Já
estamos habituados aos incêndios florestais e rurais no verão e, dada a irregularidade
atmosférica dos últimos anos, eles tornam-se bastante frequentes durante o
resto do ano. E Portugal está longe de ser caso único. Os países do Sul da
Europa, a Amazónia e alguns estados nos Estados Unidos da América (EUA),
nomeadamente, a Califórnia, têm um quinhão significativo na manta enorme da
área ardida no Mundo.
Para
haver incêndio, têm de convergir quatro elementos: comburente (o oxigénio),
combustível (material fóssil, lenhoso, arbustivo ou herbáceo), calor (é o que
surge cada vez com maior intensidade) e agente detonador. E estes elementos podem
estar presentes em toda a parte.
A
nossa floresta é desordenada e constituída, predominantemente, à base de pinho
e de eucalipto, bem como de acácias. Acumula-se, nas matas e nos matagais, a
par de restos de material lenhoso, muito lixo herbáceo e arbustivo. Não se faz
a limpeza dos montes como dantes, porque a cozinha e similares dispensam as lenhas,
em nome do benefício do gás e da eletricidade, e os currais e os terrenos substituem
o adubo orgânico por adubos químicos (por isso, hoje algumas entidades ensinam
os jovens a fazer a “compostagem”). Assim, a limpeza de matas públicas ou privadas,
de estradas públicas ou de caminhos públicos ou vicinais é difícil (por falta
de mão de obra) e cara. Depois, além de eventuais agentes detonadores naturais
(por exemplo, raios) ou ocasionais (material vítreo ou plástico exposto aos raios
solares), está a mão humana criminosa por ação ou por negligência, como: consecução
de área para pastagens; aquisição barata de madeiras; desequilíbrio mental; terrorismo
político e ambiental; promoção criminosa de utilização de meios de combate a
fogos; queimas e queimadas, sem observância das necessárias cautelas;
lançamento de material pirotécnico; uso de tabaco; e acumulação de lixos em
parques.
Segundo os dados internacionais, Portugal
está na lista dos 10 países com mais mortos em incêndios florestais, nos últimos
anos. E o ano que mais contribuiu para isso foi 2017, com os piores incêndios do país, em Pedrógão Grande (e
concelhos limítrofes), a 17 de junho, com 64 mortos e cerca de 200 desalojados;
e, na região de Viseu, a 15 de outubro (523 incêndios num dia), com 50 mortos e
cerca de 70 feridos.
Entretanto, Portugal reduziu o
número de incêndios em seis anos. Mais de 100 mortos e 500 mil hectares de área
ardida é cenário que já não se repete, em Portugal, desde 2017, ano em que se
registaram os fogos mais mortíferos e mais devastadores no país. Desde então, o número de incêndios florestais reduziu mais de metade,
sobretudo, graças à campanha para a prevenção de comportamentos de risco,
promovida pela Agência para Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), no âmbito
do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR).
A
este respeito, Tiago Oliveira,
presidente do conselho diretivo da AGIF, destaca a importância do trabalho de
sensibilização de proximidade e defende a criação de um mecanismo de
interoperabilidade no combate a incêndios, a nível europeu.
“Nós começamos a trabalhar pós-2017.
A sociedade portuguesa estava muito traumatizada com o tema dos incêndios e, no
primeiro ano da campanha em 2018, incidimos numa mensagem mais clara: ‘Portugal
Chama por Si’, porque era necessário convocar todos os Portugueses a reduzirem
o número de incêndios”, refere Tiago
Oliveira, segundo o qual deflagrava em Portugal uma média de 20 mil fogos, por ano, antes de 2019, e, em 2023,
ocorreram sete mil.
No dizer do gestor, isto conseguiu-se
com a campanha de comunicação na televisão, nos jornais, na rádio, e com
medidas para melhorar a eficácia da campanha, dando alternativas às pessoas que
precisavam de usar o fogo, para eliminar sobrantes agrícolas, fornecendo um
número que permitia às pessoas telefonarem e pedirem ajuda para queimar ou perguntarem
se podiam queimar ou não. E também houve alteração no comportamento dos Portugueses,
a nível do uso negligente do fogo.
Depois da
campanha “Portugal Chama por Si”, que funcionou entre 2018 e 2023, a AGIF
lançou nova campanha que se prolongará até 2026, para
diminuir ainda mais estes números.
“Este ano, a
estratégia vai passar e está a passar por contactos personalizados porta a
porta, através da Guarda Nacional Republicana [GNR], por exemplo. Está a passar
por um envolvimento maior, agora com o Ministério da Educação [, Ciência e
Inovação] com campanhas nas escolas, entre os cinco e os 12 anos, com o projeto
‘Raposa Chama’, que vai mobilizar cerca de meio milhão de alunos nos próximos
cinco anos”, detalha o presidente do conselho diretivo da AGIF.
De acordo com os dados revelados, a 19 de agosto, pelo Instituto da
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o ano de 2024 apresentou, até
15 de agosto, o valor mais reduzido em
número de incêndios e o valor mais reduzido de área ardida, desde 2014.
No total, houve já 3485 incêndios rurais, neste ano. Contudo, agosto é já o mês
com mais área ardida em 2024 e duplicou os valores de julho. De 1 a 15 de
agosto, arderam 3484 hectares, enquanto, em julho, os incêndios tinham
consumido uma área de 1582 hectares. A área ardida nestas primeiras duas
semanas corresponde a 44% do total da área ardida, neste ano, em Portugal
continental (7949 hectares).
Comparando os valores do ano de 2024
com os 10 anos anteriores, registaram-se menos 58% de incêndios rurais e menos
87% de área ardida, relativamente à média anual neste mesmo período.
“Neste ano,
2024, estamos com 3500 incêndios,
o que é um recorde relativamente relevante, porque as pessoas também, de facto,
consolidaram esse conhecimento no espaço rural. Também houve um verão ameno,
não tivemos tanta secura e, portanto, todas as faíscas não geram incêndios”,
justifica o presidente da AGIF.
Segundo o relatório “State of Wildfires” publicado na revista Earth System Science Data, de março de
2023 a fevereiro de 2024, os incêndios, de dimensão contida na Europa,
devastaram só 8400 quilómetros quadrados, mas provocaram interrupção do
fornecimento de água e danos às infraestruturas ou a terras agrícolas, com
impactos sobre o turismo e sobre economias locais.
Segundo dados do Banco Mundial, os
incêndios florestais fizeram prejuízos de 77 mil
milhões de euros, na Europa, em 2023. E Tiago Oliveira
defende que a Europa necessita de um “mecanismo de interoperabilidade, para que
as forças de países vizinhos possam operar da mesma maneira”.
“Não basta enviar meios aéreos de um
país para o outro. É preciso que, quando os meios aéreos chegam, estejam
coordenados com as forças que estão no terreno; e elas têm que trabalhar com
mecanismos comuns. O Canadá e os Estados Unidos fazem isso muito bem e a Europa
pode inspirar-se nesse modelo”, argumenta.
Além disso, o
presidente da AGIF acredita que é necessária uma articulação de políticas, nomeadamente,
utilizando a Política Agrícola Comum (PAC),
que permite aos agricultores gerirem melhor as suas florestas, e trazendo mais a
atenção da PAC para terrenos abandonados, para práticas agrícolas que não gerem
fogo e permitam uma vegetação sempre tratada.
Até à data, o incêndio em Evros, no Nordeste da Grécia, em agosto de
2013, é o maior alguma vez registado na União Europeia (EUA). Arderam 938
quilómetros quadrados de uma só vez, estabelecendo um novo recorde no velho
continente.
***
No atinente a incêndios florestais,
é de referir que a GNR, até meados de agosto, registou 1912 crimes de incêndio
florestal e que foram aplicadas 1708 contraordenações por falta de limpeza de terrenos.
O
número de crimes de incêndio florestal representa mais de metade dos crimes de
incêndio florestal registados em todo o ano passado: 3299. Há 24 detenções.
Segundo
o balanço da investigação, realizada em 2024, até 18 de agosto, foram ainda
identificados 326 suspeitos, informou a porta-voz da GNR, Mafalda Gomes de
Almeida, que acrescentou: “No ano de 2023, foram “detidas 57 pessoas e
identificadas 803.”
À
agência Lusa, a porta-voz referiu,
por outro lado, que, no âmbito da Operação Floresta Segura 2024, a GNR “realizou
6139 ações de sensibilização, tendo alcançado 99419 pessoas, com o objetivo de
evitar comportamento de risco, sensibilizar para a importância de adoção de
medidas de autoproteção e uso correto do fogo, por parte da comunidade”. Nessa ação,
foram realizadas 33986 ações de patrulhamento e empenhados “mais de 86516
militares, em todo o território nacional”, até
18 de agosto, mas as ações de fiscalização vão prosseguir.
Num
despacho de Fevereiro, as secretarias de Estado da Proteção Civil e da
Conservação da Natureza e Florestas identificaram 991 freguesias prioritárias para
fiscalização da gestão de combustível em 2024, entre 1 e 31 de maio (entretanto,
adiado para Junho), no caso de proprietários de terrenos rurais próximos de
edifícios ou em aglomerados confinantes com espaços florestais. Os trabalhos
teriam de estar concluídos até 31 de maio e a fiscalização decorreu também,
entre 1 e 30 de Junho, nas faixas entre cinco e 10 metros das redes viárias,
ferroviárias e de transporte de energia elétrica e de gás natural, da
responsabilidade das respetivas entidades.
“Temos
as equipas já preparadas para fazer a abordagem às 991 freguesias prioritárias”,
assegurou, no final de Maio, Ricardo Vaz Alves, da direção do Serviço da Proteção
da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, explicando que o plano de
fiscalização implicaria com alguns meios alocados à fiscalização que estavam
associados ao combate, caso necessário.
No atinente à falta de gestão de
combustíveis, até 31 de maio, a GNR registou um total de 10252 sinalizações, por
falta de limpeza dos terrenos, com base numa primeira verificação dos
militares, que não deu origem à aplicação de contraordenações.
Os distritos com mais sinalizações
neste ano, com base nos dados da GNR, foram Leiria (2441), Viseu (1233),
Coimbra (837), Santarém (788) e Castelo Branco (711), enquanto os menos
sinalizados foram Portalegre (71), Évora (85), Porto (230), Lisboa (246) e
Guarda (257).
Após o fim do prazo para os proprietários limparem os terrenos, a GNR aplicou,
até 18 de agosto, 1708 contraordenações, das quais 272, no distrito de
Santarém, 188, no de Braga, 177, no de Castelo Branco, 124, no de Faro, 122, no
de Beja, e 116, no de Coimbra.
Nos distritos com menos contraordenações
estão Bragança (28), Guarda (30), Portalegre (32), Viana do Castelo (40) e
Lisboa (41), mas este ranking a pode ainda
sofrer alterações, neste ano.
Nos terrenos inseridos em espaços
rurais, a limpeza tem de incidir sobre até 50 metros dos edifícios, em áreas de
floresta, de matos ou de pastagens naturais. Nos aglomerados populacionais
inseridos ou confinantes com espaços florestais, é obrigatória a gestão de
combustível numa faixa exterior não inferior a 100 metros, distância também
prevista para parques de campismo ou industriais e para aterros sanitários. “A proteção
de pessoas e bens, no âmbito dos incêndios, continua a assumir-se como uma das
prioridades estratégicas da GNR, sustentada numa atuação preventiva e num
reforço de patrulhamento nas áreas florestais”, frisou Mafalda Almeida.
Sustentando que “a maioria das
ocorrências de incêndio se deve ao uso negligente do fogo”, a GNR recomenda que,
“nas atividades agroflorestais, sejam utilizados métodos alternativos à queima
de sobrantes de exploração” – estilhaçamento e incorporação no solo.
Os municípios, além de terem de
ser informados das coimas de entidades externas, notificam os proprietários
para a limpeza ou, depois, realizam os trabalhos, sendo ressarcidos das
despesas.
***
Por fim, uma referência aos
incêndios que vêm consumindo áreas consideráveis na Região Autónoma da Madeira,
fenómeno a que a população não estava habituada, que mobilizou ajudas extraordinárias
do Continente e que motivou a ativação do Mecanismo Europeu de Proteção Civil. O
presidente do governo regional diz não ter havido vítimas humanas, nem danificação
das infraestruturas. Porém, houve voos cancelados e várias pessoas deslocadas.
Ora, é preciso preservar a singular Laurissilva madeirense, pois a temperatura
também aumenta na Madeira, por efeito das alterações climáticas, e também ali
há condições para a deflagração de incêndios!
2024.08.25
– Louro de Carvalho
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