sábado, 31 de agosto de 2024

É preciso erradicar a pornografia, mas isso não se faz por decreto

 

O semanário Tal & Qual, na edição de 28 de agosto, publicou uma peça jornalística em que denunciava o alastramento da visualização de cenas pornográficas das mais variadas modalidades e variantes, por parte dos homens portugueses, sendo que, além de canais televisivos, muitos se prendem ao computador em videopornografia, por tempo infindo, que pode ir das 22 horas às três ou quatro.    

O termo “pornografia” provém dos termos gregos “pornê” (prostituta), “pórnos” (homem prostituído), “porneia” (prostituição) e “gráphô” (escrever, gravar). Os primeiros destes vocábulos são da família de outros, como “porneúô” (viver em prostituição) e “pérnêmi” (vender, exportar). Este último deve-se ao facto de, inicialmente, as prostitutas serem escravas.

A partir desta etimologia, facilmente se percebe o significado do termo “pornografia” (como é apresentado no Dicionário da Língua Portuguesa, de Moraes, e no de José Pedro Machado): “tratado acerca da prostituição, coleção de gravuras ou pinturas obscenas, carácter obsceno de uma publicação”. Só a partir daqui é que adquiriu o sentido de devassidão.

Além de, para os cristãos, constituir pecado (por destruir o amor de Deus na alma), a pornografia é considerada por especialistas como uma droga que gera dependência, semelhante à gerada por drogas pesadas em pessoas de qualquer idade, e que distorce a sexualidade humana.

Sam Guzman, fundador e editor do blog “The Catholic Gentleman” (O cavalheiro católico), publicou um artigo com algumas razões para tirar a pornografia da vida do homem, já que a pornografia é a verdadeira praga que consome a nossa sociedade, uma epidemia de proporções gigantescas e uma crise crescente de saúde pública. A grande maioria dos homens admite que olham, regularmente, para isso: advogados, médicos, pastores, padres, maridos, etc. E, apesar dos melhores esforços ou dos pais protetores, todas as crianças serão expostas a isso, mais cedo ou mais tarde. Como diz um especialista, não é uma questão de “se”, mas uma questão de “quando”.

Seria desejável dizer que os homens católicos eram melhores do que os outros, mas não é verdade. Os católicos – e, na verdade, muitos cristãos, veem a pornografia, praticamente, na mesma proporção que os não cristãos. Isto é trágico. A pornografia é problema real e é preciso escorraçá-la impiedosa e implacavelmente, pois não merece tolerância.

Eis algumas das razões convincentes para matar a pornografia, segundo Guzman.

1. Fere as mulheres reais. Muitas vezes, temos a impressão de que a pornografia é inofensiva. Somos levados a pensar que as mulheres nos vídeos pornográficos estão a divertir-se e que todas atuam por escolha própria. É mentira. Inúmeras estrelas pornos que deixaram a indústria contam histórias de abuso físico e emocional, de coerção, de automutilação, de depressão, de violência e de tentativa de suicídio. Ser estrela porno é punição, não diversão. Isso, sem falar nos milhões de mulheres que são traficadas ilegalmente e vendidas como escravas para alimentar a indústria pornográfica, bem como as que são vendidas para a prostituição, a fim de servirem as fantasias de homens que querem apresentar vídeos pornográficos. A pornografia prejudica as mulheres reais. E cada vez que alguém assiste a um vídeo ou olha uma imagem, causa indescritível dor a milhões de mulheres e crianças que merecem ser amadas e queridas, não abusadas e objetificadas.

2. Mata o amor. Há casamentos destroçados pela pornografia, porque esta destrói a intimidade. Uns usam a pornografia furtivamente; outros olham-na abertamente. “Ver pornografia crava uma faca no coração do cônjuge. Faz-lhe perder toda a confiança. Diz-lhe que nunca será o suficientemente bom. Zomba dos seus votos matrimoniais. Planta as sementes da amargura e do ressentimento. Causa-lhe dor profunda, emocional e espiritual”, disse Guzman.

3. Faz com que se desfrute menos do sexo. Segundo pesquisa recente, um número crescente de homens prefere a pornografia ao sexo real, porque é mais fácil. Com um botão, o homem tem acesso infinito a mulheres preparadas que fazem coisas que nenhuma mulher em sã consciência faria. Nem se preocupa em dar prazer a outra pessoa. Em comparação, o sexo real sente-se como tarefa. Muitos homens até relatam que já não conseguem estimular-se o suficiente para terem relações sexuais com mulheres reais. Basicamente, a pornografia arruína a vida sexual.

4. Distorce a visão do homem em relação à mulher. A forma mais rápida e absoluta de distorcer a visão sobre as mulheres é ver pornografia, porque ali “as mulheres são só objetos”. Não têm emoção, nem necessidades, nem alma. São instrumentos de gratificação. Ora, não é possível ver a mulher ser abusada das formas mais horríveis, na tela, várias vezes, e esperar ter uma visão saudável dela na vida real. As mulheres são verdadeiros seres humanos com necessidades emocionais, físicas e espirituais. Têm uma alma que viverá para sempre, merecem respeito e proteção, não luxúria. E quem assiste à pornografia não vê a mulher (ou o outro homem) como irmã (irmão) feita (o) à imagem de Deus, mas como objeto ou brinquedo.

5. Extingue a graça de Deus na alma. Um pecado mortal é um pecado que destrói o amor de Deus na alma. É um pecado grave que nos separa de Deus, deixando a alma fria, sem vida e doente.

São Paulo deixa claro: “Os que toleram o pecado sexual nas suas vidas não herdarão o Reino de Deus” (Gl 5,19-21). Pode-se ter o céu ou a pornografia, mas não ambos.

6. Agrava-se com o tempo. Guzman sustenta que a pornografia se torna, “muito rapidamente, um vício como o crack ou como a metanfetamina”. E o problema do vício é que sempre piora. Um homem pode começar, inocentemente, a gastar um pouco de tempo de mais olhando um anúncio com mulheres seminuas. Depois, entra numa pesquisa no Google e, a seguir, noutra. Como as coisas ficam mais monótonas, são necessárias coisas cada vez mais extremas para ficar animado. Logo, estará a assistir a coisas que o teriam horrorizado, há pouco tempo.

É fácil odiar os abusadores de crianças, mas eles não começaram assim, mas a pensar que poderiam lidar com o veneno da pornografia e não conseguiram. Ora, se não for controlada, a pornografia consumirá a vida da pessoa e deixá-la-á como concha vazia e cheia de luxúria de um ser humano – ou pior ainda, atrás das grades.

7. Torna a pessoa egoísta. Isso deveria ser óbvio, mas, quando se passa horas a gratificar-se com imagens obscenas, começa-se a ficar obcecado por si mesmo. Em vez de aceitar o sacrifício exigido pelo amor verdadeiro, começa-se a ver os outros como objetos projetados para atender às nossas necessidades e desejos – assim como as mulheres fantasiosas na tela. Em vez de dar e servir, como Cristo, fica-se obcecado em receber e consumir. O indivíduo torna-se egocêntrico, irritado e abusivo, mesmo sem o perceber. Torna-se narcisista a usar os outros, em vez de os amar.

8. Rouba a alegria. A pessoa fica cheia de culpa e infeliz. Não vale mentir a nós mesmos, pois, sabemos, no fundo, que a pornografia é erro. E cada vez que olhamos para ela, a consciência, naturalmente, incomoda-nos. E, mesmo que nos confessemos, algumas vezes, o próximo fracasso deixa-nos desanimados, deprimidos e prontos para o desespero. Logo, o diabo tenta-nos a desistir das nossas vidas espirituais. “A luta não vale a pena”, sussurra aos nossos ouvidos. Em suma, tornamo-nos como Adão no jardim, escondendo-nos da presença de Deus.

Não é assim que Jesus quer que vivamos as nossas vidas. Ele redimiu-nos com o seu precioso sangue, para nos trazer paz, alegria e vida abundante, não o medo e a vergonha.

9. Torna a pessoa escrava. Antes de sermos batizados, éramos escravos do diabo. Governados por nossas paixões e concupiscências, éramos levados de um lado para o outro, indefesos, como gado. Mas Cristo redimiu-nos e, quando fomos batizados, libertou-nos desta cruel escravidão e conduziu-nos à liberdade dos filhos de Deus. O batizado está morto para o pecado e vivo para Deus. Participa da liberdade de Jesus Cristo e “não é mais escravo, mas filho” (Gl 4,7).

O problema é que, se nos tornamos viciados no pecado, voltamos, voluntariamente, à escravidão do diabo. É como se o filho de um rei fosse ao mercado de escravos e se oferecesse para venda. É preciso abraçar a liberdade de filho de Deus e livrar-se do jugo da escravidão do diabo.

Jesus foi gentil com todos e com tudo – exceto com o pecado. Quando se tratava de pecado, Jesus não fazia prisioneiros. O seu conselho era: “Arranca-o.” Ninguém chega ao céu, mas os “homens violentos tomam-no à força” (Mt 11,12). É preciso ser violento contra o pecado. As pessoas com cancro não o toleram; as pessoas com hanseníase não a toleram; e as pessoas com ébola não a toleram. Então, como é que uma pessoa pactua com o pecado?

É imperioso acentuar que a pornografia tanto é condenável se for visualizada por homens como por mulheres; e há homens usados, em pornografia, por homens e mulheres por mulheres.  

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Na audiência geral de 17 de janeiro deste ano, o Papa, no quadro do itinerário sobre os vícios e as virtudes, referiu que, após a gula, o segundo “demónio”, ou seja, vício, que está agachado à porta do coração, é a luxúria. Enquanto a gula é a voracidade, face à comida, a luxúria é uma espécie de “voracidade” para com outra pessoa, a ligação envenenada que os seres humanos têm uns com os outros, na esfera da sexualidade. Porém, é de advertir que o cristianismo não condena o instinto sexual. Um livro da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, é um maravilhoso poema de amor entre dois noivos. No entanto, esta dimensão bonita da Humanidade não está isenta de perigos, de tal modo que São Paulo abordou a questão na primeira Carta aos Coríntios, falando de “uma imoralidade que não se encontra nem sequer entre os gentios” (cf 1Cor 5,1). A repreensão diz respeito a uma gestão malsã da sexualidade por parte de certos cristãos. 

A experiência humana do enamoramento é interessante. A pessoa apaixona-se por outra e ocorre o enamoramento. E, quando não é poluído pelo vício, é um dos sentimentos mais puros. A pessoa apaixonada é generosa, gosta de dar presentes, escreve cartas e poesias. Deixa de pensar em si, projetando-se completamente para o outro. Sob muitos aspetos, o seu amor é incondicional, sem qualquer razão. O apaixonado não conhece bem o rosto do outro, tende a idealizá-lo, está pronto a fazer promessas cuja relevância não compreende de imediato.

Porém, este “jardim” onde se multiplicam maravilhas não está ao abrigo do mal. É deturpado pelo demónio da luxúria, vício particularmente odioso, porque devasta as relações entre as pessoas. Para documentar esta realidade bastam as notícias do quotidiano. Quantas relações iniciadas da melhor forma se transformaram em relações tóxicas de posse do outro, desprovidas de respeito e de sentido do limite! Faltou a castidade, virtude não confundível com a abstinência sexual.

A castidade está ligada à vontade de não possuir o outro. Amar é respeitar o outro, procurar a sua felicidade, cultivar a empatia pelos seus sentimentos, dispor-se ao conhecimento de um corpo, de uma psicologia e de uma alma que não são nossos e que devem ser contemplados pela beleza de que são portadores. A luxúria, ao invés, ridiculariza tudo isto: saqueia, rouba, consome tudo, não ouve o outro, mas só sente a necessidade e prazer; considera tedioso qualquer namoro, não procura a síntese entre razão, impulso e sentimento. O luxurioso procura atalhos: não compreende que o caminho para o amor deve ser percorrido com lentidão e com paciência.

Entre os prazeres do homem, a sexualidade é uma voz poderosa. Envolve os sentidos, habita o corpo e a psique. Todavia, se não for disciplinada com paciência, torna-se cadeia que priva o homem da liberdade. O prazer sexual, dom de Deus, é minado pela pornografia: satisfação sem relação, que gera formas de dependência. Portanto, devemos defender o amor do coração, da mente, do corpo, o amor puro na entrega de si mesmo ao outro. E esta é a beleza da relação sexual.

A batalha contra a luxúria, contra a coisificação do outro, é a mais importante de todas, pois trata-se de preservar a beleza que Deus inscreveu na criação, quando imaginou o amor entre homem e mulher, que não consiste em servir-se um do outro, mas em amar. A beleza que nos faz acreditar que construir uma história de vida, juntos, é melhor do que a busca de aventuras. Cultivar a ternura é preferível a curvar-se ao demónio da posse. O verdadeiro amor não prende, entrega-se.

2024.08.31 – Louro de Carvalho

Pelo menos 24 países da UE debatem-se com a falta de professores

 

Portugal queixa-se da falta de professores nas escolas, ficando, por isso, milhares de alunos, em cada ano, sem aulas a, pelo menos, uma disciplina. Os factos são inegáveis e os governos não têm encontrado forma de resolver o problema. A causa chama-se falta de investimento no setor.    

O fenómeno não é exclusivo do nosso país. A maioria dos estados-membros da União Europeia (UE) vê uma grande parte das vagas de professores por preencher no início de cada ano letivo, muitas vezes, devido aos baixos salários, à falta de perspetiva de carreira, à elevada carga de trabalho e ao envelhecimento da população docente.

De facto, o início de cada ano letivo, em toda a UE, mostra que 24 dos seus estados-membros se debatem com a falta de professores, o que tem impacto na aprendizagem dos alunos e dificulta o objetivo de proporcionar uma educação de qualidade para todos. E a Suécia foi considerada um dos países mais afetados, com 153 mil professores qualificados necessários até 2035.

De acordo com o relatório da Comissão Europeia “Education and Training Monitor 2023”, apenas a Croácia e Chipre não registaram falta de pessoal docente, enquanto os dados públicos existentes na Grécia não permitem avaliar se todas as necessidades estão cobertas ou se determinadas disciplinas poderão sofrer carências.

O Sindicato dos Trabalhadores da Educação e da Ciência da Alemanha (GEW) alertou “contra a redução das normas relativas às qualificações pedagógicas para compensar a falta de pessoal”. O mesmo está a acontecer em Portugal.

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Os relatórios “Education and Training Monitor” são relatórios por país, baseados nos dados quantitativos e qualitativos mais atualizados disponíveis, captam a evolução, recente e em curso, das políticas em todos os níveis de ensino nos 27 estados-membros da UE e fornecem ao leitor uma visão mais aprofundada do desempenho dos países no contexto dos objetivos a nível da UE.

A maioria dos países enfrenta escassez de professores, especificamente, nas disciplinas do campo STEM (acrónimo inglês de Ciência, Tecnologias, Engenharia e Matemática) – muitos destes técnicos são aliciados para trabalho no setor comercial e industrial com salários irrecusáveis – e de pessoal qualificado na educação e no acolhimento na primeira infância.

O STEM, crucial na educação e na indústria modernas, abrange uma ampla gama de disciplinas. O âmbito das Ciências abrange uma ampla variedade de disciplinas, incluindo Ciências Naturais, como Biologia, Química e Física, juntamente com Ciências Sociais e Medicina; o da Tecnologia abrange a Ciência da Computação, a Tecnologia da Informação e a Eletrónica; o da Engenharia inclui todos os ramos da Engenharia, como a Engenharia Civil, a Engenharia Mecânica, a Engenharia Elétrica e a Engenharia aeroespacial; e o da Matemática envolve áreas que exigem conhecimento matemático, incluindo a Estatística e a Matemática Aplicada.

À medida que o mundo se torna mais interligado e impulsionado pela tecnologia, a importância da educação e das profissões STEM aumenta. Países de todo o Mundo reconhecem o papel crítico da forte força de trabalho STEM na promoção da inovação, na condução do crescimento económico e na sustentação de uma vantagem competitiva. Esses campos são fundamentais para fomentar a inovação, para incentivar o pensamento crítico e para desenvolver habilidades de resolução de problemas. As disciplinas STEM fornecem base para o progresso e para a prosperidade, moldando os avanços globais e impulsionando o crescimento económico em todo o Mundo. Todavia, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconhece a falta de profissionais nestes campos.

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Há que refletir porque é que este problema é tão grave e como é que se instalou em toda a UE.

A profissão de professor sofre de vários problemas, entre os quais a não valorização da carreira docente, os baixos salários, as deslocações (custos de combustível e de portagens), a falta de apoio ao alojamento (rendas caríssimas), a insegurança no emprego, a elevada carga de trabalho, a falta de reconhecimento político e social da autoridade do docente e a falta de autonomia profissional.

A título de exemplo menciona-se o caso de Gauthier Catteau, que era professor de Geografia na parte francófona da Bélgica. Começou a sua carreira docente aos 22 anos. Quando fez 29 anos, deixou de ser professor e passou a dedicar-se à engenharia. Antes disso, deu por si a ensinar perante 39 adolescentes. Viajava três horas de ida e volta, para ir à escola, todos os dias, porque vivia no campo, conta. E escolheu trabalhar em Bruxelas porque lhe dava alguma segurança. A distância a percorrer, a elevada carga de trabalho e as perspetivas de carreira limitadas começaram a parecer incompatíveis com a sua vontade de constituir família.

De facto, o professor não pode continuar a ser o almocreve ou o azemel da educação.

Outra situação que explica a ausência de aulas em muitas turmas é o cansaço, a doença e o envelhecimento dos docentes. Os professores adoecem física e psicologicamente e muitos estão de baixa médica prologada. E, naturalmente, envelhecem, mas têm de estar ao serviço, porque, se lhes for permitido o acesso antecipado à reforma/aposentação, são fortemente penalizados (0,5% por cada mês que falte para a idade legal ou pessoal de reforma/aposentação e o fator de sustentabilidade, que aumenta, em geral, de ano para ano).

De acordo com o Eurostat, em 2021, trabalhavam no ensino primário, no secundário inferior e no secundário superior em toda a UE, 5,24 milhões de professores. Apenas 8% do total da mão-de-obra docente tinha menos de 30 anos e 39% tinha mais de 50 anos. A percentagem de mulheres era de 73%, contra 27% da de homens.

Outro motivo para agravar a falta de professores é a integração de crianças ucranianas nas escolas da UE, devido à guerra. Em fevereiro de 2023, na Polónia, 43800 crianças deslocadas da Ucrânia estavam inscritas na educação pré-escolar.

Entretanto, muitos países sofrem de uma população de professores envelhecida, prevendo-se uma vaga de reformas nos próximos anos, o que só aumentará a pressão sobre o sistema. Em Portugal, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) estima que entre 4700 e 4800 professores se vão reformar/aposentar  – “o número mais elevado do milénio”. O país vai precisar de mais de 30 mil novos educadores profissionais até 2030.

A Comissão Europeia promoveu a mobilidade dos professores e recompensou práticas de ensino inovadoras com um prémio, como forma de resolver esta escassez e restaurar o prestígio desta profissão. Muitos países da UE também tentaram atrair os reformados de volta à profissão e preencher as lacunas com professores com contratos temporários, como solução de emergência.

Em abril deste ano, o secretário-geral da Association of Secundary Teachers in Ireland (ASTI) da Irlanda, Kieran Christie, afirmou que o Ministério da Educação precisava de uma “mudança completa de pensamento”, para resolver o problema da atual falta de professores. E sugeriu a implementação de uma série de iniciativas para incentivar o regresso dos professores que deixaram a Irlanda para trabalharem no estrangeiro.

No entanto, uma solução a nível da UE poderá ser difícil de implementar. “Uma das razões pelas quais é difícil criar um indicador europeu comparável entre países sobre a escassez de professores deve-se ao facto de os países terem regras institucionais diferentes em matéria de educação”, escreveu Giorgio Di Pietro, economista especializado em educação, num relatório técnico elaborado para o Centro Comum de Investigação da UE, explicando: “Por exemplo, as qualificações formais para o ensino podem ser obtidas de diferentes formas, em diferentes países. Nalguns países, uma pessoa torna-se automaticamente professor, quando conclui o programa de preparação de professores, enquanto noutros há etapas adicionais a cumprir.”

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Além da educação, a escolaridade (que não a escola a tempo inteiro) favorece a saúde.

Um novo estudo, financiado pelo Conselho de Investigação da Noruega e pela Fundação Bill & Melinda Gates, revelou a ligação entre a mortalidade e a educação, comparando não ter educação com fumar ou beber.

Cada ano de escolaridade pode reduzir o risco de mortalidade em quase 2%. Ao invés, não ter qualquer educação é tão mau, para a saúde, como beber demasiado álcool ou fumar 10 cigarros por ano, em 10 anos. Isto, de acordo com uma meta-análise que teve como objetivo quantificar a relação entre educação e mortalidade, que incluiu 603 contribuições de todo o Mundo e cujos resultados foram publicados, nos fins de janeiro deste ano, na revista científica The Lancet Public Health. “A educação é importante por si só [e] não só pelos seus benefícios para a saúde, mas o facto de podermos agora quantificar a magnitude deste benefício é um desenvolvimento significativo”, afirmou, em comunicado, o Dr. Terje Andreas Eikemo, coautor e diretor do Centro de Investigação sobre Desigualdades na Saúde Global da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU).

As pessoas que concluíram o ensino primário registaram um risco médio de morte 13% inferior, enquanto as que concluíram o ensino secundário (com 12 anos de escolaridade) registaram um risco de morte 25% inferior em comparação com as que não concluíram o ensino secundário. E as pessoas com 18 anos de escolaridade registaram uma redução de 34% no risco de mortalidade.

“Estes resultados são semelhantes aos efeitos protetores de uma boa alimentação e da atividade física e aos malefícios de fatores de risco como o tabaco e o álcool”, afirmam os autores.

“Fechar o fosso da educação significa fechar o fosso da mortalidade, [pelo que] precisamos de interromper o ciclo da pobreza e das mortes evitáveis com a ajuda do compromisso internacional”, disse Claire Henson, coautora e investigadora do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) da Universidade de Washington, em comunicado, sustentando: “A fim de reduzir as desigualdades na mortalidade, é importante investir em áreas que promovam as oportunidades das pessoas de obter uma educação. Isto pode ter um efeito positivo na saúde da população em todos os países.”

A educação é obrigatória nos países da UE, desde a França e a Hungria, que matriculam as crianças aos três anos de idade, até à Croácia e à Estónia, que as matriculam aos sete anos.

De acordo com dados da Agência Executiva Europeia para a Educação e Cultura, a França, a Bélgica e a Alemanha são os países do bloco com maior duração da escolaridade obrigatória.

A maior parte dos estudos incluídos na meta-análise em causa eram provenientes de zonas com rendimentos elevados, pelo que os autores apelam a mais investigação em zonas do Mundo onde o acesso à escolaridade é baixo. “Ao aumentar os anos de escolaridade a nível mundial, podemos ajudar a contrariar as disparidades crescentes em termos de mortalidade”, afirmam os autores.

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Há que travar a batalha da educação, sem desfalecimento, investindo em ciência, em tecnologias, em humanidades e em pedagogia. Talvez seja preciso renunciar a alguns pressupostos demagógicos das ditas Ciências da Educação. É necessário dotar as escolas de técnicos superiores qualificados bem pagos e de assistentes operacionais de ação educativa qualificados e bem pagos.  

Quanto à formação de professores, insisto que não deve ser de figurino único. Formem-se professores em ensino, mas que saibam exercer outro tipo de profissão; e formem-se pessoas com mestrados em várias áreas científicas a quem se possa dar formação didático-pedagógica. Tendo um número elevado de formados para a docência, nas condições preconizadas, e sendo a carreira docente atraente, bem paga e com perspetivas de futuro, não faltará trabalho para os formados e dificilmente haverá falta de professores.

Enfim, é preciso ter a coragem de investir e de fazer da escola um centro de ciência e de cultura.

2024.08.31 – Louro de Carvalho


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

As “madonnelle” ou “santuários marianos” nas esquinas de Roma

 

Em Roma, há centenas de museus para visitar, com inúmeras obras-primas para admirar. No entanto, há uma arte, muitas vezes, esquecida que os transeuntes encontram diretamente na Cidade Eterna: a chamada madonnelle.

Localizadas logo acima do nível dos olhos em muitos cruzamentos da cidade, as madonnelle são minissantuários marianos cujo nome pode ser traduzido como “pequenas Madonas” (pequenas Nossas Senhoras). Há centenas delas nas ruas da cidade de Roma, instaladas com o intuito de que Nossa Senhora zele pelos habitantes da cidade capital da cristandade e os proteja.

A devoção começou há pouco mais de 500 anos, com um primeiro santuário mariano instalado na rua, em 1523. Essa madonnella, chamada Imago Pontis, devido à sua localização junto de uma ponte, ainda hoje pode ser vista no bairro de Ponte, em Roma. No auge desta criação artística e espiritual, havia cerca de três mil madonnelle espalhadas pela cidade. Cerca de metade delas existe ainda hoje.

Há várias cidades com o bairro da Ponte. Lamego é um dos casos e o seu Bairro da Ponte, junto ao rio Balsemão, venera Nossa Senhora dos Meninos numa ampla capela mariana.   

Madonnelle foi especialmente popular entre os séculos XVII e XIX, coincidindo com o fim da Contrarreforma. Nesse período, a fé católica foi criticada pela sua devoção às imagens, a que os católicos prestam o culto de dulia (veneração) e, em especial, a Nossa Senhora a quem os católicos prestam o culto de hiperdulia (veneração em grau eminente) – muito distinto da adoração ou latria, reservado a Deus como Pai, como Filho e como Espírito Santo.

Em resposta, a Igreja Católica fortaleceu a arte, encomendando algumas das iconografias religiosas mais conhecidas da História e erigindo templos sumptuosos (mesmo os templos mais pobres nas aldeias tinham um aparente fausto arquitetónico e escultórico), a enfatizar a glória de Deus e dos seus anjos e santos. Surgiu, assim, a esplendente arte barroca, oposta à proporção da arte da Renascença, ao caráter esguio do gótico e ao estilo fechado e escuro (pelo tipo de fortaleza que representava e servia) do românico. No barroco, tudo era burilado, esplendoroso, grandiloquente. Os espaços vazios tendiam a ser recamados de talha dourada ou de azulejos – o que, não raro “invadiu” os antigos espaços do românico e do gótico e os criados pela arte renascentista, a menos que os vigilantes dos templos estivessem atentos e oferecessem oposição a esse movimento.  

A maioria dessas obras-primas de que vínhamos falando estava instalada nas igrejas de Roma, mas muitos artistas anónimos canalizaram os seus dons para a criação das madonnelle.

Originariamente, as madonnelle eram iluminadas por pequenas lamparinas de azeite, que serviam como grande parte da iluminação pública. Os suportes que estão por baixo de algumas dessas madonas podem ter servido, no passado, como suporte para uma lamparina de azeite. Este azeite, não utilizado no tempero das comidas, por ser demasiado ácido, mas aproveitado para as lamparinas, é denominado azeite lampante.

Os Romanos mantinham essas lamparinas acesas em sinal de devoção a Nossa Senhora. Essa devoção continuou com a prática dos fiéis locais a acenderem velas ou a cuidarem das flores perto desses minissantuários. Aliás, até à generalização das lamparinas elétricas, o tabernáculo do Santíssimo Sacramento era simbolicamente honrado pela presença da lamparina de azeite (designada, simplesmente, por “lâmpada”), muitas vezes suspensa de um sistema de ferro forjado, contendo, até ao meio, uma boa porção de água e, por cima da água, uma espessa camada de azeite sobre a qual uma boia (normalmente uma cruzeta metálica guarnecida em cada uma das três pontas por um taco de cortiça) suportava acesa uma flor (embebida em azeite) de uma planta adequada, tendo o mordomo o cuidado de manter sempre a lamparina acesa.

Também havia lamparinas móveis para quando o Santíssimo Sacramento fosse transferido, provisoriamente, para uma capela lateral (por exemplo, na Quinta-feira Santa ou em caso de obras no templo) ou para iluminar alguma imagem da devoção particular dos fiéis de uma comunidade.   

Embora a madonnella mais antiga tenha apenas 500 anos, a prática de erguer santuários devocionais públicos remonta a tempos antigos. Desde a fundação da Cidade Eterna, os Romanos construíram santuários aos deuses Lares, antigas divindades guardiãs romanas.

Embora a sua História documentada seja fragmentada, estudiosos dizem que os Lares foram especialmente importantes para a população local. Acreditava-se que essas divindades eram os espíritos positivos dos mortos reverenciados como observadores e protetores. Santuários, chamados lararia, foram construídos em diversas casas (não é por acaso que as nossas casas são os lares das famílias e a casa tradicional tinha como peça essencial a lareira), para devoção pessoal e para a proteção contra o mal. Alguns deles ainda podem ser encontrados em Pompeia, onde foram preservados.

À medida que os Lares se tornaram objeto de devoção popular, santuários chamados “Lares compitales” (de encruzilhada) foram instalados nas ruas. Foram colocados em cruzamentos onde o tráfego de pedestres e de veículos fazia com que os Romanos diminuíssem a velocidade. Lá, os Lares compitales tinham maior visibilidade.

Com o tempo – e à medida que o tráfego nas ruas piorou – os santuários compitales cumpriram outra função: proteger os viajantes nestes cruzamentos. Evidentemente, o tráfego romano não mudou muito desde a antiguidade.

À medida que o cristianismo se espalhava em Roma, os Lares compitales desapareceram lentamente. Nossa Senhora substituiu as divindades pagãs como protetora das ruas de Roma, especialmente nos seus cruzamentos e na esquina ou na fronte de algumas casas. No final do século XIX, apenas a Nossa Senhora era confiada a missão de zelar pela cidade, posição que ainda se mantém.

Numerosos milagres foram atribuídos às madonnelle, nos últimos 500 anos. A maioria deles refere-se aos olhos de Nossa Senhora nessas imagens, que dizem chorar, sangrar ou mover-se de um lado para o outro.

Em 9 de julho de 1796, com as forças de Napoleão a varrer a Itália, dezenas de pessoas relataram que os olhos das madonnelle os seguiam enquanto passavam. Cinco desses casos foram confirmados como milagrosos pela Igreja, e foi construída uma capela em torno de uma dessas madonelle: a Madonna dell’Archetto. Essa continua a ser, hoje, a menor igreja de Roma, com uma entrada muito estreita, localizada a poucos quarteirões da famosa Fontana Di Trevi.

Algumas madonnelle são dedicadas a certas aparições marianas, como a dedicada a La Beata Virgen del Carmine, Nossa Senhora do Carmo; outras madonnelle funcionam como devoções pessoais, como o santuário dedicado à Mater Itineris, ou Mãe do Caminho.

Algumas “madonas” dedicadas à Mãe do Caminho são adornadas com objetos devocionais e com placas de agradecimento pela sua intercessão.

Essa madonnelle são regularmente visitada pelos fiéis do respetivo bairro, que as decoram com flores, velas e outros objetos devocionais. As placas agradecem a Nossa Senhora pelo nascimento dos filhos, alguns dos quais trazem as iniciais “PGR”, que significa “Pela Graça Recebida”.

Depois da Segunda Guerra Mundial, as madonnelle tiveram um renascimento, em Roma. O venerável papa Pio XII consagrou a cidade a Nossa Senhora do Divino Amor, em 4 de junho de 1944, pedindo-lhe que protegesse Roma durante os bombardeamentos. Nesse mesmo dia, o Quinto Exército dos Estados Unidos da América (EUA) entrou na cidade, libertando Roma da ocupação alemã nazista.

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Entre nós, acontece algo parecido. Várias casas estão marcadas por esculturas ou painéis de azulejos com imagem de Cristo, da Virgem, de anjo ou de santo/a. Tal acontece nas ruas, nas praças e nos cruzamentos. Há placas a assinalar o centenário da Imaculada Conceição. Há imagens (algumas abrigadas por templete) de Nossa Senhora de Lurdes, do Coração de Maria, de Nossa Senhora de Fátima, de Nossa Senhora do Emigrante, da Senhor da Mensagem. Há conjuntos a representar aparições ou visões marianas (Nossa Senhora de Lurdes e Bernardete; Nossa Senhora de Fátima, os três pastorinhos e o rebanho; Nossa Senhora da Lapa, a pastora Joana e o rebanho;…).

Em muitas localidades, aquando dos funerais, no percurso da casa do defunto para a igreja, o féretro para, a fim de que se reze um responso, com o pai-nosso. E, se o padre ou o diácono não para, para rezar, pode haver sarilho.

Muitos cruzamentos e muros estão marcados por nichos de alminhas (Purgatório, Calvário, etc.). Cruzes em largos ou em muros assinalam o facto de alguém ter ali sofrido um acidente mortal ou um assalto em que perdeu a vida. Abundam os cruzeiros nos largos e nos muros e temos algumas irmandades que ostentam o pendão com as letras SPQR, que nada têm de cristão. São, apenas, reminiscência do paganismo romano imperial: SPQR é sigla que se desdobra em “Senatus PopulusQue Romanus”. Nas procissões romanas do império, à frente figurava o pendão a assinalar: “Aqui vai o senado (os patres conscripti – senadores) e (em latim, “que” no fim da palavra a que se refere) o povo romano (os patrícios ou nobres). O resto das pessoas era a plebe, sem voz no senado, embora com voz nos comícios da plebe (e tinham os seus tribunos), e os escravos, que não tinham voz.

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Na verdade, a devoção popular não tem limites. E, se nem sempre é ortodoxa, a via não é desprezá-la ou vilipendiá-la, mas corrigi-la com a delicadeza e a paciência que se impõem, obviamente ajudas pela correta formação, maia à base da Bíblia, em especial do Evangelho.     

2024.08.30 – Louro de Carvalho

Há 25 anos, Timor-Leste foi a referendo para a independência

 

Passados quase cinco séculos de colonização portuguesa, terminada em 1975, e 24 anos de ocupação indonésia, contrariada por forte resistência liderada por ativistas políticos e guerrilheiros, o povo timorense foi chamado, no dia 30 de agosto de 1999, a votar se queria livrar-se dos ocupantes ou manter-se sob a sua governação, embora com autonomia.

A determinação do povo e a ajuda da comunidade internacional ajudou Timor-Leste a tornar-se, a 20 de maio de 2022, um país independente, com estruturas democráticas de governação e de administração da Justiça. Todavia, 25 anos depois, ainda há muito para fazer.

“Timor-Leste ganhou a batalha da independência. Timor-Leste ganhou a batalha da democracia”, mas “tem agora de ganhar a batalha do desenvolvimento”, foi com estas palavras que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) se dirigiu aos jornalistas, depois do encontro com o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, no Palácio do Governo.

António Guterres foi um dos convidados a participar nas celebrações dos 25 anos da consulta popular que conseguiu libertar Timor-Leste das “garras” da Indonésia, que anexara Timor-Leste, a 7 de dezembro de 1975, mercê da alegada perspetiva de se instalar, a partir de 1975, um regime pró-comunista perto do imenso país situado entre o Sudoeste Asiático e a Austrália.

Aliás, segundo referiu, há anos, Ana Gomes, que foi embaixadora de Portugal em Jacarta, até Durão Barroso assumir a pasta dos Negócios Estrangeiros, não havia, no Palácio das Necessidades, qualquer preocupação com o país anexado pela Indonésia. A independência fora proclamada pela FRETILIN, a 28 de setembro de 1975, tendo assumido o cargo de Presidente da República Xavier do Amaral e o de primeiro-ministro Nicolau Lobato, que seria o primeiro líder da Resistência Armada. Com a proclamação da Independência tem também início a guerra civil.

Os governantes portugueses tinham por arrumada a questão timorense. Entretanto, conversações na Presidência da República Portuguesa com Ximenes Belo, Ramos Horta e outros, tendo Xanana Gusmão sido feito prisioneiro pela Indonésia – espicaçadas pelo massacre de Santa Cruz, em Díli, a 12 de novembro de 1991 (as pessoas choravam e rezavam ou cantavam em língua portuguesa) – fizeram mudar a posição das nossas autoridades e, por consequência, a das autoridades internacionais. Ana Gomes teve aí um papel fundamental no diálogo com Ali Alatas, ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, bem como, depois, Durão Barroso, Mário Soares, Jorge Sampaio e António Guterres, que pressionaram a ONU e os Estados Unidos da América (EUA).

Ana Gomes sublinha a dureza da conversa de António Guterres com Bill Clinton, ameaçando retirar as forças armadas de Portugal da guerra do Kosovo.      

Agora, Guterres, já não como primeiro-ministro de Portugal, mas na pele de secretário-geral da ONU, considerou: “Como secretário-geral das Nações Unidas, estou naturalmente orgulhoso pelo facto de as Nações Unidas terem estado ao lado do povo de Timor-Leste na luta pela independência e na consolidação da democracia. Mas Timor-Leste tem, agora, de ganhar a batalha do desenvolvimento. E quero dizer que as Nações Unidas, na sua capacidade limitada, mas com total empenhamento, estão inteiramente ao lado do governo de Timor-Leste, para apoiar a vitória na batalha do desenvolvimento de acordo com as estratégias do governo de Timor-Leste.”.

É de vincar que, apesar da insegurança que se vivia, a 30 de agosto de 1999, milhares de pessoas se dirigiram às mesas de voto, para decidirem o futuro do país. Ninguém, nem o próprio presidente indonésio, que aceitou o referendo, após longa batalha diplomática entre Portugal, Indonésia e a ONU, esperava tamanha afluência às urnas. Em apenas 22 dias, recensearam-se, para votarem no referendo, 446666 pessoas (433576, em Timor-Leste; e 13090, nos centros no estrangeiro); e mais de 95% dos recenseados votaram efetivamente. O resultado, anunciado, em simultâneo, pelo chefe da missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET), Ian Martin, e pelo secretário-geral Kofi Annan, em Nova Iorque, deu uns expressivos 78,5% contra a proposta de simples autonomia (344580 pessoas) e 21,5% a favor. Timor-Leste votava a favor da independência.

A luta pela sobrevivência e a vontade pela autodeterminação do povo prevaleceu e, com a ajuda da comunidade internacional, Timor-Leste conseguiu livrar-se da Indonésia, mas sem antes viver momentos de terror e de violência causados pelas milícias, apoiadas pela Indonésia, o que levou à entrada de uma força militar internacional (INTERFET), liderada pela Austrália, para restabelecer a paz no território. A ONU geriu a crise até à restauração da independência, em maio de 2002, e permaneceu no país como força de gestão e manutenção de paz, até 2012.

Neste dia 30 de agosto de 2024, o secretário-geral das Nações Unidas foi distinguido com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste e com a concessão da nacionalidade timorense, em reconhecimento do seu papel nos esforços diplomáticos que conduziram à realização do referendo, enquanto primeiro-ministro de Portugal em 1999.

“A partir de agora, há um secretário-geral da ONU que é, simultaneamente, português e timorense”, realçou António Guterres, depois de lhe ter sido atribuída, por unanimidade dos deputados, a nacionalidade timorense na sessão solene do Parlamento Nacional de Timor-Leste, para comemorar os 25 anos do referendo que levou à restauração da independência do país.

“Sinto um profundo orgulho e um profundo reconhecimento. A causa de Timor-Leste foi uma causa fundamental da minha vida política, durante muitos anos, e tenho pelo povo timorense, pela resistência timorense uma enorme admiração e isto é uma honra”, disse o novel timorense.

Guterres recordou os seus esforços para a causa timorense, enquanto primeiro-ministro de Portugal, junto da comunidade internacional, “que ainda foi possível mobilizar”, para que interviesse; e, assim, “a paz e a segurança prevaleceram em Timor-Leste”.A autodeterminação do povo timorense era a prioridade central da política externa do meu governo e foi, na verdade, uma constante da política externa do meu país”, vincou.

Sobre a sua visita a Timor-Leste, em 2002, para a restauração da independência, disse que sentiu “a enorme coragem e a determinação incansável do povo timorense”, de “fazer prevalecer o Direito e de rejeitar a lei do mais forte”. E recordou o papel da ONU no país com as diferentes missões, referindo que Timor-Leste “deu um forte impulso” na capacidade de mediação da ONU em crises internacionais.

No discurso, o secretário-geral da ONU reiterou que o Mundo se depara, hoje, “com uma acentuada erosão da confiança”, sendo necessárias “medidas para revitalizar o “obsoleto sistema multilateral”, pois “décadas de progresso contra a pobreza e a fome estão a ser revertidas”, colocando “em perigo” os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O secretário-geral destacou também a necessidade de combater as alterações climáticas, referindo que Timor-Leste, “tal como outros pequenos estados insulares, está a sentir os piores efeitos, apesar de pouco ter feito para provocar esta crise”. No entanto, lamentou a falta de financiamento nesta área, defendendo que “os países desenvolvidos devem duplicar o financiamento da adaptação para, pelo menos, 40 mil milhões de dólares [36,1 mil milhões de euros] por ano até 2025 – tal como prometido na última COP”. E, sobre a capacidade de resposta às emergências globais, frisou que é preciso criar mecanismos para responder às crises que, inevitavelmente, vão surgir no futuro, dando o exemplo da pandemia da covid-19. “Se hoje tivéssemos outra covid, estaríamos tão impreparados como estávamos na primeira”, lamentou.

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Entretanto, a presidente do Parlamento Nacional timorense, na dita sessão, considerou que, ao fim de 25 anos como nação livre e democrática, Timor-Leste tem um longo caminho para percorrer, pois os obstáculos são imensos, desde a gestão sustentável do fundo petrolífero ao desenvolvimento da indústria e do turismo; e que é preciso ultrapassar as lacunas no sistema de saúde, melhorar a educação e fomentar o emprego, sobretudo entre os mais jovens.

“A pobreza ainda aflige muitos cidadãos, ainda há falta de oportunidades e emprego para os jovens, continuamos a ter desafios na educação académica e profissional, desafios no acesso universal aos cuidados de saúde”, afirmou Fernanda Lay, vincando que o país precisa de reduzir as importações e passar a produzir mais. Por outro lado, frisou o papel das mulheres, que podem contribuir para a produção interna do país, e reconheceu que não será missão fácil, mas lembrou que a conquista da independência “aconteceu contra todas as probabilidades”, disse a presidente do parlamento, citada pela agência de notícias Lusa.

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Atualmente, Timor-Leste é um país democrático e tolerante, “realiza eleições livres, com alternância de poder” e tem “uma sociedade civil muito ativa e liberdade de expressão”, disse o ex-chefe da UNAMET à Lusa. Contudo, a jovem nação continua a demonstrar pouca alternância no atinente aos seus líderes. Nos últimos 25 anos, o líder da resistência Xanana Gusmão tem assumido vários papéis. Foi presidente da primeira República (em 2002) e primeiro-ministro por duas vezes (em 2007 e em 2012), embora não consecutivas. Atualmente, volta a liderar o governo. O mesmo tem sucedido com José Ramos-Horta, que foi presidente, em 2007, e assumiu a presidência da República pela segunda vez (em 2022), também não consecutiva. É preciso “encontrar alternativas aos líderes históricos”, considera Ian Martin, depositando confiança de que isso vai acontecer, disse à Lusa em Díli.

O país também precisa de encontrar alternativas ao petróleo, o principal financiador do Estado, sendo este (Estado), um dos maiores empregadores do país, e combater importantes lacunas, como a do sistema de saúde, onde o seu hospital central em Díli tem registado alegadas falhas no fornecimento de medicamentos e de profissionais de saúde. Contudo, o governo já reafirmou, após uma inspeção, em julho passado, que o fornecimento está assegurado até 2025. “Os medicamentos disponíveis no armazém do INFPM são suficientes para atender às necessidades nacionais, até janeiro ou fevereiro de 2025”, lê-se no portal do governo timorense.

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O secretário-geral da ONU chegou a Díli, a 28 de agosto, para uma visita de três dias, para as comemorações dos 25 anos do referendo que levou à restauração da independência do país.

Foi recebido, no aeroporto Nicolau Lobato, pelo presidente e pelo primeiro-ministro timorenses, José Ramos-Horta e Xanana Gusmão, respetivamente. Ao longo da avenida Nicolau Lobato, que liga o aeroporto ao centro da capital, centenas de crianças vestidas com cores diferentes consoante as escolas deram as boas-vindas ao secretário-geral da ONU, enquanto agitavam pequenas bandeiras e gritavam: “Timor-Leste!”

Guterres foi condecorado pelo chefe de Estado timorense com o Grande Colar da Ordem de Timor-Leste, a mais alta distinção do país. No decreto presidencial da condecoração, José Ramos-Horta destacou o papel de Guterres, que, enquanto primeiro-ministro de Portugal, entre 1995 e 2002, foi um defensor proeminente do direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação e independência, desempenhando papel fundamental na resolução da questão. Além disso, sempre foi “amigo de Timor-Leste” e o seu “trabalho incansável” permitiu que este país lusófono “gozasse das liberdades que tem atualmente”.

Em Timor-Leste, Guterres teve encontros com o Presidente e com o primeiro-ministro e discursou no Parlamento Nacional e no Estádio Municipal de Díli, no âmbito das comemorações. E visitou o Arquivo e Museu da Resistência Timorense, bem como a exposição sobre mulheres da resistência e participou no programa Horta Show, com Xanana Gusmão.

Também o governo de Portugal saudou o povo timorense e fez-se representar nas cerimónias do 25.º aniversário do referendo por Nuno Sampaio, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. E Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, no quadro deste ciclo de comemorações, visitará oficialmente Timor-Leste, entre 12 e 14 de setembro, associando-se a este momento, para aprofundar e potenciar o excelente relacionamento bilateral.

2024.08.30 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Secretaria-geral do Ministério da Administração Interna foi assaltada

 

A 29 de agosto, o jornal online Observador noticiou que o edifício da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), na rua de São Mamede, em Lisboa, foi assaltado durante a madrugada do dia 28. Vários gabinetes, incluindo os dos principais responsáveis, foram remexidos pelos assaltantes, tendo sido levados um total de oito computadores portáteis, dois dos quais seriam de chefias da secretaria. Segundo foi apurado, as câmaras de vigilância não estavam a funcionar.

Os assaltantes terão mesmo conseguido furtar os equipamentos informáticos utilizados por chefias desta secretaria, como por exemplo o computador de Teresa Costa, secretária-geral adjunta e o do responsável pela área informática. A investigação, a cargo da Divisão de Investigação Criminal da Polícia de Segurança Pública (DICPSP), tenta, agora, identificar os responsáveis e perceber quais as motivações.

Foi já na manhã do dia 28, quando começou um novo dia de trabalho, que quem foi chegando se apercebeu de que, nas horas anteriores, algo de estranho ocorrera: diversos gabinetes estavam desarrumados e com sinais de terem sido remexidos. O caso foi comunicado à Polícia de Segurança Pública (PSP) pelo elemento que esta força civil de segurança tem em permanência na SGMAI.

Os agentes da PSP chegaram ao local pouco antes das 10h00 e, rapidamente, confirmaram a denúncia, tendo a investigação ficado, a partir desse momento, a cargo da DICPSP. Acredita-se que o crime terá acontecido várias horas antes do alerta, pelas 5h00.

Uma das principais suspeitas é a de que quem entrou no edifício da SGMAI terá tido acesso por uma das janelas do 6.º andar, dado que a entrada do edifício tem vigilância mesmo durante a noite. Para chegar ao topo do prédio, os assaltante terão usado o andaime do edifício contíguo, que está em obras. A fuga também aconteceu com recurso ao referido andaime.

Este edifício do Ministério da Administração Interna (MAI) tem sempre um elemento a fazer segurança na entrada, que não se terá apercebido de nada e as câmaras de videovigilância também não registaram o momento, porque estão avariadas. Além disso, não havia sistema de alarme. Dado tratar-se de crime de furto, a investigação é da competência da PSP, neste caso, através da DICPSP, não tendo havido, por isso, até agora, qualquer intervenção da Polícia Judiciária (PJ).

Todavia, não se podendo descartar que o furto tivesse outros objetivos, como por exemplo o interesse em aceder a informações sigilosas que constavam nos aparelhos informáticos e nos gabinetes, é normal que outros serviços diferenciados, como o Serviço de Informações de Segurança (SIS), sejam informados e estejam a acompanhar e a colaborar com a investigação.

Em comunicado, o MAI confirmou a informação avançada pelo Observador, assumindo a intrusão no edifício, que “só terá sido possível, através do escalamento de um prédio contíguo, que se encontra a ser intervencionado”, e que foram “furtados alguns computadores”, sendo que alguns “ainda não tinham tido uso, já que são de reserva/substituição”. Contudo e como a situação está “a ser acompanhada pelas autoridades de investigação criminal competentes”, o MAI considera que “não é oportuno transmitir quaisquer outros dados ou factos”.

Já a Direção Nacional da PSP, questionada sobre o caso, limitou-se a dizer “que a Secretaria-Geral do MAI foi alvo de furto, tendo chegado ao local pelas 9h52”. “Esse facto foi comunicado por um polícia de serviço, segundo o qual haveria vários gabinetes remexidos”, acrescentou.

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O gabinete da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, confirmou a notícia do assalto só no início da noite de 29 de agosto, considerando que, de acordo com indicações da PSP, que está a liderar a investigação, os assaltantes furtaram diverso material informático, incluindo computadores das chefias.    

“O gabinete da Ministra da Administração Interna confirma que, na madrugada de dia 28 de agosto, houve uma intrusão no edifício onde funciona a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, na Rua de São Mamede, em Lisboa. De acordo com aquilo que se tem vindo a apurar, tal intrusão só terá sido possível, através do escalamento de um prédio contíguo, que se encontra a ser intervencionado”, revela o gabinete da ministra, em comunicado enviado às redações, acrescentando:Confirma-se ainda que foram furtados alguns computadores, sendo que alguns deles ainda não tinham tido uso já que são de reserva/substituição.”

Fonte da PSP disse à Lusa que o alerta do assalto foi dado às 09h52 pelo polícia que estava de serviço no edifício, após ter dado conta de que existiam gabinetes remexidos.

Outra fonte policial indicou à Lusa que foi furtado vário material informático existente nos gabinetes.

A investigação está a cargo da PAP, que não adiantou, oficialmente, mais nenhum pormenor sobre o assalto.

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O facto ocorrido e relatado suscita o levantamento de algumas questões.

Desde logo, é de questionar como é que o profissional da PSP de guarda ao edifício não dá conta do assalto e deu conta de que os gabinetes foram remexidos. Foram os responsáveis da SGMAI que o chamaram? Não foi uma equipa especializada da PSP que verificou o estado do edifício?

Outra questão que se levanta é: Estando o prédio contíguo em obras e com andaimes exteriores, a vigilância policial do edifício da SGMAI, não deveria ter sido reforçada?

A vigilância que, antigamente, era feita quase exclusivamente à base de pessoas, hoje é feita à base de pessoas e de meios eletrónicos e informáticos. Não é admissível que as câmaras de vigilância não estejam a funcionar, quando se trata da segurança de edifícios públicos, muito menos onde se suspeite que haja informação sigilosa. Porém, câmaras a não funcionar em edifícios públicos é o que há mais.  

Por outro lado, o reforço da vigilância tem de contar, necessariamente (os recursos humanos são indispensáveis), com pessoas confiáveis e de especial preparação. Com efeito, atualmente nem um aquartelamento militar dispõe de pessoal suficiente para responder a um eventual alerta de sentinela. Por isso, a segurança e a vigilância de edifícios do Estado deve ser feita com base em pessoas e em produtos das novas tecnologias.

Não se percebe que, podendo os computadores conter material informativo que atinja a segurança do Estado, como é que a investigação do furto é confiada à PSP e não à PJ. Aquando do assalto aos paióis de Tancos e da saga da recuperação de parte do material, a Polícia Judiciária Militar (JPM) foi retirada da investigação, que ficou a cargo da PJ.  

Comparando com o que se passou, em 2023, no gabinete do antigo ministro das Infraestruturas, então foi altamente criticada a intervenção do SIS, intervenção que agora se admite. Na ocasião, também se suspeitava que o computador furtado contivesse informação privilegiada que, a ser revelada, poderia colocar em causa o território e o Estado. Aliás, o MAI e o Ministério das Infraestruturas (ou equivalente) dispõem de materiais e de informação sensíveis para a segurança do território e das pessoas.

Além disso, sendo o titular da pasta responsável político pelo que se passa nas instalações e com o pessoal que supervisiona, porque não se pede responsabilidades políticas e explicações à atual ministra da Administração interna, quando não se deixava descansar Constança Urbano, Eduardo Cabrita e João Galamba?    

É óbvio que todos os governantes podem falhar, mas, para uns, funciona o silêncio, ao passo que, para outros, as línguas estão afiadas, e as canetas prontas.    

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A SGMAI tem por missão assegurar o apoio técnico e administrativo aos gabinetes dos membros do governo integrados no MAI e a prestação de serviços comuns nos domínios: técnico-jurídico; organização e gestão de recursos; gestão financeira; acompanhamento e controlo da execução orçamental; documentação e arquivo; e comunicação e relações públicas.

A SGMAI prossegue, designadamente, as seguintes atribuições no âmbito do acompanhamento, avaliação e controlo da atividade financeira das entidades, serviços e organismos do MAI:

a) Apoiar a definição das principais opções estratégicas em matéria orçamental, assegurando a elaboração do orçamento consolidado do MAI, acompanhando a execução orçamental, efetuando o controlo da gestão e apresentando os respetivos relatórios de execução, bem como controlando a execução orçamental dos investimentos previstos;

b) Proceder à elaboração dos instrumentos de planeamento integrado e de investimentos, de acordo com os diplomas programáticos e de opção estratégica do governo, assegurando a articulação entre os instrumentos de planeamento, de previsão orçamental, de reporte e de prestação de contas, e acompanhando e controlando a execução dos [instrumentos] que forem da responsabilidade de quaisquer outros serviços e organismos do MAI.

A SGMAI prossegue, designadamente, as seguintes atribuições, no âmbito da prestação de serviços comuns:

a) O apoio técnico e administrativo nas áreas do planeamento, da comunicação, da qualificação e da inovação, do desenvolvimento e da gestão de recursos humanos, da execução orçamental e contabilística, da negociação, do aprovisionamento e da logística, da consultadoria jurídica e do contencioso, da documentação e arquivo, assim como da informação, da comunicação e relações públicas;

b) No quadro do exercício de funções transversais: i) assegurar a gestão dos contratos de prestação de serviços de suporte não integrados em entidades públicas prestadoras de serviços partilhados; ii) Assegurar a centralização e desmaterialização dos procedimentos de contratação pública, exercendo as funções de unidade ministerial de compras;

c) Acompanhar e apoiar a política de instalações das forças e serviços de segurança e demais serviços do MAI, manter atualizado o respetivo recenseamento e centralizar a informação relativa ao património daquele ministério.

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Perante o ocorrido, em 28 de agosto, torna-se imperativo o achamento dos assaltantes, assacando-lhes a devida responsabilidade, a recuperação dos materiais furtados e o acautelamento da não divulgação de informação reservada. Por outro lado, sem deixar de ter em conta o provérbio “casa roubada, trancas à porta”, há que retirar as devidas lições. Mal é não querer aprender!

2024.08.29 – Louro de Carvalho

Glaciares derretem a velocidade dramática e metade desaparecerá até 2100

 

Um estudo da Faculdade de Engenharia da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos da América (EUA), publicado em janeiro de 2023, revela que metade dos glaciares do planeta desaparecerá até final do século, mesmo que se cumpram as previsões mais otimistas do Acordo de Paris, que implicam a limitação do aumento da temperatura média global a 1,5 graus celsius (1,5ºC), em relação aos níveis pré-industriais. E, caso se mantenha o cenário atual, que prevê um aumento de 2,7ºC, desaparecerão dois terços dos glaciares.

É um cenário negro em que serão afetados, principalmente, os glaciares mais pequenos da Europa Central, do Canadá e dos EUA, o que resultará no aumento preocupante no nível da água do mar.

Também a 21 de abril de 2023, um dia antes de ser assinalado o “Dia Mundial da Terra”, um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sublinhava as tendências preocupantes que marcam a progressão das alterações climáticas, estando estas a provocar aumentos recordes na subida do nível do marno derretimento dos glaciares e no aumento das temperaturas.

O relatório vinca as tendências preocupantes que marcam a progressão das alterações climáticas, que incluem os recordes europeus de derretimento de glaciares, em 2022, e a diminuição do gelo marinho na Antártida, também em 2022, para o nível mais baixo de que há registo.

Além disso, os oceanos estão a tornar-se mais quentes, com a quantidade de calor armazenada por eles a atingir um novo recorde em 2022. A taxa de subida global do mar duplicou desde 1993, atingindo também um novo recorde. E, globalmente, os últimos oito anos foram os mais quentes registados desde 1850, com temperaturas a 1,15ºC, acima da média de 1850-1900.

Em março de 2023, os principais cientistas climáticos do Mundo escreveram no relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) que a bomba relógio climática estava “a fazer tiquetaque”. Samantha Burgess, vice-diretora do Copernicus Climate Change Service, disse que o nível de gases com efeito de estufa, produzidos na Europa, por exemplo, tornará improvável que se atinja o objetivo do Acordo de Paris de 2015 de limitar o aquecimento a 1,5ºC, conclusão também alcançada no relatório do IPCC. “Enquanto as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a aumentar e o clima continuar a mudar, as populações de todo o Mundo continuarão a ser gravemente afetadas pelo clima e [pelos] eventos climáticos extremos”, disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, num comunicado de imprensa.

Taalas frisou que a seca na África Oriental, as chuvas recorde no Paquistão e ondas de calor na China e na Europa afetaram dezenas de milhões de pessoas e custaram milhares de milhões de euros em prejuízos.  Os impactos socioeconómicos das alterações climáticas incluirão problemas como a segurança física, a segurança alimentar e a deslocação da população, concluiu o relatório da OMM, o que representa “múltiplos riscos humanitários para a sociedade”.

A título de exemplo, é de referir que, 8 de agosto de 2023, uma casa ruiu na sequência das inundações na capital do estado norte-americano Juneau. A força das águas foi agravada pela quebra parcial de um glaciar a menos de 20 quilómetros de Juneau, que funciona como barragem natural na região. O incidente provocou imensos estragos, pois deitou abaixo árvores e danificou várias estruturas ao longo do rio Mendenhall.   

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A 28 de setembro de 2023, a Comissão Suíça para a Observação da Criosfera, da Academia Suíça de Ciências, alertava para o facto de os glaciares suíços estarem a derreter cada vez mais depressa. Depois de perderem 6% do seu volume, em 2022, diminuíram mais 4%, em 2023. É o segundo maior declínio desde que há registo.

O organismo frisava que a “aceleração é dramática (e que) perdemos tanto gelo, em dois anos, como entre 1960 e 1990”. Os dois anos extremos consecutivos estão a provocar a desintegração das línguas dos glaciares e o desaparecimento de muitos pequenos glaciares. As medições no St. Annafirn (UR), por exemplo, tiveram de ser interrompidas.

A comissão considera que a “perda maciça de gelo” resultada de um “inverno com muito pouca neve e de temperaturas elevadas no verão”. 

O degelo dos glaciares está a afetar todo o país. No sul e no Leste, os glaciares derreteram quase tanto como em 2022, ano em que se tinha já batido o recorde, mesmo em áreas onde os glaciares ainda se encontravam em equilíbrio, há alguns anos. A perda de espessura chegou a atingir três metros nos glaciares Gries, Basòdino ou Pers, o que representa muito mais do que o registado durante a vaga de calor do verão de 2003.

A 7 de abril de 2024, o Clube Alpino Austríaco (OeAV), no seu relatório de medição de gelo, que pormenoriza o rápido retrocesso dos 93 glaciares da Áustria, nos últimos dois anos, advertiu que os 93 glaciares austríacos estão a sofrer um grave e visível degelo nestes últimos dois anos, pelo que desaparecerão nos próximos 45 anos. O glaciar de Pasterze foi o que mais recuou, acima dos 203 metros. O Rettenbachferner, em Tirol, ocupa o segundo lugar, com 127 metros de gelo a menos. Dos 93 glaciares analisados, apenas um se tem mantido como antes. “De facto, dentro de 40 ou 45 anos toda a Áustria ficará praticamente sem gelo”, declarou o chefe do serviço de medição de gelo, Andreas Kellerer-Pirklbauer, em conferência de imprensa, em Salzburgo.

“Acabou o tempo” para os glaciares austríacos, anunciou Gerhard Lieb, do Clube Alpino Austríaco. Agora, só se a neve e o gelo começarem a formar-se de novo, os glaciares poderão, pelo menos, manter o seu tamanho atual, explicou Lieb, mas “já não se podem salvar os glaciares austríacos, porque os sistemas de recuperação estão muito lentos”.

Os peritos sustentam que a sobrevivência dos glaciares austríacos se deve, inteiramente, às reservas de gelo do passado. Não é uma tendência isolada, pois também, nos Alpes italianos ou na Suíça, os glaciares tiveram o mesmo destino.

Os glaciares são massas de gelo que se formam quando a neve e o gelo se compactam durante séculos e, depois, fluem lentamente sobre a terra. O seu degelo é um dos sinais mais notáveis da mudança climática e do aquecimento global provocado pelo homem, já que os glaciares de todo o Mundo retrocedem rapidamente.

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A 27 de agosto deste ano, foi noticiado que o maior glaciar de França está a desaparecer, tendo havido zonas em que perdeu 40 metros em quatro ou cinco anos.

O “Mer de Glace” (“Mar de Gelo”), situado no vale de Chamonix-Mont-Blanc, na região de Chamonix, o maior glaciar francês, é o terceiro maior glaciar dos Alpes, está a encolher de forma surpreendente e está a desaparecer a olhos vistos.

Os responsáveis locais preocupam-se em encontrar alternativas para não serem obrigados a vedar a visita ao glaciar, já que o turismo e as atividades de inverno são o motor económico da região, mas também por uma questão de sensibilização, não querem perder a oportunidade de mostrar, na prática, as consequências das alterações climáticas. Assim, na semana anterior, foi inaugurado um novo teleférico, um acesso mais fácil aos milhares de visitantes que ali vêm todos os anos.

Segundo o glaciologista Luc Moreau, o teleférico permite observar de perto as consequências do aquecimento global, ao mesmo tempo que promove o turismo local. “Há zonas em que o glaciar perdeu 40 metros em quatro ou cinco anos”, sublinhou.

A situação preocupa principalmente os especialistas em ambiente, que estão agora mais empenhados do que nunca em sensibilizar as pessoas para a necessidade urgente de conservação.

Assim, verifica-se que os glaciares estão a derreter, no Mundo inteiro, devido às alterações climáticas. E, sendo a Europa o continente que tem o degelo a um ritmo mais acelerado, não surpreende que os seus glaciares estejam a desparecer mais rapidamente do que o esperado.

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Os glaciares são grandes e espessas massas de gelo formadas em camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada, de várias épocas, em regiões onde a acumulação de neve é superior ao degelo. São dotados de movimento e deslocam-se lentamente, em razão da gravidade e do relevo abaixo, provocando erosão e sedimentação glacial. O seu gelo é o maior reservatório de água doce sobre a Terra, perdendo em volume total de água apenas para os oceanos. Cobrem vasta área das zonas polares, mas ficam restritos às montanhas mais altas nos trópicos.

Podem apresentar a extensão de vários quilómetros e a espessura pode também alcançar a faixa dos quilómetros. À neve que restou de uma estação glacial dá-se o nome de nevado (usa-se também o termo alemão “Firn” e o francês “neve”). O nevado é a etapa intermediária da passagem da neve para o gelo. À medida que se acumulam as camadas anuais sucessivas, o nevado profundo é compactado, recongelando os grânulos num corpo único.

Entre as caraterísticas geológicas criadas pelos glaciares estão as morenas (ou moreias) terminais ou frontais, mediais, de fundo e as laterais, que são cristas ou depósitos de fragmentos de rocha, transportados pelo glaciar; os vales em forma de U e circos nas suas cabeceiras; e a franja do glaciar, que é a área onde o glaciar derreteu recentemente.

Os glaciares formam-se onde se acumula mais neve no inverno que derrete no verão. Quando as temperaturas se mantêm abaixo do ponto de congelamento, a neve caída muda a sua estrutura já que a evaporação e a recondensação da água causa a recristalização para formar grânulos de gelo menores, espessos e esféricos. Esta neve é conhecida por nevado. À medida que a neve se acumula e converte em nevado, as camadas mais profundas são submetidas às pressões cada vez mais intensas. Quando as camadas de gelo e de neve têm espessuras de várias dezenas de metros, o peso é tal que o nevado desenvolve cristais de gelo maiores.

Nos glaciares onde a fusão se dá na zona de acúmulo de neve, a neve pode converter-se em gelo pela fusão e pelo regelo (em vários anos). Na Antártida, onde a fusão é muito lenta ou não existe, a conversão da neve em gelo pode demorar mil anos. A pressão sobre os cristais de gelo faz que estes tenham uma deformação plástica, cujo comportamento faz com que os glaciares se movam lentamente, sob a força da gravidade, como se tratasse de um enorme fluxo de terra.

O tamanho dos glaciares depende do clima da respetiva região. O equilíbrio entre a diferença do acumulado na parte superior, em relação ao que se derrete na parte mais profunda tem o nome de equilíbrio glacial. No glaciar de montanha, o gelo compacta-se nos circos glaciários, isto é, depressões em forma de nicho, de bordas escarpadas, nas altas montanhas. No glaciar continental, o acúmulo ocorre na sua parte superior, em consequência mais da formação da escacha branca (isto é, da passagem direta do vapor de água do ar ao estado sólido pelas baixas temperaturas) do que das precipitações de neve. O gelo acumulado comprime-se e exerce pressão sobre o gelo mais profundo; e o peso do glaciar exerce pressão centrífuga que provoca o empuxo do gelo até a borda exterior, onde se derrete. A esta parte dá-se o nome de área de ablação.

No glaciar de vale, a linha que separa as duas áreas (acumulação e ablação) é a linha de neve ou de equilíbrio. A elevação destas linhas varia consoante as temperaturas e a quantidade de neve precipitada é maior nas vertentes ou ladeiras do que nas regiões de menor incidência solar. O avanço ou retrocesso do glaciar é determinado pelo aumento da acumulação ou da ablação. Os motivos do avanço ou do retrocesso podem ser naturais ou humanos, sendo estes últimos os mais evidentes desde 1850, pelo desenvolvimento da industrialização, sendo o efeito mais observado a enorme produção de dióxido de carbono (CO²), que absorve grandes quantidades de água (dos glaciares próximos) para formar o ácido carbónico, com o que os glaciares de vale retrocedem.

A morfogénese glaciária dá-se pelo processo de modificação do relevo, através do depósito ou da vazão do gelo, podendo alterar a estrutura e o formato da rocha ou da montanha.

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Enfim, mistérios da Natureza, que parece saber mais o que quer do que o ser humano!

2024.08.29 – Louro de Carvalho