quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A relevância do título de “rainha” para Nossa Senhora

 

Celebrou-se, a 22 de agosto, a memória litúrgica da Virgem Santa Maria, Rainha, na oitava da solenidade da Assunção da Virem Santa Maria.

“Maria é a rainha do Céu e da Terra, por graça, como Cristo é Rei, por natureza e por conquista”, afirma são Luís Maria Grignion de Montfort, no Tratado da Verdadeira Devoção, n.º 38.

A festa litúrgica de Nossa Senhora Rainha foi instituída pelo papa Pio XII, em 1954, ao coroar a Virgem, na basílica de Santa Maria Maior, em Roma, na Itália, no dia 11 de outubro, quando o também promulgou o documento principal do Magistério da Igreja que fala sobre a dignidade e a realeza de Maria, a encíclica Ad Caeli Reginam

Assim, a Igreja Católica celebra a festa desse Reinado de Maria, a semelhança e em perfeita coincidência com o reino de Jesus Cristo, que não é temporal, nem terreno, mas eterno e universal.

Inicialmente, a celebração estabeleceu para 31 de maio, mês de Maria. Agora, na sequência da refirma conciliar, celebra-se na oitava da Assunção, para manifestar a conexão entre a realeza de Maria e a sua assunção aos céus, ficando o 31 de maio para a Visitação de Maria a Santa Isabel.

Na Encíclica Ad Caeli Reginam, lê-se que “os teólogos da Igreja, extraindo a sua doutrina”, ao consultarem as reflexões de vários santos e os testemunhos da antiga tradição, “chamaram à Santíssima Mãe Virgem Rainha de todas as coisas criadas, Rainha do Mundo, Senhora do Universo”. Assim o Papa expressou o que já tinha sido indicado pelas Sagradas Escrituras, pela liturgia, pela arte e pelo sentimento do povo cristão, desde os primeiros séculos.

O papa Bento XVI (depois, emérito), na celebração desta festa, em 2012, disse que esta realeza da Mãe de Deus se faz concreta no amor e no serviço a seus filhos, no seu constante velar pelas pessoas e suas necessidades.

Ao referir-se à Virgem como Rainha do Universo, São João Paulo II ressaltou: “É uma Rainha que dá tudo o que possui compartilhando, sobretudo, a vida e o amor de Cristo.”

São Paulo VI, na exortação apostólica Marialis Cultus, escreveu que, na Virgem Maria, tudo é referido a Cristo e tudo depende Dele: “Em vistas a Ele, Deus Pai a escolheu desde toda a eternidade como Mãe toda Santa e a adornou com dons do Espírito Santo que não foram concedidos a nenhum outro.” 

O número 59 da Lumen Gentium, Constituição Dogmática sobre a Igreja, diz que “a Virgem Imaculada […] foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, o Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte”.

No Apocalipse, 12,1, lê-se: “Apareceu, em seguida, um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua, debaixo dos seus pés e, na cabeça, uma coroa de doze estrelas.”

Além dos dados bíblicos, a festa de Nossa Senhora Rainha tem as suas raízes nos primeiros séculos da História cristã. O primeiro a chamá-la assim foi Santo Efrém no século IV. Mais tarde, outros Padres da Igreja reconheceram a sua dignidade de realeza como Mãe do Rei do Universo. No concílio de Éfeso, do século V (no ano 431), foi reconhecido, contra as teses de Nestório, que Maria era a Theotókos, a mãe de Deus. Depois disso, começou a tradição da coroação de Nossa Senhora. Porém, a devoção a Nossa Senhora Rainha teve de esperar até ao século XX, para se concretizar em uma verdadeira festa.

Pio XII, ao estabelecer a festa e a sua data, explicava: “Não é verdade nova que propomos à crença do povo cristão, porque o fundamento e as razões da dignidade régia de Maria encontram-se bem expressos em todas as idades, e constam dos documentos antigos da Igreja e dos livros da sagrada liturgia.”

A festa surgiu como o coroar dos movimentos em prol da sua instituição.

Foi no início do século XX que começaram os movimentos para a proclamação de Nossa Senhora Rainha do Universo, a partir de três congressos marianos daquela época. Quem deu grande impulso foi o papa Pio XI que, na conclusão do Ano Santo de 1925, proclamou a Festa de Cristo Rei. Mais tarde, foi uma mulher, Maria Desideri, que, nos anos 1930, em Roma, deu início ao movimento Pro regalitatae Mariae, para recolher petições de todo o Mundo em favor da instituição da festa. E foi este percurso que levou à decisão de Pio XII de instituir a festa litúrgica. Um mês depois, ainda em 1954, Papa Pacelli pronunciou um importante discurso em honra de Maria Rainha, antes fazer uma comovedora oração e de proceder à coroação da Venerada imagem de Maria “Salus Populi Romani”. Certamente, recordava a ajuda que recebera de Nossa Senhora, quando – invocada durante a Segunda Guerra Mundial – evitou que Roma fosse alvo de uma batalha final entre alemães e aliados. Não foi por acaso que Pio XII proclamou 1953 como Ano Mariano, no qual inaugurou a tradição da homenagem a Maria por parte dos Papas no dia 8 de dezembro, e que permanece até hoje com grande devoção.

São inesquecíveis as orações e os atos de consagração a Maria feitos por São João Paulo II, no decurso do seu pontificado. Bento XVI dedicou a Nossa Senhora Rainha a Audiência Geral de 22 de agosto de 2012, explicando a sua realeza: “Como exerce Maria esta realeza de serviço e amor? Velando sobre nós, seus filhos: os filhos que se dirigem a Ela na oração, para Lhe agradecerem ou para Lhe pedirem a sua tutela maternal e a sua ajuda celestial, talvez depois de se terem extraviado pelo caminho, oprimidos pela dor ou angústia, pelas vicissitudes tristes e difíceis da vida. Na serenidade ou na escuridão da existência, dirijamo-nos a Maria confiando-nos à sua intercessão contínua, para que do Filho nos possa alcançar toda a graça e misericórdia necessárias para o nosso peregrinar ao longo das sendas do Mundo.”

Também o Papa Francisco, na videomensagem pelo 300.º aniversário da coroação de Nossa Senhora de Częstochowa na Polónia declarou: “Maria não é uma Rainha distante, sentada num trono, mas a Mãe que abraça o Filho e com Ele todos nós, os seus filhos. É uma Mãe verdadeira, com o rosto marcado, uma Mãe que sofre porque se preocupa pelos problemas da nossa vida.”

Assim, a Igreja evidencia que a realeza de Maria é de serviço e de amor como a de Seu Filho.

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D. Robert Barron – bispo de Winona-Rochester, no Minnesota, nos Estados Unidos da América (EUA), desde 2022, e fundador da Word on Fire, apostolado global de media sem fins lucrativos que busca atrair as pessoas para (ou de volta) à fé católica – escreveu, a 22 de agosto de 2024, um texto sobre o significado da realeza de Maria, de que se destaca o essencial.

A Igreja celebra, anualmente, Nossa Senhora Rainha, a 22 de agosto. A maioria das pessoas, ao ouvir falar dessa celebração, poderá pensar nela como algo doce e sentimental, uma devoção pitoresca para avós com gosto por uma açucarada espiritualidade. Porém, se examinarmos a festa, na ótica bíblica, surge uma imagem muito diferente.

A indicação bíblica mais clara de que Maria de Nazaré é rainha é uma passagem notável no capítulo 12 do livro do Apocalipse. O hagiógrafo vê um sinal extraordinário no céu: uma mulher vestida com o Sol, a Lua a seus pés e uma coroa de 12 estrelas em sua cabeça.

Foi esta coroa de 12 estrelas que inspirou o criador da bandeira da União Europeia (UE), que a concebera para o Conselho da Europa, que acabou por a partilhar com a UE.

Tanto a rainha-mãe como o rei menino estão envolvidos numa luta terrível. O vidente conta que um dragão temível está pronto para devorar o bebé, assim que ele nasça. Contudo, Deus toma a criança e leva-a para a segurança do trono divino, enquanto a mãe foge para o deserto onde encontra refúgio. Na esteira disso, guerra irrompe uma entre “Miguel e seus anjos” e o dragão e seus aliados angelicais. Essa imagem é, simbolicamente, rica e multivalente, mas, no fundo, indica que a rainha e o seu filho real são protagonistas numa guerra espiritual de significativa magnitude. Numa palavra, são guerreiros.

Pouco antes dessa passagem, bem no final do capítulo 11 do livro do Apocalipse (é de recordar que as designações dos capítulos vieram muitos séculos depois de estes textos serem compostos), encontramos a visão do templo celestial. No meio de relâmpagos, de estrondos de trovões e de uma poderosa tempestade de granizo, o vidente vê a Arca da Aliança dentro do templo.

A arca era o recipiente dos remanescentes do Decálogo (os dez mandamentos) e, portanto, o objeto mais sagrado para o antigo Israel. Colocada dentro do Santo dos Santos no templo de Jerusalém, era entendida como o elo entre o Céu e a Terra, a portadora definitiva da presença divina.

Quando o rei David trouxe a arca para a cidade santa, dançou diante dela, com imprudente abandono. Em vários pontos ao longo da sua História, Israel levou a arca para a batalha, mais notavelmente quando os sacerdotes marcharam com ela, sete vezes, ao redor dos muros de Jericó, antes que as muralhas caíssem.

A justaposição da visão da arca no templo celestial e a visão da rainha-mãe, vestida com o Sol e com uma coroa de 12 estrelas a cercar-Lhe a cabeça, não pode ter sido acidental. O autor do livro do Apocalipse diz-nos que Nossa Senhora, a portadora do Verbo de Deus feito carne, é a Arca da Aliança por excelência e é a imagem da Igreja de Jesus Cristo.

Quando Maria visitou a sua prima Santa Isabel, grávida do nascituro São João Batista, ele pulou de alegria no ventre materno, uma bela imitação infantil da dança de David diante da verdadeira arca. Tanto a arca como a rainha estão associadas à guerra espiritual.

No seu cântico do Magnificat, registado no Evangelho de Lucas, Nossa Senhora fala do Deus “que derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes”. Como o seu Filho, Nossa Senhora não luta com as armas insignificantes do Mundo, mas com as armas do amor, do perdão, da compaixão e da não-violência provocatória.

Aqueles que vivenciaram um retiro jesuíta baseado nos exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola reconhecerão a meditação dos “dois padrões”. Inácio pede a quem faz o retiro que imagine um grande campo de batalha. De um lado, sob o padrão da Igreja, está o exército de Cristo; do outro, sob o padrão de Satanás, está o exército dos poderes das trevas. Então, Santo Inácio obriga a tomar uma decisão, de facto a escolha mais fundamental e importante imaginável, a eleição que determinará tudo o mais que ele dirá e fará pelo resto de sua vida: A qual exército te unirás?

Bob Dylan apresentou a mesma opção espiritual rígida na sua canção de 1979 “Gotta Serve Somebody”: “Pode ser o diabo ou pode ser o Senhor, mas tu terás de servir a alguém.” Em outras áreas da vida, é necessária uma boa dose de nuance e de subtileza, mas, no nível mais básico, em que se determina a orientação fundamental da vida, as coisas ficam bem simples e claras.

A festa de Nossa Senhora Rainha tem a ver com essa escolha: Onde estás na grande luta espiritual? Com ​​que exército lutas? Marchas sob a bandeira da Rainha-Mãe e de seu Filho, ou com seus inimigos? Sais com a Arca da Aliança ou contra ela? Diz o que quiseres sobre essas perguntas, mas elas não são doces nem sentimentais.

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Oração a Nossa Senhora Rainha

“Senhor nosso Deus, que nos destes a Mãe de vosso Filho como nossa Mãe e Rainha, fazei que, protegidos pela sua intercessão, alcancemos, no Céu, a glória prometida aos vossos filhos. Por Cristo nosso Senhor. Amém.”

2024.08.22 – Louro de Carvalho

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