Portugal
queixa-se da falta de professores nas escolas, ficando, por isso, milhares de
alunos, em cada ano, sem aulas a, pelo menos, uma disciplina. Os factos são inegáveis
e os governos não têm encontrado forma de resolver o problema. A causa chama-se
falta de investimento no setor.
O
fenómeno não é exclusivo do nosso país. A maioria dos estados-membros da União Europeia (UE) vê uma grande parte
das vagas de professores por preencher no início de cada ano letivo, muitas
vezes, devido aos baixos salários, à falta de perspetiva de carreira, à elevada
carga de trabalho e ao envelhecimento da população docente.
De facto, o início de
cada ano letivo, em toda a UE, mostra que 24 dos seus estados-membros se
debatem com a falta de professores, o que tem impacto na aprendizagem dos
alunos e dificulta o objetivo de proporcionar uma educação de qualidade para
todos. E a Suécia foi considerada um dos países mais afetados, com 153 mil
professores qualificados necessários até 2035.
De acordo com o relatório da
Comissão Europeia “Education and Training Monitor 2023”, apenas a Croácia e
Chipre não registaram falta de pessoal docente, enquanto os dados públicos
existentes na Grécia não permitem avaliar se todas as necessidades estão
cobertas ou se determinadas disciplinas poderão sofrer carências.
O Sindicato dos Trabalhadores da Educação
e da Ciência da Alemanha (GEW) alertou “contra a redução das normas relativas
às qualificações pedagógicas para compensar a falta de pessoal”. O mesmo está a
acontecer em Portugal.
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Os relatórios “Education
and Training Monitor” são relatórios por país, baseados nos dados quantitativos e qualitativos mais atualizados
disponíveis, captam a evolução, recente e em
curso, das políticas em todos os níveis de ensino nos 27 estados-membros da UE e
fornecem ao leitor uma visão mais aprofundada do desempenho dos países no
contexto dos objetivos a nível da UE.
A maioria dos países
enfrenta escassez de professores, especificamente, nas disciplinas do campo STEM
(acrónimo inglês de Ciência, Tecnologias, Engenharia e Matemática) – muitos
destes técnicos são aliciados para trabalho no setor comercial e industrial com
salários irrecusáveis – e de pessoal qualificado na educação e no acolhimento na primeira
infância.
O STEM, crucial na educação e na
indústria modernas, abrange uma ampla gama de disciplinas. O âmbito das Ciências
abrange uma ampla variedade de disciplinas, incluindo Ciências Naturais, como Biologia,
Química e Física, juntamente com Ciências Sociais e Medicina; o da Tecnologia abrange a Ciência da Computação,
a Tecnologia da Informação e a Eletrónica; o da Engenharia inclui todos os
ramos da Engenharia, como a Engenharia Civil, a Engenharia Mecânica, a Engenharia
Elétrica e a Engenharia aeroespacial; e o da Matemática envolve áreas que exigem conhecimento matemático,
incluindo a Estatística e a Matemática Aplicada.
À medida que o mundo se torna mais
interligado e impulsionado pela tecnologia, a importância da educação e das profissões
STEM aumenta. Países de todo o Mundo reconhecem o papel crítico da forte força
de trabalho STEM na promoção da inovação, na condução do crescimento económico
e na sustentação de uma vantagem competitiva. Esses campos são
fundamentais para fomentar a inovação, para incentivar o pensamento crítico e para
desenvolver habilidades de resolução de problemas. As disciplinas STEM fornecem
base para o progresso e para a prosperidade, moldando os avanços globais e
impulsionando o crescimento económico em todo o Mundo. Todavia, a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconhece a
falta de profissionais nestes campos.
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Há que refletir porque é que este
problema é tão grave e como é que se instalou em toda a UE.
A profissão de professor sofre de
vários problemas, entre os quais a não valorização da carreira docente, os baixos salários,
as deslocações (custos de combustível e de portagens), a falta de apoio ao
alojamento (rendas caríssimas), a insegurança no emprego,
a elevada carga de trabalho, a falta de reconhecimento
político e social da autoridade do docente e a falta de autonomia profissional.
A título de
exemplo menciona-se o caso de Gauthier Catteau, que era professor de Geografia
na parte francófona da Bélgica. Começou a sua carreira docente aos 22 anos. Quando
fez 29 anos, deixou de ser professor e passou a dedicar-se à engenharia. Antes
disso, deu por si a ensinar perante 39 adolescentes. Viajava três horas de ida
e volta, para ir à escola, todos os dias, porque vivia no campo, conta. E
escolheu trabalhar em Bruxelas porque lhe dava alguma segurança. A distância a
percorrer, a elevada carga de trabalho e as perspetivas de carreira limitadas
começaram a parecer incompatíveis com a sua vontade de constituir família.
De facto, o professor não pode
continuar a ser o almocreve ou o azemel da educação.
Outra situação que explica a ausência
de aulas em muitas turmas é o cansaço, a doença e o envelhecimento dos docentes.
Os professores adoecem física e psicologicamente e muitos estão de baixa médica
prologada. E, naturalmente, envelhecem, mas têm de estar ao serviço, porque, se
lhes for permitido o acesso antecipado à reforma/aposentação, são fortemente penalizados
(0,5% por cada mês que falte para a idade legal ou pessoal de reforma/aposentação
e o fator de sustentabilidade, que aumenta, em geral, de ano para ano).
De
acordo com o Eurostat, em 2021, trabalhavam no ensino primário, no secundário inferior e no secundário
superior em toda a UE, 5,24 milhões de professores. Apenas 8% do total da mão-de-obra
docente tinha menos de 30 anos e 39% tinha mais de 50 anos. A percentagem de
mulheres era de 73%, contra 27% da de homens.
Outro motivo para agravar a falta de
professores é a integração de crianças ucranianas nas escolas da UE, devido à guerra.
Em fevereiro de 2023, na Polónia, 43800 crianças deslocadas da Ucrânia estavam
inscritas na educação pré-escolar.
Entretanto, muitos países sofrem de
uma população de professores envelhecida, prevendo-se uma vaga de reformas nos
próximos anos, o que só aumentará a pressão sobre o sistema. Em Portugal, a
Federação Nacional dos Professores (Fenprof) estima que entre 4700 e 4800
professores se vão reformar/aposentar – “o número mais elevado do milénio”.
O país vai precisar de mais de 30 mil novos educadores profissionais até 2030.
A Comissão Europeia promoveu a
mobilidade dos professores e recompensou práticas de ensino inovadoras com um prémio, como forma de resolver esta
escassez e restaurar o prestígio desta profissão. Muitos países da UE também
tentaram atrair os reformados de volta à profissão e preencher as lacunas com
professores com contratos temporários, como solução de emergência.
Em abril deste ano, o
secretário-geral da Association of Secundary Teachers in Ireland (ASTI) da
Irlanda, Kieran Christie, afirmou que o Ministério da Educação precisava de uma
“mudança completa de pensamento”, para resolver o problema da atual falta de
professores. E sugeriu a implementação de uma série de iniciativas para
incentivar o regresso dos professores que deixaram a Irlanda para trabalharem
no estrangeiro.
No entanto, uma solução
a nível da UE poderá ser difícil de implementar. “Uma das razões pelas quais é
difícil criar um indicador europeu comparável entre países sobre a escassez de
professores deve-se ao facto de os países terem regras institucionais diferentes
em matéria de educação”, escreveu Giorgio Di Pietro, economista especializado
em educação, num relatório técnico elaborado para o Centro Comum de
Investigação da UE, explicando: “Por exemplo, as qualificações formais para o
ensino podem ser obtidas de diferentes formas, em diferentes países. Nalguns
países, uma pessoa torna-se automaticamente professor, quando conclui o
programa de preparação de professores, enquanto noutros há etapas adicionais a
cumprir.”
***
Além
da educação, a escolaridade (que não a escola a tempo inteiro) favorece a saúde.
Um novo estudo, financiado pelo Conselho de Investigação da Noruega e
pela Fundação Bill & Melinda Gates, revelou
a ligação entre a mortalidade e a educação, comparando não ter educação com
fumar ou beber.
Cada ano de
escolaridade pode reduzir o risco de mortalidade em quase 2%. Ao invés, não ter
qualquer educação é tão mau, para a saúde, como beber demasiado álcool ou fumar
10 cigarros por ano, em 10 anos. Isto, de acordo com uma meta-análise que teve
como objetivo quantificar a relação entre educação e mortalidade, que incluiu
603 contribuições de todo o Mundo e cujos resultados foram publicados, nos fins
de janeiro deste ano, na revista científica The
Lancet Public Health. “A educação é importante por si só [e] não só pelos
seus benefícios para a saúde, mas o facto de podermos agora quantificar a
magnitude deste benefício é um desenvolvimento significativo”, afirmou, em comunicado, o
Dr. Terje Andreas Eikemo, coautor e diretor do Centro de Investigação sobre
Desigualdades na Saúde Global da Universidade Norueguesa de Ciência e
Tecnologia (NTNU).
As pessoas que
concluíram o ensino primário registaram um risco médio de morte 13% inferior,
enquanto as que concluíram o ensino secundário (com 12 anos de escolaridade)
registaram um risco de morte 25% inferior em comparação com as que não
concluíram o ensino secundário. E as pessoas com 18 anos de escolaridade
registaram uma redução de 34% no risco de mortalidade.
“Estes resultados são
semelhantes aos efeitos protetores de uma boa alimentação e da atividade física
e aos malefícios de fatores de risco como o tabaco e o álcool”, afirmam os
autores.
“Fechar
o fosso da educação significa fechar o fosso da mortalidade, [pelo que]
precisamos de interromper o ciclo da pobreza e das mortes evitáveis com a ajuda
do compromisso internacional”, disse Claire Henson, coautora e investigadora do
Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) da Universidade de
Washington, em comunicado, sustentando: “A fim de reduzir as desigualdades na
mortalidade, é importante investir em áreas que promovam as oportunidades das
pessoas de obter uma educação. Isto pode ter um efeito positivo na saúde da
população em todos os países.”
A educação é
obrigatória nos países da UE, desde a França e a Hungria, que matriculam as
crianças aos três anos de idade, até à Croácia e à Estónia, que as matriculam
aos sete anos.
De acordo com dados da Agência Executiva Europeia para a Educação e Cultura, a
França, a Bélgica e a Alemanha são os países do bloco com maior duração da
escolaridade obrigatória.
A
maior parte dos estudos incluídos na meta-análise em causa eram provenientes de
zonas com rendimentos elevados, pelo que os autores apelam a mais investigação
em zonas do Mundo onde o acesso à escolaridade é baixo. “Ao aumentar os anos de
escolaridade a nível mundial, podemos ajudar a contrariar as disparidades crescentes
em termos de mortalidade”, afirmam os autores.
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Há que travar a batalha
da educação, sem desfalecimento, investindo em ciência, em tecnologias, em
humanidades e em pedagogia. Talvez seja preciso renunciar a alguns pressupostos
demagógicos das ditas Ciências da Educação. É necessário dotar as escolas de técnicos
superiores qualificados bem pagos e de assistentes operacionais de ação
educativa qualificados e bem pagos.
Quanto à formação de professores,
insisto que não deve ser de figurino único. Formem-se professores em ensino, mas
que saibam exercer outro tipo de profissão; e formem-se pessoas com mestrados
em várias áreas científicas a quem se possa dar formação didático-pedagógica.
Tendo um número elevado de formados para a docência, nas condições preconizadas,
e sendo a carreira docente atraente, bem paga e com perspetivas de futuro, não
faltará trabalho para os formados e dificilmente haverá falta de professores.
Enfim, é preciso ter a
coragem de investir e de fazer da escola um centro de ciência e de cultura.
2024.08.31 – Louro de Carvalho
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