sábado, 3 de agosto de 2024

Save the Children denuncia escravidão e rapto de crianças

 

Save the Children, organização não-governamental internacional (ONGI) de defesa dos direitos das crianças, aponta 50 milhões de pessoas vítimas das novas formas de escravidão, das quais 12 milhões são menores de idade – números surpreendentes denunciados por ocasião do Dia Internacional contra o Tráfico de Seres Humanos, celebrado a 30 de julho. Raffaela Milano, diretora de pesquisa e treinamento da ONGI, sustenta: “A escravidão moderna é o resultado de crises mundiais, a nossa tarefa é restaurar a confiança nessas crianças.”

Para marcar o Dia Internacional contra o Tráfico de Seres Humanos Pessoas, Save the Children publicou o seu relatório anual intitulado “Pequenos Escravos Invisíveis”, agora na 14.ª edição. O dossiê deste ano abre as portas a um fenómeno tão grande quanto desconhecido: as formas contemporâneas de escravidão. Do trabalho forçado à exploração sexual, do envolvimento em atividades ilícitas aos casamentos forçados, há mais de 50 milhões de pessoas envolvidas nesse fenómeno dramático, 12 milhões das quais são crianças, como Raffaela Milano enfatiza a Emilio Sortino, na Rádio Vaticano-Vatican News: “Estamos a falar de crianças, meninas e adolescentes envolvidos em formas de exploração que são tão diversas quanto brutais e que, em muitos casos, se sobrepõem umas às outras, destruindo a vida desses jovens em várias frentes.”

Os números deste fenómeno aumentam a cada ano, destacando-se um aspeto preocupante, como sidera Milano: “A partir das análises realizadas nos últimos anos, vimos como certos fatores contribuíram para reforçar essas formas de abuso, como a emergência da covid, as crises humanitárias, as crises climáticas e, acima de tudo, os conflitos regionais ou nacionais. Nas áreas de conflito, de facto, as circunstâncias produzem um aumento da pobreza e situações de vulnerabilidade familiar e pessoal, que se traduzem em exploração.”

Para reverter a situação, explica a diretora de pesquisa e treinamento, “é necessário focarmo-nos na questão do investimento dos países na elaboração de políticas de combate à escravidão, que são cada vez mais fortes a nível internacional e nacional”.

O relatório enfatiza a forte ligação entre os fluxos migratórios, a falta de canais seguros de migração e o tráfico de pessoas. “A dificuldade de acesso a canais seguros e legais de migração inevitavelmente alimenta o tráfico, já que o migrante é forçado a passar por stresse psicológico e físico grave e também é exposto ao risco de várias formas de exploração nos países de trânsito e de chegada. Isso também pode ser visto na Europa, onde menores desacompanhados correm o risco de acabar nas mãos de traficantes inescrupulosos, devido à ausência de canais rápidos de reunificação familiar”, observa Raffaela Milano.

Save The Children atua, em todo o Mundo, nessas emergências, colaborando com organizações internacionais e nacionais para proteger as figuras mais frágeis, como crianças, adolescentes ou mulheres com filhos, quando chegam às áreas de fronteira terrestre ou marítima. O primeiro período de receção é crucial: é necessário identificar, imediatamente, as vítimas do tráfico para fazer com que os meninos e as meninas entendam que podem recuperar a confiança em si mesmos e nos outros. Todos passaram por alguma espécie de traição da parte das pessoas em quem depositaram as suas esperanças, enganados e arrastados para situações dramáticas. Devemos, então, infundir-lhes a força para que possam olhar para o futuro com serenidade.

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Outro fenómeno dramático é o desaparecimento de crianças por rapto ou por outras formas.

Save the Children alertou, a 1 de agosto, que o destino de cerca de 1300 crianças yazidis desaparecidas continua a ser desconhecido, dez anos depois do genocídio perpetrado pelo ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria) contra a população de Sinjar (no Iraque), e que milhares de outras continuam sem casa, a viver em tendas ou no meio de escombros da cidade.

Os yazidis constituem uma comunidade étnico-religiosa curda cujos membros praticam uma antiga religião sincrética, o iazidismo (religião étnica da tradição indo-europeia), uma espécie de iazdanismo (culto dos anjos) ligado ao zoroastrismo (de cosmologia dualista) e a antigas religiões da Mesopotâmia (atuais Iraque e Kuwait).

A 3 de agosto de 2014, segundo um relatório de investigadores multinacionais, publicado na revista PLoS Medicine, o ISIS matou, capturou e obrigou a fugir os 400 mil yazidis que viviam em Sinjar, num ato genocida que afetou, sobretudo, as crianças. Cerca de 10 mil yazidis foram mortos ou raptados, sendo metade menores. Dos cerca de 6400 yazidis raptados, cerca de metade eram crianças, de acordo com a Nadia’s Initiative, organização sem fins lucrativos liderada por yazidis. E quase todos aqueles que morreram no Monte Sinjar (93%), devido a ferimentos ou falta de comida e água, também eram crianças,

Rapazes de sete anos foram enviados para campos de treino do ISIS e raparigas de nove anos foram sujeitas a violação e a escravização sexual, revela o relatório de Save the Children. Até à data, foram resgatadas só 3500 pessoas, incluindo duas mil crianças, segundo a Nadia’s Initiative.

Hoje, cerca de 2700 yazidis continuam desaparecidos, incluindo cerca de 1300, que eram crianças na altura do rapto, segundo estimativas do Yazda, um grupo de defesa yazidi no Iraque. Cerca de 300 a 400 dos que ainda estão desaparecidos têm, provavelmente, ainda menos de 18 anos.

De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) da Organização da Nações Unidas (ONU), dez anos depois do massacre, cerca de 200 mil yazidis continuam deslocados das suas comunidades no Iraque. Muitos continuam sem casa, a viver em tendas, em campos de acolhimento com pouco acesso à educação ou a cuidados de saúde adequados.

Em Sinjar, casas e edifícios continuam destruídos e as ruas estão repletas de escombros e restos explosivos de guerra, tornando-a uma das regiões mais contaminadas do Iraque com engenhos não detonados, de acordo com a organização humanitária Humanidade & Inclusão. As infraestruturas danificadas pelo conflito limitam, severamente, o acesso à água e à eletricidade, e há escassez de escolas e de hospitais para os residentes que regressam. Como resultado, muitos yazidis sofrem de problemas de saúde mental, com crianças relatando solidão e pensamentos suicidas, de acordo com o relatório de Save the Children.

Behat (nome fictício), de 17 anos, ainda procura os pais e os irmãos desaparecidos. Segurara as mãos do irmão com força e gritou para os homens do ISIS não o tirarem. Derramou lágrimas, mas levaram-no e nunca mais o trouxeram de volta. Nunca mais o viu. Não encontrou nenhuma informação sobre os pais. Quer descobrir algo sobre a mãe e sobre o pai. “Para alguém que não vê os pais, há 10 ou 11 anos, é tão difícil lembrar seus rostos”, vincou.

Viyan (nome fictício), de 15 anos, fugiu de Sinjar ainda criança. Ela vive numa tenda num campo de deslocados no Iraque, há quase uma década. É muito difícil viver em barracas no calor. No inverno, com chuvas fortes, a barraca fica molhada. As crianças não têm onde brincar, brincam nas ruas, cheias de animais vadios. As crianças contraem doenças, por causa da sujidade. Adolescentes e meninas, mesmo tendo em torno de 10 anos, dizem que gostariam de estar mortos e não ter de viver assim. Esta tragédia do massacre que aconteceu ao povo yazidi não foi esquecida e, quando vamos para Sinjar, notam que os ossos não foram recolhidos.

Athaab (nome fictício), de 26 anos, regressou a Sinjar e vive numa casa parcialmente destruída com os seus filhos. A maior parte da sua família está desaparecida. Ele foi um dos capturados com toda a família. Oprimiram-nos e atormentaram-nos. Não conseguiu encontrar a família quando fugiu e voltou para casa. Não tem ninguém agora. Depois que voltou para casa, teve muitas dificuldades. Faltam muitas coisas em Sinjar. As escolas e os hospitais são insuficientes. Existe um hospital em Sinjar, mas não está disponível nas aldeias vizinhas. O crucial é reconstruir as casas. As pessoas não podem volta, se não tiverem um teto sobre as suas cabeças.

Ajwan (nome fictício), 39 anos, procura a sua família desaparecida. Foi capturada e perdeu a família. Levaram-na com o marido, filho e filhas Separaram-na dos três filhos. É muito difícil. Têm muitas necessidades, mas nenhum serviço Lhes é prestado em Sinjar. As suas duas filhas atravessam a rua principal para irem à escola, que fica muito longe. E, como as ruas não têm calçamento, as suas vidas estão em perigo. “Hoje estou exausta mentalmente, estou a sofrer de dores no corpo. Estou doente. Agora, preciso de ir ao médico e ao psiquiatra. Preciso de ir a algum lugar para esquecer o meu sofrimento, mas não tenho esse lugar. Embora tenhamos sido salvos do ISIS, o nosso espírito ainda está perturbado”, relata.

Sarra Ghazi, diretora nacional de Save the Children para o Iraque, aponta: “Dez anos depois e mais de mil crianças ainda estão desaparecidas. As famílias ainda estão desestruturadas. As crianças vivem em tendas, há mais de uma década, com acesso insuficiente aos serviços básicos e sem meios para regressarem de forma voluntária e digna. As crianças yazidis, como todas as crianças, merecem o direito à segurança e ao acesso à educação.”

Save the Children apela às autoridades internacionais e locais para que priorizem o fornecimento de apoio abrangente à saúde mental das crianças yazidis e à reintegração na sociedade. Defende maior investimento na educação, nos cuidados de saúde e nas condições de vida seguras para as famílias yazidis deslocadas e regressadas. O objetivo é garantir que as crianças yazidis, como todas as crianças, tenham direito à segurança, à estabilidade e a um futuro esperançoso.

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Save the Children Fund, conhecida como Save the Children (International Save the Children Alliance), organização não-governamental internacional de defesa dos direitos da criança, ativa desde 1919, dedica-se à ajuda humanitária de urgência e ao desenvolvimento de longo prazo, pelo apadrinhamento humanitário de crianças, que consiste em prover às necessi dades da criança, permitindo que continue no seu meio familiar, na sua cultura e no seu país.

A primeira associação Save the Children foi criada em Londres, em maio de 1919, por Eglantyne Jebb e por sua irmã Dorothy Buxton. Chocadas com as consequências da I Guerra Mundial e da Revolução Russa, decidiram criar uma poderosa organização internacional com ramificações nos lugares mais remotos do planeta, voltada para a melhoria das condições de vida das crianças.

No ano seguinte, foi fundada a união internacional, que se colocou na vanguarda da luta pelos direitos da infância no Mundo, ao elaborar a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Sociedade das Nações, em 1924, que foi a base da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989, ratificada pela Assembleia Geral da ONU. Durante a Grande Depressão e a II Guerra Mundial, Save the Children continuou as suas atividades, particularmente graças às organizações dos países neutros.

Como Aliança Internacional foi criada, formalmente, em junho de 1989, cinco meses antes da adoção da Convenção das Nações Unidas para a Infância, na qual se baseiam todas as ações de Save the Children. Desde o início da Primavera Árabe, a ONGI contratou parentes de líderes políticos globais, como a esposa de David Cameron e premiou o Tony Blair.

A secretaria da organização, em Londres, lidera e coordena os 28 escritórios nacionais participantes da Aliança Internacional Save the Children – uma rede global de organizações sem fins lucrativos que atua em mais de 120 países. Cada um deles trabalha em favor das crianças do seu país e em escala internacional. Em Nova Iorque, em Genebra e Bruxelas, a ONGI dispõe de escritórios políticos, voltados ao trabalho de influência e à articulação institucional, direcionados, sobretudo à ONU e à União Europeia (UE).

Save the Children trabalha no Iraque, desde 1991, e é das maiores ONGI que apoiam crianças, jovens e suas famílias. Apoia famílias yazidis, nas províncias de Duhok e de Ninewa, com redes de proteção juvenil e com atividades que apoiam serviços de saúde mental e de educação infantil.

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Não faltam os apoios às crianças e adolescentes, mas os problemas são tantos e criados por tantos agentes do mal, que todos os apoios disponíveis são marcadamente insuficientes.

2024.08.03 – Louro de Carvalho

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