segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Portugal já está a reagir ao excesso de turismo

 

Só no mês de junho deste ano, Portugal recebeu três milhões de turistas (o que significa um aumento de 6,7% em relação ao mês anterior), tendo sido a zona da Grande Lisboa a que mais dormidas registou no mês em referência.

Apesar do dinheiro injetado pelos turistas na economia local, muitos lisboetas queixam-se do impacto que o excesso de turistas está a ter na cidade, cada vez mais despovoada de residentes ali nascidos. E muitos estão à espera que o governo reforce as medidas, como limites diários ao número de turistas e aplicação de taxas. Algo parecido acontece na cidade do Porto.

“Nos últimos cinco, seis anos, isto tornou-se numa confusão. Em toda a Graça [bairro], houve uma mudança séria para pior e não para melhor”, lamenta Rosa Alves, de 78 anos, residente na capital portuguesa.

Não pretendemos hostilizar os turistas, de forma alguma, não é esse o nosso objetivo. Queremos que os turistas se tornem nossos aliados e que percebam que há aqui um problema”, afirma Madalena Martins, residente em Sintra e ativista pelo turismo sustentável.

O vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa crê que limitar número de veículos tuk-tuk pode resolver congestionamentos no trânsito. “Esta parece ser uma solução que permite conciliar o que é importante – salvaguardar uma atividade económica que os turistas apreciam, claro, mas, ao mesmo tempo, equilibrá-la com os interesses de uma cidade que é uma cidade onde as pessoas vivem e precisam de viver, com equilíbrio, paz, qualidade de vida,”, refere Filipe Anacoreta Correia, acrescentando: “Precisamos de nos respeitar uns aos outros.”

E, enquanto muitos turistas compreendem a situação dos Portugueses, outros querem desfrutar das paisagens e de outras atrações locais. “Há muito trânsito, passámos muito tempo no autocarro a tentar chegar ao topo, mas eu sou de Londres, por isso estamos habituados ao trânsito. Por que não quererias partilhar isto com as pessoas? É um sítio tão bonito”, questiona um turista britânico.

O excesso de turismo assinala o ponto de viragem a partir do qual os visitantes e o seu dinheiro não beneficiam os residentes e causam danos, degradando locais históricos, sobrecarregando as infraestruturas e tornando a vida mais difícil para os que aí vivem.

Por isso, o país juntou-se a um crescente coro  de países do sul da Europa, nomeadamente a Espanha e a Itália, que tentam equilibrar as necessidades dos habitantes locais com a vantagem económica dos turistas.

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Com o número de visitantes em todo o Mundo a recuperar os níveis anteriores à pandemia, a questão do sobreturismo volta a ser problemática e grandes cidades, como Barcelona e Veneza, começam a impor proibições, multas e taxas, para combater o sobreturismo.

Quando os 800 habitantes de Hallstatt, aldeia austríaca à beira-lago, bloquearam o túnel de acesso principal, empunhando placas a pedir aos visitantes para “pensarem nas crianças”, percebeu-se o que sucede, quando os autóctones se sentem dominados pelos turistas. Aquela aldeia abriu as portas a cerca de 10 mil visitantes por dia – um aumento demográfico superior a mil por cento. E este é só um exemplo do número de locais onde os residentes combatem o influxo de turistas.

O termo “sobreturismo (excesso de turismo) é relativamente novo, tendo sido cunhado há pouco mais de uma década, para frisar que o efeito que o crescente número de visitantes tem nas cidades, nos marcos históricos e nas paisagens. À medida que o número de turistas recupera os níveis anteriores à pandemia, a nível mundial, surge o debate em torno do que pode ser considerado de mais. Embora muitos destinos, dependentes das receitas turísticas, estejam entusiasmados com as chegadas, algumas grandes cidades e locais já estão a impor proibições, multas, taxas, sistemas de turnos e, em alguns casos, a lançar campanhas de desencorajamento, numa tentativa de diminuir o número de turistas.

O sobreturismo ocorre quando há demasiadas pessoas num sítio, em qualquer altura. Embora não haja um número para estipular o número de visitantes permitido, uma acumulação de fatores económicos, sociais e ambientais determina se e como os números estão a aumentar.

Há efeitos abrangentes, como as alterações climáticas. Os recifes de coral, como os da Grande Barreira de Coral Australiana, e da Maya Bay, na Tailândia, famosos pelo filme A Praia, com Leonardo DiCaprio, degradam-se, devido aos turistas que praticam snorkelling e mergulho, tocando nos corais. Espera-se que as emissões de carbono conexas com os transportes turísticos  aumentem 25%, em 2030, face aos valores de 2016, representando um aumento de 5 para 5,3% das emissões de origem humana, segundo a Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas  (UNWTO).

Outros problemas, mais localizados, afetam os residentes. Os inquilinos são despejados por senhorios que pretendem transformar as propriedades em alojamentos locais; e o preço das casas aumenta loucamente. À medida que as propriedades para arrendamento e turismo excedem as habitadas pelas pessoas locais, as comunidades desagregam-se. E a subida a pique dos preços, as filas excessivas, as praias apinhadas, os níveis de ruído exorbitantes, os danos em sítios históricos e as ramificações que a natureza sofre quando as pessoas se deslumbram ou se desviam dos trilhos oficiais  levam a que os pontos positivos do turismo tenham um impacto negativo.

Em contraste, “subturismo” é termo aplicado a destinos menos frequentados, sobretudo, no rescaldo da pandemia. Os benefícios económicos, sociais e ambientais do turismo nem sempre são transmitidos aos destinos onde há boas capacidades de acolhimento, embora a propaganda apele aos turistas para visitarem atracões menos conhecidas. Tais experiências são mais sustentáveis e gratificantes, para os residentes e para os visitantes.

As multidões são problema para residentes e para turistas. Podem arruinar a experiência de conhecer um local para as pessoas que ficam presas em filas intermináveis, incapazes de visitar museus, galerias e outros sítios, sem marcação prévia, incorrendo em custos crescentes com bens essenciais (comida, bebida, hotéis, etc.) e ficando impossibilitadas das delícias de conhecerem um sítio em sossego. A ausência de regulamentos  fez com que alguns sítios assumissem a tarefa de tentar estabelecer algum tipo de controlo de multidões, o que resultou em falta de coesão e de solução. E Justin Francis, cofundador e diretor executivo da Responsible Travel, operadora turística focada em viagens mais sustentáveis, verifica: “As redes sociais concentraram o turismo em pontos quentes e exacerbaram o problema; e o número de turistas a nível global está a aumentar, embora os destinos tenham capacidade finita. Até os autóctones serem devidamente consultados sobre aquilo que querem e não querem do turismo, vamos assistir a mais protestos.”

A Murmuration, start-up francesa que monitoriza o impacto ambiental do turismo, utilizando dados recolhidos via satélite, diz que 80% dos turistas visitam apenas 10% dos destinos turísticos mundiais, o que significa mais multidões em menos sítios. E a UNWTO prevê que, até 2030, o número de turistas, a nível global, que atingiu, em 2019, o valor máximo de 1500 milhões, chegue aos 1800 milhões, gerando mais pressões sobre sítios populares e mais objeções dos residentes.

Dos 800 residentes da aldeia de Hallstatt, património da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cerca de cem compareceram, para mostrarem o seu descontentamento e para solicitarem a imposição de um limite ao número de visitantes diários e aos horários de chegada dos autocarros de excursões.

Noutros locais, como Veneza, por exemplo, os residentes lutam pela proibição dos navios de cruzeiro, pendurando bandeiras de protesto nas janelas. Em 2021, os navios de cruzeiros com mais de 25 mil toneladas foram proibidos de utilizar o grande Canal de Giudecca, sendo permitida só a atracagem de ferries de passageiros mais pequenos e de navios de carga.

Em França, o Marseille Provence Cruise Club introduziu um sistema de gestão de fluxos para passageiros de navios de cruzeiro, em 2020, facilitando o trânsito em redor da Basílica de Notre-Dame-de-la-Garde. Um porta-voz da Cruise Lines International Association (CLIA) vincou: “Na Basílica, os autocarros estão limitados a quatro por navio, de manhã ou de tarde, para assegurar boa experiência ao visitante e a segurança dos residentes e do comércio local. Foi um acordo voluntário respeitado pelas companhias de cruzeiros.”

Em Orkney, na Escócia, os residentes vêm combatendo o número de navios de cruzeiro que ali atracam. No início de 2023, o conselho local confirmou que tinham sido agendadas 214 visitas para 2024, com cerca de 15 milhões de libras em receitas para o arquipélago. Após a reação negativa dos residentes, o conselho propôs um plano para restringir o número diário de navios.

Os impostos municipais tornaram-se cada vez mais populares. Barcelona aumentou a taxa de pernoita, em abril de 2023, imposta em 2012, variando consoante o tipo de alojamento; e Veneza espera cobrar uma taxa de 5 euros aos excursionistas, a partir de janeiro deste ano. Neste verão, o Conselho Municipal de Amesterdão proibiu os navios de cruzeiros, enquanto o presidente da câmara municipal, Femke Halsema, promoveu uma campanha de desencorajamento, pedindo aos jovens homens britânicos que planeavam umas “férias da moral” que se mantivessem à distância. Em Roma, as autoridades restringem o número de pessoas que se sentam em sítios populares, como a Fonte de Trevi ou as escadas da Praça de Espanha. E, em Maasai Mara, no Quénia, o governador do condado de Narok impôs multas a quem saia das estradas oficiais e planeia duplicar o preço das pernoitas nos parques na época alta.

O turismo foi uma das indústrias mais afetadas pela pandemia da covid-19. Segundo a UNWTO, o número de chegadas internacionais desceu 72%, em 2020. Porém, o número de viajantes aumentou rapidamente: o número de pessoas que viajaram para o estrangeiro, nos primeiros três meses de 2023, duplicou, face a igual período de 2022. Segundo o World Travel Tourism Council, o turismo faturará 7,5 mil milhões de libras, neste ano, 95% dos valores anteriores à pandemia.

Embora, segundo as previsões a indústria turística represente 11,6% da economia global, até 2033, prevê-se que um número crescente de pessoas demonstre maior interesse em viajar de forma mais sustentável. Num inquérito de 2022, da Booking.com, 64% dos inquiridos disseram-se preparados para se manterem afastados de sítios turísticos movimentados, evitando a sua congestão.

Há formas de gerir melhor o turismo, por exemplo, promovendo mais viagens na época baixa, limitando os números onde for possível e regulando melhor a indústria. Poderá ter impactos positivos encorajar viagens mais sustentáveis e descobrir soluções, para diminuir a fricção entre residentes e turistas. E poderá proporcionar benefícios a promoção de destinos alternativos e menos visitados, para redirecionar os viajantes.

Harold Goodwin, professor emérito da Manchester Metropolitan University, declarou: “O sobreturismo depende do volume de visitantes, mas também de comportamentos conflituosos, da sobrelotação em locais inapropriados e da privacidade. Os antropólogos sociais falam de palcos e de bastidores turísticos. Os turistas raramente são bem recebidos nos bastidores. Para gerir as multidões, será primeiro necessário analisar e determinar as suas causas.”

Porém, é preciso cuidado para não reproduzir os mesmos problemas noutros sítios. O mais importante é desenvolver uma estratégia clara, consultando os residentes sobre o que um sítio quer ou necessita do turismo. Neste momento, o sobreturismo é problema sazonal num pequeno número de destinos. Embora não haja uma solução universal, deverá ser adotado um conjunto de medidas, dependendo da escala do problema. Na maior parte do Mundo, o turismo é uma força positiva, com muitos benefícios, para lá do crescimento económico.

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Veneza, Barcelona e Maiorca (uma das ilhas Baleares da Espanha, situadas no Mediterrâneo) insistem na regulação do turismo, sendo que nem toda a população está por esta solução. E o problema do sobreturismo (principalmente, o de massas descontrolado) já está em Portugal, a par do nomadismo digital e do alojamento local em áreas habitacionais, elevando a preços exorbitantes as casas, já inacessíveis a carteiras médias.

2024.08.19 – Louro de Carvalho

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