segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Qual é a pressa?

Tornou-se uma pergunta típica de António José Seguro e era recorrente no seu discurso informal quando pessoas do seu partido ou os fazedores de opinião pública puxavam por iniciativas partidárias, ao nível da liderança, da sua parte. Tanto assim que inventou – ao que parece, para ficar no historial do partido socialista e no espectro partidário em geral – uma solução para responder ao repto de Costa, ora vencedor do prélio eleitoral mais recente, ou seja, o lançamento de umas inéditas eleições primárias para escolha do candidato de um partido ao cargo de primeiro-ministro.
Neste caso, houve pressa, se pensarmos no mecanismo de um processo para o qual não havia lastro nem experiência. E o êxito dessa medida apressada deve-se à experiência política, social e empresarial de Jorge Coelho, o presidente da comissão eleitoral e seus acólitos, organismo criado ad hoc e cuja missão se findou com a consumação do ato eleitoral. No entanto, sublinhe-se que o processo de resolução da resposta ao repto de Costa – alegadamente pelo facto de as vitórias eleitorais do PS, sobretudo a última, ter sabido a muito pouco – foi demasiado lento, fazendo parar politicamente uma grande parte do país. Talvez por isso, aquele que fez uma exigência conotada, a princípio, com ambição oportunista, tenha arrebatado uma esmagadora maioria eleitoral. Será que a isso se colou o fenómeno psicossocial de espera desesperada da parte do país pela construção de uma alternativa credível à atual linha governativa?
Mas falando da legitimidade do questionamento de Seguro sobre a pressa do que apressada e intempestivamente lhe exigiam, segundo ele, é de perguntar qual a pressa de, na varanda sobre o ato eleitoral que iria prostrar para largo espaço de tempo a sua liderança, apresenta uma formulação de proposta legislativa sobre a redução do número de deputados, no quadro da reforma do sistema eleitoral, e do aumento das incompatibilidades dos titulares de cargos públicos, no âmbito da morigeração da relação da política com os negócios. Parece que, dada a inoportunidade da iniciativa e o singularismo discursivo com que a apresentou, ninguém a terá levado a sério.
Por outro lado, as acusações de traição que Seguro fez impenderem sobre o adversário, acompanhadas de colagem a um PS dos negócios e interesses e de conotação de um socialismo de lapela, levaram o colégio eleitoral, disseminado por todo o território que usualmente dá deputados, a preferir a latente vitimização de Costa e a sacralizar a prudência em procrastinar a sua postura clara sobre a dívida, equilíbrio das contas públicas e reformas do Estado, refugiando-se na definição vaga de uma estratégia de regeneração nacional e de novo posicionamento perante a União Europeia. E o resultado eleitoral foi de clara vitória, de abissal diferença entre quem ganha e quem perde. Se não se pode olvidar a experiência política, governativa e autárquica de Costa, também não se deve menosprezar ou subestimar o trabalho de liderança de Seguro. Foram três anos à frente de partido de ambição governativa, tornado órfão de pai vivo, transitoriamente votado a uma emigração académica. E não pode haver dúvidas de que a sua oposição, feita em condições políticas difíceis, até pelas contradições de que se reveste a herança socrática – ocasionamento da intervenção externa, negociação e assinatura de memorando precocemente desvirtuado – não tenha sido caraterizada por uma linha de coerência, embora com hesitações, por um complexo de propostas de alternativa de governança e por um conjunto de sugestões que a Europa, e mesmo o governo, foi incorporando. Por outro lado, ele tinha o domínio do aparelho partidário, o que dificultava qualquer tentativa séria de assalto ao partido. E, pelos vistos, para se afirmar na liderança, usou o estratagema de recurso eleitoral (sabe-se agora) que o descontente Eurico Figueiredo lhe sugerira há mais de um ano e a que não terá dado qualquer resposta, talvez por, na ocasião, a considerar abstrusa.
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Por isso, não se compreende qual a pressa em concretizar, de imediato, as consequências do seu cumprimento da palavra dada ao partido e aos portugueses. Comprometeu-se a apresentar a sua demissão do cargo de secretário-geral do PS caso perdesse as eleições primárias para a candidatura ao cargo de primeiro-ministro. Porém, esperava-se que a sua declaração no serão da noite eleitoral começasse por se referir ao ato eleitoral. Começou, antes, por dizer que estava ali para cumprir a palavra dada; e, depois, lá comentou o ato eleitoral conforme entendeu poder e dever fazê-lo. Não se esqueceu de ter endereçado as felicitações democráticas ao Doutor António Costa, o que provocou uma onda de tratamento inédito de doutores entre socialistas, ao invés do tradicional “camaradas”, bem como fez a devida súmula da sua ação política na liderança do partido, destacando as vitórias e esquecendo as contradições, hesitações e lamúrias.
Porém, não sei se se justificará a “pressa” com que “se apressou” a retirar-se do cargo de conselheiro de Estado. A ser assim, para tirar todas as consequências da derrota e voltar ao genuíno estatuto de militante de base, bem poderia renunciar já ao cargo de deputado, a não ser que isso lhe traga incómodo profissional. Preferiu outrossim, ao invés de assegurar, em regime de gestão, a normal vida partidária até ao provimento dos órgãos estatutários, deixar essa gestão à Presidente do partido, a qual não dispõe de funções executivas. Não é curial um secretário ser substituído por um presidente, organicamente seu superior. Mas é a pressa. Qual a pressa?
Entretanto, o vencedor não renunciou ao mesmo tipo de pressa. Com a pressa de saciar a sede da vitória (embora democraticamente merecida), esqueceu-se de saudar o candidato derrotado. Isto é, se um manifestou demasiada amargura com as eleições, o ganhador degustou a vitória com excessiva euforia e um certo egocentrismo. Alguém lhe acusou, a meu ver injustamente, o discurso como semelhante ao da segunda vitória eleitoral de Cavaco Silva. Euforia teve, sim; sentimento de vingança ou desforra, não de todo. No entanto, à acusação de roubo do “cravo” plantado e apaparicado por Seguro, desfere uma crítica gestual ao até há pouco adversário, ao pegar no cravo que trazia consigo, lançá-lo para a plateia e clamar, Este cravo é vosso! Não há hoje um vencedor: quem venceu foi o PS e o país. Esta é a antítese do egocentrismo latente!
Mas a sua pressa manifestou-se noutra coisa – que não a imediata renúncia ao cargo de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa – uma declaração política estranha, que passa por considerar “este” o começo de uma nova maioria, “o primeiro dos últimos dias deste governo”. Aguiar Branco, o Ministro da Defesa Nacional, não entendeu esta manifestação de euforia e chama-lhe arrogância porque – diz e bem – que é o povo que livremente decide substituir ou manter governos. Todos o sabemos e Costa também o sabe. Só que uma noite eleitoral precisa de festa e a festa também se faz de retórica, como arte de bem dizer, e de oratória como arte de arrebatar a multidão. E, se o orador Costa não tem uma agradável dicção (em que alguém o deve ajudar a melhorar), ao menos tem alma, e essa ninguém lha tira.
E, se quer efetivamente ser uma alternativa eficaz de governação (credível, parece que já o será), tem de saber aguardar ativamente pela constituição dos órgãos estatutários do partido, trabalhar a sério pela sua coesão e dizer quanto antes o que pensa. As sombras das propostas e hesitações de Seguro esvaíram-se. Espera-se que não fique evidente o vazio e que deveras corrija erros do passado e trace caminhos de futuro.

Já agora, desista dessa ideia maldita de reforço dos poderes dos executivos. Coloque na agenda o represtígio e o reforço dos poderes dos órgãos deliberativos do Estado (Assembleia da República, assembleias legislativas regionais, assembleias municipais e assembleias de freguesia). Um poder executivo forte confere eficácia ao órgão; mas, se for excessivo, aproxima-o da ditadura. Por seu turno, o esvaziamento do poder das assembleias, enquanto órgãos deliberativos e fiscalizadores, cria défice democrático e desprestígio institucional. E o país precisa de eficácia e merece toda a democracia. E aqui, por mais que se faça, nunca há demasiada pressa e nunca se faz tudo!

domingo, 28 de setembro de 2014

Hipocrisia na Política

Hesitei na escolha do título entre o referenciado em epígrafe e “hipocrisia da política”. Mas, pensando melhor, reconheço que a política em si não é hipócrita nem deixa de o ser, como não é boa nem é má. Os homens que a estudam, desenham e praticam é que a modelam. E a sua bondade ou maldade, sinceridade ou fingimento, transparência ou opacidade, esplendor ou hipocrisia são predicados que os seus agentes e atores lhe emprestam.
Vêm estas considerações e a subsequente reflexão a propósito dos recentes desenvolvimentos sobre as putativas transgressões de Passos Coelho num passado já nada recente. Hipocritamente, lançam-se para as pantalhas da comunicação social umas questões configuradoras de uma série de labéus – com ou sem razão, mas a destempo – sobre algumas figuras públicas. Aconteceu, por exemplo, a Cavaco Silva, quando chefe do Governo, por obras particulares; a Cadilhe, Braga de Macedo e António Vitorino, por alegado pagamento de sisa em não consonância com o valor de transações efetuadas; a Sócrates, por múltiplos casos; e, agora, a Passos Coelho.
Talvez falte em Portugal o mecanismo do escrutínio ou antes de as diversas figuras públicas se perfilarem como candidatas à ocupação de determinados cargos públicos – de ordem política ou de alto nível administrativo – ou, ao menos, antes da entrada em exercício, como acontece nalguns países e com os candidatos à Comissão Europeia. Não percebo mesmo como é que António Vitorino não pôde continuar Ministro da Defesa Nacional em Portugal, por alegado comportamento fiscal ao nível das sisas, e pôde ser empossado como comissário europeu, para mais em áreas relacionadas com a justiça. E não entendo como Sócrates foi incomodado, por motivos vários, quando já navegava no mar alto da liderança do Governo e o objeto do incómodo vinha dos tempos em que era Secretário de Estado e Ministro. Aliás, eu até entendo: Quando, em 2007, surgiu o caso do seu percurso académico, o responsável por um grande jornal declarou que já tinham o processo pronto desde havia dois anos, mas não havia sido encontrado o momento oportuno. E eu matutei e inferi que, em 2005, tinham ocorrido as eleições para a Assembleia da República; e, como Santana Lopes tinha caído em desgraça, teria sido “antipatriótico” criar problemas à candidatura do PS encabeçada por Sócrates. Porém, como a CMVM vetou, em 2007, uma OPA em que o interessado era alguém ligado ao pressuposto diário, chegara o momento oportuno ou o ponto de rebuçado. E o animal feroz, apesar de toda a campanha contra si deferida por setores diversos, incluindo o dos professores (que sugeriam se votasse em qualquer “um”, menos no PS) e a Presidência da República (com a narrativa das escutas), conseguiu a reeleição, embora sem maioria absoluta.
De Passos Coelho, em 2011, nada se disse. E já se sabia que pedira desculpa aos portugueses por ter colaborado com um PEC, que agravava a carga fiscal, ao invés do que garantira antes. Passado pouco tempo, já o associavam à Tecnoforma e a Relvas. Agora, vêm com a narrativa do exercício do cargo de deputado em regime de exclusividade ou não, de ter requerido e recebido o subsídio de reintegração por ter deixado o cargo em 1999 e de ter recebido dinheiros da ONG (o CPPC) tutelada pela Tecnoforma. E, segundo percebi, reina a confusão entre ajudas de custo, deslocações ao serviço da organização (as ajudas de custo eram e são tributáveis a partir de um determinado montante) – atribuíveis mesmo a pessoas que não integrem quadros da empresa – e despesas de representação (hoje tributáveis, mas não ao tempo) atribuíveis somente a altos dirigentes da empresa.
Quanto à postura de Passos Coelho em relação à matéria, teria preferido que ele dissesse de imediato: que tinha exercido o cargo de deputado em regime de exclusividade, que pedira e recebera o subsídio de representação; que, no atinente aos dinheiros da Tecnoforma e satélites, de momento, não sabia quantificar os eventuais montantes recebidos, mas definia um prazo relativamente curto para prestar informação precisa. E, no momento oportuno, explicar-se-ia e, fosse o caso, apresentava o clássico pedido de desculpa por eventual transgressão imponderada, prometendo e mostrando a repostura ético-política (é mais tolerável pedir desculpa por transgressão que pedi-la por erros de plataforma ou outros erros técnicos: estes corrigem-se). A sua gestão da matéria foi lamentável. Remetida para o Parlamento, os serviços responderam ao que puderam; por sua vez, a PGR, ao ser solicitada, respondeu o óbvio, que não iria investigar presumíveis infrações, que, a verificarem-se, teriam já prescrito. E, assim, a investigação seria, se não ilegal, ao menos inútil.
Posso não concordar que determinados crimes e dívidas prescrevam. Não obstante, tenho de confessar que o nosso ordenamento jurídico concede aos cidadãos e às empresas o benefício do tempo, ou seja, se deixarmos supinamente passar longo tempo sobre a prática de determinados crimes ou sobre determinados encargos, a justiça que se quisesse fazer não faria sentido por não reparar com sucesso o mal praticado, porventura já olvidado. A justiça, que não é cega, como dizem, mas imparcial e clarividente, também não é caprichosa e emotiva, mas racional. Por seu turno, a política tanto põe a pedra no passado como rememora caprichosamente certo passado, o de certas figuras públicas, sob o aforismo de que os erros políticos não prescrevem. Não é assim: prescrevem quando convém que prescrevam; não prescrevem, quando convém que não prescrevam – a hipocrisia na política, o capricho no seu esplendor ofuscante que gera opacidade.
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Ora, ao ouvir ler e ao reler o Evangelho da missa do XXVI domingo do tempo comum, relacionado com o de há oito dias, fiquei a enjoar a atividade política e a atentar mais na lucidez e justeza da religião, nomeadamente a que decorre da fé cristã, fundada na Sagrada Escritura.
Mateus, no cap. 20, insere o episódio parabólico do proprietário que saiu a contratar trabalhadores para a sua vinha em cinco momentos diferentes do dia (ao romper da manhã, às 9 horas, ao meio dia, às 15 horas e às 17 horas). Ajustou sempre o pagamento de um denário por dia a cada um. Na hora do pagamento, os do primeiro momento barafustaram pelo facto de o proprietário dar o mesmo denário a uns e a outros, quando a duração do trabalho foi tão diferente (cf Mt 20,1-16). No capítulo 21, vem a parábola dos dois filhos. O pai manda um dos filhos trabalhar na vinha, o qual responde, de imediato, que não quer ir, mas, passado algum tempo, arrependeu-se e foi. Ao dar a mesma indicação ao segundo, este respondeu prontamente que ia, mas não foi (cf Mt 21,28-32). Quanto ao primeiro caso, ficamos a saber que a justiça de Deus passa pelo cumprimento da palavra (aquele proprietário prometeu um denário e cumpriu), pela apreciação e recompensa pela disponibilidade independentemente do momento em que o trabalhador é chamado, pelo combate à ociosidade inútil, pela satisfação das necessidades dos homens – não pela aceitação acrítica das limitações da justiça e dos critérios humanos, sobretudo se não se cria a igualdade de oportunidades. Perspetiva-se que o que interessa não será o passado, o da inatividade / ociosidade, mas o momento da decisão de ir trabalhar no reino de Deus e o comportamento consequente com essa decisão. Segundo Deus, “os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (Mt 1,16). Quanto ao segundo caso, interpelados por Cristo, os ouvintes responderam que foi o primeiro filho (o que disse que não ia, mas foi), aquele que fez a vontade do pai (cf Mt 21,31a).
É claro que, para o Senhor, conta muito menos (ou nada mesmo, se as pessoas não arrepiarem caminho) a santidade de fachada, estribada nos comportamentos meramente exteriores, cristalizada numas pequenas obras, ditadas sobretudo pela soberba e pela vaidade, recusando invejosamente o ingresso dos “outros” na intimidade de Deus, no seio da comunidade. Conta, ao invés, para o Senhor, a reposta generosa à chamada para a conversão. O Mestre sentenciou:
Em verdade vos digo: Os cobradores de impostos e as meretrizes vão preceder-vos no Reino dos Céus. João Batista veio até vós, ensinando-vos o caminho da justiça e não acreditastes; mas os cobradores de impostos e as meretrizes acreditaram nele. E vós nem depois de verdes isto, vos arrependestes para acreditar nele (Mt 21,31b-32).

Em sintonia com esta economia salvífica perspetivada por Mateus, vem o texto de Lucas, o Evangelho dos pobres e da Misericórdia. Exemplifiquemos com duas passagens.
Quando na casa do fariseu, que convidara o Mestre para uma refeição, o anfitrião murmurava a crítica de que Ele não saberia que tipo de mulher era aquela – a (pecadora) que lhe banhava os pés com as lágrimas, lhos enxugava com os seus cabelos e os ungia com perfume – Jesus acusou o toque dado pela pedagogia da conversão. São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou, mas aquele a quem pouco se perdoa pouco ama. E disse à mulher, Os teus pecados estão perdoados. (cf Lc 7,36-48). Efetivamente, se Deus nos ama, porque fugimos?
E o capítulo 15 faz a narrativa das três parábolas da misericórdia (a da ovelha perdida, a da dracma perdida e a do pai que tinha dois filhos, na qual tradicionalmente se destaca o filho pródigo que regressa à casa paterna) – vd Lc 15,1-32 – introduzidas por um segmento curioso: “Aproximavam-se d’Ele todos os cobradores de impostos e pecadores (os que estavam abertos ao dinamismo do Reino) para o ouvirem. Mas os fariseus e doutores da Lei (os supinamente e externamente justos) murmuravam entre si, Este acolhe os pecadores e come com eles”.
Quanto ao comentário final a cada uma destas parábolas, os segmentos são eloquentes. Para a da ovelha perdida, procurada e reencontrada: “Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte do que por 99 justos que não precisam de conversão” (Lc 15,7). Em relação à dracma perdida e achada, depois de tanta procura: “Assim haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte” (Lc 15,10). Mas perante o reencontro do filho que regressou, o discurso do Pai é de ênfase reforçada, dirigindo-se ao filho mais velho: “Filho, tu está sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos (nós, aqui e já) porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,31-32).
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Como é santa a sabedoria divina e reta a justiça de Deus, ao invés do ressabiamento daqueles políticos que, por interesses mesquinhos, pretendem fazer a folha a quem lhes faz sombra por passado que já não teria interesse, mas reabilitam aqueles cuja sombra lhes possa oferecer a sombra por que anseiam, mesmo que o chão esteja enlameado! Parece-me que Deus não acredita que haja homens irrecuperáveis, quer que a linguagem seja “sim” ou “não” e que quem erra seja corrigido (por etapas): a sós, com testemunhas, em Igreja (cf Mt 18,15-17)! 

sábado, 27 de setembro de 2014

Evangelho de São Marcos

O Vaticano anunciou, a 26 de setembro, que Bento XVI aceitara o convite de Francisco para participar no domingo, dia 28, no encontro de avós e idosos a decorrer na Praça de S. Pedro, que se espera congregar cerca de 40 mil avós e idosos de 20 países e que integrará uma série de testemunhos configuradores do diálogo entre avós e netos e a que se seguirá a celebração eucarística presidida pelo Papa.
Esta “jornada mundial” dos avós é da iniciativa do Pontifício Conselho para a Família, gravita em torno do tema “A bênção de uma vida longa” e vai levar ao Vaticano um casal iraquiano, refugiado em Erbil. O arcebispo Vincenzo Paglia, presidente daquele organismo da Santa Sé, explicou que a presença de refugiados iraquianos, que vão cumprimentar o Papa, visa “fazer ressoar a voz de tantos idosos que sofrem, em particular nas zonas de conflito”.
A abertura musical, à chegada do Papa Francisco, está a cargo do tenor italiano Andrea Bocelli. E, no final das cerimónias, é distribuído aos presentes um exemplar do Evangelho de Marcos, em “carateres grandes”.
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A referida distribuição de exemplares do texto de Marcos, à beira do início de um novo ano litúrgico, o ano B (a 30 de novembro), em que será lido na liturgia de domingo este Evangelho, motiva-me a uma reflexão sobre o escrito marcano.
A tradição que remonta ao século II, ocasião em que foram reunidos os quatro Evangelhos, atribui a autoria do 2.º Evangelho a Marcos, identificado com João Marcos, filho de Maria, em casa da qual os cristãos se reuniam para orar (cf At 12,12). Segundo Eusébio de Cesareia, Papias, pelo ano 130, terá sido o primeiro a referir Marcos como o autor deste Evangelho. Com seu primo Barnabé, Marcos acompanha Paulo durante algum tempo na primeira viagem missionária (cf At 13,5.13;15,37.39) e depois aparece com ele, prisioneiro em Roma (cf Cl 4,10). Não obstante, liga-se mais a Pedro, que o trata por “meu filho” na saudação final da sua 1.ª Carta (1Pe 5,13). Marcos, que não fora originariamente um dos discípulos de Jesus, mas um intérprete de Pedro, terá escrito o Evangelho pouco antes da destruição de Jerusalém, que ocorreu no ano 70 (provavelmente no ano 65, na sequência do martírio de Pedro movido pela perseguição de Nero no ano 64), relatando com precisão as palavras e obras do Mestre, conforme as recebeu daquele Apóstolo, procurando que cada um perceba o significado de tudo aquilo que Jesus faz.
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O Evangelho de Marcos reflete a catequese que Pedro, testemunha presencial privilegiada dos acontecimentos, espontâneo e atento, ministrava à comunidade de Roma. É o mais breve dos quatro (são 16 capítulos contra os 28 de Mateus, os 24 de Lucas e os 21 de João) e situa-se no Cânone entre os dois mais extensos de Mateus e de Lucas e a seguir a Mateus, o de maior uso na Igreja. Até ao séc. XIX, Marcos foi pouco estudado e comentado, quase esquecido. Santo Agostinho considerava-o como que um resumo do texto de Mateus. Marcos escreve a partir de Roma a pagãos e a comunidades ligadas ao cristianismo da Galileia e de Jerusalém, empenhado simultaneamente em fazer chegar aos gentios a mensagem evangélica (vd Mc 5,41-42; 7,28.35-37).
A investigação mais aprofundada desde o século XIX sobre a origem dos Evangelhos trouxe Marcos à luz da ribalta, que hoje é considerado o mais antigo dos quatro. Na verdade, supõe uma fase mais primitiva da reflexão da Igreja acerca do acontecimento “Cristo”, que lhe deu origem; e só ele conserva o esquema da mais antiga pregação apostólica, sintetizada em Atos 1,22: começa com o baptismo de João (cf Mc1,4ss) e termina com a Ascensão do Senhor (cf Mc16,19). No entanto, ter-se-á baseado numa larga tradição neotestamentária cuja síntese muito em breve fora passada a escrito, em aramaico, sob o título Os Ditos do Senhor (em grego, Τα τοϋ Κυρίου Λογία), certamente por Mateus, aquele a quem se atribui o 1.º Evangelho do Cânone.
É recorrente a asserção de que os outros Evangelhos, sobretudo os sinóticos, supõem e seguiram o texto de Marcos, tal como o seu esquema histórico-geográfico da vida pública e pregação de Jesus: Galileia, Viagem para Jerusalém, Jerusalém – e como ele se fundam nas tradições orais sobre a vida, palavras e obras de Jesus.

Suas caraterísticas literárias
Denotando alguma pobreza vocabular e uma sintaxe pouco cuidada, Marcos é parco em discursos; apresenta apenas dois: o discurso em parábolas (Mc 4,1-34) e o discurso escatológico (Mc 13,5-37). Mas é um tanto abundante em narrações, em que é exímio. Utiliza a arte de contar com invejável realismo e sentido do concreto, enriquece os relatos de pormenores, emprestando-lhes vida e cor (visualismo descritivo). São típicos os casos do possesso de Gerasa, da mulher com fluxo de sangue e da filha de Jairo, no cap. 5. Presta especial atenção às palavras textuais de Jesus em aramaico, por exemplo, “Talitha qûm” (Mc 5,41) e “Eloí, Eloí, lemá sabachtáni” (Mc 15,34). É de referir também o dia-tipo da atividade de Jesus, descrito na assim chamada “jornada de Cafarnaum” (cf Mc1,21-34). Entre as perícopas e incisos peculiares de Marcos, indica-se o único texto bíblico em que Jesus aparece como “o Filho de Maria” (Mc 6,3), enquanto os outros falam de Maria, mãe de Jesus.

Objetivos e plano do segundo Evangelho
O objetivo principal de Marcos é dar a conhecer a Boa Nova (Evangelho) de Jesus Cristo, o Filho de Deus (cf Mc 1,1), prescindido, ao invés de Mateus e de Lucas, do relato atinente à infância de Jesus ou do altamente elaborado prólogo do Evangelho de João sobre o Verbo. Na interiorização profunda do mistério de Deus que amou tanto o mundo que lhe enviou o Seu Filho, que assumiu plenamente a vontade do Pai – morreu e ressuscitou para nos salvar – e perspetivando-se esta como a boa notícia a revelar por Marcos, o seu Evangelho inicia-se com estas palavras: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, filho de Deus” (Mc 1,1). E, depois da sua morte, vem a confissão de fé do centurião Romano: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). Entre estas grandes balizas de confissão de fé no Filho de Deus, Marcos regista outras bem significativas: a bem estranha dos espíritos impuros (cf Mc 1,24; 3,11); a de Pedro, a central no percurso evangélico (cf Mc 8,29, em Cesareia de Filipe); e a de Deus Pai (cf Mc 1,11, no Batismo de Jesus; 9,7, na Transfiguração; 12,5-6, na metáfora do Filho da parábola dos vinhateiros homicidas). E é esta irrupção da fé no mistério do Filho de Deus, ascenso aos Céus, que leva os discípulos a partir a pregar por toda a parte (cf Mc 16,20), em conformidade com o preceito do Ressuscitado, “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” (cf Mc 16,15).
De certo modo, Marcos faz-se espectador com os seus leitores. Como eles, acompanha e vive o drama de Jesus, desenrolado em dois atos, coincidentes com as grandes duas partes constitutivas deste Evangelho. Ao longo do 1.º, vai-se perguntando, “Quem é Ele?”, ao que Pedro responderá por si e pelos outros, de forma direta e categórica: “Tu és o Messias!” (Mc 8,29). O 2.º ato esquematiza-se na pergunta-resposta: Como se realiza Ele, como Messias? Morrendo e ressuscitando (vd Mc 8,31; 9,31; 10,33-34). Inaugura-se assim o reino do serviço em vez do poder, da partilha em vez do comércio, da escuta da palavra e da realidade em vez da alienação.
Com vista à aproximação do leitor à verdadeira identidade do Mestre, o autor humano do 2.º Evangelho (Não esqueçamos que o verdadeiro autor dos livros sagrados é o próprio Deus!) recorre ao segredo messiânico (cf Mc 1,34 -“os demónios sabiam quem Ele era”; 3,12 –“intimava os demónios a que não O dessem a conhecer”; 8,30 –“intimou os discípulos a não dizerem nada a ninguém”) para nos desvendar progressivamente o segredo que é Cristo em toda a sua verdade e realeza (cf Mc 15,2.26.39) e nós podermos obter a resposta à questão, “E vós quem dizeis que Eu sou?” (Mc 8,29).
O Evangelho marcano oferece-nos, pois, uma Cristologia simples e acessível: Jesus de Nazaré é verdadeiramente o Messias que, pela Sua Paixão, Morte e Ressurreição, demonstrou ser verdadeiramente o Filho de Deus (cf Mc15,39) que a todos possibilita a salvação. “Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos” (Mc 10,45).
Por detrás deste Evangelho parece estar subjacente um plano que é concretizado através de uma estrutura partível em 4 secções precedidas por um prólogo, que enquadra a preparação do ministério de Jesus – início do Evangelho a concretizar a profecia de Isaías, ministério do Batista, Batismo de Jesus e passagem de Jesus pelo deserto (1,1-13).
I secção – Ministério na Galileia e arredores (1,14 – 7,23), com: primeira pregação da Boa Nova (1,14 – 3,6); adesão e rejeição (3,7 – 6-29); e Jesus, pastor universal e incompreensão dos discípulos (6,30 – 7,23).
II secção – Viagens por Tiro, Sídon e Decápole e a caminho de Jerusalém (7,24 – 10,52), com: 1.º anúncio da Paixão e Ressurreição (7,24 – 9,29); 2.º anúncio (9,30 – 10,31); e 3.º anúncio (10,32-52).
III secção Ministério em Jerusalém (11,1 – 13,37), com; superação do Templo (11,1 – 12,27); e futuro dos discípulos (12,21 – 13,37).
IV secção Paixão e Ressurreição de Jesus (14,1 – 16,20), com: a Paixão do Senhor (14,1 – 15,47); e Ressurreição, Ascensão e mandato (16,1-28).

A perspetiva teológica do 2.º Evangelho
Como os outros evangelistas, Marcos apresenta-nos a pessoa de Jesus e, como primeiro modelo da Igreja, o grupo dos discípulos. Constituem eles um modelo de caminheiros num processo que nos leva, através de vários escolhos e dificuldades, à verdadeira compreensão de Jesus. Na convicção de que apenas apresenta o início do Evangelho, atém-se ao essencial da primitiva catequese e revela-nos a preocupação fundamental de Pedro espelhada nos Atos dos Apóstolos:
“É necessário que escolhamos um dos homens que estiveram connosco durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu entre nós, desde o batismo de João até ao dia em que Jesus foi elevado de entre nós às alturas. É preciso que um deles venha a ser connosco testemunha da sua ressurreição” (At 1, 21-22).
Efetivamente o núcleo do quérigma era:
“Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz. Mas Deus ressuscitou-O ao terceiro dia.” (At 10, 38-40).
Quanto ao Jesus de Marcos, mais do que nos outros Evangelhos, o Jesus, “Filho de Deus” (1,1.11; 9,7; 15,39), revela-se profundamente humano, de contrastes bem desconcertantes: é tão acessível (8,1-3) como distante (4,38-39); tanto acarinha (10,16) como repele (8,12-13); tanto impõe “segredo” acerca de Si e do bem que faz como manda apregoar o benefício recebido; o Messias chega a manifestar limitações e até aparentar ignorância (13,22). É verdadeiramente o “Filho do Homem”, seu título preferencial. Assim, a pessoa de Jesus torna-se misteriosa: encerra em si, em perfeita síntese, o homem verdadeiro e o Deus verdadeiro. Reside, pois, aqui a dificuldade da aceitação de Si por parte das multidões que O seguem e mesmo por parte dos discípulos.
A 1.ª parte deste Evangelho (1,14-8,30) mostra-nos um Jesus mais preocupado com o acolhimento ao povo, a cujas necessidades atende e em cujo ensino se empenha; a segunda parte (8,31-13,36), por seu turno, volta-se mais especialmente para os Apóstolos que Ele escolheu (3,13-19). Vai-os formando com sábia pedagogia e tacto, mostrando-lhes progressivamente o plano e a economia da salvação (10,29-30.42-45) e fazendo-os ingressar na intimidade do Pai (11,22-26).
No atinente ao discípulo de Jesus, é de referir que sente um elevado grau de exigência neste Jesus, simples e humano, em relação aos seus discípulos. Desde o início da sua pregação (1,14), arrasta as multidões e alguns discípulos seguem-no de perto (1,16-22). Após a eleição dos Doze (3,13-19), começa a haver uma certa separação entre este grupo mais íntimo, a quem Ele tudo explica, e as multidões a quem fala por parábolas e edifica pelos milagres. Todos seguem Jesus, mas de modo diverso. É um seguimento que exige esforço e capacidade de abertura ao divino, que se manifesta em Jesus de forma velada e indireta através dos milagres que Ele realiza a pedido. É pelos milagres que o discípulo descobre no Mestre e Filho do Homem a presença inefável de Deus, vendo em Jesus de Nazaré o Filho de Deus. Para O seguir e porque a pessoa de Jesus é essencialmente misteriosa, o discípulo precisa de fé a toda a prova. Se vir nele apenas o carpinteiro de Nazaré, sente-se tentado a abandoná-lo. Por isso, Jesus é também um incompreendido: os seus familiares pensam que Ele os abandonou e trocou por uma outra família (3,20-21.31-35); os doutores da Lei, os fariseus, saduceus e os escribas não aceitam a sua interpretação da Lei (2,23-28; 3,22-30); os sacerdotes e os chefes do povo veem-no como um perigoso revolucionário para o seu “status quo” e um blasfemo (11,27-33; 15,64). Daí que, desde o início, se perspetive como destino de Jesus a morte (3,1-6; 14,1-2).
Mas, os discípulos “de dentro” não são muito melhores do que “os que estão de fora” (4,11). Todos sentem, embora em momentos e graus diferentes, dificuldade em compreender o mistério de Jesus: assemelham-se aos cegos (8,22-26; 10,46-53). A incompreensão e a desilusão, aliadas ao medo, são então as caraterísticas mais negativas do discípulo no Evangelho de Marcos. É esse o motivo por que, ao confessar sincera e desassombradamente o messianismo de Jesus (8,29), Pedro pensava num messias (termo hebraico que significa “Cristo”) mais político que religioso, que libertasse o povo do jugo dos romanos dominadores. Isso aparece claro quando Jesus desvia o assunto e anuncia pela primeira vez a sua Paixão dolorosa e Morte (8,31); Pedro, não aceitando um tal messianismo, começa a barafustar e a repreender o Mestre (8,31-33). O que ele queria era, como todos os discípulos de todos os tempos (ontem e hoje), um cristianismo sem esforço e sem grandes compromissos – um Cristo sem cruz.

Apesar da incompreensão dos discípulos ante seus ensinamentos, Jesus não desanima desistindo, antes continua pacientemente a ensiná-los (8,31-38; 9,30-37; 10,32-45). O efeito não foi lá muito positivo e grato: no termo da caminhada para Jerusalém e após Ele lhes ter lembrado as dificuldades por que iria passar a fé deles(14,26-31), ao verem-no traído por um dos Doze e preso como um malfeitor pelos inimigos a soldo dos chefes (14,42-45), “deixando-o, fugiram todos” (14,50). Este é, certamente, o Evangelho onde qualquer cristão se verá mais retratado, mas que, se se dispuser à abertura ao divino, pode partir ao encontro do Ressuscitado.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

As inefáveis motivações da reforma da justiça


Perdi algum tempo, que pretendia e pensava ganhar, a ver e ouvir o debate sobre o colapso da reforma da justiça no Programa “Prós e Contras”, do passado dia 22, na RTP 1. E a primeira coisa que me escandalizou foi o que sucedeu quando Sua Excelência o Secretário de Estado da Justiça começou, logo na sua primeira intervenção, a confessar, lá do alto da sua autoridade ética, que desejava que o debate decorresse com elevação – o que reiterou em várias ocasiões.
Não intento entrar na substância do debate, porque, pelos vistos, a justiça em Portugal deixa de ser um valor acessível a todos e gerida por pessoas comuns, quando eu, não sendo especialista, entendia ser um daquele “todos” e lidar na administração da justiça com pessoas de bom senso e que soubessem de direito e realidades, mas não juízes que, à maneira dos especialistas médicos (o oftalmologista só sabe de olhos, o pneumologista só trata de pulmões…) saibam só disto ou daquilo e não daquilo nem daqueloutro.
Em todo o caso, gostaria de me rir – o que não fiz nem faço por ser coisa muitíssimo séria – pela confusão semântica estabelecida. Desapareceram ou não os processos da plataforma Citius com a migração dos processos para as 23 novas comarcas ou respetivas secções de competência genérica e/ou de competência específica? Secretário de Estado garantiu que nenhum processo desapareceu, enquanto advogados ali presentes diziam a pé firma que desapareceram. Depois, veio a saber-se que não terão efetivamente desaparecido, mas que uns não estavam disponíveis para consulta e para utilização, outros ninguém sabia onde estavam e de outros nem se sabia se existiam se não. Porém, o ilustre membro do Governo não se esqueceu de acusar o Governo anterior de fazer desaparecer peças processuais. Até retorquiu, a quem falava de um tribunal ora encerrado e que fora objeto de avultadas quantias em construção de raiz, que não foi ele quem fez essas obras. Quanto aos processos, chegou a afirmar-se que não desapareceram, mas que não se encontram…
Ao longo da semana, a informação prestada em vários meios de comunicação confirma o desaparecimento ou a indisponibilidade dos processos na plataforma Citius, introduz o esclarecimento da Ministra sobre a existência de vários backup dos processos e revela que alguns processos foram parar a tribunais extintos. Trata-se de cerca de três milhões e meio de processos, mais de oitenta milhões de documentos! A justiça, segundo o que diz quem está por dentro do sistema, está nos serviços mínimos, ou seja, como se dizia no mencionado programa televisivo, resolve os casos de emergência e concretiza mais algumas diligências, poucas – e com recurso ao papel e ao correio convencional. Não se circunscreve a um mero percalço ou simples transtorno, como é voz governamental.
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A reforma da justiça e, em particular, o novo mapa judiciário acabam por desencantar os corifeus e sequazes da ideia reformadora e parecem dar agora razão acrescida aos seus contestatários. O caos não se verificaria, caso o sistema operativo, hoje necessário para a sua aplicação, tivesse sido objeto de testagem mais abundante (e não da de simples amostragem), a capacidade da plataforma informática fosse suficientemente dimensionada e a migração dos processos dos anteriores tribunais comarcãos e de tribunais especializados se processasse de modo faseado, de modo a não engasgar o sistema. Mas esta é uma das pequenas máculas que soem cair nas reformas portuguesas. Raramente as reformas passam por experiências-piloto. Excetuam-se poucas como, por exemplo, a da justiça delineada por Sócrates (devidamente anatematizada, mesmo no dito programa televisivo) baseada nas NUTs; e a da autonomia e gestão das escolas, determinada pelo decreto-lei n.º 172/91, de 10 de maio, que se aplicou em algumas escolas em regime experimental, mas que não chegou a generalizar-se, não tendo sido possível avaliar se as regras por aquele normativo estabelecidas possuíam uma eficácia a elas inerente, dado que paralelamente foram concedidas possibilidades de gestão parecida às escolas que seguiam as normas do decreto-lei n.º 769-A/76, de 23 de outubro. Reformas aplicadas de forma faseada também são poucas, entre as quais se contam aquelas que determinam aumento da escolaridade obrigatória. De resto, as reformas entram em vigor já e de todo. Algumas também se limitam a meia dúzia de palavras para justificar a passagem de alguém por determinadas pastas, a menos que se traduzam no agravamento das condições de vida do contribuinte. E a maior parte dos sistemas reformistas são substituídos sem a necessária avaliação dos resultados.
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Pelos vistos, a presente reforma da justiça, para lá das alterações (e até revisão) dos diversos códigos, configura um novo mapa judiciário. É claro que o comum dos cidadãos deixa habitualmente para os entendidos no direito o ónus da apreciação dos instrumentos da administração da justiça, como são as leis de enquadramento, os códigos e os regulamentos. A provisão dos quadros dos operadores da justiça fica justamente para as respetivas entidades representativas. Porém, a distribuição dos serviços de ministração da justiça, designadamente os tribunais, isso já diz respeito também aos cidadãos, sem diminuir em nada a responsabilidade de quem sabe de administração, gestão, direito e economia – mormente em matéria de justiça.
Entretanto, atente-se nas grandes palavras que determinaram o estabelecimento do novo mapa judiciário, ouvidas que foram, diz o Governo (?!), todas as estruturas representativas interessadas (que alguns autarcas desmentem): especialização, proximidade e avaliação.
Por nos falarem de avaliação dos magistrados, diga-se que se trata de uma estranha moda a criação de sistemas de avaliação, como se muita dela não fosse preparada e manipulada (segundo perspetivas de chefias na administração pública e na gestão empresarial), sem ter em conta um objeto de avaliação preciso. Um Primeiro-Ministro, ao menos neste aspeto, de má memória vociferou, em 2005, que há mais de 30 anos os professores não eram avaliados. Quanto aos senhores juízes e procuradores, parece que aquilo que não falta é a avaliação de desempenho e não sei se, por consequência, teremos tido melhores juízes e uma justiça cada vez mais isenta, célere e eficaz. Agora, parece que pretendem entregar a tarefa da avaliação a nova entidade e de acordo com novos parâmetros (por objetivos, como se de um banco se tratasse!). O importante, como em outras áreas, devia ser o melhor apuramento do perfil dos candidatos ao CEJ e a formação dos magistrados (inicial e contínua) por parâmetros cognitivos, sim, mas sobretudo de humanismo, contenção, bom senso e capacidade de ouvir para bem decidir (Repare-se que a nota académica não é o mais importante). Quanto ao mais, o desempenho obtuso seria colmatado com as medidas disciplinares adequadas e, em casos graves (de negligência e dolo), com as decisões judiciais previstas na lei; e o mérito relevante, com prémios de desempenho significativos. E poderiam poupar as populações a estas desnecessárias encenações.
Quanto à proximidade, não me obriguem a alinhar com o piropo político de que secção de proximidade é este governo em relação à troika e ao alinhamento europeu. Algumas decisões também são tomadas em Lisboa. Mas o território, senhores? Já sabemos que os advogados se deslocam com toda a facilidade ao sítio onde se faz o tribunal tal como a casa do cliente: o cliente tudo paga. Porém, o cidadão, se tiver de se deslocar ou de fazer deslocar as suas testemunhas, ou se inibe ou paga mais. Depois, vêm as deslocações para sítios diferentes conforme a especificidade das secções, o que gera despesas e confusões, com despesas em duplicado ou em triplicado. O apoio jurídico prestado pelo Estado é tremendamente limitado. E o acesso a uma justiça de base é um direito de todos os cidadãos.
Sim, que haja tribunais de competência específica em matérias de alta complexidade criminal (corrupção, fiscalidade, colarinho branco, etc.) e cível (ao nível empresarial, comercial) em comarcas de grandes dimensões (por exemplo as atuais 23) com o respetivo departamento de investigação e ação penal e o juízo de instrução criminal, tudo bem. Porém, para o crime comum e para as médias ações cíveis, a comarca deveria quanto possível coincidir com as áreas municipais (se há demasiados municípios, que se opere a sua reorganização). Todavia, nunca o número pode constituir um critério absoluto ou quase. Imaginem que a uma localidade, por não ter um número mínimo de pessoas convencionalmente estabelecido, se lhe corta o direito à justiça, à saúde, ao ensino, ao vestuário, à alimentação, ao policiamento, à segurança social. Será justo? Porque não pensam, antes, num reordenamento do território e da população mais simétrico, com os devidos incentivos ao povoamento e com as necessárias medidas de suscitação de emprego e empreendedorismo?
Finalmente, uma palavra sobre a especialização. É óbvio que a especialização será sempre bem-vinda nas diversas áreas, mas mantendo sempre a atenção à perspetiva holística das matérias. Já basta a corrida a especialistas que a medicina exige. Ninguém acredita que qualquer médico especialista tenha perdido a formação de base, mas a circunscrição a miniespecialização é cada vez mais frequente e nem sempre de forma razoável. Quem paga e sofre é o utente, cliente ou paciente.
Quanto à justiça, Deus nos livre que o país enverede por uma especialização dos juízes no sentido estrito. Não será necessária e terá efeitos perversos, por obrigar os cidadãos a ficar sujeitos à lei da oferta e da procura. Especializem-se, sim, os advogados, as entidades encarregadas da investigação e outros operadores, como funcionários e assessores. Quanto aos juízes, proporcione-se-lhes sólida formação em direito e outras ciências sociais e humanas, leitura das realidades, gestão das conflitualidades, capacidade de escutar peritos, especialistas e assessores – e sobretudo bom senso. Compete-lhes não tanto revelar erudição, mas sentido de apreciação e capacidade de decisão. Não lhes cabe a produção da prova, mas verificar se ela chegou a ser produzida e em que medida o foi. Ninguém pensa especializar os jurados, mas tão somente exigir-lhes capacidade de ouvir e bom senso para construir a decisão.
Evidentemente que, se não é por termos juízes especializados que teremos melhor justiça, também não será por termos secções, gabinetes e salas de audiências com “placas” (rótulo sou letreiros) de matérias especificadas que teremos juízes especializados. Mas é de todo conveniente que os juízes rodem por diversos lugares, serviços e juízos para adquirirem maleabilidade e evitarem a cristalização.
Quanto ao mais, há quem diga que a justiça é cega. Não sei se concorde com isso em toda a linha, mas sei que ela deve ser imparcial. Porém, o que não se tolera é que os seus reformadores e os seus administradores sejam cegos e sobretudo que façam cegos dos outros.

A justiça merece todo o cuidado e os cidadãos exigem todo o respeito pelos seus direitos!

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Papa falou da Palavra de Deus

Sim, o Papa Francisco, na homilia da celebração matinal do dia 23 de setembro, em Santa Marta, falou da Palavra de Deus. É a coisa mais natural – dirão alguns. Pois é, mas eu não sei dizer com absoluta certeza se muitos dos que o admiram topam que o seu discurso habitual, mesmo que não o pareça, é sempre fundado na palavra de Deus. Por exemplo, quando denuncia uma economia que mata, por cavar o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, poderosos e fracos, opressores e oprimidos, tem como subtexto a Palavra de Deus, que nos diz: Eu vi a opressão do meu povo e ouvi o seu clamor… desci a fim de o libertar (vd Ex 3,7.8); Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores está a clamar e os clamores chegaram ao Senhor do Universo (cf Tg 5,4); Vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem? (cf Tg 2, 6). E, se compulsarmos todo o Evangelho de Lucas, qual Evangelho dos pobres e da compaixão do Senhor, ou o capítulo 25 do Evangelho de Mateus (Mt 25,31-46), com o elenco das obras – dar de comer ao faminto, dar de beber a quem tem sede, vestir o nu, dar pousada ao peregrino e visitar o enfermo e o encarcerado – que servem de necessário critério de admissão ao Paraíso, mais esclarecidos ficaremos.
Mesmo, quando intervém e é ouvido como Chefe de Estado, ninguém o ouve ou entende como simples Chefe de Estado. É na força da Palavra que reside a autoridade moral e o desassombro com que se dirige a todos. E, se nem sempre se evidencia a eficácia da sua influência, ao menos serve o mundo como uma peculiar referência de sabedoria, de coração, de humanismo, de transcendência.
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Sobre a Palavra de Deus, para lá das intervenções normais do Magistério Eclesiástico, devem salientar-se os seguintes documentos: o Concílio Vaticano II produziu uma constituição dogmática, a Dei Verbum; Paulo VI elaborou uma exortação emblemática sobre a atualização e a difusão da palavra de Deus, enquanto fermento evangélico no mundo todo e em todos os seus escaninhos, a Evangelii Nuntiandi, e, durante o seu pontificado, a Congregação para o Clero publicou o Diretório Catequístico Geral; João Paulo II elaborou a exortação apostólica Catechesi Tradendade e mandou publicar o Catecismo da Igreja Católica e, durante o seu pontificado, a mesma Congregação para o Clero publicou o Diretório Geral para a Catequese; e Bento XVI elaborou uma exortação pós-sinodal, a Verbum Domini, e mandou publicar o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica.
Ora, Papa Francisco, que tem toda uma panóplia de intervenções e documentos radicados na Palavra de Deus, diz-nos frequentemente coisas bem importantes.
Com efeito, a Palavra de Deus deve ser ouvida, lida e guardada no coração, como fazia Maria ao guardar tudo em seu coração (cf Lc 2,19), uma vez que não se trata de “uma banda desenhada” (rica imagem, pela negativa: a banda desenhada entranha-se na mente pelo texto leve e encanta pela visualização, mas não transforma ninguém) para ler, mas “um ensinamento que deve ser ouvido com o coração e posto em prática na vida diária”.
Tanto assim é que, “enquanto Ele falava, uma mulher, levantando a voz no meio da multidão, clamava, Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram, ao que Jesus retorquiu: “Felizes, antes, aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática”. E a carta de Tiago declara: “Tendes de pôr em prática a Palavra e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos, porque quem se contenta em ouvir a Palavra, sem a pôr em prática, assemelha-se a alguém que mira a sua fisionomia ao espelho – e, mal acaba de se contemplar, sai dali e esquece-se de como era” (Tg 1,22-24).
Nestes termos, o papa conclui que a Palavra de Deus cria um compromisso acessível a todos, pois, ainda que “a tenhamos complicado um pouco”, a vida cristã é “muito simples”: de facto, “ouvir a palavra de Deus e pô-la em prática” são as únicas duas “condições” impostas por Jesus a quem o quer seguir. Mais: a carta de Tiago, já citada, também assegura: “Aquele que medita com atenção a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera – não como quem a ouve e logo dela se esquece, mas como quem a cumpre – esse encontrará a felicidade ao pô-la em prática” (Tg 1,25).
Na celebração da Eucaristia do passado dia 23, o Pontífice refletiu em particular sobre o trecho do Evangelho de Lucas (vd Lc 8,19-21), que refere que a mãe e os irmãos de Jesus não conseguem “aproximar-se d’Ele por causa da multidão”. Porém, entre os muitos que o seguiam, havia pessoas que reconheciam nele “uma autoridade nova, um modo de falar novo”, sentiam “a força da salvação” que d’Ele advinha. Segundo o Bispo de Roma, “era o Espírito Santo que comovia o coração deles”. No entanto, sublinhou que, no meio da multidão havia pessoas que seguiam Jesus com segundas intenções: umas “por conveniência” e carreirismo, outras por gregarismo ou moda e curiosidade (digo eu) e outras talvez pela “vontade de serem melhores. Quase “como nós” hoje, disse o Papa transpondo o discurso para a atualidade. Como então, as pessoas que seguem Jesus têm de purificar as suas intenções. É – diz Francisco – uma história que se repete, já que então Jesus repreendia quem O seguia por motivos que não eram os do Reino dos Céus. E exemplifica com o que se passou depois da multiplicação dos pães (cf Jo 6,20-21) ou com os dez leprosos, dos quais só um – um samaritano – voltou para Lhe agradecer, enquanto “os outros nove ficaram felizes com o restabelecimento da sua saúde e esqueceram Jesus” (cf Lc 17,11-19).
O Pontífice insistiu na exortação em ouvirmos a Palavra, verdadeiramente, na Bíblia e, em especial, no Evangelho, meditando as Escrituras para pôr em prática os seus conteúdos na vida quotidiana. Mas, esclareceu, que, se folhearmos o Evangelho superficialmente, então “isto não é ouvir a Palavra de Deus: é ler a palavra de Deus, como se lê uma banda desenhada”. Ao invés, ouvir a palavra de Deus “é ler” e meditar, questionando-se: “Mas o que diz isto ao meu coração? Que quer dizer-me Deus com esta palavra?”. Por consequência, só assim “a nossa vida muda”, só assim se opera a metanoia (a conversão / transformação da mente, do coração, das atitudes e dos comportamentos). E Francisco especificou que “Deus não fala só a todos, mas fala a cada um de nós. O Evangelho foi escrito para cada um de nós” e não só para os outros.
Sem dúvida, reconhece Francisco, “é mais fácil viver tranquilamente sem se preocupar com as exigências da palavra de Deus”. Os mandamentos, enunciados no decálogo moisaico (vd Ex 20,1ss; Dt 5,1ss) retomados nos evangélicos sinóticos (cf Mt, 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc 10,25-28, a que se segue a parábola do bom samaritano) e assumidos como mandamento de Cristo em João (vd Jo 13,33-35), são, de acordo com o discurso papal, “precisamente o modo de pôr em prática” a Palavra do Senhor. E o mesmo é especialmente válido para todas e cada uma das bem-aventuranças enunciadas nos evangelhos de Lucas (vd Lc 6,20-26) e de Mateus (vd Mt 5,1-12), que atualizam em termos neotestamentários a interiorização pessoal e a expressão comunitária do decálogo e que se replicam nas obras indicadas no capítulo 25 do Evangelho de Mateus (vd Mt 25,31-40), que garantem, pelo seu cumprimento dedicado, a entrada definitiva no reino, preparado para nós por Deus desde o princípio do mundo.
E concluiu o Pontífice: também hoje, Jesus continua a acolher todos, até os que vão ouvir a Palavra de Deus e depois O atraiçoam”, como Judas (cf Mt 26,25) a quem Ele chamou de “amigo” (cf Mt 26,50). O Senhor “semeia sempre a sua palavra” e, “em troca pede só um coração aberto para a escutar e boa vontade para a pôr em prática”, o bom terreno: “E aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a Palavra e a compreende (a apanha e a interioriza para a praticar); esse dá fruto e produz ora cem ora sessenta ora trinta” (Mt 13,23).
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Paulo, na 2.ª carta a Timóteo, dá-nos garantia da fiabilidade da Sagrada Escritura e a certeza da sua utilidade: “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, pois que, desde a tua meninice sabes as Sagradas Escrituras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que temos em Cristo Jesus. Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja perfeitamente preparado para toda a boa obra.” (2 Tm 3,14-17).
Já na era veterotestamentária o profeta Isaías nos advertia: “Porque, assim como desce a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam sem regarem a terra e a fazerem produzir, brotar e dar semente ao semeador e pão ao que come, assim será a minha palavra, que sair da minha boca, não voltará para mim vazia sem ter feito, antes, o que me apraz e sem cumprir a sua missão, prosperando naquilo para que a enviei.” (Is 55,10-11).
E o texto do Evangelho que Francisco comentava mostra que é a Palavra de Deus posta em prática que nos torna familiares (parentes, próximos) de Jesus: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,21).

Assim, o Papa e os demais pastores não hão de cansar-se (por gosto e dever de ofício) de dissertar sobre a Palavra de Deus – nem que a língua lhes doa – como quem a vive por dentro e a faz irradiar – o que devem fazer, segundo as suas possibilidades, todos e cada um dos cristãos, incessantemente.