dúzias.

O gabinete do OCHA apelou aos líderes mundiais para que exercessem mais pressão sobre Israel, a fim de permitir a entrada de ajuda humanitária e de outros bens essenciais no enclave. Numa mensagem publicada no X, antigo Twitter, afirmou que os Palestinianos estão “privados das necessidades de sobrevivência”, sublinhando a urgência da situação e referindo que as operações de ajuda humanitária estão à beira do colapso total, com os níveis de medicamentos e alimentos a ficarem criticamente baixos.

Israel afirma que o seu bloqueio à Faixa de Gaza tem por objetivo impedir que o Hamas adquira mais bens, para se reforçar e para se reagrupar, acusando, regularmente, o grupo de pilhar a ajuda destinada aos civis. E também garante a que a medida se destina a pressionar o Hamas a libertar os reféns, tática que os grupos de defesa dos direitos humanos têm denunciado como um crime de guerra e como uma forma de punição coletiva.

Entretanto, o exército israelita ameaçou alargar as operações na Faixa de Gaza. “Se não houver progressos na libertação dos reféns, alargaremos a nossa atividade para uma operação mais intensa e significativa”, declarou Eyal Zamir, chefe do Estado-Maior israelita, considerando o Hamas como o responsável pelo início desta guerra e pela terrível situação da população em Gaza.

O Hamas afirmou que só libertará os restantes 59 prisioneiros, 24 dos quais se pensa estarem vivos, em troca da libertação dos prisioneiros palestinianos, de um cessar-fogo duradouro e de uma retirada total de Israel. E o governo de Israel prometeu continuar a bombardear Gaza, até que o Hamas seja totalmente destruído.

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A 27 de abril, o ponto da situação sintetizava-se em duas vertentes: os ataques quase diários de Israel a Gaza, desde o fim do cessar-fogo com o Hamas; e o facto de, recentemente, os Israelitas terem começado a sair para as ruas de Telavive, a exigir um cessar-fogo e um acordo para a devolução de todos os reféns que o Hamas ainda detém.

Enquanto isso estava a acontecer, os hospitais da Faixa de Gaza recebiam, nas últimas 24 horas, os restos mortais de 51 palestinianos mortos em ataques israelitas, como informaram, no dia 28, as autoridades sanitárias do enclave.

Nas últimas semanas, vários ataques tiveram como alvo abrigos e zonas outrora designadas como zonas humanitárias, onde milhares de pessoas deslocadas vivem em tendas.

Desde 18 de março, data em que Israel pôs termo a um cessar-fogo de seis semanas com o Hamas, os militares israelitas têm levado a cabo vagas diárias de ataques e as forças terrestres vêm ocupando mais terreno, para expandir uma zona-tampão, controlando cerca de 50% do território.

Durante quase 60 dias, Israel bloqueou também a entrada de todos os alimentos, combustíveis, medicamentos e outros artigos em Gaza.

Como se disse, a 27 de abril, o PAM anunciou que tinha entregado as suas últimas reservas alimentares às 47 cozinhas que apoia, as quais poderão ficar sem refeições para servir as famílias palestinianas, dentro de dias.

Os Palestinianos, em Gaza, lutam para alimentar as suas famílias. Um prato de arroz e alguns legumes enlatados, são muitas vezes, a única coisa que alimenta famílias inteiras, todos os dias. A carne, o leite, o queijo e a fruta desapareceram. O pão e os ovos são escassos. Os poucos legumes ou outros produtos existentes subiram de preço, sendo inalcançáveis para a maioria.

Os grupos de defesa dos direitos humanos falam em “tática de fome”, quando o PAM declarou que mais de 116 mil toneladas de ajuda alimentar só esperam ser levadas para Gaza.

Entretanto, milhares de Israelitas saíram para as ruas de Telavive, a 26 de abril, exigindo um cessar-fogo e um acordo para a devolução de todos os reféns ainda detidos pelo Hamas em Gaza, no âmbito dos protestos semanais organizados contra o governo.

As autoridades israelitas dizem que a nova ofensiva e o reforço do bloqueio visam pressionar o Hamas a libertar os reféns raptados. Porém, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, prometeu continuar a guerra, até que o Hamas seja destruído ou desarmado e todos os reféns sejam devolvidos. E o Hamas afirmou que só libertará os restantes 59 reféns – 24 dos quais se crê estarem vivos – em troca de prisioneiros palestinianos, de um cessar-fogo duradouro e de uma retirada total de Israel de Gaza, como previsto no extinto cessar-fogo, alcançado em janeiro.

Por outro lado, o grupo militante anunciou, a 26 de abril, o envio de uma delegação de alto nível ao Cairo para tentar restabelecer o cessar-fogo, quebrado, em março, pelos bombardeamentos israelitas. O grupo acrescentou que a sua delegação irá discutir com os responsáveis egípcios a visão do grupo para pôr fim à guerra, que inclui também a reconstrução do enclave.

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Esta reflexão, algo repetitiva (a situação assim o sugere), leva-me a estranhar que o dito Ocidente, tão proativo no apoio à guerra na Ucrânia, seja tão silencioso, face à guerra Israel-Hamas, quando muitos israelitas já estão cansados desta guerra. Ora, não há guerras más e guerras boas (provavelmente, ao invés do que Donald Trump e muitos outros líderes pensem). Por outro lado, o silêncio supino pode significar cumplicidade com o invasor.

Por maiores razões que assistam a Israel, nunca é lícito fazer guerra até à eliminação do último palestiniano. Os direitos humanos e políticos são imperativos em toda a parte.

2025.04.29 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Paz, alegria, missão apostólica e perdão

 
É a tetralogia presente no Evangelho do 2.º domingo de Páscoa, tradicionalmente designado por “Domingo in Albis” (por ser o dia em que os neófitos da Vigília Pascal depunham as vestes brancas batismais) e, após decisão do Papa São João II, Domingo da Misericórdia, no que foi acompanhado pelo Papa Francisco, recentemente falecido e que pode ser denominado de Pontífice da Misericórdia.
De facto, a liturgia deste domingo prossegue a celebrar a Boa Nova da vitória de Jesus sobre a morte e a instar a que olhemos para a comunidade nascida de Jesus. Ele está no meio dela, caminha com ela, dando-lhe a força para vencer as crises e os desafios que lhe dificultam o caminho. É a partir dela que Jesus oferece ao Mundo, em cada etapa da História, a salvação libertadora.
Evangelho (Jo 20,19-31) apresenta a comunidade da Nova Aliança, nascida da atividade criadora e vivificadora de Jesus e que se reúne à volta do Ressuscitado, recebendo d’Ele Vida, que é animada pelo seu Espírito e que dá testemunho, no Mundo, da Vida nova de Deus. Quem quiser ver e tocar o Ressuscitado, deve procurá-Lo na comunidade que d’Ele vive.
O trecho em referência narra o encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos. Foi ao “anoitecer”, com as “portas fechadas”, por “medo” – dados que revelam insegurança e desamparo que sentem, ante o Mundo hostil que condenou Jesus à morte. Porém, Jesus apresenta-se e coloca-se “no meio deles”, não ao lado, nem atrás, nem à frente. O que foi crucificado está vivo, pelo que os discípulos não estão órfãos, nem abandonados à hostilidade. Ao colocar-se “no meio deles”, o Ressuscitado, que lhes mostrou as marcas da crucifixão, assume-Se como ponto de referência, fator de unidade, fonte de Vida – a videira em que se enxertam os ramos. A comunidade não pode ser autorreferencial: tem de estar centrada em Jesus, pois Ele é o centro onde todos vão beber a água da Vida eterna.
O ressuscitado traz à comunidade, antes de mais, a paz, desejada por duas vezes. Não se trata só do cumprimento hebraico “shalom”, mas também de que Jesus venceu tudo que assustava os discípulos: a morte, a opressão, a mentira, a violência, a hostilidade. Doravante, os discípulos não têm razão para viverem paralisados pelo medo; e a paz é impulso para a harmonia, para a compaixão para com os mais deserdados da sorte, para o crescimento da Igreja.  
Os discípulos ficaram cheios de alegria por verem o Senhor. Dificilmente, pessoa sozinha tem genuína alegria, pois a alegria é comunitária; e, dificilmente, pessoa sem Deus tem autêntica alegria, porque a fonte da alegria é Deus e a alegria que Ele instila é difusiva e compartilhada.
Antes de prosseguirmos, devemos fazer pausa, a deixar-nos surpreender por Jesus a mostrar as mãos com a marca dos pregos e o lado que fora trespassado pela lança do soldado. Esses “sinais” mostram a identidade do Ressuscitado – o mesmo que fora crucificado e que eles conheceram, não outro – e, neles, está a prova da vitória sobre a morte e sobre a maldade dos homens, bem como a marca da sua entrega até à morte, por obediência ao Pai e por amor aos homens. Neles está impressa a “identidade” de Jesus, pois, nos sinais de amor e de doação, a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor de Jesus: Ele é sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
É a esta “apresentação” de Jesus que os discípulos respondem com a alegria. Estão alegres, porque Ele está vivo e porque sabem que começou o tempo novo, em que a morte não assusta, o tempo do Homem Novo, do Homem livre, do Homem que se encontra com a Vida definitiva.
Em seguida, Jesus convoca os discípulos para a missão (o apostolado), a mesma que o Pai Lhe confiou: realizar, no Mundo a obra de Deus. E eles concretizarão esta missão em ligação com Jesus (são ramos ligados à videira/Jesus, pois só assim darão fruto).
Para que os discípulos concretizem a missão, Jesus realiza um gesto bem significativo: “soprou” sobre eles. O verbo utilizado é o do texto grego de Gn 2,7 (Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a Vida nova, o Espírito Santo, que fará deles Homens Novos e que os capacitará para viverem como testemunhas do Ressuscitado. É uma nova Criação. Da atividade, do testemunho, do amor, do dom de Jesus nasceu a nova Humanidade, capaz de amar até ao extremo, de dar a vida, de realizar a obra de Deus. É este Espírito que, pelo tempo fora, constitui e anima, a cada instante, a comunidade de Jesus.
Foi “ao entardecer do primeiro dia da semana” (ao concluir-se o primeiro dia da nova criação) a comunidade dos discípulos fez a primeira experiência do encontro com Jesus, vivo e ressuscitado.
Todavia, não podemos esquecer o fim primordial e último da missão apostólica: o perdão dos pecados oferecido no Espírito Santo. Missão discipular e apostólica que não desemboque na pregação do arrependimento e no perdão não cumpre o desígnio do Deus misericordioso: “Recebei o Espírito Santo, àqueles a quem perdoardes os pecados ficarão perdoados…” Porém, muitos optam pelo inverso “à queles a quem os não perdoardes ficarão retidos”.
Ora, esta comunidade é a testemunha e paladina da misericórdia de Deus que sempres sabe e quer ter compaixão e conceder o perdão. É pena que se pense que o recado foi dado apenas aos apóstolos daquele tempo e não também a toda a comunidade hodierna, embora os sacerdotes tenham o dever de encimar a concessão do perdão. Esta é a comunidade da Nova Aliança, nascida da ação e do amor de Jesus!
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A seguir, vem uma catequese joânica sobre a maneira de os discípulos de Jesus de qualquer época chegarem à fé em Cristo ressuscitado. A História de Tomé, o Dídimo (“gémeo”), será a saga de cada um de nós. E é pena que Tomé fique na memória coletiva como o homem que recusa acreditar, assolado pela dúvida, e não como paradigma da dificuldade em chegar à fé, mas que, ao chegar, torna-se modelo da fé incisiva feita oração. Também nós nem sempre nos contentamos com o testemunho que nos chega dos primeiros discípulos e gostaríamos de “ver”, de “tocar”, de ter provas palpáveis.
O Ressuscitado apresenta-Se aos discípulos “no primeiro dia da semana”, quando a comunidade discipular está reunida, pois é ela o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus, sendo ali que se faz a experiência da presença de Jesus vivo. Porém, Tomé “não estava com eles”, estava fora da comunidade. “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu lado, não acredito” – assegurou Tomé, quando lhe falaram do Ressuscitado. Em vez de se integrar e de participar na experiência que os outros discípulos fizeram em comunidade, quer obter uma demonstração particular de Deus. Representa, assim, os que vivem fechados em si próprios (está fora).
Contudo, “oito dias depois” (de novo, no primeiro dia da semana), Tomé está integrado na comunidade; e é aí que se encontra com o Ressuscitado, pois é ali que se manifestam os sinais de Vida nova que alimentam a fé no Ressuscitado. A experiência é tão impactante que, do coração de Tomé, brota a extraordinária declaração de fé, uma das mais belas da Bíblia: “Meu Senhor e meu Deus!” Também nós, os “gémeos” de Tomé, que somos chamados a acreditar sem termos visto nem tocado, poderemos fazer a experiência que Tomé fez: é no encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada em comunidade, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre e experimenta o Ressuscitado. É por isso que a comunidade de se reúne “no primeiro dia da semana”, o “dia do Senhor”, o domingo (a Páscoa semanal).
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Lucas (At 5,12-16) começa por enunciar o tema que pretende relevar: “Pelas mãos dos apóstolos realizavam-se muitos milagres e prodígios entre o povo.” Depois, mostra o testemunho da primitiva comunidade cristã aos habitantes de Jerusalém.
Os cristãos de Jerusalém reuniam-se no pórtico de Salomão, para escutar o ensino dos apóstolos. Os que não faziam parte da comunidade cristã enalteciam-nos e admiravam-nos, mas não se lhes juntavam. Na verdade, os outros, vendo o estilo de vida dos cristãos, reconheciam, na comunidade nascida de Jesus, algo que vinha de Deus e que era sinal de Deus. Isso infundia nos habitantes de Jerusalém temor respeitoso, o temor que uma pessoa sente ante da presença de Deus. Porém, com o passar do tempo, o temor dava lugar à estima e a estima levava à adesão: “Cada vez mais gente aderia ao Senhor pela fé, uma multidão de homens e mulheres.”
A adesão dos habitantes de Jerusalém à fé cristã era potenciada pelas curas que os apóstolos realizavam: “Traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e em catres, para que, à passagem de Pedro, ao menos, a sua sombra cobrisse alguns deles.” Ao atribuir aos apóstolos poder curador, Lucas releva que eles continuam a obra de Jesus, levando vida a todos os que estão privados dela. A atividade salvadora e libertadora que Jesus desenvolveu em favor dos pobres, dos oprimidos e de outros sofredores é continuada, agora, no Mundo, pela sua Igreja. Um original desenvolvimento é a atribuição de virtudes curativas à “sombra” de Pedro, o que nunca foi dito acerca de Jesus, não porque Pedro seja superior a Jesus, mas sugerir que nada é impossível àquele que se coloca na órbita de Jesus e recebe d’Ele a força para levar ao Mundo a salvação de Deus. Com efeito, Jesus tinha dito aos apóstolos, ao despedir-se deles, pouco antes de voltar para o Pai: “Sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria, e até aos confins do mundo.” Os apóstolos, fiéis ao mandato, testemunham, com os seus gestos, Jesus ressuscitado e o seu projeto libertador para o Mundo. É a consequência dinâmica da Ressurreição!
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João, o profeta de Patmos (Ap 1,9-11a.12-13.17-19), apresenta aos cristãos perseguidos a visão do “filho do homem”. É Jesus ressuscitado, o princípio e o fim de todas as coisas, Aquele que derrotou a morte e tudo o que está ligado a ela. Ele está com a Igreja e caminha com ela pelos caminhos da História. É n’Ele que a comunidade encontra a força para caminhar e para vencer as forças que se opõem à vida nova de Deus.
O cristão, que experimentam, quotidianamente, a perseguição movida pelo imperador Domiciano, desanimados e sem esperança, perguntam-se onde está Deus, se é Deus quem governa o Mundo ou o imperador de Roma, se crer em Jesus é fonte de vida ou de morte, se vale a pena permanecer fiel a Jesus e ao seu projeto e se se pode pagar essa fidelidade com a vida. E o profeta de Patmos, recorrendo a símbolos veterotestamentários, apresenta-lhes a “visão do filho do homem”.
O filho do homem do Apocalipse tem uma aparência humana, como o filho do homem da visão de Dn 7,13. Está no meio de sete candelabros. Os sete candelabros (o número “sete” significa “totalidade”, “plenitude”) evocam a totalidade da Igreja nascida de Jesus (citam-se as sete igrejas da Ásia Menor): as comunidades cristãs espalhadas pelo império e perseguidas não estão sós, abandonadas à sua sorte. Cristo ressuscitado está no meio delas e caminha com elas.
O filho do homem está vestido com uma túnica comprida (a túnica evoca a dignidade sacerdotal), pois Ele é o sacerdote por excelência, o verdadeiro intermediário entre Deus e os homens. Está cingido “no peito com um cinto de ouro” (o ouro indica que n’Ele reside a realeza e a autoridade sobre a História e sobre o Mundo). A sua cabeça e os seus cabelos são brancos, como “a brancura da lã e da neve” (o branco é a cor de Deus e os cabelos brancos simbolizam a eternidade). Os seus olhos são “como uma chama de fogo” (tudo veem, tudo conhecem, a todos questionam). Os seus pés assemelham-se “ao bronze incandescente numa forja” (todo Ele é firmeza e estabilidade e nenhum poder do Mundo pode derrubá-lo). A sua voz é “como o rumor de águas caudalosas (ouve-se por todo o lado e, como a água corrente, gera vida em abundância).
O filho do homem tem “na mão direita sete estrelas: a Igreja está na mão d’Ele e pertence-lhe. Por isso, os cristãos podem entregar-se, confiadamente, nas suas mãos. Da sua boca sai “uma espada afiada de dois gumes”: a sua Palavra penetra os corações, de forma irresistível, e obriga todos, diante dela, a tomar posição. O seu rosto “é como o sol resplandecente em toda a sua força”: n’Ele brilha a luz de Deus, uma luz intensa que os homens não podem contemplar diretamente.
Desprende-se deste filho do homem uma imagem de poder, de majestade, de omnipotência. Consciente de que está diante de um ser divino, o profeta de Patmos cai por terra, “como morto”. Porém, o filho do homem convida-o a não ter medo e confirma-lhe que é o Cristo do mistério pascal (“O que esteve morto, voltou à vida e derrotou a morte”). A História começa e acaba n’Ele (“Eu sou o primeiro e o último”). Se Ele é o Senhor da vida, O que venceu a morte, a injustiça e o pecado, os cristãos nada terão a temer. Ao profeta de Patmos, Cristo ressuscitado confia a missão profética de dar testemunho. Envia-o às igrejas a anunciar a mensagem de esperança que permita enfrentar o medo e a perseguição. É chamado a anunciar a todos os cristãos que Jesus está vivo, que caminha no meio da Igreja e que, com Ele, nenhum mal lhes acontecerá: Ele é o Senhor que preside à História e que é mais poderoso do que todos os reis e imperadores.
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“Aclamai o Senhor, porque Ele é bom: o seu amor é para sempre.”
 
“Diga a casa de Israel: / é eterna a sua misericórdia. / Diga a casa de Aarão: / é eterna a sua misericórdia. / Digam os que temem o Senhor: / é eterna a sua misericórdia.
“A pedra que os construtores rejeitaram / tornou-se pedra angular. / Tudo isto veio do Senhor: / é admirável aos nossos olhos. / Este é o dia que o Senhor fez: / exultemos e cantemos de alegria.
“Senhor, salvai os vossos servos, / Senhor, dai-nos a vitória. /Bendito o que vem em nome do Senhor, / da casa do Senhor nós vos bendizemos. / O Senhor é Deus / e fez brilhar sobre nós a sua luz.”
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“Porque Me viste, acreditaste. Felizes os que acreditam sem terem visto.”

2025.04.28 – Louro de Carvalho


domingo, 27 de abril de 2025

Marcas do silêncio entre a Bênção Urbi et Orbi e as exéquias do Papa

 
O Papa Francisco faleceu a 21 de abril, na segunda-feira subsequente ao I Domingo da Páscoa e, logo, em todo o Mundo, pairou um profundo silêncio cerzido de elogios, de lágrimas, de orações, de reflexão e, sobretudo, de exposição do seu legado.  
Não me passa da cabeça que, enquanto alguns, conjeturavam sobre o conclave e sobre o perfil do sucessor, abanando o espantalho do temor de que o passado indesejável possa voltar, muitos mais alentavam a esperança de que o próximo Sumo Pontífice continuará a marcha de Francisco e até a revista de maior vitalidade. É certo que não é fácil suceder a Francisco, mas o Espirito Santo não está cansado de renovar a Igreja e a face da Terra.
***
A este respeito, apraz-me revisitar a mensagem prévia à Bênção Urbi et Orbi de 20 de abril, escrita por Francisco e pronunciada por Monsenhor Diego Ravelli, mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, assinalando o ressoar do Aleluia na Igreja, a “correr de boca em boca, de coração a coração”, cujo cântico “faz chorar de alegria” o povo de Deus. Com efeito, do sepulcro vazio “chega, até nós, um anúncio sem precedentes: ‘Jesus, o Crucificado, não está aqui; ressuscitou! […] Está vivo!” Assim, o amor, a luz, a verdade, o perdão venceram o ódio, as trevas, a mentira, vingança. E, se o mal não desapareceu da História, “já não lhe pertence o domínio”, sobre “quem acolhe a graça”. Assim, em especial, para quem sente a dor e a angústia, fica a certeza de que o seu “grito silencioso foi ouvido” e a suas lágrimas foram todas recolhidas, pois, “na paixão e na morte de Jesus, Deus tomou sobre si todo o mal do Mundo e, com a sua infinita misericórdia, derrotou-o”. Por isso, exclamamos: “Ressuscitou Cristo, minha esperança.” De facto, “a ressurreição de Jesus é o fundamento da esperança” e “a esperança não engana”, porque, fundada em Cristo, não é evasiva, nem alienante, mas comprometida e responsabilizadora.
Assim, “quem espera em Deus põe as suas mãos frágeis na grande e forte mão d’Ele, deixa-se levantar e põe-se a caminho”, tornando-se “peregrino de esperança, testemunha da vitória do Amor e do poder desarmado da Vida”.  
No anúncio vigoroso de que “Cristo ressuscitou”, está o sentido da nossa existência, feita não para a morte, mas para a vida; e percebemos que “a Páscoa é a festa da vida”, ou seja, “Deus criou-nos para a vida e quer que a Humanidade ressurja”, sendo, a seus olhos, preciosas “todas as vidas”: a da criança no ventre da mãe, a do idoso ou a do doente, “considerados como pessoas a descartar, num número cada vez maior de países”. E a mensagem aponta o quotidiano desejo de morte, em tantos conflitos que ocorrem em diferentes partes do Mundo; a violência nas famílias, dirigida contra as mulheres ou contra as crianças; e o desprezo, em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes. Porém, em contraponto, Francisco “gostaria que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros, mesmo nos que não nos são próximos ou que vêm de terras distantes com usos, modos de vida, ideias e costumes diferentes dos que nos são familiares, porque somos todos filhos de Deus”. E gostaria que “voltássemos a ter esperança de que a paz é possível” e desejava que, a partir da Igreja da Ressurreição, onde, neste ano, a Páscoa é celebrada, no mesmo dia, por católicos e por ortodoxos, irradie na Terra Santa e no Mundo a luz da paz”.
Sentindo-se “próximo dos cristãos que sofrem na Palestina e em Israel, bem como do povo israelita e palestiniano”, denunciou “o crescente clima de antissemitismo” a espalhar-se pelo Mundo; e, dirigindo o pensamento ao povo, em particular, à comunidade cristã de Gaza, onde o conflito continua a gerar morte e destruição e a provoca uma situação humanitária dramática e ignóbil”, apelou a que as partes beligerantes “cheguem a um cessar-fogo”, a “que se libertem os reféns” e a que “se preste assistência à população faminta”, desejosa da paz.
Pediu oração pelas comunidades cristãs do Líbano e da Síria, “que anseiam por estabilidade e participação no futuro das respetivas nações” e exortou “toda a Igreja a acompanhar, com atenção e com oração, os cristãos do Médio Oriente.
Depois, focou o sofrimento do povo do Iémen e o da martirizada Ucrânia, encorajando as partes “a prosseguirem os seus esforços para alcançar uma paz justa e duradoura”; recordou o Sul do Cáucaso e pediu oração “pela rápida assinatura e aplicação de um definitivo Acordo de paz entre a Arménia e o Azerbaijão”, que leve à reconciliação na região; rogou que “a luz da Páscoa inspire propósitos de concórdia nos Balcãs Ocidentais, apoie os responsáveis políticos a trabalhar para evitar a escalada de tensões e de crises e inspire os parceiros da região a rejeitar comportamentos perigosos e desestabilizadores”; e mencionou os povos africanos vítimas de violência e de conflitos, em especial, a República Democrática do Congo, o Sudão e o Sudão do Sul e todos quantos sofrem, devido às tensões no Sahel, no Corno de África e na Região dos Grandes Lagos, tal como os cristãos que em muitos lugares não podem professar livremente a fé.
A este respeito, sustentou que “não é possível haver paz”, onde não há liberdade religiosa, liberdade de pensamento e de expressão, nem respeito pela opinião dos outros, e que “não é possível haver paz, sem um verdadeiro desarmamento”. E relevou que a luz da Páscoa nos incita “a derrubar as barreiras que criam divisões e que acarretam consequências políticas e económicas”, “a cuidar uns dos outros, a aumentar a solidariedade mútua, a trabalhar em prol do desenvolvimento integral de cada pessoa humana”.
Apelou à ajuda ao povo do Myanmar que, a par de anos de conflito armado, enfrenta as consequências do sismo, em Sagaing, causador da morte de milhares de pessoas e de sofrimento para muitos sobreviventes, incluindo órfãos e idosos. Apelou “a todos os que, no Mundo, têm responsabilidades políticas, para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis, para ajudar os necessitados, para combater a fome e para promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento”, pois estas são as “armas” da paz. E apelou a que o princípio da humanidade seja sempre o eixo do agir quotidiano, pois, face à crueldade dos conflitos que atingem civis, atacam escolas e hospitais e agentes humanitários, não podemos esquecer que não são alvos, mas pessoas com alma e com dignidade.
Neste ano jubilar, o Pontífice fez votos por que a Páscoa seja ocasião propícia para libertar os prisioneiros de guerra e os presos políticos. Com efeito, “na Páscoa do Senhor, a morte e a vida enfrentaram-se num admirável combate”, mas “o Senhor vive para sempre”, infundindo, em cada um, a certeza de que somos chamados a participar na vida infinda, na qual “já não se ouvirá o fragor das armas, nem os ecos da morte”. E o apelo final foi: “Entreguemo-nos a Ele, o único que pode renovar todas as coisas.”
A rematar, o próprio Pontífice repetiu, com voz trémula, o voto pascal acabado de proferir por Diego Ravelli: “Feliz Páscoa para todos!”
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Entretanto, foi declarada a morte papal, organizado o velório e preparado o funeral (para a Basílica de Santa Maria Maior) e as exéquias do dia 26, na Praça de São Pedro, com a presença de 130 delegações de diversos países, tendo comparecido 50 chefes de Estado e muitos peregrinos, não sem antes o corpo de Francisco ser velado, na Basílica Apostólica, por enorme número de fiéis – tudo sob a batuta do cardeal Kevin Joseph Farrell, camerlengo da Igreja de Roma, o responsável executivo pelos assuntos da Santa Sé, cabendo, durante o período de Sede Vacante, o superior governo da Igreja ao Colégio Cardinalício, ou Sacro Colégio.        
A celebração das exéquias solenes foi presidida pelo cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício, que, na homilia, apontou o lugar onde Francisco celebrou, tantas vezes, a Eucaristia e presidiu a grandes encontros, mas onde, agora, rezamos de “coração triste, mas sustentados pelas certezas da fé, que nos garante que a existência humana não termina no túmulo, mas na casa do Pai, numa vida de felicidade que não terá ocaso”.
Tendo salientado, com gratidão, a presença de todos, dirigiu deferente saudação e vivo agradecimento aos chefes de Estado, aos chefes de Governo e às delegações oficiais que foram de muitos países para manifestar afeto, veneração e estima pelo Papa, assim como sublinhou que a manifestação popular de afeto e de adesão dos últimos dias mostram quanto “o intenso pontificado do Papa Francisco tocou mentes e corações”.
No ato de entrega da alma do amado Pontífice a Deus, sobe a Deus a oração de todos, “para que Ele lhe conceda a felicidade eterna, no horizonte luminoso e glorioso do seu imenso amor”.
O cardeal Re citou o episódio do Evangelho de João em que o Mestre dialoga com Pedro, solicitando-lhe a tríplice confissão de amor e, confiando-lhe, em troca, o encargo de apascentar os cordeiros e as ovelhas do rebanho, para explicitar que a tarefa de Pedro e dos seus sucessores “é um serviço de amor, na senda do Mestre e Senhor, Jesus Cristo, que ‘não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos’.” E, daí, passou ao perfil de Francisco, o qual, apesar da fragilidade, nesta reta final, e do seu sofrimento, “escolheu percorrer este caminho de entrega, até ao último dia da sua vida terrena”, seguindo as pegadas do Senhor e bom Pastor, “que amou as suas ovelhas, até dar a própria vida por elas”. E, no dizer do celebrante, “fê-lo com força e serenidade, junto do seu rebanho, a Igreja de Deus, ciente da frase de Jesus citada pelo Apóstolo Paulo: ‘A felicidade está mais em dar do que em receber’.”
Quando o cardeal Bergoglio foi eleito para suceder a Bento XVI, trazia a experiência da vida religiosa na Companhia de Jesus, bem como a de 21 anos de ministério pastoral na Arquidiocese de Buenos Aires, como bispo auxiliar, como bispo coadjutor e, em especial, como arcebispo.
Segundo o celebrante, a adotação do nome Francisco revelou-se, logo, como o programa e o estilo em que basearia o pontificado, inspirando-se em São Francisco de Assis. O seu temperamento e a sua forma de orientação pastoral imprimiram a marca da sua forte personalidade no governo da Igreja, em contacto direto com cada pessoa e com as populações, no desejo de “ser próximo a todos, com atenção especial às pessoas em dificuldade, gastando-se sem medida, em particular, pelos últimos da terra, os marginalizados”. O Papa do povo, de coração aberto a todos, foi atento ao que, de novo, surgia na sociedade e ao que o Espírito Santo suscitava na Igreja.
De vocabulário caraterístico e de linguagem rica em imagens e em metáforas, iluminou os problemas do nosso tempo com a sabedoria do Evangelho, dando resposta à luz da fé e encorajando-nos a viver como cristãos os desafios e as contradições destes anos cheios de mudanças, que descrevia como uma “mudança de época”.
O cardeal Re releva a grande espontaneidade e uma maneira informal de Francisco “de se dirigir a todos, mesmo às pessoas afastadas da Igreja”. E, “sensível aos dramas de hoje, Francisco partilhou, em pleno, as angústias, os sofrimentos e as esperanças do nosso tempo da globalização e, com uma mensagem capaz de chegar ao coração das pessoas de forma direta e imediata, dedicou-se a confortar e a encorajar”, sublinhou o orador homilético, considerando o seu carisma de acolhimento e de escuta, associado a um modo de se comportar, que é próprio da sensibilidade dos nossos dias, que tocou os corações e procurou “despertar energias morais e espirituais”.
Do pontificado de Francisco, o cardeal Re destaca o primado da evangelização, “difundindo, com um claro cunho missionário, a alegria do Evangelho, que foi o título da sua primeira exortação apostólica Evangelii gaudium”, preconizando “uma alegria que enche de confiança e de esperança o coração de todos aqueles que se entregam a Deus”.
Do conceito franciscano de Igreja, ressalta a imagem da casa para todos e com as portas sempre abertas; e a imagem do “hospital de campanha”, após uma batalha em que houve muitos feridos. Isto, para sermos uma Igreja desejosa de cuidar dos problemas das pessoas e das grandes angústias que dilaceram o Mundo, “capaz de se inclinar sobre cada homem, independentemente da sua fé ou condição, e curando as suas feridas”. Foram, por isso, inúmeros os gestos e exortações em prol dos refugiados e dos deslocados e constante a sua insistência em agir a favor dos pobres.
O cardeal focou algumas das viagens de Francisco. Desde logo, a primeira, que foi a Lampedusa, ilha-símbolo do drama da emigração, com milhares de pessoas afogadas no mar, a viagem a Lesbos, com o Patriarca Ecuménico e o Arcebispo de Atenas, e a celebração da Missa junto da fronteira com os Estados Unidos da América (EUA), aquando da viagem ao México. Das suas 47 viagens apostólicas, ficará para a História, em especial, a que fez ao Iraque, desafiando todos os riscos, a qual foi bálsamo para as feridas do povo iraquiano, que tanto sofrera com a ação desumana do Estado Islâmico, e muito relevante para o diálogo inter-religioso, outra dimensão notável do seu trabalho pastoral. E com a visita a quatro nações da Ásia-Oceânia, o Papa chegou “à periferia mais periférica do Mundo”.
Francisco deu centralidade ao Evangelho da misericórdia, vincando que Deus não se cansa de perdoar: perdoa sempre, seja qual for a situação de quem pede perdão e regressa. Assim, proclamou o jubileu da Misericórdia, considerando a misericórdia “o coração do Evangelho”. Misericórdia e alegria do Evangelho são palavras-chave. Em contraste com a “cultura do descarte”, preconizou a cultura do encontro e da solidariedade. O tema da fraternidade atravessou todo o pontificado. Assim, na encíclica Fratelli Tutti, reanimou a aspiração mundial à fraternidade, porque todos somos filhos do Pai que está nos céus e todos pertencemos à mesma família humana. E, na visita aos Emirados Árabes Unidos, assinou o documento sobre a “Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da Convivência Comum”.
Dirigindo-se a homens e mulheres de todo o Mundo, na encíclica Laudato si’, chamou a atenção para a corresponsabilidade de todos, quanto à casa comum: “Ninguém se salva sozinho.”
Ante guerras, com horrores desumanos, Francisco levantou, incessantemente, a voz, implorando a paz e convidando à sensatez, à negociação honesta para encontrar soluções possíveis, porque a guerra “é sempre uma derrota dolorosa e trágica para todos”. Na verdade, “construir pontes e não muros” é a exortação recorrente, no serviço da fé do sucessor de Pedro, sempre unido ao serviço do homem em todas as suas dimensões.
Por fim, o celebrante declarou que, “em união espiritual com toda a comunidade cristã”, se rezou por Francisco, para que Deus o acolha. E, porque ele concluía os discursos e encontros, pedindo que não vos esquecêssemos de rezar por si, a Igreja roga-lhe que reze por nós e que a abençoe, assim como a Roma e ao Mundo inteiro, como fizera no Domingo de Páscoa do balcão central da Basílica de São Pedro, “num último abraço a todo o povo de Deus” e à Humanidade que procura a verdade, de coração sincero, e que segura bem alto a chama da esperança”.
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O legado do Papa Francisco será concretizado e perpetuar-se-á, se for relido nos seus discursos, nos seus escritos, nas suas conversas informais e no seu estilo de vida, bem como no que dizem dele as almas de olhar límpido e de coração amigo da sabedoria.
Agora, e só agora, é o tempo do conclave!

2025.04.26 – Louro de Carvalho