segunda-feira, 14 de abril de 2025

Gigantes do azeite usam Alqueva para dominar o cultivo em Portugal

 
Atualmente, sobretudo, no Alentejo, contrapõe-se à cultura tradicional do olival a monocultura intensiva, que, tal como qualquer cultura deste género, desequilibra o ecossistema e prejudica o ambiente. E os ambientalistas já condenaram a expansão descontrolada das monoculturas.
Marta Vidal, em artigo intitulado “Um ecocídio: Como os gigantes do azeite estão a usar uma mega barragem para dominar a região de cultivo de Portugal”, publicado pela Euronews, a 13 de abril, relata o caso de um olivicultor tradicional, que, “de pé”, sob uma enorme e velha oliveira, “acaricia, suavemente, o seu tronco nodoso”, porque, em seu entender, “tem mais de mil anos, talvez mais velha do que Cristo”.
A velha árvore integra um olival de 30 hectares que “faz parte de um mosaico de carvalhos e árvores de fruto, de pastagens e terrenos agrícolas – perto de Serpa, nas suaves colinas do Alentejo, no Sudeste de Portugal –, que tem sido transmitido ao longo de gerações. Trata-se de um largo trecho da “paisagem tradicional do montado, um sistema agro-silvo-pastoril que combina produção e conservação da natureza”.
“Muitas destas árvores têm milhares de anos, mas ainda estão a dar frutos. É um museu vivo”, diz o olivicultor, com orgulho, assegurando que, “todos os anos, os visitantes vêm maravilhar-se com as árvores monumentais e estudar as 17 variedades diferentes de azeitonas locais do olival”.
O olivicultor tradicional, que “preservou uma paisagem diversificada” alerta que isso é cada vez mais raro, no Alentejo, “à medida que os olivais de monocultura superintensiva se expandem, substituindo os pomares tradicionais”. O contraste é enorme: enquanto o olival tradicional é alimentando pela água das chuvas e é dotado de “árvores que têm raízes profundas e uma longa vida útil”, pois estão suficientemente espaçadas, ao invés, as plantações de cultura superintensiva estendem-se, com grande proximidade entre si, por largas zonas de regadio, alimentando-se de água de barragens, “podem ter até 2500 árvores, por hectare”, “são plantadas em linhas uniformes e duram apenas algumas décadas”.
Pelos vistos, “a única coisa que têm em comum é o facto de serem da mesma espécie”, considera o olivicultor, descansando à sombra de uma oliveira antiga, que resistiu a séculos de secas, de tempestades e de catástrofes naturais, confiante de que, ao invés das plantações de regadio, o seu olival, regado pela chuva continuará a dar frutos, durante as gerações vindouras.
Seja como for, as plantações superintensivas de oliveira tomaram conta da região. Com efeito, estas monoculturas utilizam variedades anãs altamente produtivas e adaptáveis à mecanização, obtendo rendimentos muito elevados. Porém, dependem da irrigação, de maquinaria pesada e de agroquímicos, que originam a erosão dos solos e a perda de biodiversidade.
As plantações de regadio do Alentejo expandiram-se, rapidamente, nas últimas duas décadas, com o abastecimento de água da albufeira do Alqueva, o maior lago artificial da Europa Ocidental. Por conseguinte, na região, estendem-se a perder de vista as sebes uniformes de oliveiras, a ponto de poder afirmar-se que o Alqueva é o lago artificial que alimenta o império do azeite, em Portugal.
A barragem do Alqueva, concebida para trazer crescimento económico a uma das regiões mais pobres e secas do continente, foi construída com fundos públicos. Todavia, a irrigação tem beneficiado, principalmente, os grandes grupos económicos que lucram com as plantações superintensivas de olival. Na verdade, o pequeno proprietário tem poucas possibilidades de investir em maquinaria pesada, em condutas de água e em largo volume de químicos, bem como de assegurar uma cultura intensiva e extensiva.
De acordo com a EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, SA, a empresa pública que gere a albufeira de Alqueva, mais de 80% da sua água é utilizada para irrigar plantações intensivas de oliveiras e de amendoeiras. Só em 2024, a EDIA forneceu água a 74059 hectares de olivais, na sua maior parte, sebes superintensivas. Algumas grandes empresas como a Elaia, a De Prado e a Aggraria – alguns dos maiores produtores de azeite do Mundo – controlam a maior parte das terras irrigadas da região.
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Barragem de Alqueva é uma barragem em arco situada no rio Guadiana, perto da localidade de Alqueva (que lhe deu o nome) da atual União das Freguesias de Amieira e Alqueva, do município de Portel, ligando-a, na margem oposta, à freguesia de Moura (Santo Agostinho e São João Batista) e Santo Amador, do município de Moura, na região do Alentejo. Começou a ser planeada a partir da segunda metade do século XX, nos anos 50, durante o período do Estado Novo, liderado, na prática, por António de Oliveira Salazar, de forma a mitigar os problemas de falta de água na região e, assim, desenvolver a produção agrícola. No entanto, só começou a ser construída após a Revolução do 25 de Abril, embora as obras tenham parado, em 1978, devido aos elevados custos, que puseram em causa a sua viabilidade, do ponto de vista económico. Esta situação provocou protestos no Alentejo e no Algarve, as regiões que mais iriam ser beneficiadas pela barragem, mas só em 1995 é que os trabalhos foram reiniciados. Em 8 de fevereiro de 2002, foram oficialmente fechadas as comportas na barragem, em cerimónia que contou com a presença do primeiro-ministro, António Guterres, e, a 5 de maio de 2004, foi inaugurada a central elétrica da barragem.
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A construção da barragem inundou 25 mil hectares de terra, destruindo ecossistemas e submergindo a aldeia da Luz, bem como dezenas de sítios arqueológicos. Mais de um milhão de árvores foram abatidas. Algumas árvores foram transplantadas, antes da inundação e adornam jardins e praças em todo o Alentejo, constituindo os últimos vestígios da paisagem desaparecida.
Para Susana Sassetti, diretora da Olivum, associação que representa os produtores de azeitona com cerca de 50 mil hectares de olival, foi graças à barragem do Alqueva que Portugal se tornou um dos maiores exportadores mundiais de azeite. Efetivamente, desde que a barragem entrou em funcionamento, em 2002, as exportações de azeite aumentaram 12 vezes, em volume, e 18 vezes, em valor, atingindo cerca de 900 milhões de euros, por ano. De facto, a intensificação da produção de azeite foi impulsionada pelos incentivos da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE) e por um aumento global da procura de azeite. De 2007 a 2020, o setor olivícola português recebeu mais de mil milhões de euros em subsídios agrícolas.
José Pedro Salema, presidente da EDIA, afirma que a barragem tem um importante papel estratégico na garantia do abastecimento de água à região, tendo criado emprego e atraído investimento, mas as plantações intensivas altamente mecanizadas dependem, maioritariamente, de mão-de-obra migrante sazonal e mal paga.
Por outro lado, a barragem não travou o despovoamento rural. Entre 2011 e 2021, o Alentejo perdeu mais de 52 mil habitantes, o maior declínio populacional em Portugal. Compreende-se o facto, pois, se a barragem possibilitou a irrigação de extensas zonas, os pequenos agricultores, que têm dificuldade em aceder aos meios que viabilizam a intensa monocultura, não se sentem motivados a permanecer ali; e os trabalhadores rurais em regime de permanência, regra geral, são dispensados, devido à utilização da maquinaria, incluindo os robôs. E o trabalho sazonal, mercê do êxodo populacional, é assegurado por mão-de-obra migrante sazonal e mal paga.
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Embora o sistema de irrigação do Alqueva e as plantações intensivas de olival tenham sido muito rentáveis, para os investidores, a curto prazo, são crescentes as preocupações sobre os custos ambientais. Nestes termos, cientistas e ambientalistas alertam para o facto de a olivicultura intensiva, no Sul do país, estar a transformar uma paisagem outrora diversificada em monótonas fileiras de plantações intensivas, danificando os ecossistemas e contaminando a água e o solo com agroquímicos.
De acordo com Teresa Pinto Correia, professora catedrática da Universidade de Évora – especialista em paisagens rurais, diretora do MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura Ambiente e Desenvolvimento, coordenadora do Laboratório Associado CHANGE – Instituto para a Mudança Global e Sustentabilidade, e vice-presidente da Mission Board on Soil Health and Food, do Horizon Europe os investimentos públicos na barragem de Alqueva beneficiaram, sobretudo, um pequeno grupo de grandes empresas e investidores estrangeiros, do que resultou uma concentração fundiária e a uma distribuição desigual da água a preços artificialmente baixos.
“O preço da água deveria ter em conta as infraestruturas, que incluem, não só os custos de construção da barragem, mas também os canais de irrigação, o transporte da água e a eletricidade necessária para bombear a água a longas distâncias e para altitudes mais elevadas, o que é muito caro”, explica a especialista, frisando que isso não se reflete no preço pago pelos utilizadores.
A barragem representa o maior investimento público feito na agricultura na História Moderna de Portugal, com o custo de 2,5 mil milhões de euros. A EDIA pretende expandir o regadio para mais 470 quilómetros quadrados, projeto financiado também com fundos públicos. “Muitas das empresas [que utilizam a água de Alqueva] são fundos de investimento focados no lucro e completamente desligados do território. Não estão a pensar em passar um futuro sustentável para as próximas gerações”, considera a também eurocientista, preocupada com o facto de estes lucros estarem a ser obtidos à custa dos recursos naturais, com pouca fiscalização e regulamentação.
A ZERO, uma das principais organizações ambientais em Portugal, condenou a expansão descontrolada das monoculturas no Alentejo.
Pedro Horta, responsável político da ZERO, documentou muitas violações e infrações ambientais, incluindo a destruição de redes de água vitais, danos em áreas protegidas e habitats prioritários, bem como práticas agrícolas prejudiciais causadoras da erosão e da degradação dos solos. “Dada a escala da transformação da paisagem, podemos chamar a isto um ecocídio”, sustenta o ambientalista, salientando que as plantações superintensivas levaram a uma perda significativa de biodiversidade e à destruição do ambiente.
Um relatório da EDIA concluiu que as plantações intensivas de sebes suportam só metade do número de espécies encontradas nos olivais tradicionais. E um estudo de uma equipa de investigadores de diferentes universidades portuguesas, mostra como a expansão de sistemas agrícolas superintensivas está a reduzir, drasticamente, a diversidade e a diminuir as comunidades de aves nos olivais mediterrânicos.
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Tudo isto é concomitante com o efeito das alterações climáticas, que estão a agravar o stresse hídrico. Para muitos, a atual trajetória é insustentável, numa região cada vez mais afetada por secas e por fenómenos meteorológicos extremos. Um estudo da empresa de consultoria Agrogés prevê que as alterações climáticas aumentarão a procura de água para os olivais irrigados, entre 5% e 21%, enquanto as entradas médias anuais na albufeira de Alqueva deverão diminuir entre 5% e 10%, até 2050. Assim, como prevê Pinto Correia, “não vamos ter água suficiente”.
Depois, é de ter em conta que a simplificação dos ecossistemas em paisagens homogéneas torna a região ainda mais vulnerável, em relação às alterações climáticas.
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Em todo o caso, segundo a empresa espanhola Deoleo, um dos períodos mais difíceis para o setor do azeite está a chegar ao fim e fará com que os preços desçam para metade do seu máximo histórico. Na verdade, em meados de novembro de 2024, o maior produtor mundial de azeite previa um alívio dos preços, para os meses subsequentes, depois de o setor haver registado valores recorde, no início desse ano, devido ao impacto da seca relacionada com as alterações climáticas, na fase da colheita, e às elevadas taxas de juro e inflação, na cadeia de valor.
Na UE, os preços do azeite haviam subido 50%, em janeiro de 2024, em termos anuais; e, no Reino Unido, aumentaram 150%, em comparação com o final de 2021. Em Espanha, onde se encontra quase metade da produção mundial de azeite, dois anos consecutivos de seca haviam limitado as colheitas de azeitona, provocando aumento dos preços, a nível mundial.
A Deoleo, fabricante de marcas de azeite domésticas como Bertolli e Carbonell, esperava, neste ano, uma colheita muito melhor. “As perspetivas são positivas, para os próximos meses, pois o mercado deve começar a estabilizar e a normalidade deve ser restaurada, à medida que a nova safra avança e a oferta aumenta”, dizia Miguel Ángel Guzmán, diretor de vendas da Deoleo, à CNBC, acrescentando que a crise não acabou, totalmente, pois ainda havia tensão em alguns preços do azeite de alta qualidade, como o extra virgem.
A empresa esperava que os preços caíssem para metade dos níveis históricos registados, no início de 2024. “O abrandamento dos preços, na origem, deverá começar entre novembro, dezembro e janeiro, desde que as condições climatéricas e de colheita se mantenham estáveis, nas próximas semanas”, apontava Guzmán, citado pela CNBC.
Entretanto, outros países mediterrânicos enfrentavam perspetivas mistas. A Grécia estava a braços com uma seca prolongada, o que afastava as esperanças de uma colheita robusta. A Turquia, que se tornou o segundo maior produtor de azeite do Mundo, em 2023, estimava uma colheita recorde de 475 mil toneladas de azeite.
Em Portugal, passa-se algo inexplicável, à primeira vista, depois de o preço ter disparado e ter vindo a recuar, desde maio de 2024, o preço do azeite virgem extra voltou a subir. A DECO dizia que uma garrafa de 75 cl estava, novamente, acima dos nove euros, quando, há três anos, a mesma garrafa custava menos de cinco euros.
De 31 de março a 6 de abril, prosseguiu a campanha de comercialização de azeite 2024/25 nas áreas de mercado – Alentejo, Ribatejo, Beira Interior, Beira Litoral e Trás-os-Montes – com subida da cotação média de azeite virgem engarrafado. Registaram-se cotações de azeite virgem e virgem extra a granel, no Alentejo Sul e no Alentejo Norte. Na área de comercialização de Trás-os-Montes, as transações de azeite virgem e virgem extra voltaram a diminuir. O mercado apresenta uma oferta de média a alta, para uma procura de baixa a média. Nesta campanha, o azeite carateriza-se como médio a bom, em relação à sua qualidade. De acordo com as últimas estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE), perspetiva-se um aumento na produção de azeite em 10%, em relação à campanha anterior, atingindo cerca de 177 mil toneladas.
Como se explica o preço a subir, a par do aumento de produção? Só pela captura da produção pelo império dos fundos de investimento focados no lucro, desligados do território.  

2025.04.15 – Louro de Carvalho


domingo, 13 de abril de 2025

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo o Evangelho de Lucas

 

No início da Semana Santa, ou seja, em Domingo de Ramos na Paixão do Senhor, no Ano C, a liturgia convida-nos a escutar o impressionante relato da Paixão e Morte de Jesus, segundo o Evangelho de Lucas (Lc 22,14-23,56), que, inegavelmente fundamentado em acontecimentos concretos, constitui uma catequese cujo objetivo é concitar a meditação sobre o modo como Jesus, oferecendo a sua vida até ao dom total, na cruz, concretiza o desígnio salvador do Pai.

Com a entrada triunfal de Jesus a Jerusalém e com os acontecimentos da Semana Santa, chegamos ao fim do caminho iniciado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para Jerusalém. Ali irromperá a salvação de Deus. Ali, Jesus vai realizar o último ato do programa enunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor até à morte, vai nascer o Reino de homens novos, livres, salvos, onde todos serão irmãos. E dali partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que a salvação de Deus chegue a todo o Mundo e seja acolhida por todos os homens e mulheres.

O cenário físico da paixão e morte de Jesus é, no texto lucano, o dos outros evangelhos sinóticos: o Cenáculo, edifício com “uma grande sala mobilada no andar de cima”, onde Jesus fez com os discípulos a inolvidável ceia de despedida; o Monte das Oliveiras, jardim para onde Jesus, após a ceia, Se retirou para rezar, e onde foi preso pelos guardas do Templo; o palácio do sumo-sacerdote Caifás, onde Jesus foi julgado, condenado pelo Sinédrio e ficou preso o resto da noite, antes de ser levado às autoridades romanas; o pretório romano da Torre Antónia, onde Jesus, na manhã de sexta-feira, foi torturado e coroado de espinhos e onde o governador Pilatos confirmou a sua condenação à morte; as ruas da cidade de Jerusalém, por onde Jesus passou, carregando com o braço transversal da cruz, segundo o ritual das crucifixões; o Calvário, colina fora da cidade onde Jesus, por volta das 9 horas de sexta-feira, foi crucificado; e o túmulo novo oferecido por José de Arimateia, onde o corpo morto de Jesus foi depositado, antes do pôr do sol de sexta-feira.

Todos os evangelistas concordam que Jesus celebrou uma ceia depois do pôr do sol de uma quinta-feira (quando, segundo o calendário religioso judaico, já era sexta-feira) e que morreu na cruz por volta das três horas da tarde dessa sexta-feira. Para Marcos, Mateus e Lucas, contudo, tal sexta-feira era o dia da celebração da festa judaica da Páscoa. Assim, a última ceia de Jesus com os discípulos terá sido uma Ceia Pascal. No entanto, João sustenta que a sexta-feira (dia em que Jesus morreu) não foi dia de Páscoa, mas o dia da preparação da Páscoa (o dia de Páscoa, nesse ano, começou na sexta-feira ao pôr do sol, quando Jesus já tinha morrido na cruz). Nesse caso, a última ceia de Jesus com os discípulos não teria sido Ceia Pascal, mas ceia de despedida, mas Jesus chama-lhe “páscoa”.

É difícil aceitar o calendário sinótico, pois não parece provável que, em pleno dia de Páscoa, os Judeus desenvolvessem o processo contra Jesus, O levassem pelas ruas de Jerusalém até ao Gólgota e O crucificassem. Assim, Jesus teria sido crucificado na véspera da celebração da Páscoa judaica, provavelmente, na primavera do ano 30, com a idade de 35-37 anos.

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O relato da paixão e morte de Jesus é de uma violência inaudita, perpetrada contra um homem que, na ótica dos que O conheceram bem e que O acompanharam da Galileia a Jerusalém, não fez nada para merecer a condenação decretada contra Ele.

A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto do que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus Se apercebeu de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar um Mundo novo, de justiça, de paz e de amor para com todos. Esse Mundo novo é “o Reino de Deus”. Para concretizar tal projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina, “fazendo o bem” e anunciando a proximidade do Reino de Deus. Ensinou que Deus é amor e que não exclui ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não devem ser marginalizados, pois não são amaldiçoados por Deus; ensinou que são os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e os que têm um coração mais disponível para acolher o Reino; e avisou os ricos (poderosos, prepotentes, instalados) de que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência e o fechamento só podem conduzir à morte.

O projeto libertador de Jesus entrou em choque – inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o Mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus, dispostas a renunciar aos mecanismos de poder, de influência, de domínio, de privilégios. Não estavam dispostas a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão suscitada por Jesus. Por isso, decidiram calá-Lo: prenderam-No, julgaram-No, condenaram-No e pregaram-No numa cruz.

A morte de Jesus, consequência do anúncio do Reino, resultou das tensões e das resistências que a proposta do Reino provocou entre os que dominavam o Mundo. É o culminar da sua vida, a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), do que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço simples e humilde.

Foi por amor que Jesus lutou contra a injustiça, contra a prepotência, contra a opressão, contra a maldade nas suas mil e uma formas; foi por amor que Se deixou prender, condenar e matar; foi por amor que morreu na cruz. Quem olha para a cruz erguida numa colina fora das muralhas de Jerusalém e vê o testemunho que Jesus deixou, percebe como deve a vida ser vivida.

Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Assim, a cruz encerra e propõe o dinamismo de um mundo novo, transformado pelo amor – o dinamismo do “Reino de Deus”. A cruz, instrumento vil de sofrimento e de morte, torna-se fonte de Vida e de esperança.

Além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém anotar alguns dados exclusivos da versão lucana da Paixão.

Este evangelista procura destacar, em cada página do Evangelho, a misericórdia e o amor de Jesus. Isso aparece em vários passos do seu relato da paixão. Aquando da prisão de Jesus, no Monte das Oliveiras, os Sinóticos relatam que um dos que estavam com Jesus feriu um servo do sumo-sacerdote com uma espada, cortando-lhe uma orelha, mas apenas Lucas relata que Jesus, “tocando na orelha do servo, curou-a”. Os Sinóticos contam que, quando Jesus estava preso em casa do sumo-sacerdote, Pedro negou, repetidamente, conhecê-Lo, mas apenas Lucas conta que, após a terceira negação, Jesus “voltou-se e fitou os olhos em Pedro”, como a dizer-lhe que entendia a sua fragilidade e o seu medo e que não o condenava. Lucas é o único dos Sinóticos a referir que Jesus, pregado na cruz, esmagado e humilhado, Se dirige ao Pai, para Lhe pedir que perdoe aos seus assassinos: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. A exigência do perdão sem condições não é, para Jesus, apenas uma bela doutrina, mas a atitude que é preciso concretizar até às últimas consequências e que obriga todos os filhos e filhas de Deus.

No episódio da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer, depois de distribuir o pão aos discípulos que estavam à mesa: “Fazei isto em memória de Mim”. A expressão não quer apenas dizer que os discípulos devem celebrar, liturgicamente, o ritual da última ceia e repetir as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho, mas quer, sobretudo, indicar que os discípulos devem viver ao ritmo de Jesus: na entrega, no espírito de serviço, no amor pelos pequenos e pelos mais frágeis, na solicitude pelos que são tidos como pecadores e malditos, na paixão pelo Reino de Deus.

Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos discípulos seria o maior. Jesus avisa os seus de que o maior é “aquele que serve” e apresenta o seu próprio exemplo de uma vida feita serviço e dom. Neste contexto, estas palavras de Jesus têm uma força especial: soam a testamento, pelo que se tornam inesquecíveis e marcantes para os discípulos de todas as épocas. Pelo tempo fora, os discípulos de Jesus devem zelar por que a Igreja, nascida de Jesus, seja uma comunidade de serviço simples e humilde e não uma comunidade de gente importante, que vive para as honras e para os triunfos humanos.

Os Sinóticos referem que Jesus, no jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso, orou ao Pai e Lhe pediu que afastasse aquele cálice de dor e morte que estava no seu horizonte próximo. A oração – que tem lugar especial no Evangelho de Lucas – é onde Jesus discerne a vontade do Pai e encontra força para a cumprir. Porém, apenas Lucas faz referência ao aparecimento de um anjo a confortar Jesus. Lucas indica que Deus escutou a oração de Jesus e que, embora não tenha modificado o seu projeto, estava ao lado de Jesus naquele momento de sofrimento e de desolação. Deus não abandona, nos momentos de prova, os que acolhem, na obediência, a sua vontade. Também apenas Lucas refere o “suor de sangue” de Jesus, fruto da sua angústia, pormenor que acentua a fragilidade humana de Jesus, valorizando, ainda mais, a sua total entrega ao Pai.

Os Sinóticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus. Porém, só Lucas refere que Simão transporta a cruz “atrás de Jesus”, expressão que designa o lugar do discípulo, que caminhava, habitualmente, atrás do seu mestre. Assim, Lucas sugere o modelo do discípulo: o que toma a cruz de Jesus e O segue, no seu caminho de entrega e de dom da vida (“Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me”).

Apenas Lucas refere o encontro de Jesus com algumas mulheres, “filhas de Jerusalém”, que O esperavam no caminho. As mulheres têm, no Evangelho de Lucas, lugar especial. Estão entre as pessoas que, pela sua situação de fragilidade, mais necessitam de experimentar a bondade e a solicitude de Deus. Também aparecem como discípulas fiéis, que acompanham o Mestre da Galileia a Jerusalém. E, no caminho do calvário, aparecem na posição de discípulas que vão atrás de Jesus, enquanto Ele percorre o seu caminho de dor e de morte. Finalmente, voltamos a encontrar, quando Jesus já está na cruz, mulheres “que O tinham acompanhado desde a Galileia” e que se “mantinham à distância”, observando tudo. Assim, elas são o modelo do discípulo que nunca se afasta de Jesus e observa tudo o que Ele faz, quando os outros discípulos, com exceção de João, O tinham abandonado.

Os Sinóticos referem que Jesus foi crucificado com dois malfeitores. Contudo, apenas Lucas refere o diálogo que se estabelece entre os três crucificados. Um dos malfeitores insulta Jesus (“Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também”), mas o outro reconhece a inocência de Jesus e pede-Lhe: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza.” Jesus responde-lhe: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso.” Como aconteceu durante toda a sua vida, também naquele momento final Jesus está rodeado pelos pecadores, pelos malditos, pelos que a sociedade rejeita. Por amor, Jesus envolveu-se com os pecadores e procurou libertá-los de todas as escravidões. No momento mais decisivo da sua vida, continua a concretizar o projeto do Pai e a oferecer a salvação de Deus a todos, até aos “malfeitores”. Dando testemunho da bondade e do amor de Deus por todos os seus filhos, garante a um maldito a vida definitiva e apresenta-o a todos nós como o primeiro santo canonizado da sua Igreja.

E, enquanto os outros Sinóticos referem que Jesus expirou (ou rendeu o espírito), o texto lucano relata que Jesus, antes de expirar, bradou: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.” A expressão “o meu espírito (ruḥi) representa a totalidade da vida que se entrega nas mãos de Deus; não se associa, explicitamente, à respiração como acontece em Gn 2,7, se bem que esteja também associada com o vento, como em Gn 1,2. Esta parte do homem é algo de divino presente no homem vivo e entregue, de novo, a Deus com a morte. Jesus reza com o Sl 31,6, mas introduz a petição com a palavra Pai”, tanto do seu agrado. A misericórdia, que é intrínseca à pessoa de Jesus e de que Ele é portador, só se percebe na contínua união ao Pai misericordioso.   

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A leitura da Paixão é precedida das leituras de Is 50, 4-7 e de Fl 2,6-11.

O trecho veterotestamentário traz-nos a palavra e o drama de um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar, no meio dos povos, a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, o desígnio de Deus. Os primeiros cristãos viram neste servo de Deus a figura de Jesus.

Quem toma a palavra é uma personagem anónima, a falar do seu chamamento por Deus à missão. Não se designa a si próprio como servo, mas assemelha-se ao servo de que se fala no primeiro cântico do servo de Javé; e não se intitula profeta, mas narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.

A missão que este profeta/servo recebe de Deus tem a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala. A redenção que Deus oferece a todos os que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não resiste ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia, mas terá de estar, continuamente, na atitude de escuta de Deus, para que possa apresentar, com fidelidade, a Palavra de Deus aos homens. A missão que Deus confia ao profeta/servo consiste em dizer uma palavra de alento a todos os que estão cansados e abatidos, magoados e injustiçados, sem a esperança. Essa missão não é fácil: concretiza-se no sofrimento e na dor. A palavra proclamada em nome de Deus incomoda e provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. Contudo, o profeta/servo de Deus não resiste às agressões e condenações e torna o rosto “duro como pedra”, face aos que o agridem e magoam, não por insensibilidade, mas por decisão de suportar tudo, para levar até ao fim a missão que Deus lhe confiou. O profeta não desiste, nem se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento e faz com que ponha à frente de tudo a missão que Deus lhe confiou.

O que leva o profeta/servo a resistir, corajosamente, aos que o agridem e querem silenciar é a sua confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna-o mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição, o ódio dos inimigos. O profeta/servo tem absoluta confiança em Deus e sabe que Ele nunca o desiludirá.

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O trecho paulino é um hino onde ecoa a catequese primitiva sobre Jesus. Fiel ao desígnio do Pai, Ele desceu ao encontro dos homens, viveu a vida dos homens e sofreu morte atroz por amor aos homens. Mas a sua vida não foi malbaratada: Deus exaltou-O, mostrando que o caminho que seguiu é o que conduz à Vida. É esse caminho que somos desafiados a percorrer.

Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Os Filipenses, como discípulos de Cristo, são convidados a olhar para Ele e a conformarem as suas vidas com o exemplo de Cristo. E o exemplo de Cristo é o inverso do de Adão.

O hino alude, subtilmente, ao contraste entre Adão e Cristo: Adão, o primeiro homem, pretendeu ser como Deus, assumiu, ante Deus, a atitude de arrogância e de autossuficiência e virou as costas às indicações de Deus; Cristo, o Homem Novo, assumiu a atitude de humildade e de obediência ante Deus. A atitude de Adão trouxe sofrimento e morte; a de Jesus trouxe exaltação e vida.

A atitude de Cristo é caraterizada, no hino, como “aniquilação” ou “despojamento” (“kénôsis”). Cristo era de condição divina, mas sem reivindicar, em razão do seu estatuto, quaisquer poderes ou privilégios, pôs-se totalmente ao serviço do desígnio salvador do Pai. Aceitou, conforme o plano do Pai, vestir a fragilidade dos seres humanos e tornou-se homem: experimentou as dores e os limites dos homens, conviveu com os dramas dos homens e caminhou com os homens para lhes indicar o caminho que leva à salvação, fez-se servo dos homens, lavou-lhes os pés. Como se tudo isso não bastasse, desceu mais: foi contestado, preso, condenado e sofreu a morte infame na cruz, reservada aos malditos e abandonados por Deus. A História de despojamento parece de fracasso e de morte, “pouco recomendável”. Porém, não termina assim a vida de quem obedece a Deus e põe a sua vida ao serviço do projeto salvador de Deus.

Exatamente porque cumpriu, plenamente, o plano do Pai, Deus ressuscitou-O e exaltou-O. Fê-lo vencedor da injustiça, do egoísmo e da violência que o tinham condenado a morte maldita. Apresentou-O como modelo para todos os homens. Fez dele o “Jesus” (significa “Deus salva”) e o “Kýrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a Humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece esse Senhor, o Cristo que Se despojou de tudo para obedecer ao Pai como “o Senhor” que reina sobre toda a Terra e que preside à História.

Aos Filipenses e aos crentes de todas as épocas e lugares Paulo exorta a que se libertem do orgulho, da autossuficiência, da arrogância, do fechamento a Deus e às suas propostas; que aprendam com Cristo a pôr a vida ao serviço do plano de Deus; que se tornem, com humildade e simplicidade, servos de todos; que amem sem medida, até ao dom total da vida. E Deus garante que o caminho que Jesus trilhou não conduz ao aniquilamento, mas à glória, à Vida plena.

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A Semana Santa inicia-se com a entrada triunfal na cidade de Jerusalém, triunfo que se eclipsa no sofrimento e na morte. Porém, tal como a transfiguração na glória do Tabor, para ser definitiva, teve de se esconder no caminho até ao sepulcro, também a Semana Santa desembocará na Páscoa da Ressurreição. Até lá, passamos pela meditação, pelo mistério em que a iniquidade será vencida pela bondade de Deus.

2025.04.13 – Louro de Carvalho

O suposto equívoco da proposta de divisão da Ucrânia

 

Vladimir Putin, presidente russo, recebeu, a 11 de abril, em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia, Steve Witkoff, enviado de Donald Trump, o homólogo dos Estados Unidos da América (EUA), para debaterem a “resolução” do conflito na Ucrânia, como anunciou o Kremlin.
De acordo com Dmitri Peskov, porta-voz da presidência russa, tratou-se de uma boa oportunidade para Vladimir Putin “transmitir a Witcoff os elementos principais da posição da Rússia e as principais preocupações” do país sobre a situação da Ucrânia, que serão, depois, comunicadas ao presidente norte-americano.
“Witkoff, como representante especial de Trump, trará alguma coisa do seu presidente para Putin. Ele vai ouvi-lo e a conversa continuará sobre diversos aspetos da resolução do conflito ucraniano”, declarou Peskov, citado pela agência Ria Novosti, indicando que não deveriam esperar-se “quaisquer avanços diplomáticos”, na reunião, pois “há um processo de normalização das relações e a procura de uma base para iniciar um processo de paz sobre a Ucrânia”.
O porta-voz do Kremlin, referindo que a reunião entre Putin e Witkoff duraria o tempo que fosse necessário, sublinhou que as partes estão, agora, concentradas na troca de pontos de vista e que há um trabalho “meticuloso” em curso.
Esta foi a terceira deslocação do enviado de Donald Trump à Rússia, nos últimos dois meses. As viagens anteriores realizaram-se a 11 de fevereiro e a 13 de março.
O presidente dos EUA tem-se mostrado frustrado com a falta de progressos nas negociações, nas últimas semanas, e com a continuação dos bombardeamentos por ambas as partes em conflito na Ucrânia. Assim, a Rússia poderá abandonar, a 16 de abril, a trégua energética acordada com a Ucrânia, devido ao que Moscovo considera constantes violações por Kiev dessa moratória. E, se não for alcançado um cessar-fogo até ao final do mês, Trump poderá impor sanções adicionais à Rússia, quer através do poder executivo, quer pedindo ao Congresso que aprove novo pacote de sanções, como declarou ao jornal digital norte-americano Axios fonte familiarizada com o tema.
Na semana anterior, Witkoff recebeu, em Washington, Kiril Dmitriev, enviado de Vladimir Putin, na tentativa de ultrapassar o impasse diplomático.
A reunião de 11 de abril ocorreu um dia depois de consultas entre os EUA e a Rússia, em Istambul, na Turquia, terem terminado sem qualquer acordo concreto.
A reunião, realizada à porta fechada na Biblioteca Presidencial, em São Petersburgo, foi a terceira entre Witkoff e Putin, em dois meses e durou perto de 4h30m, segundo as agências de notícias russas Ria Novosti e TASS. “A reunião centrou-se em aspetos do acordo ucraniano”, informou o Kremlin, num curto comunicado emitido após a sua conclusão.
Participaram na reunião Yuri Ushakov, conselheiro do Kremlin para assuntos internacionais, e Kiril Dmitriev, enviado presidencial para a cooperação económica internacional, que se reuniram, previamente, a sós com o enviado norte-americano. E, logo após a conclusão do encontro com Vladimir Putin, Kiril Dmitriev indicou que fora bem-sucedida a reunião. “Negociações produtivas com Witkoff”, escreveu o enviado de Putin, na sua conta na rede social X.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, antes da reunião, afirmara, como vimos, que esta era uma boa oportunidade para “transmitir a Witkoff os principais elementos da posição da Rússia e as maiores preocupações do país”.
A Rússia ameaça deixar cair a trégua energética a 16 de abril, acusando a Ucrânia de violações contínuas; Kiev acusa as forças russas de prosseguirem ataques quase diários contra infraestruturas civis; e, se não for alcançado um cessar-fogo até ao final do mês, o líder norte-americano poderá impor sanções adicionais à Rússia.
Entretanto, Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca declarou à imprensa: “O presidente foi muito claro, ao expressar a contínua frustração com ambos os lados deste conflito e quer ver o fim da guerra.”
Não obstante, a porta-voz indicou que os EUA acreditam que têm influência suficiente para negociarem um acordo de paz e estão determinados a usá-la.
O político republicano, que defendeu, no regresso à Casa Branca, em janeiro, uma aproximação ao Kremlin e criticou, duramente, ao homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, manifestou, recentemente, insatisfação com os contínuos bombardeamentos russos na Ucrânia e com a falta de compromisso de Moscovo com uma trégua. E, pouco antes da reunião em causa, instou a Rússia a tomar medidas para pôr fim ao conflito na Ucrânia. “A Rússia precisa de se mexer. Muitas pessoas estão a morrer, milhares por semana, nesta guerra terrível e sem sentido – uma guerra que nunca deveria ter acontecido, que nunca teria acontecido se eu fosse presidente”, afirmou Donald Trump, na plataforma Truth Social.
Apesar da sua aproximação à Rússia, Donald Trump apenas obteve anuência de Vladimir Putin a uma trégua bastante limitada, em março, com a moratória sobre os ataques às infraestruturas energéticas, além do anúncio, em termos vagos e de âmbito limitado, de um acordo para uma trégua no mar Negro.

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Entretanto, no mesmo dia da reunião em São Petersburgo, o general Keith Kellogg, enviado especial do presidente dos EUA para a Ucrânia, lançou uma proposta controversa que envolve a divisão do país em três zonas distintas, à semelhança do que sucedeu com a Alemanha, após a II Guerra Mundial, quando havia a zona russa, a zona francesa, a zona britânica e a zona americana.

Em entrevista ao jornal britânico The Times, o general, de 80 anos, sugeriu a criação de uma “força de segurança” liderada pelo Reino Unido e pela França, para operar na zona Oeste da Ucrânia, enquanto as forças ucranianas seriam concentradas a Leste do rio Dnieper (ou Dnipro), que funcionaria como linha de demarcação entre os territórios. As regiões sob ocupação russa permaneceriam sob o controlo de Moscovo. E, embora o Kremlin, anteriormente, tenha rejeitado a ideia de tropas europeias a monitorizar o cessar-fogo, Keith Kellogg defendeu que uma força ocidental limitada ao lado ocidental do Dnieper “não seria provocatória”, para a Rússia.

“Estaria a Oeste [do Dnieper], o que é um grande obstáculo”, disse o general, que, apesar de ser enviado para a Ucrânia, tem sido secundarizado no papel, em relação a Steve Witkoff, emissário do presidente Donald Trump para o Médio Oriente.

Além disso, o enviado especial do presidente dos EUA para a Ucrânia propôs a criação de uma zona desmilitarizada de 29 quilómetros ao longo da linha da frente, com ambas as forças a recuar 15 quilómetros, para estabelecer uma zona neutra facilmente monitorizável.

“Olha-se para um mapa e cria-se, à falta de melhor termo, uma zona desmilitarizada [DMZ]. Levam-se ambos os lados 15 quilómetros para trás”, disse Keit Kellogg, acrescentando: “E teríamos uma DMZ que pode ser monitorizada, e esta [...] zona de cessar-fogo pode ser monitorizada com bastante facilidade.”

O estratego inspirou-se no facto de, a partir de 1953, existir, entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, uma zona tampão pós-guerra, embora com apenas quatro quilómetros de largura.

O general norte-americano reconheceu que a proposta poderá ser recusada pela Rússia e admitiu a possibilidade de violações ao cessar-fogo, embora vincasse que seriam facilmente detetadas. Acrescentou ainda que os EUA não enviariam tropas terrestres para essa força de segurança e alertou Londres e Paris a não dependerem do apoio norte-americano, nas garantias de segurança oferecidas à Ucrânia. “A força de segurança da coligação seria capaz de enviar uma mensagem eficaz ao presidente Putin”, afirmou Keit Kellogg.

Esta foi a primeira vez que uma autoridade norte-americana propôs, oficialmente, o Dnieper como linha de demarcação num eventual pós-guerra. Porém, o plano implicaria a aceitação, ainda que implícita, da ocupação russa de partes do território ucraniano – algo já rejeitado, veementemente, pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que insiste em que a integridade territorial do país não é negociável. Dito de outro modo, o plano implicaria deixar sob controlo russo as regiões ocupadas ilegalmente, e o presidente ucraniano já afirmou que o seu país nunca reconhecerá estes territórios como legalmente russos.

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Como a publicação do The Times, destacava que, na entrevista, o enviado de Donald Trump para a Ucrânia, referira uma “divisão” da Ucrânia como parte de um possível acordo de paz. Keith Kellogg tentou clarificar o que dissera, considerando que as suas palavras tinham sido “mal interpretadas”. “Estava a falar de uma força de resistência pós-cessar-fogo, em apoio da soberania da Ucrânia. Estava a referir-me às áreas de responsabilidade de uma força aliada (sem tropas americanas). Não estava a referir-me a uma divisão da Ucrânia”, escreveu, no X, rejeitando a ideia de uma redefinição territorial.

Enfim, na sua tentativa de emenda de mão, sustenta que falara sobre uma ‘força de estabilização’, após um cessar-fogo, em apoio à soberania da Ucrânia, e que, ao falara de desmobilização, se referi a áreas ou a zonas da responsabilidade das forças aliadas, sem o envolvimento de tropas dos EUA, e “não à divisão da Ucrânia”.

Recorde-se que, segundo o The Times, Keith Kellogg dissera que a Ucrânia, no pós-conflito, poderá assemelhar-se a uma “Berlim pós-Segunda Guerra Mundial”, com a presença de forças europeias e russas separadas pelo rio Dnieper.

Na verdade, depois de mais de três anos de guerra, desencadeada pela invasão russa em 24 de fevereiro de 2022, e de progressos extremamente limitados no sentido de uma trégua, vários países, como a França e o Reino Unido, manifestaram o apoio à ideia de uma presença militar europeia de manutenção da paz na Ucrânia, oferecendo-se mesmo para fazer parte desta quando o conflito terminar. E, para substituir o muro de separação construído em 1961 na capital alemã – e derrubado em 1989, no auge do colapso da URSS – o general estaria a pensar no rio Dnieper, “um grande obstáculo natural” que corta a Ucrânia e, mesmo, Kiev de Norte a Sul.

Segundo Kellogg, uma presença anglo-francesa, sob a forma de uma “força de garantia da paz”, a Oeste do Dnieper, não seria “nada provocatória”, para Moscovo. A Rússia ficaria a Leste, com as tropas ucranianas no meio. No entanto, cônscio de que o presidente russo poderia não aceitar” esta proposta, Keith Kellogg sugeriu também o estabelecimento de uma “zona desmilitarizada” entre as linhas ucranianas e russas, sendo o objetivo garantir que não há troca de tiros.

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A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas russófilas no Leste e de “desnazificar” o país vizinho, independente desde 1991 – após o desmoronamento da União Soviética – e que tem vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.

A guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, e os últimos meses foram marcados por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra cidades e contra infraestruturas ucranianas, ao passo que as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia, ilegalmente anexada por Moscovo, em 2014.

As tropas russas, mais numerosas e mais bem equipadas, prosseguem o seu avanço na frente oriental, apesar da ofensiva ucraniana na Rússia, na região de Kursk, e da autorização dada à Ucrânia pelo então presidente norte-americano dos EUA, Joe Biden, para utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos para atacar a Rússia.

As negociações entre as partes estavam completamente bloqueadas, desde a primavera de 2022, com Moscovo a exigir que a Ucrânia aceitasse a anexação de uma parte do seu território. E, antes de regressar à Casa Branca para um segundo mandato presidencial (2025-2029), Trump defendeu o fim imediato da guerra na Ucrânia, asseverando que o conseguiria em 24 horas, mas não foi bem-sucedido. Porém, a Ucrânia quer garantias sólidas de segurança dos seus aliados, para evitar que Moscovo volte a atacar, ao passo que a Rússia quer a Ucrânia desmilitarizada e com a entrega dos territórios anexados, o que Kiev julga inaceitável.

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Agora, o general nem se equivocou, nem foi confuso. Com efeito, comparou a situação da Ucrânia à Alemanha de 1945, que perdera a guerra (o que não sucedeu com a Ucrânia) e não tinha um governo soberano, ao passo que a Ucrânia tem um governo legítimo, funcional e pró-ocidental. Além disso, não há nada a desnazificar na Ucrânia, ao invés do ocorrido na Alemanha.

Assim, é de concluir que as declarações de Keit Kellogg, como noticiadas pelo The Times, são a proposta mais clara a chegar da administração Trump, desde a sua tomada de posse a 20 de janeiro, após duas rondas de negociações dos EUA com delegações da Rússia e da Ucrânia, na Arábia Saudita. Também marcam a primeira vez em que um alto funcionário dos EUA admite que o rio Dnieper possa vir a tornar-se uma linha de demarcação dentro da Ucrânia, caso se alcance um cessar-fogo, “embora Kellogg não defenda a cedência a Moscovo de qualquer outro território a Leste do rio”.

O equívoco de Kellogg é, pois, um falso equívoco, no zelo dos interesses dos EUA.

2025.04.13 – Louro de Carvalho

Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva

 

Na quinta etapa dominical do caminho quaresmal, no Ano C, a liturgia insta a libertarmo-nos de tudo o que nos escraviza e a caminharmos, com coragem e decisão, para a meta que nos espera: a vida renovada, o horizonte de liberdade e de felicidade que Deus oferece a todos os seus filhos.

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O Deus que libertou os Hebreus da escravidão do Egito anunciou aos exilados na Babilónia (Is 43,16-21) que irá concretizar nova intervenção salvadora em favor do seu povo. Os exilados serão libertados e, acompanhados por Deus, percorrerão um caminho que os levará, de novo, para a terra de onde tinham sido arrancados, a terra onde corre leite e mel. É a metáfora do repto que Deus nos deixa na Quaresma: caminharmos da escravidão para a liberdade, para a vida nova.

Aos exilados na Babilónia, Deus apresenta-se como o rei, o criador de Israel, Aquele que, há séculos, estivera na origem do acontecimento “fundante” que marcou a vida do povo de Deus: a libertação dos Hebreus da escravidão do Egito. Então, Deus “abriu caminhos através do mar”, para que o povo fugisse da terra da escravidão para a terra da liberdade, e foi Ele que venceu as poderosas tropas do faraó e extinguiu o poderio egípcio como se apaga a mecha que fumega. Ao agir assim, Deus provou o seu poder e mostrou o seu compromisso com Israel.

Muitos séculos depois, o povo de Deus está, outra vez, exilado em terra estrangeira. Muitos dos exilados vivem das memórias do passado, agarrados a coisas que já lá vão. Que esse olhar para o passado não signifique ficar estagnado, acomodado, incapaz de enxergar o futuro que se prepara. Se alguém olhar para o passado, que seja para descobrir, nas ações de Deus em favor do seu povo, um “padrão”: o Deus que interveio, outrora, para libertar o seu povo é o Deus que sempre agirá da mesma forma, quando vir esse povo maltratado e injustiçado. O Deus libertador e salvador de outrora será o Deus salvador e libertador de hoje e de sempre.

Cientes disto, os exilados devem olhar para o futuro. Se o fizerem, perceberão os sinais de novo êxodo, de nova libertação, do tempo novo que está para chegar. Deus já está a preparar uma intervenção para salvar o seu povo.

Quando o profeta proclama aos exilados esta mensagem, o panorama político do antigo Médio Oriente estava a mudar. Ciro, o conquistador persa, preparava-se para desmantelar o império babilónio. E o profeta, atento aos sinais da História, vendo em Ciro o instrumento de Deus para libertar o povo de Deus exilado na Babilónia, achava que os exilados deviam ter apenas um pouco mais de paciência, até que Deus, através da ação de Ciro, libertasse o povo e o fizesse voltar à terra de Judá, pois acontecerá um novo êxodo.  

O novo êxodo que Deus prepara para o seu povo é descrito em termos grandiosos: Deus abrirá um largo e direito caminho no deserto, a fim de que os exilados façam, tranquilamente, a viagem de regresso à sua terra; fará brotar rios na terra árida, para que o povo não sofra, ao longo do caminho, os tormentos da sede; e todos, até os animais selvagens, vão reconhecer a ação salvadora de Deus em favor do seu povo. Unir-se-ão todos – os seres humanos e todos os outros seres criados – para cantar a glória e o poder de Deus. Enfim, a atuação de Deus manifestará, de forma clara, o amor e a solicitude de Deus pelo seu povo. Ante a ação de Javé, Israel tomará consciência de que é o povo eleito e dará a resposta adequada: louvará o seu Deus pelos dons recebidos.

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No Evangelho (Jo 8,1-11) Jesus mostra, a partir de uma mulher acusada de cometer adultério, como é que Deus lida com as nossas decisões erradas: “Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar”. O perdão de Deus, fruto do seu amor, fala mais alto do que o pecado. A preocupação de Deus não é castigar quem falhou, mas é apontar aos seus filhos um caminho novo, de liberdade, de realização e de vida sem fim.

O relato da mulher apanhada em adultério terá sido introduzido, tardiamente, no Quarto Evangelho, pois não aparece nos manuscritos anteriores ao ano 300. É ignorado pelos Padres da Igreja até ao século IV. Depois, a sua canonicidade é defendida por Santo Agostinho, por Santo Ambrósio e por São Jerónimo que o colocam noutro lugar (depois de Jo 7,36). Alguns manuscritos antigos inserem-no no Evangelho de Lucas (após Lc 21,38), em consonância com o interesse de Lucas em vincar a misericórdia de Jesus para com os pecadores e proscritos. Porém, a misericórdia é transversal aos Quatro Evangelhos.

Não se sabe quem recolheu o relato nem por que portas veio parar ao Evangelho de João. Alguns viram no ostracismo a que ele foi votado, durante algum tempo, a dificuldade da Igreja primitiva em aceitar uma história escandalosa, por o adultério ser considerado totalmente incompatível com a condição dos batizados, levando inclusive à exclusão da comunidade cristã. Todavia, o facto de o texto, depois de algum tempo, se ter imposto e aparecer num dos evangelhos confirma a sua autenticidade: não foi possível silenciar um episódio que se baseava numa tradição consistente. E a Igreja acabou por aceitar o relato como inspirado e por o incluir no tesouro da Palavra de Deus.

A cena situa-nos no Templo de Jerusalém. Jesus tinha pernoitado no Monte das Oliveiras; mas, pela manhã, dirigira-se, de novo, para o Templo, onde costumava ensinar todos aqueles que iam ao seu encontro.

Jesus está sentado na esplanada do Templo, na atitude clássica dos “mestres” que ensinam os seus discípulos. “Sentado”, como os rabis, vai oferecer a todos os que ali estão uma inesquecível lição sobre o modo como Deus olha para a fragilidade dos seus filhos e das suas filhas.

Os escribas e os fariseus apresentam-se a Jesus com uma mulher, contam-lhe que ela foi apanhada em flagrante adultério. Lembram a Jesus o que a Lei determina nestes casos, mas perguntam a Jesus a sua opinião sobre a matéria. A Lei determinava que, “se um homem cometer adultério com a mulher do seu próximo, o homem adúltero e a mulher adúltera serão punidos com a morte”. Contudo, os acusadores desta mulher, não fazem referência ao homem com quem ela estava a cometer adultério (ela não podia cometer adultério sozinha). As mulheres eram “o elo mais fraco” na cadeia da organização social. Nem sempre se aplicaria a lei, mas, no exemplo presente, os “juízes” da mulher pareciam dispostos a aplicá-la. No entanto, o autor do relato revela que aqueles escribas e fariseus estavam, sobretudo, interessados em “armarem uma cilada a Jesus e a terem pretexto para O acusar”. Se Ele optasse pela clemência, contra o que o estipulado por lei, seria acusado de fazer da Lei letra morta e perderia o direito de Se apresentar com qualquer pretensão messiânica; mas, se aprovasse a lapidação da mulher, contradiria tudo o que ensinava sobre perdão, misericórdia e compaixão.

Não era uma questão meramente académica, mas uma decisão que implicava a vida ou a morte de uma pessoa. A mulher acusada está de pé no meio dos presentes, na posição que o acusado ocupa, quando é apresentado ao tribunal. Os acusadores não se dirigem à mulher, visto que a sua culpabilidade está definida; dirigem-se apenas a Jesus, pois o que lhes interessa é comprometer Jesus. E, colocada a questão, todos os que assistem à cena estão pendentes da reação de Jesus.

Jesus não respondeu logo. “Inclinou-Se e começou a escrever com o dedo no chão”.

Há quem ache que Jesus estaria a escrever a sentença que ia proferir, antes de a proclamar; e há quem ligue o gesto de Jesus a um texto do profeta Jeremias, segundo o qual os que se afastam de Deus “serão escritos no pó”, isto é, na terra dos mortos. Porém, o mais provável é que se trate de uma pausa para ganhar tempo e para acalmar a sua irritação, face ao descaramento daqueles vigilantes da moral e dos bons costumes. Também serviria para que os escribas e fariseus se confrontassem com a gravidade do que estavam a exigir, em nome de Deus: com o seu silêncio, Jesus convidava-os, sem palavras, a passar do domínio da Lei para o domínio da misericórdia.

Contudo, os que acusavam a mulher não quiseram ou não souberam aproveitar o ensejo que lhes foi dado para chegarem, por si próprios, à compaixão. Continuaram a interrogar Jesus, exigindo uma resposta. Foi nessa altura que Jesus tomou a palavra para dizer: “Quem de entre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra”. O “dito” de Jesus convidava aquela gente a tomar consciência de que o pecado é consequência dos limites humanos e que ninguém está isento dessa condição. Poderá alguém que tem consciência dos seus limites e falhas ter a ousadia de acusar outros e de exigir que lhes seja dada a morte como castigo? Jesus, depois de atirar aos acusadores da mulher esta “provocação” que lhes desmascarava a hipocrisia, continuou a escrever no chão (há quem pense que Jesus estava a confiar à areia os erros dos acusadores), dando-lhes tempo para interiorizarem o que tinha sido dito e para tirarem as conclusões que se impunham. O texto acrescenta que, depois de terem ouvido as palavras de Jesus, os escribas e fariseus “foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos”. A indicação pode querer dizer que os mais velhos têm uma experiência mais longa da fragilidade humana.

Nessa altura Jesus ergueu-se e olhou para a mulher. A controvérsia com os escribas e fariseus tinha terminado, mas a mulher esperava uma palavra de Jesus. E Jesus, depois de ter verificado que não havia ali ninguém para emitir uma decisão de condenação e que ninguém a condenara, disse simplesmente à mulher: “Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar”.

Jesus não veio para condenar ninguém. Veio mostrar-nos o rosto e o coração de um Deus que ama, incondicionalmente, os seus filhos e que não os condena pelas suas fragilidades. Porém, a intervenção de Jesus não se fica pelo “não condenar”. Ao mesmo tempo, Jesus “liberta” a mulher, apontando-lhe um caminho novo. Convida-a a fazer escolhas que a tornem livre e que não a aprisionem numa vida sem saída: “Vai em paz e não tornes a pecar.”

Jesus mostra que Deus está do lado das pessoas que são marginalizadas pela sociedade: os pobres, os doentes, os pecadores, os oprimidos. Deus está contra a morte e pela vida. A dinâmica de Deus é uma dinâmica de misericórdia, pois só o amor transforma e permite a superação dos limites humanos. Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta, se liberte da sua situação de erro e viva. É esta a realidade do Reino de Deus.

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Na segunda leitura (Fl 3,8-14), São Paulo partilha com os cristãos da cidade de Filipos a sua experiência: desde que se encontrou com Cristo, o apóstolo deixou para trás todo o lixo que lhe limitava os movimentos e que o impedia de correr ao encontro de Cristo. A sua preocupação é identificar-se cada vez mais com Cristo e correr para a meta final, onde espera encontrar a vida.

Ao exibicionismo e ao discurso pretensioso dos “judaizantes”, que alardeiam os seus títulos de glória e os seus méritos, enquanto cumpridores da Lei moisaica, Paulo contrapõe o seu próprio exemplo. Teria mais razões do que outros para exibir os seus títulos: é hebreu genuíno, filho de hebreus, da tribo de Benjamim; foi circuncidado com oito dias; foi fariseu convicto, estudou a Lei na melhor escola de Jerusalém e viveu irrepreensivelmente como filho da Lei. Porém, considera que tudo isso nada vale ante a única coisa verdadeiramente decisiva: conhecer Jesus Cristo.

O termo “conhecer” deve ser entendido no mais genuíno sentido da tradição bíblica, isto é, no sentido de “entrar em comunhão de vida e de destino” com uma pessoa. O que Paulo procura, o que sente como determinante na sua vida, é identificar-se com Cristo e viver em comunhão com Cristo. Tudo o que não é “conhecimento” de Cristo – circuncisão, ritos da Lei de Moisés, credenciais que os estudos rabínicos lhe outorgaram – são apenas “lixo” (“skýbalon”: “esterco”, “excremento”), que deve ficar para trás. A “justificação” que leva à vida não vem do cumprimento das obras da Lei, mas da adesão (“fé”) a Cristo. Aderindo a Cristo, identificando-se com Cristo e vivendo em comunhão com Ele, Paulo está seguro de que o seu destino final será a vida nova, a ressurreição.

De resto, Paulo está consciente de que ainda tem um longo caminho a percorrer, até atingir o destino final. A sua identificação com Cristo é um processo em construção. Implica um esforço diário, uma luta nunca terminada. Paulo sente-se como o atleta que corre em direção a uma meta, mas cônscio de que a meta ainda está distante. Resta-lhe lançar-se para a frente, esquecer tudo aquilo em que durante algum tempo tinha apostado e não tirar os olhos da “meta” que é o encontro com Cristo. É o caminho que faz sentido para quem descobre Cristo e a beleza da sua proposta.

Os Filipenses – e os crentes de todos os tempos e lugares – devem imitar o exemplo de Paulo e correr decididos ao encontro de Cristo, sem deixar que nada os distraia ou afaste desse objetivo.

2025.05.04.10 – Louro de Carvalho

sábado, 12 de abril de 2025

Não é lícito prometer milagres políticos ao eleitorado

 

Já tinha ficado com dúvidas na cabeça sobre o futuro do país, quando o Partido Socialista (PS) apresentou o seu programa eleitoral, não por suposta incapacidade governativa do líder, mas pela imprevisibilidade de os resultados eleitorais ditarem um governo com o mínimo de conforto para, em sede parlamentar, fazer passar as suas propostas mais do agrado do eleitorado.   

Porém, com a apresentação do programa eleitoral da AD - Coligação PSD/CDS (coligação do Partido Social Democrata com o partido do Centro Democrático Social), as dúvidas redobraram. Também não está em causa a suposta incapacidade de levar a carta a Canossa, da parte do líder da AD, mas a dificuldade em fazer passar as facilidades fiscais em sede parlamentar (mais amplas do que as do PS), pelo volume de benefícios a determinadas franjas do eleitorado, pela incerteza das medidas tomadas e a tomar pela administração da Casa Branca e, sobretudo, pela certeza ostentada pelo primeiro-ministro (PM) e candidato de que não haverá défice orçamental, contrariando avisos do Banco de Portugal (BdP) e do Conselho de Finanças Públicas (CFP).  

Luís Montenegro disse, a 11 de abril, querer uma campanha elevada, mas provoca o principal adversário. Quer uma campanha alegre em torno do hino “Deixa o Luís trabalhar”, que entra no ouvido e faz lembrar Cavaco Silva, no estertor da sua segunda maioria parlamentar.

O candidato prometeu e o PM garantiu, sob os aplausos da sala cheia do Centro de Congressos de Lisboa: “Não, não estimamos nenhum défice, em nenhum ano desta legislatura, mesmo com o impacto do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], em 2026”, sustentou Luís Montenegro, escapulindo aos alertas do CFP e do BdP, vincando que Portugal não voltará a ter restrições, “por causa da irresponsabilidade dos governantes” (farpa implícita a José Sócrates).

O que é garantido são descidas de impostos e promessas de aumentos de rendimento.

A nível de impostos, a AD promete menos impostos sobre os rendimentos do trabalho, em especial, para a classe média. Assim, a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) será da ordem dos dois mil milhões de euros, ao longo da legislatura, 500 milhões dos quais já em 2025. Ao mesmo tempo, ocorrerá a redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), com diminuição gradual até 17%, sendo de 15%, para as pequenas e médias empresas (PME). Além disso, ficarão isentos do imposto de selo (IS) os jovens na compra de casa. Ninguém explica a lógica desta medida: os jovens ou têm dinheiro ou não o têm.

A nível de pensões e de salários, a AD promete o aumento do complemento solidário para idosos (CSI) para os 870 euros, de modo que nenhum pensionista receba menos do que essa importância. É caso para questionar tal promessa, sabendo-se que o CSI, em abril de 2024, deixou de abranger pensionistas cujo rendimento anual fosse superior a 6608 euros.

Promete-se o aumento do salário mínimo para 1100 euros e o do salário médio para os dois mil euros. Porém, o aumento do salário médio não depende do governo, mas do Conselho de Concertação Social. Terá sido por isso que acenaram com o apoio de 10 mil milhões às empresas?

Além disso, concluir-se-á, até 2027, a revisão de carreiras na função pública e apostar-se-á em prémios de desempenho (abolidos com a Revolução); garantir-se-á que os regimes de apoios sociais e tributação são benéficos para quem trabalha (isto é, quem não trabalha não receberá mais do que se trabalhasse); substituir-se-á um conjunto alargado de apoios sociais por um suplemento remunerativo solidário – sistema de subsídio ao trabalho, com a possibilidade de acumulação de rendimentos do trabalho com o rendimento social de inserção (RSI), com a pensão social ou com outros apoios sociais dirigidos a situações sociais limite.

Na área da Educação, a AD proibirá o uso de telemóveis nas escolas, até aos 12 anos, regulará o seu uso no 3.º ciclo (ignorando a autonomia das escolas) e regulará o uso das redes sociais para crianças, até 12 anos; revisitará os programas escolares, para lhes retirar “carga ideológica” (substituindo-a por outra ideologia); contratualizará, até 12 mil vagas, na educação pré-escolar para os territórios com necessidades identificadas; aumentará a bolsa mínima de ação social no ensino superior; reverá, a partir de 2027, terminada a recuperação do tempo de serviço, o Estatuto da Carreira Docente (ECD), acabando com as quotas no acesso aos 5.º e 7.º escalões e atualizando em alta os primeiros escalões remuneratórios; criará o Estatuto do Diretor, indexando a remuneração ao escalão mais elevado da carreira docente e implementando um modelo de avaliação dos Diretores das Escolas (já existe); e passará as creches para o Ministério da Educação.

Na área da Saúde, o PM reconhece que não conseguiu resolver a situação, mas considera que está melhor, mas não disse em quê, nem poderia ter dito. Contudo, garante médicos de família para todos e mais cuidados domiciliários; criar o gestor do doente crónico; apostará nas PPP, nos centros saúde contratualizados e nas convenções (resta saber se nas PPP e nas convenções, impedirá tempos de espera diferenciados para consultas, para exames e para cirurgias para utentes privados, dos subsistemas e do Serviço Nacional de Saúde); e desenvolverá um plano de Saúde Oral para os Portugueses mais carenciados.

No âmbito da Justiça e da Segurança, o programa contempla o reforço do policiamento de proximidade e de combate à criminalidade grave e violenta; alterações à legislação penal, para garantir julgamentos mais rápidos, na criminalidade grave e violenta, nos casos de flagrante delito; o reforço dos meios de combate à corrupção; a recuperação da regulamentação do lobby e da perda alargada de bens; e o combate prioritário as “quatro chagas sociais”: violência doméstica, consumo de drogas, sinistralidade rodoviária e pessoas sem-abrigo.

Quanto à Imigração, promete-se a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na Polícia de Segurança Pública (PSP) (deve ser um SEF em miniatura nos meios urbanos); a regulação dos fluxos de entrada, considerando capacidade de integração do país; a revisão dos requisitos para obtenção de nacionalidade; o reforço das medidas de integração; o regime rápido e eficaz de afastamento de estrangeiros em situação ilegal (mas não há TGV e querem privatizar a TAP); a revisão da lei de estrangeiros, da lei de asilo e da regulamentação dos centros de instalação temporária; e a revisão do processo de emissão de atestados de residência pelas juntas de freguesia, criando um sistema que centralize os registos e introduza limites aos números de testemunhos e limites por imóvel.

No campo da Habitação, a AD manterá os apoios aos jovens para compra de casa, incluindo a isenção do IS; garantirá o financiamento dos projetos municipais para construção de habitação; flexibilizará as limitações de ocupação dos solos, de densidades urbanísticas, incluindo construção em altura e de exigências e de requisitos construtivos, bem como a possibilidade de aumento dos perímetros urbanos (ou seja, manterá as atuais ambiguidades); promoverá a injeção no mercado, quase-automática, dos imóveis e dos solos públicos devolutos ou subutilizados; e aplicará o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), à taxa mínima de 6%, nas obras e nos serviços de construção e de reabilitação, com limite de incidência no valor final dos imóveis, e alargamento da dedutibilidade.

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Na apresentação do programa da AD, o seu líder respondeu ao PS sobre as alterações às tabelas de retenção na fonte do IRS, que os socialistas chamam “truques” do ministério das Finanças, lançando o desafio a Pedro Nuno Santos de dizer, “com seriedade e rigor, se o IRS, em 2024, baixou ou não baixou”. E, apesar de a tónica ser de continuidade com o programa de governo, aliás, como referi, há uma semana, aproveitou para lançar novas bandeiras, como a proibição de telemóveis nas escolas até ao 6.º ano, a regulação do uso de redes sociais para crianças até aos 12 anos e alterações legislativas, para tornar mais rápido o julgamento de crimes graves com flagrante delito (que depende dos tribunais).

Como era de esperar, o PM passou a película do trabalho feito ao longo deste ano de governação, que a AD continuará, após o 18 de maio, se vencer as eleições. Invocou o que entende ter feito em defesa do serviço nacional de saúde (SNS) – não sei se tem muito com que se congratular) e da escola pública (limitou-se a recuperar o tempo de serviço de alguns professores), bem como o aumento de rendimentos e a valorização de 19 carreiras profissionais por acordos entre o governo e as entidades sindicais. Enfim, como se adivinhava, a apresentação do programa foi um belo ato de propaganda eleitoral, mais profissional do que o semanal, a cargo do ministro da Presidência, mas tão impactante como o recente Conselho de Ministros no Mercado do Bolhão no Porto. Porém, no Porto, houve clara mistura de ato governativo com ato partidário, embora a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tenha dificuldade em digerir tal mistura.        

Em tom pendular, entre drama e otimismo, o PM alertou que “o Mundo mudou e a Europa está posta à prova”, vincando: “É tempo de termos bem presente o sentido da responsabilidade, do realismo e de fazer prevalecer sempre o interesse coletivo. […] O Mundo mudou e está instável, mas Portugal está bem e recomenda-se”.

Após elencar melhorias, em diversas áreas, por comparação com a situação de há um ano, dramatizou: “Portugueses, Portugal está bem e recomenda-se, mas nada é garantido”, alertou, pedindo sentido de responsabilidade, para que o país continue a ser “recomendado”, pois o tempo não é para aventuras, para impulsos repentinos, nem para precipitações, mas “para a maturidade genuína, para a moderação autêntica, para a firmeza responsável”.

Depois, endereçou uma farpa indireta ao principal adversário. “O tempo não é daqueles que se mascaram para a campanha eleitoral. É daqueles que mostraram sempre aquilo que são”, afirmou, numa estratégia que passa por acusar o PS de fazer cosmética, com posições mais moderadas.

No Centro de Congressos de Lisboa, membros do governo (não todos) e cabeças de lista às legislativas, apoiantes e candidatos subiram ao palco, no final da apresentação do programa, e acompanharam, com palmas e com bater de pé, o refrão: “Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar, ele tem palavra, ele tem valor, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar.”

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O programa da AD prevê nova redução do IRS da classe média, apostando na descida dos impostos diretos e não nos indiretos e transversais a todos, como o IVA, a estrela do programa do PS. Em termos de política fiscal, a “prio­ridade” será a descida do IRS, com maior incidência na classe média: terá uma redução de montante superior à do IRC.

Segundo o PSD, a redução de IRS prevista para a próxima legislatura será de dois milhões de euros (em quatro anos), sendo 500 milhões aplicados neste ano, repercutidos nas retenções na fonte. Há um ano, na discussão do Programa de Governo, no Parlamento, o PM disse que iria devolver aos contribuintes, só por via da descida de taxas, 1500 milhões, face a 2023, criando confusão de semântica que terminou com o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, a admitir que a nova redução do IRS só resultaria, afinal, num alívio adicional de 200 milhões. Desta vez, o valor é adicional ao que está em vigor.

Conhecido o programa do PS, a AD quer conquistar os eleitores e agita o trunfo da descida de impostos sobre os rendimentos, ficando patente que pretende ir muito mais longe na redução da carga fiscal. E, com o governo a criticar o PS por “querer dar tudo a todos”, numa conjuntura internacional imprevisível, o programa da AD não recuará na intenção de reduzir impostos diretos, nem na previsão dos excedentes orçamentais.

A 10 de abril, depois de um Conselho de Ministros para responder às tarifas aduaneiras aplicadas pelos Estados Unidos da América (EUA), o PM e o ministro da Economia, em conferência de imprensa, anunciaram medidas de apoio às empresas na ordem dos 10 mil milhões de euros (apesar de as medidas trumpianas serem drásticas, estão suspensas por 90 dias, não se justificando a pressa). E, questio­nado sobre se os desafios internacionais, bem como a necessidade de cumprir metas de investimento em Defesa, poriam em causa a política de orçamentos excedentários e fariam voltar aos défices, o ministro da Economia disse que “garantia de que não há défice ninguém pode dar”, mas, pouco depois, foi mais taxativo: “Não vai haver défice em Portugal, isso é claríssimo.”

Queiram ou não, este programa traz à memória o eleitoral facilitismo socratista de 2009, apesar da crise financeira de 2008, gerada a partir dos EUA.

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Apesar do “nada é garantido”, impostos descem, salários e pensões sobem, apoiam-se as empresas com linhas de crédito, aposta-se no estado social, mas não haverá défice, nem irresponsabilidade, só contas certas e superavit orçamental (contra alertas do CFP e do BdP, que receiam recessão).     

O programa da AD prevê excedentes orçamentais para toda a legislatura, sendo o mais curto, em 2026, de 0,1%, e calcula que a dívida pública baixe para 75,1% do produto interno bruto (PIB), em 2029. Mantém a previsão de excedente orçamental de 0,3%, para 2025, que já estava no Orçamento do Estado, e de 0,1%, para 2026. E, para 2027, espera um saldo positivo nas contas de 0,3%; para 2028, de 0,2%, e para 2029, de 0,3%. Além disso, compromete-se com “um crescimento do PIB próximo de 3,5%, no final da legislatura, com o desemprego estrutural próximo de 5%, em 2029, e com a redução gradual da carga fiscal para cerca de 36,4%, em 2029. E prevê uma trajetória de redução do peso da dívida pública no PIB, caindo para 91%, em 2025, para 87,2%, em 2026, para, 83,4%, em 2027, para 79,5, em 2028, e para 75,1, daqui a quatro anos.

O CFP prevê um saldo orçamental nulo, para 2025, e o regresso aos défices, em 2026, devido a medidas de aumento da despesa pública, que se manteriam em torno de 0,6% do PIB.

Porém, Luís Montenegro afirmou que o programa com que pretende governar não prevê “nenhum défice, em nenhum ano da legislatura, mesmo com o impacto do PRR em 2026”; e contrariando também os alertas e as incertezas do BdP, declarou que “Portugal está bem e recomenda-se”, deixando um curto e ambíguo enunciado sobre a crise económica: “A Europa tem de superar desafios e está aposta à prova, o Mundo mudou e está instável. E, portanto, Portugal está bem e recomenda-se, mas nada é garantido.”

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Com menos impostos, com mais salários, com mais pensões, com apoio a empresas e com contas certas, ou haverá défice ou o estado social claudicará. Sou crente, mas não acredito em milagres políticos. Receio que a maior parte das promessas não passem de propaganda e, mais tarde, o governo nos interpele: “Não há dinheiro! Qual destas palavras é que não perceberam?”

2025.04.12 – Louro de Carvalho