sábado, 31 de agosto de 2024

Pelo menos 24 países da UE debatem-se com a falta de professores

 

Portugal queixa-se da falta de professores nas escolas, ficando, por isso, milhares de alunos, em cada ano, sem aulas a, pelo menos, uma disciplina. Os factos são inegáveis e os governos não têm encontrado forma de resolver o problema. A causa chama-se falta de investimento no setor.    

O fenómeno não é exclusivo do nosso país. A maioria dos estados-membros da União Europeia (UE) vê uma grande parte das vagas de professores por preencher no início de cada ano letivo, muitas vezes, devido aos baixos salários, à falta de perspetiva de carreira, à elevada carga de trabalho e ao envelhecimento da população docente.

De facto, o início de cada ano letivo, em toda a UE, mostra que 24 dos seus estados-membros se debatem com a falta de professores, o que tem impacto na aprendizagem dos alunos e dificulta o objetivo de proporcionar uma educação de qualidade para todos. E a Suécia foi considerada um dos países mais afetados, com 153 mil professores qualificados necessários até 2035.

De acordo com o relatório da Comissão Europeia “Education and Training Monitor 2023”, apenas a Croácia e Chipre não registaram falta de pessoal docente, enquanto os dados públicos existentes na Grécia não permitem avaliar se todas as necessidades estão cobertas ou se determinadas disciplinas poderão sofrer carências.

O Sindicato dos Trabalhadores da Educação e da Ciência da Alemanha (GEW) alertou “contra a redução das normas relativas às qualificações pedagógicas para compensar a falta de pessoal”. O mesmo está a acontecer em Portugal.

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Os relatórios “Education and Training Monitor” são relatórios por país, baseados nos dados quantitativos e qualitativos mais atualizados disponíveis, captam a evolução, recente e em curso, das políticas em todos os níveis de ensino nos 27 estados-membros da UE e fornecem ao leitor uma visão mais aprofundada do desempenho dos países no contexto dos objetivos a nível da UE.

A maioria dos países enfrenta escassez de professores, especificamente, nas disciplinas do campo STEM (acrónimo inglês de Ciência, Tecnologias, Engenharia e Matemática) – muitos destes técnicos são aliciados para trabalho no setor comercial e industrial com salários irrecusáveis – e de pessoal qualificado na educação e no acolhimento na primeira infância.

O STEM, crucial na educação e na indústria modernas, abrange uma ampla gama de disciplinas. O âmbito das Ciências abrange uma ampla variedade de disciplinas, incluindo Ciências Naturais, como Biologia, Química e Física, juntamente com Ciências Sociais e Medicina; o da Tecnologia abrange a Ciência da Computação, a Tecnologia da Informação e a Eletrónica; o da Engenharia inclui todos os ramos da Engenharia, como a Engenharia Civil, a Engenharia Mecânica, a Engenharia Elétrica e a Engenharia aeroespacial; e o da Matemática envolve áreas que exigem conhecimento matemático, incluindo a Estatística e a Matemática Aplicada.

À medida que o mundo se torna mais interligado e impulsionado pela tecnologia, a importância da educação e das profissões STEM aumenta. Países de todo o Mundo reconhecem o papel crítico da forte força de trabalho STEM na promoção da inovação, na condução do crescimento económico e na sustentação de uma vantagem competitiva. Esses campos são fundamentais para fomentar a inovação, para incentivar o pensamento crítico e para desenvolver habilidades de resolução de problemas. As disciplinas STEM fornecem base para o progresso e para a prosperidade, moldando os avanços globais e impulsionando o crescimento económico em todo o Mundo. Todavia, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconhece a falta de profissionais nestes campos.

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Há que refletir porque é que este problema é tão grave e como é que se instalou em toda a UE.

A profissão de professor sofre de vários problemas, entre os quais a não valorização da carreira docente, os baixos salários, as deslocações (custos de combustível e de portagens), a falta de apoio ao alojamento (rendas caríssimas), a insegurança no emprego, a elevada carga de trabalho, a falta de reconhecimento político e social da autoridade do docente e a falta de autonomia profissional.

A título de exemplo menciona-se o caso de Gauthier Catteau, que era professor de Geografia na parte francófona da Bélgica. Começou a sua carreira docente aos 22 anos. Quando fez 29 anos, deixou de ser professor e passou a dedicar-se à engenharia. Antes disso, deu por si a ensinar perante 39 adolescentes. Viajava três horas de ida e volta, para ir à escola, todos os dias, porque vivia no campo, conta. E escolheu trabalhar em Bruxelas porque lhe dava alguma segurança. A distância a percorrer, a elevada carga de trabalho e as perspetivas de carreira limitadas começaram a parecer incompatíveis com a sua vontade de constituir família.

De facto, o professor não pode continuar a ser o almocreve ou o azemel da educação.

Outra situação que explica a ausência de aulas em muitas turmas é o cansaço, a doença e o envelhecimento dos docentes. Os professores adoecem física e psicologicamente e muitos estão de baixa médica prologada. E, naturalmente, envelhecem, mas têm de estar ao serviço, porque, se lhes for permitido o acesso antecipado à reforma/aposentação, são fortemente penalizados (0,5% por cada mês que falte para a idade legal ou pessoal de reforma/aposentação e o fator de sustentabilidade, que aumenta, em geral, de ano para ano).

De acordo com o Eurostat, em 2021, trabalhavam no ensino primário, no secundário inferior e no secundário superior em toda a UE, 5,24 milhões de professores. Apenas 8% do total da mão-de-obra docente tinha menos de 30 anos e 39% tinha mais de 50 anos. A percentagem de mulheres era de 73%, contra 27% da de homens.

Outro motivo para agravar a falta de professores é a integração de crianças ucranianas nas escolas da UE, devido à guerra. Em fevereiro de 2023, na Polónia, 43800 crianças deslocadas da Ucrânia estavam inscritas na educação pré-escolar.

Entretanto, muitos países sofrem de uma população de professores envelhecida, prevendo-se uma vaga de reformas nos próximos anos, o que só aumentará a pressão sobre o sistema. Em Portugal, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) estima que entre 4700 e 4800 professores se vão reformar/aposentar  – “o número mais elevado do milénio”. O país vai precisar de mais de 30 mil novos educadores profissionais até 2030.

A Comissão Europeia promoveu a mobilidade dos professores e recompensou práticas de ensino inovadoras com um prémio, como forma de resolver esta escassez e restaurar o prestígio desta profissão. Muitos países da UE também tentaram atrair os reformados de volta à profissão e preencher as lacunas com professores com contratos temporários, como solução de emergência.

Em abril deste ano, o secretário-geral da Association of Secundary Teachers in Ireland (ASTI) da Irlanda, Kieran Christie, afirmou que o Ministério da Educação precisava de uma “mudança completa de pensamento”, para resolver o problema da atual falta de professores. E sugeriu a implementação de uma série de iniciativas para incentivar o regresso dos professores que deixaram a Irlanda para trabalharem no estrangeiro.

No entanto, uma solução a nível da UE poderá ser difícil de implementar. “Uma das razões pelas quais é difícil criar um indicador europeu comparável entre países sobre a escassez de professores deve-se ao facto de os países terem regras institucionais diferentes em matéria de educação”, escreveu Giorgio Di Pietro, economista especializado em educação, num relatório técnico elaborado para o Centro Comum de Investigação da UE, explicando: “Por exemplo, as qualificações formais para o ensino podem ser obtidas de diferentes formas, em diferentes países. Nalguns países, uma pessoa torna-se automaticamente professor, quando conclui o programa de preparação de professores, enquanto noutros há etapas adicionais a cumprir.”

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Além da educação, a escolaridade (que não a escola a tempo inteiro) favorece a saúde.

Um novo estudo, financiado pelo Conselho de Investigação da Noruega e pela Fundação Bill & Melinda Gates, revelou a ligação entre a mortalidade e a educação, comparando não ter educação com fumar ou beber.

Cada ano de escolaridade pode reduzir o risco de mortalidade em quase 2%. Ao invés, não ter qualquer educação é tão mau, para a saúde, como beber demasiado álcool ou fumar 10 cigarros por ano, em 10 anos. Isto, de acordo com uma meta-análise que teve como objetivo quantificar a relação entre educação e mortalidade, que incluiu 603 contribuições de todo o Mundo e cujos resultados foram publicados, nos fins de janeiro deste ano, na revista científica The Lancet Public Health. “A educação é importante por si só [e] não só pelos seus benefícios para a saúde, mas o facto de podermos agora quantificar a magnitude deste benefício é um desenvolvimento significativo”, afirmou, em comunicado, o Dr. Terje Andreas Eikemo, coautor e diretor do Centro de Investigação sobre Desigualdades na Saúde Global da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU).

As pessoas que concluíram o ensino primário registaram um risco médio de morte 13% inferior, enquanto as que concluíram o ensino secundário (com 12 anos de escolaridade) registaram um risco de morte 25% inferior em comparação com as que não concluíram o ensino secundário. E as pessoas com 18 anos de escolaridade registaram uma redução de 34% no risco de mortalidade.

“Estes resultados são semelhantes aos efeitos protetores de uma boa alimentação e da atividade física e aos malefícios de fatores de risco como o tabaco e o álcool”, afirmam os autores.

“Fechar o fosso da educação significa fechar o fosso da mortalidade, [pelo que] precisamos de interromper o ciclo da pobreza e das mortes evitáveis com a ajuda do compromisso internacional”, disse Claire Henson, coautora e investigadora do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) da Universidade de Washington, em comunicado, sustentando: “A fim de reduzir as desigualdades na mortalidade, é importante investir em áreas que promovam as oportunidades das pessoas de obter uma educação. Isto pode ter um efeito positivo na saúde da população em todos os países.”

A educação é obrigatória nos países da UE, desde a França e a Hungria, que matriculam as crianças aos três anos de idade, até à Croácia e à Estónia, que as matriculam aos sete anos.

De acordo com dados da Agência Executiva Europeia para a Educação e Cultura, a França, a Bélgica e a Alemanha são os países do bloco com maior duração da escolaridade obrigatória.

A maior parte dos estudos incluídos na meta-análise em causa eram provenientes de zonas com rendimentos elevados, pelo que os autores apelam a mais investigação em zonas do Mundo onde o acesso à escolaridade é baixo. “Ao aumentar os anos de escolaridade a nível mundial, podemos ajudar a contrariar as disparidades crescentes em termos de mortalidade”, afirmam os autores.

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Há que travar a batalha da educação, sem desfalecimento, investindo em ciência, em tecnologias, em humanidades e em pedagogia. Talvez seja preciso renunciar a alguns pressupostos demagógicos das ditas Ciências da Educação. É necessário dotar as escolas de técnicos superiores qualificados bem pagos e de assistentes operacionais de ação educativa qualificados e bem pagos.  

Quanto à formação de professores, insisto que não deve ser de figurino único. Formem-se professores em ensino, mas que saibam exercer outro tipo de profissão; e formem-se pessoas com mestrados em várias áreas científicas a quem se possa dar formação didático-pedagógica. Tendo um número elevado de formados para a docência, nas condições preconizadas, e sendo a carreira docente atraente, bem paga e com perspetivas de futuro, não faltará trabalho para os formados e dificilmente haverá falta de professores.

Enfim, é preciso ter a coragem de investir e de fazer da escola um centro de ciência e de cultura.

2024.08.31 – Louro de Carvalho


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