O semanário Tal
& Qual, na edição de 28 de agosto, publicou uma peça jornalística em
que denunciava o alastramento da visualização de cenas pornográficas das mais
variadas modalidades e variantes, por parte dos homens portugueses, sendo que,
além de canais televisivos, muitos se prendem ao computador em videopornografia,
por tempo infindo, que pode ir das 22 horas às três ou quatro.
O termo “pornografia” provém dos termos gregos “pornê”
(prostituta), “pórnos” (homem prostituído), “porneia” (prostituição) e “gráphô”
(escrever, gravar). Os primeiros destes vocábulos são da família de outros,
como “porneúô” (viver em prostituição) e “pérnêmi” (vender, exportar). Este
último deve-se ao facto de, inicialmente, as prostitutas serem escravas.
A partir desta etimologia, facilmente se percebe o
significado do termo “pornografia” (como é apresentado no Dicionário da Língua
Portuguesa, de Moraes, e no de José Pedro Machado): “tratado acerca da
prostituição, coleção de gravuras ou pinturas obscenas, carácter obsceno de uma
publicação”. Só a partir daqui é que adquiriu o sentido de devassidão.
Além de, para os cristãos, constituir pecado (por
destruir o amor de Deus na alma), a pornografia é considerada por especialistas
como uma droga que gera dependência, semelhante à gerada por drogas pesadas em
pessoas de qualquer idade, e que distorce a sexualidade humana.
Sam Guzman, fundador e editor do blog “The
Catholic Gentleman” (O cavalheiro católico), publicou um artigo com algumas
razões para tirar a pornografia da vida do homem, já que a pornografia é a
verdadeira praga que consome a nossa sociedade, uma epidemia de proporções
gigantescas e uma crise crescente de saúde pública. A grande maioria dos homens
admite que olham, regularmente, para isso: advogados, médicos, pastores,
padres, maridos, etc. E, apesar dos melhores esforços ou dos pais protetores,
todas as crianças serão expostas a isso, mais cedo ou mais tarde. Como diz um
especialista, não é uma questão de “se”, mas uma questão de “quando”.
Seria desejável dizer que os homens católicos eram
melhores do que os outros, mas não é verdade. Os católicos – e, na verdade,
muitos cristãos, veem a pornografia, praticamente, na mesma proporção que os não
cristãos. Isto é trágico. A pornografia é problema real e é preciso
escorraçá-la impiedosa e implacavelmente, pois não merece tolerância.
Eis algumas das razões convincentes para matar a
pornografia, segundo Guzman.
1. Fere as mulheres reais. Muitas vezes, temos a
impressão de que a pornografia é inofensiva. Somos levados a pensar que as
mulheres nos vídeos pornográficos estão a divertir-se e que todas atuam por
escolha própria. É mentira. Inúmeras estrelas pornos que deixaram a indústria
contam histórias de abuso físico e emocional, de coerção, de automutilação, de depressão,
de violência e de tentativa de suicídio. Ser estrela porno é punição, não diversão.
Isso, sem falar nos milhões de mulheres que são traficadas ilegalmente e
vendidas como escravas para alimentar a indústria pornográfica, bem como as que
são vendidas para a prostituição, a fim de servirem as fantasias de homens que
querem apresentar vídeos pornográficos. A pornografia prejudica as mulheres
reais. E cada vez que alguém assiste a um vídeo ou olha uma imagem, causa indescritível
dor a milhões de mulheres e crianças que merecem ser amadas e queridas, não
abusadas e objetificadas.
2. Mata o amor. Há
casamentos destroçados pela
pornografia, porque esta destrói a intimidade. Uns usam a pornografia
furtivamente; outros olham-na abertamente. “Ver pornografia crava uma faca no
coração do cônjuge. Faz-lhe perder toda a confiança. Diz-lhe que nunca será o
suficientemente bom. Zomba dos seus votos matrimoniais. Planta as sementes da
amargura e do ressentimento. Causa-lhe dor profunda, emocional e espiritual”, disse
Guzman.
3. Faz com que se desfrute
menos do sexo. Segundo
pesquisa recente, um número crescente de homens prefere a pornografia ao sexo
real, porque é mais fácil. Com
um botão, o homem tem acesso infinito a mulheres preparadas que fazem coisas
que nenhuma mulher em sã consciência faria. Nem se preocupa em dar prazer a
outra pessoa. Em comparação, o sexo real sente-se como tarefa. Muitos homens até
relatam que já não conseguem estimular-se o suficiente para terem relações
sexuais com mulheres reais. Basicamente, a pornografia arruína a vida sexual.
4. Distorce a visão do homem
em relação à mulher. A forma mais
rápida e absoluta de distorcer a visão sobre as mulheres é ver pornografia,
porque ali “as mulheres são só objetos”. Não têm emoção, nem necessidades, nem
alma. São instrumentos de gratificação. Ora, não é possível ver a mulher ser
abusada das formas mais horríveis, na tela, várias vezes, e esperar ter uma
visão saudável dela na vida real. As mulheres são verdadeiros seres
humanos com necessidades emocionais, físicas e espirituais. Têm uma alma que
viverá para sempre, merecem respeito e proteção, não luxúria. E quem assiste à
pornografia não vê a mulher (ou o outro homem) como irmã (irmão) feita (o) à
imagem de Deus, mas como objeto ou brinquedo.
5. Extingue a graça de Deus
na alma. Um pecado mortal é um pecado que
destrói o amor de Deus na alma. É um pecado grave que nos separa de Deus,
deixando a alma fria, sem vida e doente.
São Paulo deixa claro: “Os que toleram o pecado sexual
nas suas vidas não herdarão o Reino de Deus” (Gl 5,19-21). Pode-se ter o céu ou a pornografia, mas não ambos.
6. Agrava-se com o tempo. Guzman sustenta que a pornografia se torna, “muito
rapidamente, um vício como o crack ou
como a metanfetamina”. E o problema do vício é que sempre piora. Um homem pode
começar, inocentemente, a gastar um pouco de tempo de mais olhando um anúncio
com mulheres seminuas. Depois, entra numa pesquisa no Google e, a seguir, noutra.
Como as coisas ficam mais monótonas, são necessárias coisas cada vez mais
extremas para ficar animado. Logo, estará a assistir a coisas que o teriam
horrorizado, há pouco tempo.
É fácil odiar os abusadores de crianças, mas eles não
começaram assim, mas a pensar que poderiam lidar com o veneno da pornografia e
não conseguiram. Ora, se não for controlada, a pornografia consumirá a vida da
pessoa e deixá-la-á como concha vazia e cheia de luxúria de um ser humano – ou
pior ainda, atrás das grades.
7. Torna a pessoa egoísta. Isso deveria ser óbvio, mas,
quando se passa horas a gratificar-se com imagens obscenas, começa-se a ficar
obcecado por si mesmo. Em vez de aceitar o sacrifício exigido pelo amor
verdadeiro, começa-se a ver os outros como objetos projetados para atender às
nossas necessidades e desejos – assim como as mulheres fantasiosas na tela. Em
vez de dar e servir, como Cristo, fica-se obcecado em receber e consumir. O
indivíduo torna-se egocêntrico, irritado e abusivo, mesmo sem o perceber. Torna-se
narcisista a usar os outros, em vez de os amar.
8. Rouba a alegria. A pessoa
fica cheia de culpa e infeliz. Não vale
mentir a nós mesmos, pois, sabemos, no fundo, que a pornografia é erro. E cada
vez que olhamos para ela, a consciência, naturalmente, incomoda-nos. E, mesmo
que nos confessemos, algumas vezes, o próximo fracasso deixa-nos desanimados,
deprimidos e prontos para o desespero. Logo, o diabo tenta-nos a desistir das
nossas vidas espirituais. “A luta não vale a pena”, sussurra aos nossos ouvidos.
Em suma, tornamo-nos como Adão no jardim, escondendo-nos da presença de Deus.
Não é assim que Jesus quer que vivamos as nossas
vidas. Ele redimiu-nos com o seu precioso sangue, para nos trazer paz, alegria
e vida abundante, não o medo e a vergonha.
9. Torna a pessoa escrava. Antes de sermos batizados, éramos escravos do diabo. Governados
por nossas paixões e concupiscências, éramos levados de um lado para o outro,
indefesos, como gado. Mas Cristo redimiu-nos e, quando fomos batizados,
libertou-nos desta cruel escravidão e conduziu-nos à liberdade dos filhos de
Deus. O batizado está morto para o pecado e vivo para Deus. Participa da liberdade
de Jesus Cristo e “não é mais escravo, mas filho” (Gl 4,7).
O problema é que, se nos tornamos viciados no pecado,
voltamos, voluntariamente, à escravidão do diabo. É como se o filho de um rei fosse
ao mercado de escravos e se oferecesse para venda. É preciso abraçar a
liberdade de filho de Deus e livrar-se do jugo da escravidão do diabo.
Jesus foi gentil com todos e com tudo – exceto com o
pecado. Quando se tratava de pecado, Jesus não fazia prisioneiros. O seu
conselho era: “Arranca-o.” Ninguém chega ao céu, mas os “homens violentos tomam-no
à força” (Mt 11,12). É preciso ser violento
contra o pecado. As pessoas com cancro não o toleram; as pessoas com hanseníase
não a toleram; e as pessoas com ébola não a toleram. Então, como é que uma
pessoa pactua com o pecado?
É imperioso acentuar que a pornografia tanto é
condenável se for visualizada por homens como por mulheres; e há homens usados,
em pornografia, por homens e mulheres por mulheres.
***
Na audiência geral
de 17 de janeiro deste ano, o Papa, no quadro do itinerário sobre os vícios e as
virtudes, referiu que, após a gula, o segundo “demónio”, ou seja, vício, que
está agachado à porta do coração, é a luxúria. Enquanto a gula é a
voracidade, face à comida, a luxúria é uma espécie de “voracidade” para com
outra pessoa, a ligação envenenada que os seres humanos têm uns com os outros,
na esfera da sexualidade. Porém, é de advertir que o cristianismo não condena o
instinto sexual. Um livro da Bíblia, o Cântico
dos Cânticos, é um maravilhoso poema de amor entre dois noivos. No entanto,
esta dimensão bonita da Humanidade não está isenta de perigos, de tal modo que
São Paulo abordou a questão na primeira Carta aos Coríntios, falando de “uma
imoralidade que não se encontra nem sequer entre os gentios” (cf 1Cor 5,1). A repreensão diz respeito a
uma gestão malsã da sexualidade por parte de certos cristãos.
A experiência
humana do enamoramento é interessante. A pessoa apaixona-se por
outra e ocorre o enamoramento. E, quando não é poluído pelo vício, é um dos
sentimentos mais puros. A pessoa apaixonada é generosa, gosta de dar presentes,
escreve cartas e poesias. Deixa de pensar em si, projetando-se completamente
para o outro. Sob muitos aspetos, o seu amor é incondicional, sem qualquer
razão. O apaixonado não conhece bem o rosto do outro, tende a idealizá-lo, está
pronto a fazer promessas cuja relevância não compreende de imediato.
Porém, este
“jardim” onde se multiplicam maravilhas não está ao abrigo do mal. É deturpado
pelo demónio da luxúria, vício particularmente odioso, porque devasta as relações entre as pessoas.
Para documentar esta realidade bastam as notícias do quotidiano. Quantas
relações iniciadas da melhor forma se transformaram em relações tóxicas de
posse do outro, desprovidas de respeito e de sentido do limite! Faltou a
castidade, virtude não confundível com a abstinência sexual.
A castidade está
ligada à vontade de não possuir o outro. Amar é respeitar o outro, procurar a
sua felicidade, cultivar a empatia pelos seus sentimentos, dispor-se ao
conhecimento de um corpo, de uma psicologia e de uma alma que não são nossos e
que devem ser contemplados pela beleza de que são portadores. A luxúria, ao
invés, ridiculariza tudo isto: saqueia, rouba, consome tudo, não ouve o outro,
mas só sente a necessidade e prazer; considera tedioso qualquer namoro, não
procura a síntese entre razão, impulso e sentimento. O luxurioso procura
atalhos: não compreende que o caminho para o amor deve ser percorrido com
lentidão e com paciência.
Entre os prazeres
do homem, a sexualidade é uma voz poderosa. Envolve os sentidos, habita o corpo
e a psique. Todavia, se não for disciplinada com paciência, torna-se cadeia que
priva o homem da liberdade. O prazer sexual, dom de Deus, é minado pela
pornografia: satisfação sem relação, que gera formas de dependência. Portanto, devemos
defender o amor do coração, da mente, do corpo, o amor puro na entrega de si
mesmo ao outro. E esta é a beleza da relação sexual.
A batalha
contra a luxúria, contra a coisificação do outro, é a mais importante de todas,
pois trata-se de preservar a beleza que Deus inscreveu na criação, quando
imaginou o amor entre homem e mulher, que não consiste em servir-se um do
outro, mas em amar. A beleza que nos faz acreditar que construir uma história
de vida, juntos, é melhor do que a busca de aventuras. Cultivar a ternura é preferível
a curvar-se ao demónio da posse. O verdadeiro amor não prende, entrega-se.
2024.08.31 –
Louro de Carvalho