quarta-feira, 28 de agosto de 2024

O governo propôs Maria Luís Albuquerque para comissária europeia

 

A dois dias do termo do prazo (30 de agosto) dado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para a submissão de candidatos ao colégio de comissários, e depois de muito suspense (dizem alguns), o primeiro-ministro anunciou, no dia 28, que Maria Luís Albuquerque será o nome proposto por Portugal.

Para Luís Montenegro, a candidata é uma “personalidade com reconhecimento e mérito académico, profissional, político e cívico”, pelo que nela recaiu a escolha de Portugal para integrar o executivo comunitário na próxima legislatura.

Foi ministra das Finanças nos governos de Pedro Passos Coelho, de 2013 a 2015, tendo acompanhado de perto a queda do Banco Espírito Santo (BES), em condições penosas para os depositantes e investidores. Antes, ainda no primeiro governo de Passos Coelho, foi Secretária de Estado do Tesouro e Finanças (2011-2012) e Secretária de Estado do Tesouro (2012-2013), funções em que seguiu os assuntos do Eurogrupo e do Ecofin (Conselho dos Assuntos Económicos e Financeiros), substituindo o ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar. Este percurso, para Luís Montenegro, é indicativo de que Maria Luís Albuquerque é “detentora de competências extraordinárias que vão enriquecer a Comissão Europeia e prestigiar Portugal”.

Ao invés, independentemente da qualificação académica e da competência profissional, o seu currículo político está vinculado a um dos períodos mais negros da governação portuguesa. É certo que a herança recebida do governo anterior era calamitosa (por culpa dos decisores políticos, pela crise económico-financeira e pela receita europeia dada para mitigar os efeitos da crise). Porém, como dizia Silva Peneda, da mesma área político-partidária, não se justificava tanta dor.

De facto, ocorreu uma furiosa caça aos subsídios de natal, procedeu-se, no dizer de Vítor Gaspar, ao maior aumento de impostos de sempre; aplicou-se, em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) a sobretaxa mensal e aos pensionistas a contribuição extraordinária de solidariedade; impendeu sobre os trabalhadores da Administração Pública enorme sobrecarga de trabalho, a acrescentar à penosa redução salarial decretada no segundo governo de José Sócrates; foram privatizados setores estratégicos nacionais (incluindo a REN – redes energéticas nacionais), sem que daí tivessem resultado significativas mais-valias para o país; foi estabelecido, para os trabalhadores da Administração Pública, o programa de rescisão de contrato por mútuo acordo, já que o Tribunal Constitucional (TC) travou os despedimentos no setor; e, porque o TC travou o corte nas pensões em pagamento, foi produzida legislação (Lei n.º 11/2014, de 6 de março) que penalizou as futuras pensões, limitou o trabalho e proibiu acumulação de pensão com eventual remuneração.

Todavia, a candidata a comissária europeia foi técnica superior na Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, entre 1996 e 1999, e no Gabinete de Estudos e Prospetiva Económica do Ministério da Economia, entre 1999 e 2001; foi assessora do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, em 2001; foi Diretora do Departamento de Gestão Financeira da Rede Ferroviária Nacional (REFER), entre 2001 e 2007; e coordenou o Núcleo de Emissões e Mercados do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, entre 2007 e 2011.

Em junho de 2010, como técnica da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) aprovou um swap (operação de troca de posições, quanto ao risco e à rendibilidade, entre investidores) da Estradas de Portugal, supostamente com risco para o Estado. Porém, a 25 de junho de 2013, declarou-se afastada do tema, enquanto trabalhou no IGCP (entre 2007 e 2011). “Enquanto estive no IGCP, não tive qualquer contacto com swaps, nem do IGCP, nem de natureza nenhuma”, referiu numa primeira audição na Assembleia da República (AR).

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Recordando que a Europa entra “num novo ciclo de união”, vocacionado para o estímulo do mercado interno, da competitividade e da definição de um novo quadro plurianual financeiro, “a que se juntam desafios enormes” nas áreas da defesa, da segurança e do alargamento, o chefe do governo considera “importante que cada estado-membro disponibilize alguns dos seus melhores para trabalhar a bem de todos os Europeus”.Como primeiro-ministro, considero que Maria Luís Albuquerque honra esse perfil e, pelo conhecimento direto e pessoal que tenho das suas capacidades, sei também que vai honrar Portugal”, declarou o primeiro-ministro.

Deposito nela toda a confiança e esperança de que seremos nós, Portugueses, uma vez mais, um povo e uma nação que alavanca o reformismo e ambição europeia de sermos um espaço no Mundo onde há mais bem-estar e mais qualidade de vida, respeito pelo estado de direito e pela democracia, estado social e salvaguarda da dignidade de cada ser humano”, concluiu.

O anúncio de Montenegro surge um dia depois de Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), exigindo ao governo mais “sentido de Estado”, ter criticado o Partido Social Democrata (PSD), por usar eventos partidários, como a Universidade de verão do PSD, para anunciar o nome escolhido para o próximo executivo comunitário, como noticiara o Observador.

Maria Luís Albuquerque junta-se, assim, a uma lista já conhecida de candidatos propostos pelos restantes estados-membros para integrar o futuro colégio de comissários. Com efeito, ao gabinete de Ursula von der Leyen, em Berlaymont, já chegaram cerca de 20 nomes que se juntam ao de Kaja Kallas, indicada pela Estónia e aprovada pelo Conselho Europeu para chefe da diplomacia. Deste grupo, três deles são só de mulheres – Jessika Roswall, da Suécia, Henna Virkkunen, da Finlândia, e Dubravka Šuica da Croácia – longe da paridade obtida no último mandato (47%).

Resta saber que pastas a antiga ministra das Finanças irá disputar. Considerando o seu perfil, é provável que esteja na corrida para um dos pelouros mais económico-financeiros, em Bruxelas, que, para já, conta penas com candidatos masculinos – algo que, certamente, condicionará a decisão de Ursula von der Leyen que ambicionava presidir a uma comissão mais paritária.

Além de a presidente da Comissão Europeia ter pedido aos estados-membros que dessem a conhecer os seus candidatos até ao final do mês, a líder do executivo comunitário pediu que fossem submetidos dois nomes: um homem e uma mulher. Todavia, para já, nenhum dos 27, incluindo Portugal, respeitou o pedido da presidente de submeter uma dupla, tendo a maioria proposto nomes de homens para integrar o próximo colégio de comissários. Assim, considerando que Montenegro respeitou parte do pedido de Ursula von der Leyen, a hipótese de Portugal ficar com um pelouro económico-financeiro com maior visibilidade aumenta, mas a decisão final só será conhecida daqui a algumas semanas.

O colégio de comissários escolhido pela presidente do executivo comunitário só deverá ser conhecido em meados de setembro, depois de os candidatos terem preenchido um inquérito e se terem reunido com a líder para entrevistas one on one. Depois disso, seguir-se-ão as audições no Parlamento Europeu (PE), em outubro, que se preveem rigorosas, podendo os eurodeputados rejeitar os candidatos, como já sucedeu no passado. Só depois do crivo europarlamentar, é que o colégio proposto por Ursula von der Leyen será votado em bloco, no PE, em Estrasburgo.

A nova Comissão deverá entrar em funções a partir de 1 de novembro, como previsto nos tratados. No entanto, caso o PE chumbe candidatos ou a presidente da Comissão Europeia peça aos estados-membros que submetam um nome alternativo, a data pode derrapar.

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A escolha governamental recebeu a saudação do partido do Centro Democrático Social-Partido Popular (CDS-PP), que lhe elogiou a competência e o profissionalismo, e do PSD, os partidos que suportam o atual Executivo minoritário. À esquerda, sucederam-se as críticas, recordando o percurso da antiga governante durante intervenção da troika, período de austeridade económica.

O partido Pessoas-Animais-Pessoas (PAN) foi o primeiro partido a reagir à indicação da antiga ministra das Finanças para comissária europeia. A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, considerou que a escolha é, mais uma vez, sinónimo da política conservadora do PSD, pois, segundo a deputada, Maria Luís Albuquerque é sinónimo de austeridade e da troika, que os Portugueses não esqueceram, mesmo ao ouvirem o primeiro-ministro falar dos desafios que a Europa enfrenta como desafios a que se responde “com economia verde”. Por isso, o PAN irá propor que a candidata seja ouvida na AR, para explicar aos deputados “a visão” que “vai levar para a Comissão Europeia em nome de Portugal”.

Jorge Pinto, do Livre, disse que o perfil “surpreende”: “Está, há vários anos, afastada da vida política nacional e conhece-se-lhe muito pouco sobre o pensamento europeu; e aquilo que se conhece é muito mau.”. A antiga ministra “estará sempre” associada ao “período de austeridade europeia”, pelo que o partido também a chamará à AR, para ser ouvida, antes da audição no PE.

Para Paula Santos, do Partido Comunista Portuguesa (PCP), esta indicação “só gera preocupação e inquietação”. “Maria Luís Albuquerque foi membro do governo do PSD e CDS no período da troika, um período de má memória para os trabalhadores e [para] os Portugueses. Teve responsabilidades sérias no corte dos salários, no corte das pensões, na destruição dos serviços públicos”, reagiu. O partido não se oporá à audição proposta, caso exista essa possibilidade.

Também o Bloco de Esquerda (BE) assinalou o passado da candidata. “Legitimou todas as políticas e a visão do centro europeu de que a crise das dívidas soberanas se resolvia empobrecendo pessoas e forçando milhares de Portugueses à emigração, sobretudo de jovens”, declarou o deputado Fabian Figueiredo, acrescentando: “Maria Luís é também uma má gestora de fundos públicos. Todos nos lembramos da comissão de inquérito dos [contratos] swaps, das decisões erradas que custaram centenas de milhões ao erário público e que beneficiaram a banca.”

Pedro Delgado Alves, vice-presidente do PS, lembrando tais dossiês, destacou que “o perfil do ponto de vista técnico, eventualmente, pode representar o que o governo deseja, mas, politicamente, está diametralmente num campo distinto das opções e prioridades do que penso que a União Europeia tem, neste momento”. E criticou o governo por não ter consultado, previamente, o maior partido da oposição, pois, quebrando a tradição, só foi informado, “apenas minutos antes” do anúncio.

António Rodrigues, deputado social-democrata, assumiu o ónus de refutar as críticas. “Achamo[-las] muito injustas por duas razões […], porque o perfil de Maria Luís Albuquerque fala por si, quer o perfil académico quer profissional quer político. Exerceu funções num período muito difícil para o país e sempre se saiu otimamente nas suas funções”, defendeu, acusando a oposição de laborar em erro, ao partidarizar algo consensualizado na sociedade portuguesa. Recordou comissários apoiados por partidos distintos dos que estavam a nomeá-los, como António Vitorino, apoiado pelo PSD, e Durão Barroso, apoiado pelo PS. “E era isso que esperávamos hoje, que houvesse sentido de Estado”, atirou.

Sobre o facto de o PS ter tido conhecimento da escolha, minutos antes do anúncio, referiu que a presidente da Comissão Europeia pretende uma equipa com mais mulheres, e considerou que “Maria Luís Albuquerque cai perfeitamente nesse perfil e todos já especulavam sobre a escolha”.

Paulo Núncio, líder do grupo parlamentar do CDS-PP, saudou a escolha da antiga ministra, “uma pessoa extremamente competente, extremamente profissional e com enorme sentido de Estado”.

A líder parlamentar da Iniciativa Liberal (IL), Mariana Leitão, defendeu que “mais importante do que a pessoa é que seja alguém que tenha visão reformista, que queira mudar a UE”.

Já o líder do Chega, André Ventura, considerou que Maria Luís “tem um curriculum sólido” e que o país não ficará “mal representado”, mas lamentou “que o governo não tenha querido consolidar o nome de Maria Luís Albuquerque, nomeadamente à direita”, por “arrogância”.

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Já expressei as razões da minha opinião no corpo do texto. Lamento a escolha, como sinal, mas não ignoro que, em 2014, esteve na calha para integrar o colégio de comissários. Não é novidade, nem suspense. Antes, vem na continuidade. Mesmo assim, espero que tenha bom desempenho!

2024.08.28 – Louro de Carvalho

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