A dois dias do termo do prazo (30 de agosto) dado pela presidente da
Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para a submissão de candidatos ao
colégio de comissários, e depois de muito suspense (dizem alguns), o primeiro-ministro
anunciou, no dia 28, que Maria Luís Albuquerque será o nome proposto por
Portugal.
Para Luís Montenegro, a candidata é uma “personalidade com reconhecimento e mérito
académico, profissional, político e cívico”, pelo que nela recaiu a
escolha de Portugal para integrar o executivo comunitário na próxima
legislatura.
Foi ministra das Finanças nos governos
de Pedro Passos Coelho, de 2013 a 2015, tendo acompanhado de perto a queda do Banco
Espírito Santo (BES), em condições penosas para os depositantes e investidores.
Antes, ainda no primeiro governo de Passos Coelho, foi Secretária de Estado do
Tesouro e Finanças (2011-2012) e Secretária de Estado do Tesouro (2012-2013),
funções em que seguiu os assuntos do Eurogrupo e do Ecofin (Conselho dos
Assuntos Económicos e Financeiros), substituindo o ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar. Este
percurso, para Luís Montenegro, é indicativo de que Maria Luís
Albuquerque é “detentora de competências extraordinárias que vão enriquecer a
Comissão Europeia e prestigiar Portugal”.
Ao invés, independentemente da qualificação
académica e da competência profissional, o seu currículo político está
vinculado a um dos períodos mais negros da governação portuguesa. É certo que a
herança recebida do governo anterior era calamitosa (por culpa dos decisores
políticos, pela crise económico-financeira e pela receita europeia dada para
mitigar os efeitos da crise). Porém, como dizia Silva Peneda, da mesma área político-partidária,
não se justificava tanta dor.
De facto, ocorreu uma furiosa caça aos
subsídios de natal, procedeu-se, no dizer de Vítor Gaspar, ao maior aumento de impostos de sempre; aplicou-se,
em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) a sobretaxa
mensal e aos pensionistas a contribuição extraordinária de solidariedade;
impendeu sobre os trabalhadores da Administração Pública enorme sobrecarga de
trabalho, a acrescentar à penosa redução salarial decretada no segundo governo
de José Sócrates; foram privatizados setores estratégicos nacionais (incluindo
a REN – redes energéticas nacionais), sem que daí tivessem resultado significativas
mais-valias para o país; foi estabelecido, para os trabalhadores da Administração
Pública, o programa de rescisão de contrato por mútuo acordo, já que o Tribunal
Constitucional (TC) travou os despedimentos no setor; e, porque o TC travou o
corte nas pensões em pagamento, foi produzida legislação (Lei n.º 11/2014, de 6
de março) que penalizou as futuras pensões, limitou o trabalho e proibiu acumulação
de pensão com eventual remuneração.
Todavia, a candidata a comissária
europeia foi técnica superior na
Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, entre 1996 e 1999, e no Gabinete de
Estudos e Prospetiva Económica do Ministério da Economia, entre 1999
e 2001; foi assessora do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, em 2001;
foi Diretora do Departamento de Gestão Financeira da Rede Ferroviária Nacional
(REFER), entre 2001 e 2007; e coordenou o Núcleo de Emissões e
Mercados do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, entre 2007
e 2011.
Em junho de 2010, como técnica da
Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) aprovou um swap (operação de troca de
posições, quanto ao risco e à rendibilidade, entre investidores) da Estradas de Portugal, supostamente
com risco para o Estado. Porém, a 25 de junho de 2013, declarou-se afastada do
tema, enquanto trabalhou no IGCP (entre 2007 e 2011). “Enquanto estive no IGCP,
não tive qualquer contacto com swaps,
nem do IGCP, nem de natureza nenhuma”, referiu numa primeira audição na Assembleia
da República (AR).
***
Recordando que a Europa entra “num novo
ciclo de união”, vocacionado para o estímulo do mercado interno, da competitividade
e da definição de um novo quadro plurianual financeiro, “a que se juntam
desafios enormes” nas áreas da defesa, da segurança e do alargamento, o chefe do governo considera “importante que cada estado-membro
disponibilize alguns dos seus melhores para trabalhar a bem de todos os Europeus”.
“Como primeiro-ministro, considero que Maria Luís Albuquerque honra
esse perfil e, pelo conhecimento direto e pessoal que tenho das suas
capacidades, sei também que vai honrar Portugal”, declarou o
primeiro-ministro.
“Deposito nela toda a confiança
e esperança de que seremos nós, Portugueses, uma vez mais, um povo
e uma nação que alavanca o reformismo e ambição europeia de sermos um espaço no
Mundo onde há mais bem-estar e mais qualidade de vida, respeito pelo estado de
direito e pela democracia, estado social e salvaguarda da dignidade de cada ser
humano”, concluiu.
O anúncio de Montenegro surge um dia
depois de Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), exigindo
ao governo mais “sentido de Estado”, ter criticado o Partido Social Democrata (PSD), por
usar eventos partidários, como a Universidade de verão do PSD, para anunciar o
nome escolhido para o próximo executivo comunitário, como noticiara o Observador.
Maria Luís Albuquerque junta-se, assim, a
uma lista já conhecida de candidatos propostos pelos restantes estados-membros
para integrar o futuro colégio de comissários. Com efeito, ao gabinete de Ursula von der
Leyen, em Berlaymont, já chegaram cerca de 20 nomes que se juntam ao de Kaja
Kallas, indicada pela Estónia e aprovada pelo Conselho Europeu para chefe da diplomacia.
Deste grupo, três deles são só de mulheres – Jessika
Roswall, da Suécia, Henna Virkkunen, da Finlândia, e Dubravka Šuica da Croácia –
longe da paridade obtida no último mandato (47%).
Resta saber que pastas a antiga ministra
das Finanças irá disputar. Considerando o seu perfil, é provável que esteja na
corrida para um dos pelouros mais económico-financeiros, em Bruxelas, que, para
já, conta penas com candidatos masculinos – algo que, certamente,
condicionará a decisão de Ursula von der Leyen que ambicionava presidir a uma
comissão mais paritária.
Além de a presidente da Comissão
Europeia ter pedido aos estados-membros que dessem a conhecer os seus
candidatos até ao final do mês, a líder do executivo
comunitário pediu que fossem submetidos dois nomes: um homem e uma mulher. Todavia,
para já, nenhum dos 27, incluindo Portugal, respeitou o pedido da presidente de
submeter uma dupla, tendo a maioria proposto nomes de homens para
integrar o próximo colégio de comissários. Assim, considerando que Montenegro
respeitou parte do pedido de Ursula von der Leyen, a hipótese
de Portugal ficar com um pelouro económico-financeiro com maior visibilidade
aumenta, mas a decisão final só será conhecida daqui a algumas
semanas.
O colégio de comissários escolhido pela
presidente do executivo comunitário só deverá ser conhecido em meados de
setembro, depois de os
candidatos terem preenchido um inquérito e se terem reunido com a líder para
entrevistas one on one. Depois disso, seguir-se-ão
as audições no Parlamento Europeu (PE), em outubro, que se preveem rigorosas,
podendo os eurodeputados rejeitar os candidatos, como já sucedeu no
passado. Só depois do crivo europarlamentar, é que o colégio proposto por
Ursula von der Leyen será votado em bloco, no PE, em Estrasburgo.
A nova Comissão deverá entrar em funções a
partir de 1 de novembro, como previsto nos tratados. No entanto, caso o PE chumbe candidatos ou a
presidente da Comissão Europeia peça aos estados-membros que submetam um nome
alternativo, a data pode derrapar.
***
A escolha governamental recebeu a saudação do partido do Centro Democrático
Social-Partido Popular (CDS-PP), que lhe elogiou a competência e o
profissionalismo, e do PSD, os partidos que suportam o atual Executivo
minoritário. À esquerda, sucederam-se as críticas, recordando o percurso da
antiga governante durante intervenção da troika, período de austeridade económica.
O partido Pessoas-Animais-Pessoas (PAN) foi o
primeiro partido a reagir à indicação da antiga ministra das Finanças para
comissária europeia. A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, considerou que a
escolha é, mais uma vez, sinónimo da política conservadora do PSD, pois,
segundo a deputada, Maria Luís
Albuquerque é sinónimo de austeridade e da troika, que os Portugueses não esqueceram, mesmo ao
ouvirem o primeiro-ministro falar dos desafios que a Europa enfrenta como
desafios a que se responde “com economia verde”. Por isso, o PAN irá propor que a candidata seja ouvida na
AR, para explicar aos deputados “a visão” que “vai levar
para a Comissão Europeia em nome de Portugal”.
Jorge Pinto, do Livre, disse que o perfil
“surpreende”: “Está, há vários anos, afastada da vida política nacional e
conhece-se-lhe muito pouco sobre o pensamento europeu; e aquilo que se
conhece é muito mau.”. A antiga ministra “estará sempre” associada ao “período
de austeridade europeia”, pelo que o partido também a chamará à AR, para ser
ouvida, antes da audição no PE.
Para Paula Santos, do Partido Comunista Portuguesa
(PCP), esta indicação “só gera preocupação e inquietação”. “Maria Luís
Albuquerque foi membro do governo do PSD e CDS no período da troika, um período de má memória para os
trabalhadores e [para] os Portugueses. Teve responsabilidades sérias no corte
dos salários, no corte das pensões, na destruição dos serviços públicos”,
reagiu. O partido não se oporá à audição proposta, caso exista essa
possibilidade.
Também o Bloco de Esquerda (BE) assinalou o passado
da candidata. “Legitimou todas as políticas e a visão do centro europeu de que
a crise das dívidas soberanas se resolvia empobrecendo pessoas e forçando
milhares de Portugueses à emigração, sobretudo de jovens”, declarou o deputado
Fabian Figueiredo, acrescentando: “Maria Luís é também uma má gestora de fundos
públicos. Todos nos lembramos da comissão de inquérito dos [contratos] swaps, das decisões erradas que custaram centenas de
milhões ao erário público e que beneficiaram a banca.”
Pedro Delgado Alves, vice-presidente do PS, lembrando tais dossiês, destacou que “o
perfil do ponto de vista técnico, eventualmente, pode representar o que o governo
deseja, mas, politicamente, está diametralmente num campo distinto das opções e
prioridades do que penso que a União Europeia tem, neste momento”.
E criticou o governo por não ter consultado, previamente, o maior partido da
oposição, pois, quebrando a tradição, só foi informado, “apenas minutos antes”
do anúncio.
António Rodrigues, deputado social-democrata, assumiu o ónus de
refutar as críticas. “Achamo[-las] muito injustas por duas razões […], porque o
perfil de Maria Luís Albuquerque fala por si, quer o perfil académico quer
profissional quer político. Exerceu funções num período muito difícil para
o país e sempre se saiu otimamente nas suas funções”, defendeu,
acusando a oposição de laborar em
erro, ao partidarizar algo consensualizado na sociedade portuguesa.
Recordou comissários apoiados por partidos distintos dos que estavam a
nomeá-los, como António Vitorino, apoiado pelo PSD, e Durão Barroso, apoiado
pelo PS. “E era isso que esperávamos hoje, que houvesse sentido de Estado”, atirou.
Sobre o facto de o PS ter tido conhecimento da escolha, minutos
antes do anúncio, referiu que a presidente da Comissão Europeia pretende uma
equipa com mais mulheres, e considerou que “Maria Luís Albuquerque cai
perfeitamente nesse perfil e todos já especulavam sobre a escolha”.
Paulo Núncio, líder do grupo parlamentar do CDS-PP,
saudou a escolha da antiga ministra, “uma pessoa extremamente competente,
extremamente profissional e com enorme sentido de Estado”.
A
líder parlamentar da Iniciativa
Liberal (IL), Mariana Leitão, defendeu que “mais importante do que a pessoa é
que seja alguém que tenha visão reformista, que queira mudar a UE”.
Já
o líder do Chega, André
Ventura, considerou que Maria Luís “tem um curriculum sólido”
e que o país não ficará “mal representado”, mas lamentou “que o governo não
tenha querido consolidar o nome de Maria Luís Albuquerque, nomeadamente à
direita”, por “arrogância”.
***
Já expressei as razões da minha opinião no
corpo do texto. Lamento a escolha, como sinal, mas não ignoro que, em 2014,
esteve na calha para integrar o colégio de comissários. Não é novidade, nem suspense.
Antes, vem na continuidade. Mesmo assim, espero que tenha bom desempenho!
2024.08.28 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário