quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Enquadramento da presidência húngara do Conselho da UE

 

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, enquanto líder de um Executivo que assumiu a presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia (UE), visitou países e tentou negociações com líderes de países problemáticos, face à guerra da Rússia com a Ucrânia e à questão da democracia e dos direitos humanos. Tal protagonismo considerado errático  e não vinculativo para a UE, desagradou a algumas das suas instituições, em particular, à Comissão e ao Conselho, que boicotaram, de alguma forma, eventos organizados pela presidência húngara.

Perante estes incidentes, penso que seria lamentável que ficasse eclipsado o programa dessa presidência, cuja execução não depende só do governo da Hungria, mas de todo o Conselho Europeu, formado pelos chefes de Estado e de governo (nas cimeiras) e pelos competentes ministros das áreas setoriais (em deliberações para as respetivas mateias), bem como da Comissão Europeia e do programa do trio (presidência atual, presidência anterior e presidência subsequente), que tem um programa próprio.  

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No período compreendido entre julho e dezembro de 2024, a Hungria assume, pela segunda vez, a presidência rotativa do Conselho da UE, sucedendo à Bélgica e antecedendo a Polónia.

Cabe-lhe apoiar a adoção da Agenda Estratégica 2024 – concebida em três eixos: uma Europa livre e democrática, uma Europa forte e segura, uma Europa próspera e competitiva – e preparar os debates sobre o futuro da UE.

O lema da presidência húngara do Conselho da UE é “Tornar a Europa grande de novo” é referindo-se a uma presidência ativa e proativa e ao facto de os estados-membros serem mais fortes em conjunto do que separados. Por outro lado, simboliza a perceção de que a Europa se pode tornar um ator independente, ao nível mundial. Tudo isto está em conformidade com a Agenda Estratégica 2024.

O programa foi definido em torno de sete áreas prioritárias: competitividade, política de defesa, política de alargamento, imigração, política de coesão, política agrícola e desafios demográficos.

No âmbito da competitividade, torna-se evidente que é necessário melhorar a competitividade da UE. Com efeito, ante as circunstâncias económicas dos últimos anos, como a inflação elevada, o aumento da dívida pública, os elevados preços da energia e a fragmentação das cadeias de abastecimento internacionais, entre outras, a presidência visa colocar a economia europeia numa trajetória ascendente, contribuindo para o desenvolvimento de uma estratégia industrial neutra, do ponto de vista tecnológico, de um quadro para impulsionar a produtividade, de uma economia aberta e de uma cooperação económica internacional, bem como de um mercado de trabalho flexível que crie empregos seguros e ofereça salários crescentes na Europa – fator crucial para o crescimento e a competitividade.

A adoção de um novo Pacto Europeu para a Competitividade (PEC) é, por isso, uma prioridade fundamental desta presidência.

Outra prioridade é o reforço da política de defesa da UE. Na verdade, os conflitos em curso e emergentes, no continente europeu e em todo o Mundo, apontam para a necessidade de a Europa melhorar as suas capacidades de defesa e de resposta à gestão de crises, ao nível internacional. 

Neste contexto, importa dar especial ênfase ao reforço da base industrial e tecnológica de defesa europeia, incluindo a inovação e a cooperação em matéria de contratos públicos na área da defesa entre os estados-membros, juntamente com a aplicação das orientações estratégicas que definem as principais diretrizes da política de defesa da UE. 

Quanto à política de alargamento, convém que esta seja coerente e baseada no mérito. Com efeito, o alargamento é uma das políticas mais bem-sucedidas da UE, pelo que, para preservar esta tendência favorável, é essencial mantê-la assente no mérito, no equilíbrio e na credibilidade.

A UE está, há muito, empenhada em assegurar uma perspetiva europeia para os Balcãs Ocidentais. Nestes termos, para alargar e aprofundar mais a cooperação europeia, a presidência convidará os parceiros europeus para consultas, tanto no âmbito da Cimeira UE-Balcãs Ocidentais, como da Comunidade Política Europeia. 

No quadro da imigração, verifica-se que é preciso conter a migração ilegal. Efetivamente, a pressão migratória que a Europa enfrenta, há vários anos, não é apenas um desafio para a UE no seu conjunto, mas também é um enorme encargo para os seus estados-membros, particularmente para os que se encontram nas fronteiras externas da União.

Fazer face a esta situação, resolver o problema, tem sido um objetivo, a longo prazo, da UE, exigindo instrumentos eficazes, mesmo a curto prazo. A fim de encontrar as soluções adequadas, é indispensável uma cooperação mais estreita com os países limítrofes da UE, bem como com os principais países de origem e de trânsito.

Além disso, é necessário travar a migração ilegal e o tráfico de seres humanos. Neste domínio, a presidência prestará especial atenção à dimensão externa da migração, incluindo uma cooperação eficiente com países terceiros e a adoção de soluções inovadoras para as regras em matéria de asilo. Adicionalmente, durante o acompanhamento da implementação das prioridades anuais do ciclo de Schengen, a presidência tenciona salientar a relevância da proteção das fronteiras externas e a necessidade de fundos europeus para este efeito.

No âmbito da coesão, entende-se que é preciso moldar o futuro desta área política.

Para assegurar um desenvolvimento harmonioso e equilibrado na UE, é essencial reduzir as disparidades regionais e assegurar a coesão económica, social e territorial. E, neste contexto, o instrumento fundamental é uma política de coesão bem estruturada e equilibrada, enquanto principal política de investimento da UE, tendo vindo a ser bem-sucedida, há décadas, no cumprimento dos objetivos consagrados nos Tratados.

No entanto, como salienta o 9.º Relatório sobre Coesão económica, social e territorial, existem, ainda, disparidades em matéria de desenvolvimento entre os estados-membros e mesmo dentro das regiões, tendo em conta que mais de um quarto da população da UE vive em regiões que não atingem 75 % do nível médio de desenvolvimento da União.

A convergência destas regiões não só é crucial para a plena utilização do potencial de competitividade da UE, como também é essencial para o bom funcionamento do mercado único.

Neste sentido, a presidência procurará realizar um debate estratégico de alto nível sobre o futuro da política de coesão, incluindo o seu papel na promoção da competitividade e do emprego, bem como na resposta aos desafios demográficos.

No atinente à política agrícola, é claro que se torna urgente promover uma política agrícola comum (PAC) da UE orientada para os agricultores.

A agricultura europeia pode nunca ter enfrentado tantos desafios como atualmente. Mostraram-no as sucessivas manifestações e protestos nos diversos estados-membros, parecendo até haver um conflito entre a política agrícola e a política ambiental e de ação climática. E a acumulação dos desafios conduziu a uma situação em que os meios de subsistência dos agricultores europeus estão ameaçados. Por isso, é essencial encarar a agricultura, não como uma causa das alterações climáticas, mas como parte da solução, envolvendo os agricultores na adoção de práticas de produção mais sustentáveis visto que estes fornecem, a todos os cidadãos da UE, bens públicos básicos. Por conseguinte, uma garantia a longo prazo da soberania e segurança alimentar deve fazer parte da autonomia estratégica da UE.

Nesse sentido, a presidência incentivará o Conselho (Agricultura e Pescas) a tirar partido do período de transição institucional e orientará a nova Comissão europeia na formulação das regras da política agrícola da UE pós-2027, para uma agricultura competitiva, resistente a crises e favorável aos agricultores.

A promoção da agricultura sustentável é uma prioridade fundamental para encontrar um equilíbrio racional, no que toca aos objetivos estratégicos do Pacto Ecológico Europeu (PEE), à estabilização dos mercados agrícolas e a um nível de vida digno para os agricultores.

Por último, torna-se imperativo enfrentar os desafios demográficos. Com efeito, o envelhecimento acelerado das sociedades europeias, os sistemas de proteção social insustentáveis e a escassez de mão-de-obra são problemas de longa data, em toda a Europa, que têm de ser resolvidos com urgência e eficácia. A estes juntam-se a transição ecológica e digital, o despovoamento rural, o aumento da pressão sobre os recursos orçamentais e a evolução do mundo do trabalho, que geram questões demográficas e desafios que devem ser colocados em destaque, tornando-se cada vez mais importantes para a competitividade da UE e para a sustentabilidade das finanças públicas.

Por conseguinte, a presidência, no pleno respeito das competências dos estados-membros, deseja chamar a atenção para estes desafios, e o conjunto de instrumentos demográficos da Comissão Europeia, publicado em outubro de 2023, constitui uma boa base para tal.

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O exercício da presidência do Conselho da UE obedece a grupos pré-determinados de três estados-membros (Trio), presidindo, sucessivamente, cada membro desse grupo, durante seis meses, a todas as formações do Conselho (exceto à formação dos Negócios Estrangeiros). Este processo está contemplado no n.º 9 do art.º 16.º da versão consolidada do Tratado da União Europeia, com a Decisão do Conselho (2009/908/UE), que estabelece as medidas de aplicação relativas ao exercício da presidência do Conselho e à presidência das instâncias preparatórias do Conselho, e com a Decisão do Conselho (2009/881/UE),  referente ao exercício da presidência. 

Os restantes membros de cada trio apoiam a presidência no exercício de todas as suas responsabilidades, com base num programa conjunto para 18 meses.

O exercício da presidência implica grandes responsabilidades, representando um dever e um contributo de cada estado-membro para o bom funcionamento das instituições europeias.

O Programa conjunto do trio de presidências (Espanha, Bélgica e Hungria) – “Fazer avançar a Agenda Estratégica (1 de julho de 2023 a 31 de dezembro de 2024)” – estabelece o trabalho conjunto, para encontrar soluções comuns para os desafios e para as tarefas que se avizinham.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia, conjugada com a crescente incerteza à escala mundial, exige aumentar a resiliência e autonomia estratégica da UE, o que implica o aumento da competitividade global, reforçando a base industrial, em consonância com a dupla transição ecológica e digital acelerada, e recorrendo à inovação; assegurar que a dupla transição é justa, equitativa e inclusiva, reforçando a dimensão social da Europa, nomeadamente, dando resposta ao desafio demográfico que a UE enfrenta; reforçar as parcerias internacionais, a cooperação multilateral e a segurança, em todas as dimensões; e desenvolver uma política comercial ambiciosa e equilibrada, defendendo, os interesses da UE de forma mais assertiva, com base nos seus valores, e reforçando a capacidade da UE, para agir no domínio da segurança e da defesa.

O trio orientará os trabalhos do Conselho, até final do atual ciclo, assegurando a transição harmoniosa para o próximo ciclo; contribuirá para a reflexão sobre o modo de integrar novos membros de forma que reforce as principais políticas europeias; e envida esforços para reforçar o diálogo com os cidadãos e com as demais instituições da UE, no âmbito das suas competências.

O trio quer desenvolver a nossa base económica, o modelo europeu para o futuro; quer defender os cidadãos e as liberdades; pretende construir uma Europa com impacto neutro no clima, verde, justa e social; intenta promover os interesses e valores da Europa no Mundo; e contribuirá para a preparação da próxima agenda estratégica.

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Com tão boas intenções e tão boa doutrina (exceto no atinente à imigração, que pode ficar estrangulada), não se entende tanto descontentamento e a subida exponencial da extrema-direita.

2024.08.22 – Louro de Carvalho

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