sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Mulheres líderes na Europa e a capacidade eleitoral

 

Há bastantes décadas que se apregoa a igualdade de género, mormente no que diz respeito à ascensão das mulheres a cargos de topo, no tecido empresarial e na condução da política. Diversos países, como Portugal, viram-se na necessidade de estabelecer quotas por via legislativa.

Antes da Revolução dos Cravos, Portugal teve só um governante feminino: Maria Teresa Cárcomo Lobo, subsecretária de Estado da Saúde, entre 1970 e 1973, no governo de Marcelo Caetano. Depois da Revolução, Maria de Lourdes Ruivo da Silva de Matos Pintasilgo começou por desempenhar o cargo de secretária de Estado da Segurança Social (I governo provisório), passou a ministra dos Assuntos Sociais (II e III governos provisórios) e foi a primeira mulher primeira-ministra (V governo constitucional), dois meses após a tomada de posse de Margaret Thatcher como primeira-ministra do Reino Unido.

Hoje, o XXIV governo constitucional, entre 18 ministros, incluindo o primeiro-ministro, conta sete ministras. E, entre os 41 secretários de Estado, conta 17 mulheres.  

Várias mulheres (incluindo Lourdes Pintasilgo) se candidataram a eleições presidenciais, mas, além de não terem vencido a corrida, ficaram-se por uma votação pouco expressiva.  

A nível das instituições da União Europeia (UE), é de anotar que, entre 1979 e 1982, Simone Veil, sobrevivente dos campos de concentração nazi e figura central do feminismo na Europa, se tornou a primeira presidente do Parlamento Europeu (PE), em resultado das que foram as primeiras eleições para o PE.

Os países nórdicos e bálticos têm sido pioneiros, na inclusão das mulheres na política. E a presença de mulheres em cargos de topo torna-se cada vez mais relevante nos Balcãs. Contudo, a maioria dos cargos de direção política ainda tem a marca do sexo masculino.

Kamala Harris aceitou, formalmente, a nomeação presidencial na Convenção Nacional Democrata e o eventual sucesso nas eleições de novembro torná-la-ia a primeira mulher presidente dos Estados Unidos da América (EUA) na História.

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Como é que a Europa se compara no atinente às mulheres líderes? Continuam a ser uma minoria no continente. Em 50 países, apenas 15 têm uma mulher como primeira-ministra ou como chefe de Estado, excluindo os monarcas.

Na UE, são apenas sete, embora quatro dos cargos de topo do bloco sejam ocupados por mulheres: a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a presidente do PE, Roberta Metsola,  a alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Kaja Kallas, e a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde.

Os Balcãs assistiram, recentemente, a um aumento do número de mulheres em cargos de topo, com a Eslovénia, o Kosovo, a Macedónia do Norte e a Grécia a terem uma presidente mulher. O governo da Bósnia-Herzegovina também é chefiado por uma mulher. No entanto, só tem quatro homólogas na Europa: a italiana Giorgia Meloni, a dinamarquesa Mette Frederiksen, a letã Evika Siliņa e a lituana Ingrida Šimonytė. Até há pouco, tinha Kaja Kallas, n Estónia.

É predominante, na formação e na profissão destas mulheres, o Direito e  a advocacia. A presidente da Eslovénia, Nataša Pirc Musar, é advogada e representou Melania Trump em processos judiciais que envolviam a utilização da sua imagem em bolos, sapatos e produtos de roupa interior; a presidente da Macedónia do Norte, Gordana Siljanovska-Davkova, é professora de Direito; a presidente do Kosovo, Vjosa Osmani, é académica de Direito; e a presidente da Grécia, Katerina Sakellaropoulou, é juíza; a primeira-ministra da Bósnia, Borjana Krišto, é licenciada em Direito; e a primeira-ministra da Letónia, Evika Siliņa, trabalhou como advogada.

As únicas que não têm formação em Direito são a dinamarquesa Mette Frederiksen, a italiana Giorgia Meloni e a lituana Ingrida Šimonytė. No entanto, todas concluíram estudos superiores, exceto Giorgia Meloni.

Embora não tenham sido a maioria, várias mulheres, na História da Europa, tornaram-se primeiras-ministras ou chefes de Estado, e a maioria dos países europeus teve líderes femininas, em algum momento, no passado – e ainda é o caso, mesmo excluindo os monarcas.

Até à data, apenas 15 países da Europa nunca tiveram uma mulher como primeira-ministra ou chefe de Estado: a Albânia, Andorra, a Arménia, o Azerbaijão, a Bielorrússia, o Chipre, a Chéquia, o Liechtenstein, o Luxemburgo, o Mónaco, o Montenegro, os Países Baixos, a Rússia, a Espanha e o Vaticano. Quatro destes países (o Chipre, a Chéquia, os Países Baixos e a Espanha) são países da UE.

Quanto à eleição de mulheres como deputadas, é de anotar que, em 1907, a Finlândia foi o primeiro país europeu a eleger deputadas, seguida da Noruega, da Estónia, da Rússia e da Ucrânia. San Marino (1974), Portugal (1975), Andorra (1984) e Liechtenstein (1986) foram os últimos. No entanto, as mulheres continuam a estar sub-representadas em todos os países europeus, exceto em Andorra, onde a proporção é de 50/50. A Escandinávia é a região com a percentagem mais elevada de deputadas, com a Islândia (47,6%), a Suécia (46,7%), a Finlândia (46%), a Dinamarca (45,3%) e a Noruega (44,4%) a ocuparem os lugares cimeiros. Entretanto, o Mónaco (com 45,8%) está acima da Dinamarca e da Noruega. Portugal figura com 32,6%.

É de assinalar que a Espanha tem a representação mais equitativa (deputadas) entre os cinco grandes países europeus, seguida do Reino Unido, cujas recentes eleições gerais registaram o maior número e proporção de deputadas alguma vez registados no país.

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A plataforma que junta associações de mulheres da UE vê a extrema-direita como hostil, em relação aos direitos das mulheres, apesar de ter grande representação feminina.

O novo PE, eleito em junho, tem menos mulheres. Foi a primeira vez que a percentagem de eurodeputadas diminuiu, desde que se realizaram eleições europeias, em 1979. O Lobby Europeu das Mulheres (LEM), pela voz de Jéromine Andolfatto, diz que estão pouco representadas nos lugares de poder do PE, pois as comissões com mais poder são compostas, sobretudo, por homens. “As pastas que importam, a que chamamos de pastas difíceis, onde há dinheiro, onde há poder, como por exemplo, assuntos estrangeiros, orçamento, economia, geralmente, vão para homens, no que diz respeito à liderança das comissões”, diz Andolfatto, vincando que a proporção de membros destas comissões é controlada por homens.

Jéromine Andolfatto, admitindo que esta realidade não está diretamente ligada à ascensão da extrema-direita, nas eleições de junho, acredita que as eurodeputadas eleitas por estes partidos extremistas não defendem, necessariamente, os direitos das mulheres. “Alguns partidos ou grupos de extrema-direita no Parlamento Europeu têm uma representação bastante substancial de mulheres. Mas também são grupos que não são conhecidos por apoiar os direitos das mulheres. São bastante hostis aos direitos das mulheres”, explica.

Nos últimos anos, a UE tomou decisões para proteger as mulheres. Uma das mais relevantes foi a primeira diretiva comunitária para combater a violência doméstica contra as mulheres. Porém, o LEM, pressupondo que há ainda trabalho a fazer, diz: “Queremos um orçamento dedicado aos direitos das mulheres, talvez ter condições quando se trata de concursos e atribuição de um orçamento para os direitos das mulheres e igualdade de género.”

O LEM também defende a paridade entre os comissários, algo que também é partilhado pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que até solicitou aos chefes de governo dos estados-membros que lhe indicassem dois nomes, um de homem e outro de mulher, para poder constituir um colégio de comissários/as, com a melhor paridade possível.

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Conexo com o direito ser eleito/a (capacidade eleitoral passiva) está o direito a eleger (capacidade eleitoral ativa). Ora, o direito a votar foi tardiamente reconhecido às mulheres.

Foi, há 80 anos, que a França – livre, igual e fraterna – reconheceu o direito de voto às mulheres, num percurso marcado pelo atraso do sufrágio, no contexto da ocupação alemã, enquanto por toda a Europa se desenrolaram caminhos diferentes para o direito de voto.

Em 21 de abril de 1944, quando a França estava sob ocupação alemã, o general Charles de Gaulle, que liderava um governo provisório, decretou que as mulheres teriam direito de voto nas eleições do pós-guerra. Porém, estando a II Guerra Mundial a chegar ao fim e havendo outras prioridades, as mulheres só tiveram o ensejo de ir às urnas, em abril de 1945. Assim, após mais de 150 anos de luta por este direito fundamental de cidadania, as francesas obtiveram, finalmente, o direito de voto, vitória que chegou tarde, tendo em conta as promissoras proclamações de mulheres, como Olympe de Gouges, na Revolução Francesa de 1789.

No momento em que a França comemora este marco histórico, é de refletir sobre o contexto mais vasto do sufrágio feminino na Europa. Enquanto a França ficou para trás, outras nações europeias já tinham adotado o direito de voto das mulheres, no início do século XX. Na Finlândia, berço da democracia moderna, as mulheres obtiveram esse direito em 1906, criando um precedente para o resto da Europa. Da Dinamarca ao Azerbaijão, da Alemanha à Geórgia, as mulheres obtiveram, pelo menos, um direito de voto limitado, na década de 1910, marcando um passo significativo para a igualdade de género na política. No entanto, a luta pelo sufrágio não foi isenta de desafios. No Reino Unido, as sufragistas lutaram pelo direito de voto, recorrendo a táticas militantes, como acorrentação a grades e greves de fome. Os seus esforços culminaram na Lei de Representação do Povo de 1918, que concedeu o direito de voto a certas mulheres com mais de 30 anos.

Embora muitas nações tenham adotado o sufrágio feminino desde cedo, houve exceções notáveis.

A Grécia teve implementação tardia da igualdade de direitos de voto, que só entrou em vigor em 1952. A exceção são as mulheres alfabetizadas na Grécia, que podiam participar nas eleições locais, desde 1930. O percurso da Suíça na igualdade do direito de voto foi gradual. As mulheres obtiveram o direito de voto a nível federal, em 1971, enquanto, a nível cantonal, foi alargado entre 1959 e 1990. O Liechtenstein, em 1984, marcou significativo passo para a inclusão do género na política. O cantão suíço de Appenzell Innerrhoden foi uma das últimas jurisdições europeias a conceder o direito de voto às mulheres a nível local, tendo-o feito em 1990.

Na Itália e na Espanha, o fascismo do início a meados do século XX está mais ligado à História do sufrágio do que em muitos outros locais da Europa. Estes progressos foram interrompidos pela ascensão do fascismo, mas o direito de voto das mulheres foi concretizado em 1 de fevereiro de 1945, como o culminar legítimo da sua participação na luta contra o fascismo, tendo muitas mulheres servido na resistência italiana durante a II Guerra Mundial.

Em 2 de junho de 1946, as italianas exerceram, pela primeira vez, o direito de voto no referendo institucional, escolhendo entre monarquia e república, e nas eleições para a Assembleia Constituinte. Eleitas 21 mulheres, contribuíram para a redação da Constituição, defendendo a igualdade entre homens e mulheres a todos os níveis, nomeadamente em matéria de direitos laborais, salários e proteção da maternidade. Em Espanha, as mulheres obtiveram o direito de voto em 1933, através de reformas legais na II República Espanhola. Todavia, após a ascensão de Franco, em 1939, na sequência da Guerra Civil, sofreram significativa redução dos seus direitos, embora o direito de voto não tenha sido universalmente revogado. E, apesar da ausência de eleições democráticas nacionais entre 1939 e 1977, durante a ditadura, as mulheres mantiveram um direito de voto limitado, sobretudo, nas eleições municipais, sujeito a critérios específicos de idade e de estado civil. E só em 1977, participaram nas primeiras eleições nacionais.

Em Portugal, a 21 de agosto de 1911 (foi há 113 anos), a Assembleia Nacional Constituinte aprovou a primeira Constituição da República, notavelmente progressista. Porém, esqueceu o sufrágio universal e a capacidade eleitoral das mulheres, três meses depois de Carolina Beatriz Ângelo ter marcado a História como a primeira mulher a votar em Portugal e na Europa Central e do Sul (era chefe de família e alfabetizada). Em 1913, por alteração à lei eleitoral, o voto foi proibido às mulheres. Só em 1969, puderam ir às urnas, nas condições dos homens.

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Reconhecer um direito fundamental a seres humanos foi difícil. Espera-se que seja irreversível. E lamenta-se que os direitos da mulher continuem espezinhados em muitos países.

2024.08.23 – Louro de Carvalho

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