sábado, 31 de agosto de 2024

É preciso erradicar a pornografia, mas isso não se faz por decreto

 

O semanário Tal & Qual, na edição de 28 de agosto, publicou uma peça jornalística em que denunciava o alastramento da visualização de cenas pornográficas das mais variadas modalidades e variantes, por parte dos homens portugueses, sendo que, além de canais televisivos, muitos se prendem ao computador em videopornografia, por tempo infindo, que pode ir das 22 horas às três ou quatro.    

O termo “pornografia” provém dos termos gregos “pornê” (prostituta), “pórnos” (homem prostituído), “porneia” (prostituição) e “gráphô” (escrever, gravar). Os primeiros destes vocábulos são da família de outros, como “porneúô” (viver em prostituição) e “pérnêmi” (vender, exportar). Este último deve-se ao facto de, inicialmente, as prostitutas serem escravas.

A partir desta etimologia, facilmente se percebe o significado do termo “pornografia” (como é apresentado no Dicionário da Língua Portuguesa, de Moraes, e no de José Pedro Machado): “tratado acerca da prostituição, coleção de gravuras ou pinturas obscenas, carácter obsceno de uma publicação”. Só a partir daqui é que adquiriu o sentido de devassidão.

Além de, para os cristãos, constituir pecado (por destruir o amor de Deus na alma), a pornografia é considerada por especialistas como uma droga que gera dependência, semelhante à gerada por drogas pesadas em pessoas de qualquer idade, e que distorce a sexualidade humana.

Sam Guzman, fundador e editor do blog “The Catholic Gentleman” (O cavalheiro católico), publicou um artigo com algumas razões para tirar a pornografia da vida do homem, já que a pornografia é a verdadeira praga que consome a nossa sociedade, uma epidemia de proporções gigantescas e uma crise crescente de saúde pública. A grande maioria dos homens admite que olham, regularmente, para isso: advogados, médicos, pastores, padres, maridos, etc. E, apesar dos melhores esforços ou dos pais protetores, todas as crianças serão expostas a isso, mais cedo ou mais tarde. Como diz um especialista, não é uma questão de “se”, mas uma questão de “quando”.

Seria desejável dizer que os homens católicos eram melhores do que os outros, mas não é verdade. Os católicos – e, na verdade, muitos cristãos, veem a pornografia, praticamente, na mesma proporção que os não cristãos. Isto é trágico. A pornografia é problema real e é preciso escorraçá-la impiedosa e implacavelmente, pois não merece tolerância.

Eis algumas das razões convincentes para matar a pornografia, segundo Guzman.

1. Fere as mulheres reais. Muitas vezes, temos a impressão de que a pornografia é inofensiva. Somos levados a pensar que as mulheres nos vídeos pornográficos estão a divertir-se e que todas atuam por escolha própria. É mentira. Inúmeras estrelas pornos que deixaram a indústria contam histórias de abuso físico e emocional, de coerção, de automutilação, de depressão, de violência e de tentativa de suicídio. Ser estrela porno é punição, não diversão. Isso, sem falar nos milhões de mulheres que são traficadas ilegalmente e vendidas como escravas para alimentar a indústria pornográfica, bem como as que são vendidas para a prostituição, a fim de servirem as fantasias de homens que querem apresentar vídeos pornográficos. A pornografia prejudica as mulheres reais. E cada vez que alguém assiste a um vídeo ou olha uma imagem, causa indescritível dor a milhões de mulheres e crianças que merecem ser amadas e queridas, não abusadas e objetificadas.

2. Mata o amor. Há casamentos destroçados pela pornografia, porque esta destrói a intimidade. Uns usam a pornografia furtivamente; outros olham-na abertamente. “Ver pornografia crava uma faca no coração do cônjuge. Faz-lhe perder toda a confiança. Diz-lhe que nunca será o suficientemente bom. Zomba dos seus votos matrimoniais. Planta as sementes da amargura e do ressentimento. Causa-lhe dor profunda, emocional e espiritual”, disse Guzman.

3. Faz com que se desfrute menos do sexo. Segundo pesquisa recente, um número crescente de homens prefere a pornografia ao sexo real, porque é mais fácil. Com um botão, o homem tem acesso infinito a mulheres preparadas que fazem coisas que nenhuma mulher em sã consciência faria. Nem se preocupa em dar prazer a outra pessoa. Em comparação, o sexo real sente-se como tarefa. Muitos homens até relatam que já não conseguem estimular-se o suficiente para terem relações sexuais com mulheres reais. Basicamente, a pornografia arruína a vida sexual.

4. Distorce a visão do homem em relação à mulher. A forma mais rápida e absoluta de distorcer a visão sobre as mulheres é ver pornografia, porque ali “as mulheres são só objetos”. Não têm emoção, nem necessidades, nem alma. São instrumentos de gratificação. Ora, não é possível ver a mulher ser abusada das formas mais horríveis, na tela, várias vezes, e esperar ter uma visão saudável dela na vida real. As mulheres são verdadeiros seres humanos com necessidades emocionais, físicas e espirituais. Têm uma alma que viverá para sempre, merecem respeito e proteção, não luxúria. E quem assiste à pornografia não vê a mulher (ou o outro homem) como irmã (irmão) feita (o) à imagem de Deus, mas como objeto ou brinquedo.

5. Extingue a graça de Deus na alma. Um pecado mortal é um pecado que destrói o amor de Deus na alma. É um pecado grave que nos separa de Deus, deixando a alma fria, sem vida e doente.

São Paulo deixa claro: “Os que toleram o pecado sexual nas suas vidas não herdarão o Reino de Deus” (Gl 5,19-21). Pode-se ter o céu ou a pornografia, mas não ambos.

6. Agrava-se com o tempo. Guzman sustenta que a pornografia se torna, “muito rapidamente, um vício como o crack ou como a metanfetamina”. E o problema do vício é que sempre piora. Um homem pode começar, inocentemente, a gastar um pouco de tempo de mais olhando um anúncio com mulheres seminuas. Depois, entra numa pesquisa no Google e, a seguir, noutra. Como as coisas ficam mais monótonas, são necessárias coisas cada vez mais extremas para ficar animado. Logo, estará a assistir a coisas que o teriam horrorizado, há pouco tempo.

É fácil odiar os abusadores de crianças, mas eles não começaram assim, mas a pensar que poderiam lidar com o veneno da pornografia e não conseguiram. Ora, se não for controlada, a pornografia consumirá a vida da pessoa e deixá-la-á como concha vazia e cheia de luxúria de um ser humano – ou pior ainda, atrás das grades.

7. Torna a pessoa egoísta. Isso deveria ser óbvio, mas, quando se passa horas a gratificar-se com imagens obscenas, começa-se a ficar obcecado por si mesmo. Em vez de aceitar o sacrifício exigido pelo amor verdadeiro, começa-se a ver os outros como objetos projetados para atender às nossas necessidades e desejos – assim como as mulheres fantasiosas na tela. Em vez de dar e servir, como Cristo, fica-se obcecado em receber e consumir. O indivíduo torna-se egocêntrico, irritado e abusivo, mesmo sem o perceber. Torna-se narcisista a usar os outros, em vez de os amar.

8. Rouba a alegria. A pessoa fica cheia de culpa e infeliz. Não vale mentir a nós mesmos, pois, sabemos, no fundo, que a pornografia é erro. E cada vez que olhamos para ela, a consciência, naturalmente, incomoda-nos. E, mesmo que nos confessemos, algumas vezes, o próximo fracasso deixa-nos desanimados, deprimidos e prontos para o desespero. Logo, o diabo tenta-nos a desistir das nossas vidas espirituais. “A luta não vale a pena”, sussurra aos nossos ouvidos. Em suma, tornamo-nos como Adão no jardim, escondendo-nos da presença de Deus.

Não é assim que Jesus quer que vivamos as nossas vidas. Ele redimiu-nos com o seu precioso sangue, para nos trazer paz, alegria e vida abundante, não o medo e a vergonha.

9. Torna a pessoa escrava. Antes de sermos batizados, éramos escravos do diabo. Governados por nossas paixões e concupiscências, éramos levados de um lado para o outro, indefesos, como gado. Mas Cristo redimiu-nos e, quando fomos batizados, libertou-nos desta cruel escravidão e conduziu-nos à liberdade dos filhos de Deus. O batizado está morto para o pecado e vivo para Deus. Participa da liberdade de Jesus Cristo e “não é mais escravo, mas filho” (Gl 4,7).

O problema é que, se nos tornamos viciados no pecado, voltamos, voluntariamente, à escravidão do diabo. É como se o filho de um rei fosse ao mercado de escravos e se oferecesse para venda. É preciso abraçar a liberdade de filho de Deus e livrar-se do jugo da escravidão do diabo.

Jesus foi gentil com todos e com tudo – exceto com o pecado. Quando se tratava de pecado, Jesus não fazia prisioneiros. O seu conselho era: “Arranca-o.” Ninguém chega ao céu, mas os “homens violentos tomam-no à força” (Mt 11,12). É preciso ser violento contra o pecado. As pessoas com cancro não o toleram; as pessoas com hanseníase não a toleram; e as pessoas com ébola não a toleram. Então, como é que uma pessoa pactua com o pecado?

É imperioso acentuar que a pornografia tanto é condenável se for visualizada por homens como por mulheres; e há homens usados, em pornografia, por homens e mulheres por mulheres.  

***

Na audiência geral de 17 de janeiro deste ano, o Papa, no quadro do itinerário sobre os vícios e as virtudes, referiu que, após a gula, o segundo “demónio”, ou seja, vício, que está agachado à porta do coração, é a luxúria. Enquanto a gula é a voracidade, face à comida, a luxúria é uma espécie de “voracidade” para com outra pessoa, a ligação envenenada que os seres humanos têm uns com os outros, na esfera da sexualidade. Porém, é de advertir que o cristianismo não condena o instinto sexual. Um livro da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, é um maravilhoso poema de amor entre dois noivos. No entanto, esta dimensão bonita da Humanidade não está isenta de perigos, de tal modo que São Paulo abordou a questão na primeira Carta aos Coríntios, falando de “uma imoralidade que não se encontra nem sequer entre os gentios” (cf 1Cor 5,1). A repreensão diz respeito a uma gestão malsã da sexualidade por parte de certos cristãos. 

A experiência humana do enamoramento é interessante. A pessoa apaixona-se por outra e ocorre o enamoramento. E, quando não é poluído pelo vício, é um dos sentimentos mais puros. A pessoa apaixonada é generosa, gosta de dar presentes, escreve cartas e poesias. Deixa de pensar em si, projetando-se completamente para o outro. Sob muitos aspetos, o seu amor é incondicional, sem qualquer razão. O apaixonado não conhece bem o rosto do outro, tende a idealizá-lo, está pronto a fazer promessas cuja relevância não compreende de imediato.

Porém, este “jardim” onde se multiplicam maravilhas não está ao abrigo do mal. É deturpado pelo demónio da luxúria, vício particularmente odioso, porque devasta as relações entre as pessoas. Para documentar esta realidade bastam as notícias do quotidiano. Quantas relações iniciadas da melhor forma se transformaram em relações tóxicas de posse do outro, desprovidas de respeito e de sentido do limite! Faltou a castidade, virtude não confundível com a abstinência sexual.

A castidade está ligada à vontade de não possuir o outro. Amar é respeitar o outro, procurar a sua felicidade, cultivar a empatia pelos seus sentimentos, dispor-se ao conhecimento de um corpo, de uma psicologia e de uma alma que não são nossos e que devem ser contemplados pela beleza de que são portadores. A luxúria, ao invés, ridiculariza tudo isto: saqueia, rouba, consome tudo, não ouve o outro, mas só sente a necessidade e prazer; considera tedioso qualquer namoro, não procura a síntese entre razão, impulso e sentimento. O luxurioso procura atalhos: não compreende que o caminho para o amor deve ser percorrido com lentidão e com paciência.

Entre os prazeres do homem, a sexualidade é uma voz poderosa. Envolve os sentidos, habita o corpo e a psique. Todavia, se não for disciplinada com paciência, torna-se cadeia que priva o homem da liberdade. O prazer sexual, dom de Deus, é minado pela pornografia: satisfação sem relação, que gera formas de dependência. Portanto, devemos defender o amor do coração, da mente, do corpo, o amor puro na entrega de si mesmo ao outro. E esta é a beleza da relação sexual.

A batalha contra a luxúria, contra a coisificação do outro, é a mais importante de todas, pois trata-se de preservar a beleza que Deus inscreveu na criação, quando imaginou o amor entre homem e mulher, que não consiste em servir-se um do outro, mas em amar. A beleza que nos faz acreditar que construir uma história de vida, juntos, é melhor do que a busca de aventuras. Cultivar a ternura é preferível a curvar-se ao demónio da posse. O verdadeiro amor não prende, entrega-se.

2024.08.31 – Louro de Carvalho

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