O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, enquanto líder de
um Executivo que assumiu a presidência rotativa semestral do Conselho da União
Europeia (UE), visitou países e tentou negociações com líderes de países problemáticos,
face à guerra da Rússia com a Ucrânia e à questão da democracia e dos direitos
humanos. Tal protagonismo considerado errático e não vinculativo para a UE, desagradou a
algumas das suas instituições, em particular, à Comissão e ao Conselho, que
boicotaram, de alguma forma, eventos organizados pela presidência húngara.
Perante estes incidentes, penso que seria lamentável que
ficasse eclipsado o programa dessa presidência, cuja execução não depende só do
governo da Hungria, mas de todo o Conselho Europeu, formado pelos chefes de
Estado e de governo (nas cimeiras) e pelos competentes ministros das áreas setoriais
(em deliberações para as respetivas mateias), bem como da Comissão Europeia e
do programa do trio (presidência atual, presidência anterior e presidência
subsequente), que tem um programa próprio.
***
No período compreendido entre julho e
dezembro de 2024, a Hungria assume, pela segunda vez, a presidência
rotativa do Conselho da UE, sucedendo à Bélgica e antecedendo a Polónia.
Cabe-lhe apoiar a adoção da Agenda Estratégica
2024 – concebida em três eixos: uma Europa
livre e democrática, uma
Europa forte e segura, uma Europa próspera e competitiva – e preparar os debates
sobre o futuro da UE.
O lema da presidência
húngara do Conselho da UE é “Tornar a Europa grande de novo” é referindo-se
a uma presidência ativa e proativa e ao facto de os estados-membros serem mais
fortes em conjunto do que separados. Por outro lado, simboliza a perceção de que a Europa se pode tornar um ator independente,
ao nível mundial. Tudo isto está em conformidade com a Agenda
Estratégica 2024.
O programa foi
definido em torno de sete áreas prioritárias:
competitividade, política de defesa, política de alargamento, imigração,
política
de coesão, política agrícola e desafios demográficos.
No âmbito da competitividade, torna-se evidente que é necessário melhorar
a competitividade da UE. Com efeito, ante as circunstâncias económicas dos últimos
anos, como a inflação elevada, o aumento da dívida pública, os elevados preços da
energia e a fragmentação das cadeias de abastecimento internacionais, entre
outras, a presidência visa colocar a economia europeia numa trajetória
ascendente, contribuindo para o desenvolvimento de uma estratégia
industrial neutra, do ponto de vista tecnológico, de um quadro para impulsionar
a produtividade, de uma economia aberta e de uma cooperação económica
internacional, bem como de um mercado de trabalho flexível que crie empregos
seguros e ofereça salários crescentes na Europa – fator crucial para o
crescimento e a competitividade.
A adoção de
um novo Pacto Europeu para a Competitividade (PEC) é, por isso, uma prioridade
fundamental desta presidência.
Outra prioridade é o reforço da política de defesa da UE. Na verdade, os conflitos em curso e
emergentes, no continente europeu e em todo o Mundo, apontam para a necessidade
de a Europa melhorar as suas capacidades de defesa e de resposta à gestão de
crises, ao nível internacional.
Neste
contexto, importa dar especial ênfase ao reforço da base industrial e
tecnológica de defesa europeia, incluindo a inovação e a cooperação em matéria
de contratos públicos na área da defesa entre os estados-membros, juntamente
com a aplicação das orientações estratégicas que definem as principais
diretrizes da política de defesa da UE.
Quanto à política de alargamento, convém que esta seja coerente e baseada
no mérito. Com efeito, o alargamento é uma das políticas mais bem-sucedidas
da UE, pelo que, para preservar esta tendência favorável, é essencial mantê-la
assente no mérito, no equilíbrio e na credibilidade.
A UE está, há
muito, empenhada em assegurar uma perspetiva europeia para os Balcãs
Ocidentais. Nestes termos, para alargar e aprofundar mais a cooperação
europeia, a presidência convidará os parceiros europeus para consultas, tanto
no âmbito da Cimeira UE-Balcãs Ocidentais, como da Comunidade Política
Europeia.
No quadro da imigração, verifica-se
que é preciso conter a migração ilegal. Efetivamente, a pressão
migratória que a Europa enfrenta, há vários anos, não é apenas um desafio para
a UE no seu conjunto, mas também é um enorme encargo para os seus estados-membros,
particularmente para os que se encontram nas fronteiras externas da União.
Fazer face a
esta situação, resolver o problema, tem sido um objetivo, a longo prazo, da UE,
exigindo instrumentos eficazes, mesmo a curto prazo. A fim de encontrar as
soluções adequadas, é indispensável uma cooperação mais estreita com os países
limítrofes da UE, bem como com os principais países de origem e de trânsito.
Além disso, é
necessário travar a migração ilegal e o tráfico de seres humanos. Neste
domínio, a presidência prestará especial atenção à dimensão externa da
migração, incluindo uma cooperação eficiente com países terceiros e a adoção de
soluções inovadoras para as regras em matéria de asilo. Adicionalmente, durante
o acompanhamento da implementação das prioridades anuais do ciclo de Schengen,
a presidência tenciona salientar a relevância da proteção das fronteiras
externas e a necessidade de fundos europeus para este efeito.
No âmbito da coesão, entende-se
que é preciso moldar o futuro desta área política.
Para
assegurar um desenvolvimento harmonioso e equilibrado na UE, é essencial
reduzir as disparidades regionais e assegurar a coesão económica, social e
territorial. E, neste contexto, o instrumento fundamental é uma política de
coesão bem estruturada e equilibrada, enquanto principal política de
investimento da UE, tendo vindo a ser bem-sucedida, há décadas, no cumprimento
dos objetivos consagrados nos Tratados.
No entanto,
como salienta o 9.º Relatório sobre Coesão económica, social e territorial,
existem, ainda, disparidades em matéria de desenvolvimento entre os estados-membros
e mesmo dentro das regiões, tendo em conta que mais de um quarto da população da
UE vive em regiões que não atingem 75 % do nível médio de desenvolvimento da
União.
A
convergência destas regiões não só é crucial para a plena utilização do
potencial de competitividade da UE, como também é essencial para o bom
funcionamento do mercado único.
Neste
sentido, a presidência procurará realizar um debate estratégico de alto nível
sobre o futuro da política de coesão, incluindo o seu papel na promoção da
competitividade e do emprego, bem como na resposta aos desafios demográficos.
No atinente à política agrícola, é claro que se torna urgente promover
uma política agrícola comum (PAC) da UE orientada para os agricultores.
A agricultura
europeia pode nunca ter enfrentado tantos desafios como atualmente. Mostraram-no
as sucessivas manifestações e protestos nos diversos estados-membros, parecendo
até haver um conflito entre a política agrícola e a política ambiental e de
ação climática. E a acumulação dos desafios conduziu a uma situação em que os
meios de subsistência dos agricultores europeus estão ameaçados. Por isso, é
essencial encarar a agricultura, não como uma causa das alterações climáticas,
mas como parte da solução, envolvendo os agricultores na adoção de práticas de
produção mais sustentáveis visto que estes fornecem, a todos os cidadãos da UE,
bens públicos básicos. Por conseguinte, uma garantia a longo prazo da soberania
e segurança alimentar deve fazer parte da autonomia estratégica da UE.
Nesse
sentido, a presidência incentivará o Conselho (Agricultura e Pescas) a tirar
partido do período de transição institucional e orientará a nova Comissão
europeia na formulação das regras da política agrícola da UE pós-2027, para uma
agricultura competitiva, resistente a crises e favorável aos agricultores.
A promoção da
agricultura sustentável é uma prioridade fundamental para encontrar um
equilíbrio racional, no que toca aos objetivos estratégicos do Pacto Ecológico
Europeu (PEE), à estabilização dos mercados agrícolas e a um nível de vida
digno para os agricultores.
Por último, torna-se imperativo enfrentar os desafios demográficos. Com
efeito, o envelhecimento
acelerado das sociedades europeias, os sistemas de proteção social
insustentáveis e a escassez de mão-de-obra são problemas de longa data, em toda
a Europa, que têm de ser resolvidos com urgência e eficácia. A estes juntam-se a
transição ecológica e digital, o despovoamento rural, o aumento da pressão
sobre os recursos orçamentais e a evolução do mundo do trabalho, que geram
questões demográficas e desafios que devem ser colocados em destaque,
tornando-se cada vez mais importantes para a competitividade da UE e para a
sustentabilidade das finanças públicas.
Por
conseguinte, a presidência, no pleno respeito das competências dos estados-membros,
deseja chamar a atenção para estes desafios, e o conjunto de instrumentos demográficos da
Comissão Europeia, publicado em outubro de 2023, constitui uma boa base para
tal.
***
O
exercício da presidência do Conselho da UE obedece a grupos pré-determinados de
três estados-membros (Trio), presidindo, sucessivamente, cada membro desse
grupo, durante seis meses, a todas as formações do Conselho (exceto à formação
dos Negócios Estrangeiros). Este processo está contemplado no n.º 9 do art.º
16.º da versão consolidada do Tratado da União Europeia, com a Decisão
do Conselho (2009/908/UE), que estabelece as medidas de aplicação relativas ao
exercício da presidência do Conselho e à presidência das instâncias
preparatórias do Conselho, e com a Decisão do Conselho (2009/881/UE),
referente ao exercício da presidência.
Os
restantes membros de cada trio apoiam a presidência no exercício de todas as
suas responsabilidades, com base num programa conjunto para 18 meses.
O
exercício da presidência implica grandes responsabilidades, representando um
dever e um contributo de cada estado-membro para o bom funcionamento das
instituições europeias.
O Programa conjunto do trio de presidências (Espanha, Bélgica
e Hungria) – “Fazer avançar a Agenda Estratégica (1 de julho de 2023 a 31 de
dezembro de 2024)” – estabelece o trabalho conjunto, para encontrar soluções comuns
para os desafios e para as tarefas que se avizinham.
A
guerra da Rússia contra a Ucrânia, conjugada com a crescente incerteza à escala
mundial, exige aumentar a resiliência e autonomia estratégica da UE, o que
implica o aumento da competitividade global, reforçando a base industrial, em
consonância com a dupla transição ecológica e digital acelerada, e recorrendo à
inovação; assegurar que a dupla transição é justa, equitativa e inclusiva,
reforçando a dimensão social da Europa, nomeadamente, dando resposta ao desafio
demográfico que a UE enfrenta; reforçar as parcerias internacionais, a
cooperação multilateral e a segurança, em todas as dimensões; e desenvolver uma
política comercial ambiciosa e equilibrada, defendendo, os interesses da UE de
forma mais assertiva, com base nos seus valores, e reforçando a capacidade da
UE, para agir no domínio da segurança e da defesa.
O
trio orientará os trabalhos do Conselho, até final do atual ciclo, assegurando a
transição harmoniosa para o próximo ciclo; contribuirá para a reflexão sobre o
modo de integrar novos membros de forma que reforce as principais políticas
europeias; e envida esforços para reforçar o diálogo com os cidadãos e com as
demais instituições da UE, no âmbito das suas competências.
O trio quer
desenvolver a nossa base económica, o modelo
europeu para o futuro; quer defender os
cidadãos e as liberdades; pretende construir uma Europa com impacto neutro no
clima, verde, justa e social; intenta promover os interesses e valores da
Europa no Mundo; e contribuirá para a preparação da próxima agenda estratégica.
***
Com tão boas intenções e tão boa doutrina (exceto no atinente
à imigração, que pode ficar estrangulada), não se entende tanto
descontentamento e a subida exponencial da extrema-direita.
2024.08.22 – Louro de Carvalho
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