quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Assunção de Maria, Aquela que nos precede sempre no caminho

  

Celebrou-se, a 15 de agosto, a solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria, em memória de uma verdade mariana propalada e festejada desde há muito, mas definida como dogma a 1 de novembro de 1950, pelo Papa Pio XII. “A Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre foi assunta em corpo e alma à glória celestial”. Assim, o Pontífice definiu o dogma, pela Constituição Apostólica Munificentissimus Deus.

O dogma da assunção refere-se a que a Mãe de Deus, a Arca da Aliança, ao cabo da sua vida terrena marcada pela fé e pela ausência de pecado, foi elevada em corpo e alma à glória celestial. Por isso, não morreu. Têm razão as Igrejas Orientais em celebrarem a festa da Dormição de Maria.

Na celebração desta solenidade, em 2010, o Papa Bento XVI vincou a importância da celebração: “Nesta solenidade da Assunção, contemplamos Maria: Ela enche-nos de esperança num futuro repleto de alegria e ensina-nos o caminho para o alcançar: acolher na fé o Seu Filho; nunca perder a amizade com Ele, deixando-nos iluminar e guiar pela Sua Palavra; segui-Lo cada dia, inclusive nos momentos em que sentimos que as nossas cruzes ficam pesadas. Maria, a arca da Aliança que habita no santuário do céu, indica-nos, com claridade luminosa, que estamos em caminha rumo à nossa verdadeira Casa, a comunhão da alegria e da paz com Deus.”

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) explica, no n.º 966, que “a Assunção da Santíssima Virgem constitui uma participação singular na Ressurreição do seu Filho e a antecipação da Ressurreição dos demais cristãos”. A importância da assunção, para os homens e as mulheres do começo do terceiro milénio da era cristã, reside na relação que existe entre a Ressurreição de Cristo e a nossa. A presença de Maria, ser humano como nós, que se encontra já glorificada no Céu em corpo e alma, é isso: a antecipação da nossa própria ressurreição.

O Papa São João Paulo II, numa das suas catequeses sobre a assunção, explicou-o nos seguintes termos: “O dogma da Assunção afirma que o corpo de Maria foi glorificado depois da sua morte. Com efeito, enquanto, para os demais homens, a ressurreição dos corpos ocorrerá no fim do Mundo, para Maria, a glorificação do seu corpo antecipou-se por singular privilégio.”

“Contemplando o mistério da Assunção da Virgem, é possível compreender o plano da Providência Divina com respeito à humanidade: depois de Cristo, Verbo Encarnado, Maria é a primeira criatura humana que realizou o ideal escatológico, antecipando a plenitude da felicidade prometida aos eleitos mediante a ressurreição dos corpos”, declarou o Pontífice polaco, na audiência geral de 9 de julho de 1997.

Na catequese de 25 de junho de 1997, o Papa que consagrou o seu pontificado à Mãe de Deus com o seu lema Totus tuus (todo teu) recordou que, quando Pio XII proclamou o dogma da Assunção da Virgem Maria a 1 de novembro de 1950, “não quis negar o facto da morte, mas apenas não julgou oportuno afirmar solenemente a morte da Mãe de Deus, como verdade que devia ser admitida por todos os crentes”. “Refletindo sobre o destino de Maria e sobre a sua relação com o Filho divino, parece legítimo responder afirmativamente: dado que Cristo morreu, seria difícil afirmar o contrário no que concerne à Mãe”, disse o santo, que considerava o Terço como sua oração favorita. Em seguida, citou dois santos que se referiram a este tema: São Modesto de Jerusalém, falecido no ano 634, e São João Damasceno, que morreu no ano 704.

Este último escreveu sobre a Virgem Maria, que “Aquela que, no parto, ultrapassou todos os limites da natureza”, ao ser assunta ao céu, despojou-se “da parte mortal”, para “se revestir de imortalidade, porque nem o Senhor da natureza rejeitou a experiência da morte”.

“É verdade que, na Revelação, a morte se apresenta como castigo do pecado. Todavia, o facto de a Igreja proclamar Maria liberta do pecado original por singular privilégio divino não induz a concluir que Ela recebeu também a imortalidade corporal. A Mãe não é superior ao Filho, que assumiu a morte, dando-lhe novo significado e transformando-a em instrumento de salvação”, sublinhou o Papa Wojtyla, vincando: “Para ser partícipe da ressurreição de Cristo, Maria devia compartilhar antes de mais a Sua morte.”

São João Paulo II também afirmou que, embora o “Novo Testamento não ofereça notícia sobre as circunstâncias da morte de Maria”, este silêncio “induz a supor que esta se tenha verificado normalmente, sem qualquer pormenor digno de menção. Se assim não tivesse sido, como poderia a notícia permanecer escondida aos contemporâneos e, de alguma forma, não chegar até nós?”.

O Papa Wojtyla mencionou São Francisco de Sales, o qual discorreu que “a morte de Maria se terá verificado como efeito de um transporte de amor. Ele fala de um morrer ‘no amor, por causa do amor e por amor’, chegando, por isso, a afirmar que a Mãe de Deus morreu de amor pelo seu filho Jesus”. Em todo caso, “qualquer que tenha sido o facto orgânico e biológico que, sob o aspeto físico, causou a cessação da vida do corpo, pode-se dizer que a passagem desta vida à outra constituiu, para Maria, uma maturação da graça na glória, de tal forma que jamais como nesse caso a morte pôde ser concebida como uma dormida”. “A experiência da morte enriqueceu a pessoa da Virgem: passando pela comum sorte dos homens, Ela pode exercer com mais eficácia a sua maternidade espiritual, em relação aos que chegam à hora suprema da vida”, concluiu.

Ao celebrar esta solenidade em 1997, São João Paulo II indicou: “Maria Santíssima mostra-nos o destino final dos que ‘escutam a Palavra de Deus e a cumprem’ (Lc 11,28). Estimula-nos a elevar o nosso olhar às alturas onde se encontra Cristo, sentado à direita do Pai, e onde também está a humilde escrava de Nazaré, já na glória celestial.”

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A Bem-Aventurada Virgem Maria sempre “nos precede no caminho”, disse o Papa Francisco, neste dia 15 de agosto, em seu discurso prévio à oração do Angelus, na solenidade da Assunção de Nossa Senhora.

Ao comentar o primeiro capítulo do Evangelho de são Lucas, que narra o encontro entre Nossa Senhora e a sua prima santa Isabel, o Papa disse aos peregrinos que o escutavam na praça de São Pedro que a Mãe de Deus não é uma “estátua imóvel de cera”, mas a mulher “sempre em caminho, seguindo Jesus como discípula do Reino”.

“Nela podemos ver uma ‘irmã com as sandálias gastas e com tanto cansaço nas veias’, pelo facto de ter caminhado seguindo o Senhor e ao encontro dos irmãos, concluindo então a sua viagem na glória do Céu”, disse Francisco, sustentando que Maria, a jovem de Nazaré, é um exemplo para todos os cristãos que têm o mesmo desejo de anunciar a alegria de Jesus Cristo àqueles que estão ao nosso redor.

“É bonita a expressão do Evangelho: “Maria pôs-se a caminho e foi” (cf Lc 1,39). Isso significa que Maria não considerou um privilégio a notícia que recebeu do Anjo, mas, ao contrário, saiu de casa e se pôs a caminho com pressa”, disse o Sumo Pontífice, para frisar que a vida de cada pessoa na Terra é uma jornada contínua em direção ao encontro final com Deus, ao qual não se vai sozinho, mas acompanhado pela Mãe de Deus, que encerrou a sua peregrinação terrena com a sua Assunção ao céu, onde “junto a seu Filho, goza para sempre da alegria da vida eterna”. “Assim, a Virgem Santa é Aquela que nos precede no caminho, lembrando a todos que também a nossa vida é uma viagem contínua rumo ao horizonte do encontro definitivo”, disse ele, sustentando: “Por isso, a Santíssima Virgem pode ajudar-nos no nosso caminho em direção ao Senhor”

Depois de rezar o Angelus com peregrinos, o Papa rezou pelas pessoas que sofrem violência no Mundo todo, especialmente na Ucrânia, no Médio Oriente, no Sudão e em Mianmar. Renovou o apelo aos líderes mundiais a que sigam o caminho da paz nas negociações e acabem imediatamente com os conflitos que causam tanta destruição e sofrimento às comunidades vulneráveis. “Continuo a acompanhar, com preocupação, a gravíssima situação humanitária em Gaza e peço mais uma vez que cessem os combates em todas as frentes, que os reféns sejam libertados e que a população extenuada seja socorrida”, disse o Papa. “Encorajo todos a fazerem todos os esforços para que o conflito não se expanda e a percorrerem o caminho da negociação para que esta tragédia termine rapidamente!”

Por fim, aludiu às vítimas dos incêndios florestais, na Grécia, na Assunção de Nossa Senhora, e rezou pela solidariedade das comunidades afetadas, para que se apoiem mutuamente.

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Gilles Bouhours foi um menino francês que, com cinco anos, “ajudou” o Papa Pio XII a proclamar o dogma da Assunção da Virgem Maria em 1 de novembro de 1950, há 74 anos.

Na solenidade da Assunção da Mãe de Deus em corpo e alma ao céu, recordamos a história pouco conhecida de Gilles, que se tornou o “sinal” que Pio XII pediu à Virgem Maria para proclamar o dogma estabelecido na constituição Munificentisimus Deus.

Pio XII, que recebeu a consagração episcopal no dia da primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, a 13 de maio de 1917, havia pedido à Nossa Senhora um sinal, que veio em carne e osso em Gilles. O encontro entre o Papa e o menino, diz a Enciclopédia Católica (EC), aconteceu a 1 de maio de 1950. “Naquela ocasião, o menino revelou ao Santo Padre um segredo que a Mãe de Deus lhe teria comunicado numa revelação privada para ser transmitida ao Papa: ‘La Sainte Vierge n'est pas morte, Elle est montée au Ciel en corps et en âme’ (A Santíssima Virgem não morreu; subiu ao céu em corpo e alma)”, diz a EC, acrescentando que, depois de ter consultado muitas pessoas, a presença do menino no Vaticano “teria feito o Papa Pacelli decidir a proceder à definição dogmática, vendo nele uma expressa confirmação celestial”.

Gilles Bouhours nasceu na França, em 27 de novembro de 1944, dia da Medalha Milagrosa. Antes de completar um ano de idade, teve meningite e encefalite. Naquela época, o diagnóstico significaria a morte, mas o menino sobreviveu.

Madeleine, freira amiga da família, incentivou os pais a colocarem uma imagem de Santa Teresinha do Menino Jesus debaixo do travesseiro do menino, o que teria permitido sua cura. Aos poucos, Gilles começou a ter grande afinidade com a oração e com a penitência, algo incomum numa criança. E conta-se que teria tido várias aparições de Nossa Senhora, a primeira das quais teria ocorrido em 30 de setembro de 1947.

Em 13 de dezembro de 1948, após outra aparição, Gilles disse ao pai que tinha um “segredo” que deveria contar ao Papa, o que o levou ao encontro com Pio XII, em 1950.

Alguns anos depois, em 24 de fevereiro de 1960, Gilles, que já tinha 15 anos, adoeceu sem que os médicos pudessem definir um diagnóstico. Depois de receber a Unção dos Enfermos, confessar-se e receber a Comunhão, morreu. 

 Alain Guiot, escritor e professor francês, escreveu vários livros sobre Gilles Bouhours, a defender que “a sua santidade deve ser reconhecida”.

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A Virgem Maria foi elevada ao céu, vários anos depois que Cristo ascendeu ao céu. Santo Epifânio (310-403), bispo nascido na Judeia, Terra Santa, e que se tornou um defensor da ortodoxia cristã (doutrina correta), falou sobre o tema da Assunção e disse que Maria viveu mais 24 anos após a Ascensão de Cristo. Para o santo, a Anunciação-Encarnação aconteceu quando a Virgem Maria tinha 14 anos e Ela deu à luz aos 15. A partir daí, ela ficou com o Filho por 33 anos, e depois mais 24 sem ele, o que dá um total de 72 anos. Ora, o Salmo 90 considera a idade de 70 anos a duração normal da vida humana: “Setenta anos é o total de nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta…”.

Segundo o beato dominicano Jacopo de Varazze, outros relatos dizem que a Virgem Maria só esteve mais 12 anos na terra, após a Ascensão de Jesus, época em que se considera que os Apóstolos anunciaram a Boa Nova pela Judeia e seus arredores. E, segundo a EC, há pesquisadores de vários séculos que dizem que a Mãe de Deus foi elevada ao céu em 48 d.C..

Embora a solenidade seja relativamente nova, a História e o mistério por trás dela têm suas raízes nos primeiros séculos do cristianismo. O dogma da assunção de Maria, chamada de “Dormição de Maria” nas Igrejas Orientais, tem as suas raízes nos primeiros séculos da Igreja.

Ainda que um local fora de Jerusalém tenha sido reconhecido como o túmulo de Maria, os primeiros cristãos afirmaram que “ninguém estava lá”, explicou o teólogo, Matthew Bunson.

Segundo são João de Damasco, o imperador romano Marciano solicitou o corpo de Maria, Mãe de Deus no Concílio de Calcedónia, em 451 d.C. E São Juvenal, que era bispo de Jerusalém, disse ao imperador “que Maria morreu na presença de todos os apóstolos, mas que o seu túmulo, ao ser aberto a pedido de são Tomé, foi encontrado vazio. Os apóstolos concluíram que o corpo foi levado para o Céu”, registou o santo.

No século VIII, no papado de Adriano I, a Igreja mudou a terminologia, renomeando o dia da festa da Comemoração de Maria para a Assunção de Maria, observou Bunson. A crença na assunção de Maria era uma tradição amplamente difundida e uma meditação frequente nos escritos dos santos, ao longo dos séculos. Porém, só foi definida oficialmente no século XX.

Em 1950, Pio XII fez uma declaração ex-cathedra na constituição apostólica Munificentissimus Deus, definindo o dogma da Assunção: “Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-Aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e por nossa própria autoridade, nós pronunciamos, declaramos e definimos como dogma divinamente revelado: que a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, tendo completado o curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.”

O decreto foi a formalização do ensinamento cristão de longa data. “Temos ao longo da História da Igreja um atestado quase universal disso”, disse Bunson, sobre a Assunção, considerando: “Temos esse fio que percorre toda a História da Igreja em apoio ao dogma. Isso é significativo porque apoia a tradição da Igreja, mas também apoia uma compreensão mais profunda dos ensinamentos da Igreja sobre como confiamos nas reflexões de algumas das maiores mentes de nossa Igreja.”

Também é notável que o dogma “usa a voz passiva”, enfatizando que Maria não ascendeu ao céu por seu próprio poder, como Cristo fez, mas foi elevada ao céu pela graça de Deus. Daí a diferença entre Ascensão, nome baseado na forma ativa do verbo latino ascendo (subo); e Assunção baseada na forma passiva: Maria assumpta est in caelo (Maria foi erguida ao céu).

Hoje, a solenidade da Assunção é feriado em muitos países, sendo, na maioria, dia de preceito.

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Maria foi concebida sem pecado original (tendência que temos para nos pormos no lugar de Deus: “Sereis como deuses”, dizia a serpente, o símbolo das tentações). Porque esteve, pela fé e pela humildade, ao serviço de Deus e do seu desígnio, é a Mãe de Deus (Arca da Nova Aliança). E por ter cooperado com Cristo na redenção da Humanidade, uniu-se à sua glória, vencendo a morte e servindo como o “grande sinal” de que seremos glorificados pela ressurreição e pela ascensão com Cristo, após a caminhada comunitária neste Mundo, afeiçoados às coisas do Alto.  

2024.08.15 – Louro de Carvalho

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