sábado, 18 de maio de 2024

O Espírito Santo é o protagonista da vida do cristão e da Igreja

 

O Papa Francisco disse, a 18 de maio, véspera da solenidade de Pentecostes, que o Espírito Santo é o protagonista da nossa vida, que nos dá coragem e harmonia.

Segundo a Sala de Imprensa da Santa Sé, depois de almoçar na Penitenciária de Montorio, o Papa foi ao palácio episcopal de Verona, para visitar a mãe idosa do bispo, D. Domenico Pompili.

Francisco chegou por volta das 15h30 (horário local) ao estádio Marcantonio Bentegodi, onde fez um passeio de alguns minutos a bordo de um pequeno “papamóvel” e cumprimentou alguns dos fiéis, especialmente crianças e doentes que o aguardavam no local.

Na sua improvisada homilia, destacou que, agora, como na época de são Paulo, muitas comunidades cristãs não saberiam responder à pergunta “Quem é o Espírito Santo?”.

O Pontífice recordou que, uma vez, na missa para crianças, num dia como este, o dia de Pentecostes, havia cerca de 200 crianças, às quais perguntou: “Quem sabe o que é o Espírito Santo?” As crianças disseram: “Eu, eu, eu.” Todas queriam responder. E a criança que o Papa indicou respondeu: “É o paralítico!” Tinha ouvido ‘Paráclito’ e confundiu com ‘paralítico’.

Francisco fez ressaltar que “o Espírito Santo é o protagonista de nossa vida. Ele é quem nos leva adiante, quem nos ajuda a seguir em frente, quem nos faz desenvolver a vida cristã. O Espírito Santo está dentro de nós”. E, depois de recordar que “todos nós recebemos, com o Batismo, o Espírito Santo e até mesmo, com a Confirmação, mais”, relevou que “Espírito Santo nos dá a coragem de viver a vida cristã. E com essa coragem, muda a nossa vida”.

Deu como exemplo os apóstolos, no Pentecostes, que “estavam todos fechados no cenáculo, com medo! O Espírito Santo veio, mudou os seus corações, e eles saíram para pregar com coragem”.

O Papa disse que “o Espírito é O que nos salva do perigo de nos tornarmos todos iguais” e é Aquele que dá harmonia à Igreja. Este é o milagre de hoje: pegar em homens covardes com medo e torná-los corajosos; fazer homens e mulheres de todas as culturas e torná-los a unidade de todos.

Depois de vincar que o Espírito “não faz guerra”, encorajou a pedir à Virgem Maria que “nos dê a graça de receber o Espírito Santo. Que Ela, como mãe, nos ensine a receber o Espírito Santo”.

Nas suas palavras de agradecimento, o bispo de Verona recordou a Francisco que “um provérbio popular diz que ‘não há sábado sem sol, não há mulher sem amor’. De facto, hoje é um esplêndido dia de sol e foi também um esplêndido dia, porque encerra uma espera que gerou um encontro”.

“A mulher somos nós: é a Igreja de Verona, convocada em Pentecostes, para agradecer-lhe por ter estado aqui, hoje, e por nos dar a alegria do Evangelho”, disse o bispo.

***

O Pentecostes é o dia em que os cristãos recordam quando Jesus, depois da sua Ascensão aos Céus, enviou o Espírito Santo aos discípulos. Posteriormente, os apóstolos saíram às ruas de Jerusalém e começaram a pregar o Evangelho e “os que receberam a sua palavra foram batizados. E, naquele dia, elevou-se a mais ou menos três mil o número dos adeptos”.

Eis alguns pontos para entendermos quem é o Espírito Santo.

O Espírito Santo é uma pessoa. Não é uma “coisa” ou um “que”. O Espírito Santo é um “Ele” e um “Quem”. É a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Embora possa parecer mais misterioso do que o Pai e o Filho, é tão pessoa como eles.

É inteiramente Deus. Que o Espírito Santo seja “terceira pessoa da Trindade” não significa que seja inferior ao Pai ou ao Filho. As três pessoas, incluindo o Espírito Santo, são totalmente Deus e “há uma mesma divindade, igual em glória e em coeterna majestade”, como professa o Credo de Santo Atanásio.

Sempre existiu, como fica evidente nos livros do Antigo Testamento (AT), que espelham esse tempo. Embora tenhamos aprendido a maioria das coisas sobre Deus-Espírito Santo (assim como sobre Deus-Filho) no Novo Testamento (NT), Ele sempre existiu. Deus existe eternamente em três pessoas. Assim, quando se ler acerca de Deus no AT, é de recordar que se trata das três pessoas da Trindade um só Deus, entre elas o Espírito Santo.

Nos sacramentos do Batismo e a da Confirmação (ou Crisma), recebe-se o Espírito Santo. Aliás, recebe-se em todos os sacramentos, mas, nestes, de forma especial

O Espírito Santo pode estar ativo, no Mundo, de formas misteriosas, e nem sempre se compreende. Entretanto, uma pessoa recebe o Espírito Santo, de maneira especial, pela primeira vez, no Batismo (At 2,38) e, depois, é fortalecida com a abundância dos seus dons pelo Crisma.

Os cristãos são templos do Espírito Santo. Na verdade, têm o Espírito Santo, que habita neles de uma maneira especial e, portanto, há graves consequências morais, como explica São Paulo: “Fugi da fornicação. Qualquer outro pecado que o homem comete é fora do corpo, mas o impuro peca contra o seu próprio corpo. Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, o qual recebestes de Deus e que, por isso mesmo, já não vos pertenceis? Porque fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo”.

***

Há uma série de chaves para compreendermos o Pentecostes, cuja solenidade evoca e celebra o dia em que se cumpriu a promessa de Cristo aos apóstolos de que o Pai lhes enviaria o Espírito Santo para os guiar na missão evangelizadora, neste tempo da Igreja peregrina.

Desde logo, é de evidenciar o significado do nome ‘Pentecostes’. Provém do termo (adjetivo) grego que significa “quinquagésimo” (‘pentecostós’, no masculino, e ‘pentecostê’, no feminino). De facto ‘Pentecostes’ é o quinquagésimo dia (em Grego, ‘pentecostê hêméra’), depois do domingo da Páscoa (no calendário cristão).

Este nome começou a ser usado no período final do AT e foi herdado pelos autores do NT.

Esta festividade tinha outras designações: ‘a festa das semanas’; ‘a festa da colheita’; ‘o dia dos primeiros frutos’ (primícias). Hoje, nos círculos judeus, é conhecida como Shavu’ot (em Hebraico, “semanas”). Além disso, é conhecida com diferentes nomes em vários idiomas. Nos países anglófonos também é conhecida como “Whitsunday” (Domingo Branco), que deriva das vestes brancas dos recém-batizados (neófitos). No AT, este tipo de festa era um festival para a colheita e significava que esta estava a chegar ao fim. “Contarás sete semanas, a partir do momento em que meteres a foice na tua seara. Celebrarás, então, a festa das Semanas em honra do Senhor, teu Deus, apresentando a oferta espontânea da tua mão, e medi-la-ás, segundo as bênçãos com que o Senhor, teu Deus, te cumulou” (Dt 16,9-10).

No Novo Testamento, representa o cumprimento da promessa de Cristo, ao final do Evangelho de Lucas: “Assim é que está escrito e assim era necessário que Cristo padecesse, mas que ressurgisse dos mortos, ao terceiro dia. E que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas de tudo isso. Eu vos mandarei o Prometido de meu Pai. Entretanto, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto” (Lc 24,46-49).

O Espírito Santo, nos eventos no dia de Pentecostes, é sinalizado como refere o Livro dos Atos dos Apóstolos, no capítulo 2: “Chegado o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.”

Esta passagem contém dois símbolos do Espírito Santo e da sua ação: o vento e o fogo.

O vento é um símbolo básico do Espírito Santo; a palavra grega que significa “Espírito” (Pneûma, vento) também significa “vento” e “sopro”. Embora o termo usado para “vento”, nesta passagem, seja ‘pnoê’ (sopro, termo relacionado com ‘pneûma’), ao leitor é dado a entender a conexão entre o vento forte e o Espírito Santo.

Em relação ao símbolo do fogo, o Catecismo da Igreja Católica (CIC) assinala: “Enquanto a água significava o nascimento e a fecundidade da vida dada no Espírito Santo, o fogo simboliza a energia transformadora dos atos do Espírito Santo. O profeta Elias, que ‘apareceu como um fogo e cuja palavra queimava como um facho ardente’ (Sir 48,1), pela sua oração faz descer o fogo do céu sobre o sacrifício do monte Carmelo, figura do fogo do Espírito Santo, que transforma aquilo em que toca. João Batista, que ‘irá à frente do Senhor com o espírito e a força de Elias’ (Lc 1,17), anuncia Cristo como Aquele que ‘há de batizar no Espírito Santo e no fogo’ (Lc 3,16), aquele Espírito do qual Jesus dirá: ‘Eu vim lançar fogo sobre a terra e só quero que ele se tenha ateado!’ (Lc 12,49). É sob a forma de línguas, ‘uma espécie de línguas de fogo’, que o Espírito Santo repousa sobre os discípulos na manhã do Pentecostes e os enche de Si. A tradição espiritual reterá este simbolismo do fogo como um dos mais expressivos da ação do Espírito Santo. «Não apagueis o Espírito!» (1Ts 5,19)” (CIC 696).

Há uma ligação entre as “línguas” de fogo e o facto de os discípulos falarem em outras “línguas” nesta passagem. Em ambos os casos, a palavra grega para “línguas” é a mesma (‘glóssai’) e o leitor é destinado a entender a ligação. A palavra “língua” é utilizada para significar tanto uma “chama (de fogo)” como o “idioma”. As “línguas como de fogo” que se distribuem e pousam sobre os discípulos fazem com que comecem a falar milagrosamente em “outras línguas” (ou seja, os idiomas). Esse é o resultado da ação do Espírito Santo, representado pelo fogo.

O Espírito Santo, de acordo com o CIC, é a “Terceira Pessoa da Santíssima Trindade”. Ou seja, havendo um só Deus, existem Nele três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Esta verdade foi revelada por Jesus no seu Evangelho. O Espírito Santo coopera com o Pai e com o Filho, desde o começo da História até à sua consumação, mas é nos últimos tempos, inaugurados com a Encarnação, que o Espírito Se revela e nos é dado, quando é reconhecido e acolhido como pessoa. O Senhor Jesus apresenta-no-Lo a nós e refere-se-Lhe não como uma potência impessoal, mas como uma Pessoa diferente, com um agir próprio e um caráter pessoal.

Assim, para nós, a solenidade do Pentecostes é uma das mais importantes no calendário da Igreja e contém uma rica profundidade de significado. Desta forma, Bento XVI a resumiu, em 27 de maio de 2012: “Esta solenidade faz-nos recordar e reviver a efusão do Espírito Santo sobre os Apóstolos e sobre os outros discípulos, reunidos em oração com a Virgem Maria, no Cenáculo (cf At 2, 1-11). Jesus, tendo ressuscitado e subido ao céu, envia à Igreja o seu Espírito, para que cada cristão possa participar na sua mesma vida divina e tornar-se sua testemunha válida no Mundo. O Espírito Santo, irrompendo na História, derrota a sua aridez, abre os corações à esperança, estimula e favorece em nós a maturação na relação com Deus e com o próximo”.

O Espírito Santo, simbolizado na pomba ou na água, no sopro e nas línguas de fogo, é o agente do discernimento, da verdade, da coragem, guia o crente e conduz a Igreja. É o verdadeiro protagonista da História da Salvação, sonhada pelo Pai, merecida pelo Filho e realizada pelo Espírito Santo, que pairava sobre as águas, manifestava-se na brisa fecunda e opera, agora, no Mundo em que vivemos, mas de que não somos.

2024.05.18 – Louro de Carvalho

Conselho da UE adota posição sobre segurança dos brinquedos

 
O Conselho da União Europeia (UE), a 15 de maio, adotou a sua posição (mandato de negociação) sobre o regulamento relativo à segurança dos brinquedos, proposta pela Comissão Europeia, que atualiza as regras destinadas a proteger as crianças dos riscos relacionados com a utilização de brinquedos. Embora a atual legislação faça com que as regras da UE em matéria de segurança dos brinquedos estejam entre as mais rigorosas do Mundo, a legislação em causa visa aumentar a proteção contra produtos químicos nocivos (por exemplo, desreguladores endócrinos) e reforçar as regras de aplicação através de um novo passaporte digital do produto.
Na verdade, a Comissão, a 28 de julho, propôs uma diretiva sobre esta matéria, com base nos motivos que se sintetizam.
Os brinquedos são regulados pela Diretiva 2009/48/CE, relativa à segurança dos brinquedos (ou Diretiva Brinquedos), que estabelece os requisitos de segurança que os brinquedos têm de cumprir, para serem colocados no mercado da UE, fabricados na UE ou em países terceiros. Além disso, visa assegurar a livre circulação dos brinquedos no mercado interno. 
A avaliação da diretiva pela Comissão identificou deficiências que surgiram na aplicação, desde a sua adoção, em 2009. Em concreto, identificou lacunas na garantia de um elevado nível de proteção das crianças contra eventuais riscos nos brinquedos e, em especial, contra os riscos de produtos químicos nocivos, e concluiu que a aplicação da diretiva não era eficaz, em especial no contexto das vendas em linha, subsistindo muitos brinquedos não seguros no mercado da UE.
A Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos apelou ao alargamento da abordagem genérica dos produtos químicos nocivos (baseada em proibições preventivas genéricas), para garantir proteção mais coerente dos consumidores, dos grupos vulneráveis e do ambiente natural. Em especial, apelou ao reforço da diretiva, no atinente à proteção contra os riscos dos produtos químicos mais nocivos e aos possíveis efeitos combinados dos produtos químicos.
A diretiva já contém a proibição de substâncias cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução (CMR) nos brinquedos, mas não refere outras substâncias que suscitam especial preocupação, como os desreguladores endócrinos ou as substâncias que afetam os sistemas imunitário, nervoso ou respiratório. 
A 16 de fevereiro de 2022, o Parlamento Europeu (PE) aprovou, quase por unanimidade, um relatório sobre a aplicação da diretiva, instando a Comissão a rever a diretiva no sentido do reforço da proteção das crianças contra os riscos químicos, de assegurar que o direito da UE tem em conta os riscos dos brinquedos ligados à Internet e de melhorar a aplicação da diretiva no atinente, em particular, às vendas em linha. 
A Comunicação da Comissão, de 16 de março de 2023, sobre a competitividade, a longo prazo, da UE, descreve a forma como a União pode tirar partido dos seus trunfos e ir mais longe, em vez de se limitar a colmatar as lacunas de crescimento e de inovação.
Para promover a competitividade, a Comissão propõe trabalhar nove vetores que se reforçam mutuamente, nomeadamente um mercado interno funcional e digitalização, através da adoção generalizada de ferramentas digitais na economia, o que é tido em conta na proposta.
A fim de abordar as questões salientadas na avaliação e desenvolvidas no relatório de avaliação de impacto que acompanha a proposta, bem como para responder à Estratégia para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos da Comissão, pretende-se resolver dois problemas que foram encontrados na diretiva.
O primeiro reside no facto de a diretiva não proteger suficientemente as crianças dos riscos colocados pelos produtos químicos perigosos presentes nos brinquedos. O poder conferido à Comissão para alterar a diretiva e adaptá-la ao conhecimento científico é demasiado limitado, não sendo possível adaptar a diretiva no respeitante aos valores-limite para os brinquedos destinados a crianças com mais de 36 meses. Além disso, há muitos brinquedos no mercado da UE que não cumprem a diretiva. Os brinquedos perigosos colocam as crianças em risco e podem levar a acidentes que podem até ser fatais. Nem todos os brinquedos presentes no mercado podem ser sujeitos a controlos. Por isso, não é possível quantificar, com precisão, a parte de brinquedos não conformes no mercado da UE. Porém, há indicadores suficientes que confirmam que o número é muito elevado, pois, sempre que são realizadas ações ou inspeções de fiscalização do mercado, é detetada, sistematicamente, elevada percentagem de brinquedos não conformes e não seguros. 
A posição do Conselho apoia  os objetivos gerais da proposta da Comissão, mas introduz várias melhorias para clarificar as obrigações dos operadores económicos e dos mercados em linha, estabelece o conteúdo do passaporte digital do produto e dos avisos e aumenta o número de substâncias cuja presença nos brinquedos é proibida.
Pierre-Yves Dermagne, vice-primeiro-ministro e ministro da Economia e do Trabalho da Bélgica, admitindo que as regras atuais estão entre as mais seguras do Mundo, relevou que, durante a Presidência belga, foram reforçados os requisitos aplicáveis aos operadores económicos e aos prestadores de serviços dos mercados em linha, bem como os requisitos de segurança específicos, incluindo os requisitos químicos, aperfeiçoando a resposta a riscos novos ou existentes. Com efeito, a segurança dos brinquedos merece a máxima atenção e deve-se continuar a proteger as crianças contra o fabrico e contra a importação de produtos não conformes.
O mandato de negociação define a posição do Conselho sobre a proposta da Comissão, em julho de 2023, do regulamento atinente à segurança dos brinquedos, que visa atualizar a diretiva em vigor, pela introdução de medidas destinadas a aumentar a proteção contra produtos químicos nocivos, alargando a proibição de substâncias cancerígenas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução (CMR) a outros produtos químicos perigosos, como os desreguladores endócrinos e os produtos químicos que afetam o sistema respiratório ou outros órgãos.
A proposta legislativa visa reduzir o número de brinquedos não conformes e não seguros no mercado da UE, pelo reforço da aplicação dos requisitos legais, em especial no atinente aos brinquedos importados. É introduzido o passaporte digital do produto, que incluirá informações sobre a segurança do brinquedo, para que as autoridades de controlo das fronteiras possam digitalizar todos os passaportes digitais, recorrendo a um novo sistema informático. A Comissão pode atualizar o regulamento e ordenar a retirada de determinados brinquedos do mercado, caso surjam, no futuro, riscos não previstos no texto atual.
O mandato de negociação alinhou as obrigações dos operadores económicos com o regulamento atinente à segurança geral dos produtos (RSGP) e com as novas realidades decorrentes do aumento do volume de vendas em linha.
Para tanto, os fabricantes serão obrigados a disponibilizar os avisos em língua ou línguas que possam ser facilmente compreendidas pelos consumidores e por outros utilizadores finais, conforme determinado pelos estados-membros. E terão de informar os outros operadores económicos da cadeia de distribuição sobre quaisquer problemas relativos à conformidade dos produtos. Além disso, os importadores de brinquedos terão de informar o produtor e as autoridades de fiscalização do mercado, caso suspeitem que um brinquedo representa risco.
O mandato do Conselho clarifica igualmente as obrigações dos “prestadores de serviços de execução” (as empresas que se ocupam dos elementos logísticos da venda de produtos, como o armazenamento, a colheita, a embalagem ou o transporte). Os prestadores de serviços de execução são considerados operadores económicos, já que desempenham importante papel na colocação dos brinquedos no mercado, especialmente os de países terceiros ou comprados em linha. As suas obrigações limitar-se-ão ao seu papel na cadeia de abastecimento.
A posição do Conselho considera que os prestadores de serviços dos mercados em linha desempenham importante papel na intermediação da venda ou da promoção de brinquedos entre comerciantes e consumidores. Portanto, os brinquedos que não estejam em conformidade com o regulamento atinente à segurança dos brinquedos serão considerados conteúdos ilegais para efeitos do Regulamento dos Serviços Digitais (RSD).
O mandato de negociação prevê, igualmente, obrigações específicas para os prestadores de serviços dos mercados em linha, para lá das estabelecidas pelo quadro jurídico existente (como o RSD e o RSGP). Por exemplo, exige que as interfaces dos mercados em linha sejam concebidas e organizadas de forma a permitir que os operadores económicos exibam a marcação CE, qualquer aviso necessário para o consumidor, antes da compra e a ligação Web ou o suporte de dados (ou seja, código QR ou de barras) que estabelece uma ligação para o passaporte digital do produto.
O mandato de negociação alinha ainda mais as disposições relacionadas com o passaporte digital dos produtos com o Regulamento Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis.
A posição do Conselho introduz a definição de passaporte digital do produto, para esclarecer que informações devem constar dos passaportes digitais dos produtos e as caraterísticas técnicas do suporte de dados. O âmbito dos requisitos técnicos relativos ao passaporte digital do produto para brinquedos será determinado por atos de execução adotados pela Comissão.
A posição do Conselho clarifica os requisitos relativos ao tamanho mínimo, à visibilidade e à legibilidade dos avisos, de modo a que sejam visualmente acessíveis à população em geral.
A posição do Conselho alinha o regulamento relativo à segurança dos brinquedos com o regulamento relativo à classificação, rotulagem e embalagem dos produtos químicos. Para o efeito, limita a proibição geral da presença de substâncias classificadas como cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução (substâncias CMR) nos brinquedos às que tenham sido objeto de classificação harmonizada. Além disso, introduz a proibição de determinadas categorias de sensibilizantes cutâneos (substâncias químicas que provocam reação alérgica, após contacto com a pele), a proibição de brinquedos com função biocida e a proibição do tratamento de brinquedos com produtos biocidas (exceto brinquedos que se destinem a ser colocados permanentemente no exterior). Os produtos biocidas são substâncias, incluindo conservantes, inseticidas, desinfetantes e pesticidas, utilizadas no controlo de organismos prejudiciais. É autorizada a presença de determinados conservantes nalguns tipos de materiais de brinquedos.
Em relação às fragrâncias alergénicas, o mandato de negociação atualiza as regras específicas que regem a sua utilização nos brinquedos (incluindo a proibição da utilização intencional de fragrâncias em brinquedos), bem como a rotulagem de determinadas fragrâncias alergénicas.
A orientação geral agora acordada formaliza a posição de negociação do Conselho e confere à sua Presidência um mandato para as negociações com o PE, que terão início logo que o novo Parlamento adote a sua posição.
Por fim, é de relevar que a proposta da Comissão está em consonância com a Estratégia da UE para a Sustentabilidade dos Produtos Químicos, que apela ao reforço da proteção dos consumidores e dos grupos vulneráveis contra os produtos químicos mais nocivos.
***
Na verdade, as questões referentes aos brinquedos merecem a máxima atenção. Não vá acontecer que um objeto destinado ao entretenimento e ao lazer, por motivo de falta de segurança, se torne incómodo ou mesmo fatal para a criança, um ser vulnerável, que gosta de mexer e de ver tudo por dentro, ou para o adulto que, tantas vezes, tem de ensinar a criança a manipular o brinquedo.
Porém, a China é uma ponderosa concorrente, também nesta área, e muitos encarregados de educação e seus amigos mandam vir de lá brinquedos para as suas crianças.  

2024.05.18 – Louro de Carvalho

Bruxelas considera a nova lei digital “arma” contra a desinformação

 

Têm ocorrido, na União Europeia (UE), vários alertas de alegada interferência e de desinformação nas questões europeias, nomeadamente no respeitante às eleições. A obviar a tais riscos, surgiu a Lei dos Serviços Digitais (LSD) como a principal “arma” da Comissão Europeia para garantir o combate à desinformação nas eleições europeias de junho, mas cabendo às grandes plataformas, como Facebook, o Instagram e o X, impor a vigilância necessária, nesta matéria.

Têm-se sucedido alertas de interferência e de desinformação, principalmente russa, no período de campanha eleitoral que antecede as eleições para o Parlamento Europeu (PE), marcadas para 6 a 9 de junho, em que votam cerca de 400 milhões de cidadãos dos 27 estados-membros. A própria página de Internet da campanha de Ursula von der Leyen, candidata do Partido Popular Europeu (PPE) à Comissão Europeia e atual líder da instituição, foi alvo de ciberataque no início de maio. E vários os especialistas vêm alertando que este tipo de situações se está a tornar mais frequente e mais sofisticado, face às últimas eleições europeias, realizadas em maio de 2019.

Para responder a tais preocupações e após vários anos de enquadramentos regulatórios voluntários, a UE tem em vigor, desde agosto de 2023, a LSD, que obriga as plataformas online de grande dimensão (como o Facebook e o Instagram da Meta, o X e outras) a remover conteúdos ilegais para, assim, combater a desinformação no espaço virtual.

São abrangidas por esta legislação as plataformas com mais de 45 milhões de utilizadores ativos na UE, obrigadas a atenuar os riscos conexos com os processos eleitorais, salvaguardando, simultaneamente, os direitos fundamentais e o direito à liberdade de expressão.

Em declarações à agência Lusa, Mark Dempsey, investigador da organização de defesa da liberdade de expressão “Article 19”, sublinha que “a Lei dos Serviços Digitais é o principal instrumento à disposição da Comissão Europeia, em períodos eleitorais”, embora “o ónus de aumentar a diligência durante os períodos eleitorais recaia sobre as plataformas”. No entanto, como esclarece, “a Comissão pode verificar os esforços das plataformas e, se os considerar insuficientes e com base em provas, pode avançar com investigações”. Foi aliás o que já fez no final de abril, relativamente à Meta (dona do Facebook e do Instagram).

A UE tornou-se, desde final de agosto de 2023 e após um período de adaptação, a primeira jurisdição do Mundo a dispor de regras para plataformas digitais, que passam a estar obrigadas a remover conteúdos ilegais. As empresas que não cumpram esta legislação podem ter coimas proporcionais à sua dimensão, podendo as de maior dimensão ser sancionadas até 6% do seu volume de negócios global. São alvo destas regras plataformas em linha de grande dimensão, com 45 milhões de utilizadores ativos mensais, entre as quais o Facebook, o Instagram e o X.

Criada, para proteger os direitos fundamentais dos utilizadores online, a LSD tornou-se numa legislação inédita para o espaço digital que responsabiliza plataformas por conteúdos ilegais e prejudiciais, nomeadamente desinformação.

No final de abril deste ano, por suspeitar que isso não estava a ser cumprido, a Comissão Europeia avançou com uma investigação formal às plataformas Facebook e Instagram, detidas pela Meta, por alegada violação das novas regras dos serviços digitais da UE.

Bruxelas especificou, na altura, que “as suspeitas de infração abrangem as políticas e práticas da Meta, em matéria de publicidade enganosa e de conteúdos políticos, nos seus serviços”, dizendo também respeito a “campanhas de desinformação e comportamentos inautênticos coordenados na UE”, numa altura de campanha eleitoral. E adiantou suspeitar que a Meta tenha violado as novas regras, pela “indisponibilidade de uma ferramenta eficaz de monitorização do discurso cívico e das eleições em tempo real por parte de terceiros”, antes das eleições para o PE.

A antever um cenário desafiante, logo em março passado, o executivo comunitário divulgou recomendações às plataformas online de grande dimensão e aos motores de pesquisa, para atenuar os riscos que poderiam afetar a integridade das eleições europeias, com sugestões para os períodos anterior, posterior e do sufrágio. E propôs, desde logo, que as plataformas criassem equipas internas com recursos adequados, tomassem medidas de atenuação dos riscos como de literacia mediática e de inclusão de rótulos em anúncios políticos, adotassem iniciativas conexas com a Inteligência Artificial (IA) generativa (evitando manipulação de imagens ou vídeos, os chamados ‘deepfakes’) e cooperassem com autoridades nacionais e da UE. Além disso, propôs a criação de um mecanismo de resposta a incidentes e a avaliação da eficácia das medidas.

No início de maio, a Comissão Europeia lançou ações de sensibilização sobre a desinformação, a manipulação de informação e a ingerência estrangeira, no âmbito das eleições europeias.

Segundo uma nota de imprensa do executivo comunitário, foi desenvolvida uma campanha em colaboração com o grupo de reguladores europeus dos serviços de media audiovisuais – que junta os organismos nacionais independentes dos 27 estados-membros – para informar os cidadãos sobre os riscos da desinformação e a dar ferramentas para a combater. O vídeo da campanha será divulgado em todos os estados-membros, nas 24 línguas oficiais da UE, a partir do início de junho.

Foi anunciado que o gabinete estatístico da UE, o Eurostat, lançou um serviço específico sobre verificação de factos e dados no âmbito das eleições ao PE. Assim, até dia 15 de junho, o Eurostat fornecerá aos media e a verificadores de factos respostas, num prazo de uma hora, sobre dados disponíveis nas suas bases de dados, prazo que pode aumentar para questões mais complexas.

Entretanto, o Conselho da UE já informou querer que os influenciadores digitais que criam conteúdos tenham noção do impacto negativo da partilha de desinformação, propondo à Comissão que explore formas de os apoiar nesse sentido. Os influenciadores, considerou o Conselho, necessitam de “competências de literacia mediática para compreenderem o potencial impacto negativo da partilha de informação errada e desinformação, do discurso de ódio em linha, da ciberperseguição e de outros conteúdos ilegais ou nocivos”.

***

Visto que o combate à desinformação é uma prioridade da UE, desde 2015, há outras ferramentas que podem ser adotadas, como o recurso aos especialistas do Serviço Europeu de Ação Externa ou a ativação de mecanismos de crise ao nível comunitário.

Ao nível regulatório, outras importantes leis não estarão em vigor a tempo das eleições europeias de junho, como a Lei da Inteligência Artificial (LIA) ou a Lei da Liberdade dos Meios de Comunicação Social (LLMCS). Em meados de março, o PE aprovou aquela que classificou como uma “lei histórica” para regular a IA, na UE, a primeira legislação ao nível mundial para esta tecnologia, para salvaguardar os direitos fundamentais no espaço comunitário. Para isso, o regulamento estabelece uma série de obrigações para a IA, com base nos seus riscos potenciais e no seu nível de impacto, estipulando a proibição de certas aplicações, limitações da utilização de sistemas de identificação biométrica pelas autoridades policiais, isenções aplicáveis à aplicação da lei, obrigações para os sistemas de alto risco e requisitos de transparência.

Esta é a primeira regulação direcionada para a IA, apesar de os criadores e os responsáveis pelo desenvolvimento desta tecnologia estarem já sujeitos à legislação europeia, em matéria de direitos fundamentais, de proteção dos consumidores e de regras em matéria de segurança. E está prevista a introdução de requisitos adicionais para colmatar os riscos, como a supervisão humana ou a obrigação de informação clara sobre as capacidades e as limitações da IA.

A IA tem vindo a ser cada vez mais usada em áreas como o entretenimento (personalização dos conteúdos), o comércio online (previsão dos gostos dos consumidores), os eletrodomésticos (programação inteligente) e os equipamentos eletrónicos (recurso aos assistentes virtuais como a Siri ou a Alexa, entre outros).

Após o aval do PE, a adoção final pelos Estados-membros (no Conselho) deve acontecer até ao final da legislatura, sendo que a lei entrará em vigor 20 dias após a sua publicação no Jornal Oficial, havendo um período de adaptação de dois anos. Assim, será plenamente aplicável, 24 meses após a sua entrada em vigor, exceto no atinente a proibições de práticas proibidas (aplicáveis seis meses após a data de entrada em vigor), aos códigos de conduta (nove meses após a entrada em vigor), regras gerais de IA, incluindo a governação (12 meses após a entrada em vigor) e obrigações para sistemas de alto risco (36 meses).

Por seu lado, as primeiras regras da UE para proteger jornalistas e liberdade de imprensa já entraram em vigor. Proíbem sistemas de vigilância e obrigam a que se conheçam os donos dos grupos de comunicação social, mas as regras ainda não se aplicam na totalidade.

As salvaguardas de pluralismo tornam-se aplicáveis no prazo de seis meses, seguindo-se outras aplicações faseadas até maio de 2027. Em causa está o novo regulamento da UE sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, um novo conjunto de regras sem precedentes para proteger a independência e o pluralismo, que entraram em vigor, a 18 de maio, e que serão aplicadas, de forma faseada, até maio de 2027, com salvaguardas contra a interferência política nas decisões editoriais e contra a vigilância dos jornalistas.

A entrada em vigor destas que são as primeiras regras harmonizadas da UE para independência e pluralismo dos media surge após o aval final dos eurodeputados e adoção pelos estados-membros em meados de março passado. A ideia é salvaguardar a liberdade, pluralismo e independência editorial dos órgãos de comunicação social europeus, para proteger jornalistas de interferência política e combater todas as formas de pressão sobre meios de comunicação social na UE.

Com a nova legislação, está estipulado que os meios de comunicação social passem a divulgar informações sobre quem são os seus proprietários e sobre quem beneficia deles, direta ou indiretamente, bem como a publicidade estatal e o apoio financeiro do Estado, incluindo fundos públicos de países terceiros. As novas regras visam, ainda, assegurar o direito de os cidadãos acederem a informação livre e pluralista, definindo responsabilidade de os Estados-membros proporcionarem condições adequadas para o exercício de tal profissão, bem como responder às crescentes preocupações existentes na UE, quanto à politização dos meios de comunicação social, à falta de transparência e à afetação de fundos públicos utilizados para fins publicitários aos fornecedores.

Em outubro de 2022, a Comissão Europeia (que tem iniciativa legislativa na UE) propôs a LLMCS, com um novo conjunto de regras e mecanismos comuns.

No início de maio, o Conselho do Atlântico Norte, principal órgão de decisão política da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), disse estar “profundamente preocupado” com os recentes ataques híbridos, de desinformação e interferência cibernética, da Rússia contra sete países aliados (Chéquia, Estónia, Alemanha, Letónia, Lituânia, Polónia e Reino Unido), garantindo ação individual e coletiva. Estão em causa “atividades de desinformação [e de] sabotagem, atos de violência, interferência cibernética e eletrónica, campanhas de desinformação e outras operações híbridas”, especificou.

***

Não restam quaisquer dúvidas de que a desinformação e a sabotagem são alguns dos principais meios de desestabilização e de Guerra. E hoje são muitos, diversificados e sofisticados. Cabe, pois, aos países e às organizações interestados montar os respetivos mecanismos de vigilância, sem inibição de qualquer dos direitos fundamentais, e concitar a cooperação de todas as organizações que intervêm no terreno. É também esta uma forma de construção da paz.

2024.05.18 – Louro de Carvalho

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Lisboa acolheu o 1.º Fórum Global KAICIID para o diálogo

 

Decorreu, em Lisboa, na sede da Agência Europeia para a Segurança Marítima, entre os dias 14 e 16 de maio, o primeiro Fórum Global promovido pelo KAICIID – Centro Internacional de Diálogo, sob o mote “O Diálogo como força transformadora: Construir Alianças para a Paz num mundo em rápida mudança”, que fez sentarem-se à mesa, em prol da construção de alianças para a paz, líderes políticos e religiosos mundiais, organizações internacionais e sociedade civil.

O Centro Internacional Rei Abdullah Bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural (KAICIID) é uma organização intergovernamental que visa promover o diálogo entre religiões e culturas, encorajar o respeito pela diversidade e construir alianças para a paz entre nações e povos, bem como combater o uso indevido da religião como justificação para a violência e a perseguição. É liderado pelo Conselho das Partes constituído por representantes dos Estados-membros fundadores – Arábia Saudita, Áustria, Espanha e a Santa Sé (como fundador observador) – e pelo conselho diretivo composto por representantes de várias religiões (incluindo Cristianismo, Budismo, Hinduísmo, Islão, Judaísmo, Jainismo e Sikhismo). Fundado em 2012 e sediado em Lisboa desde 2022, o KAICIID tem longa experiência na promoção da reconciliação, colmatando divisões e melhorando a compreensão mútua entre grupos étnicos, culturais, sociais, etários, religiosos e religiosos.

Num momento assaz difícil, em que a Humanidade enfrenta enormes desafios – com guerras, conflitos e profundas clivagens sociais a abrirem espaço para o medo, a desconfiança e os discursos de ódio e de intolerância – este Fórum Global ganha mais sentido, focando-se no poder do diálogo intercultural e inter-religioso como chave para a identificação de bases comuns em torno da defesa da dignidade e dos direitos humanos como pilares de sociedades pacíficas.

Os intervenientes procuraram construir confiança, expandir visões e criar oportunidades para que seja possível sair do plano das intenções e avançar para a ação concreta e concertada, pelo desenvolvimento de iniciativas multilaterais em prol coesão social e da resolução de conflitos.

O evento, cujo anfitrião foi o secretário-geral do KAICIID, Dr. Zuhair Alharti, contou com o contributo de figuras internacionais como Graça Machel, cofundadora e vice-presidente do The Elders (grupo independente de líderes globais que trabalham pela paz, pela justiça e pelos direitos humanos), Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro italiano, e François Hollande, antigo presidente francês. Contou, igualmente, com a presença de importantes líderes religiosos como o Patriarca Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I, o Grande Mufti do Egito, Shawki Ibrahim Abdel-Karim Allam, ou o rabino principal da Polónia, Michael Schudrich.

Foi um evento marcante, unindo líderes de todo o Mundo, para promover alianças multissetoriais e para abrir caminho a processos de diálogo transformadores, com vista a objetivos comuns de afirmação da dignidade humana. Usar o poder do diálogo para construir pontes foi a premissa do fórum e da ação desta organização intergovernamental para o diálogo intercultural e inter-religioso, que trabalha na promoção dos valores do respeito, da compreensão e da cooperação entre pessoas, com respeito pela justiça e pela paz, procurando pôr fim ao uso abusivo da religião para justificar opressão, violência e conflito.

***

Líderes das principais religiões (islâmicos, judeus e cristãos) e políticos defenderam a necessidade de diálogo em todas as perspetivas, para encontrar soluções para os conflitos globais, como na Ucrânia e em Gaza, e para a crise climática. “Este fórum promove a colaboração entre diferentes comunidades”, afirmou o Imam da Grande Mesquita de Meca, Salih Bin Abdullah al-Humaid, vincando: “Temos todas as partes a defender uma verdadeira aliança, apesar das nossas diferenças culturais e religiosas.” Foi um encontro que o rabi-chefe da Polónia e membro do Conselho de Liderança Judaica-Muçulmana, Michael Schudrich, elogiou, sublinhando que “seria impossível acontecer, há alguns anos”. A necessidade de o fórum não servir apenas para debater conceitos, mas para inspirar ações foi defendida pelos vários intervenientes, com o antigo presidente da Áustria, Heinz Fischer, a admitir que “a religião e a política podem colaborar para resolver conflitos” e que o diálogo da reunião “é muito importante”, perante a guerra na Ucrânia, em Gaza e para outros conflitos em diferentes partes do Mundo. “A paz não é o nosso único valor, mas, sem paz, todos os outros valores ficam em risco”, observou.

Para o patriarca ortodoxo Bartolomeu I, o patriarca verde, o evento deve destacar a necessidade de paz, mas sobretudo de sustentabilidade ecológica. “Estamos preocupados porque estamos convencidos que a crise climática tem raízes profundamente espirituais”, confessou, defendendo que preservar o ambiente e os recursos do planeta “não é uma moda, mas uma responsabilidade divina”. Como adiantou, “todos os líderes religiosos têm a responsabilidade de alertar as congregações de que o planeta é sagrado e de que não pode haver indiferença e inação”.

Graça Machel, apresentando-se como “lutadora pela paz e a liberdade” e como “avó africana que quer deixar um Mundo de paz aos netos e às gerações vindouras”, defendeu a participação as mulheres em processos de pacificação, resolução de conflitos e negociações de paz. “Apelo a todos a encontrar formas significativas de garantir que as mulheres se sentam nas principais mesas de negociação e de tomada de decisões – com as suas capacidades enquanto especialistas, líderes da sociedade civil, guardadoras da religião, académicas, advogadas, defensoras dos direitos humanos, mães e irmãs”, afirmou, frisando que tal participação deveria ser obrigatória.

Aquela que viria a ser, mais tarde, mulher do presidente Nelson Mandela, da África do Sul, contou exemplos de processos de resolução de conflitos em que participou, na Libéria, no Burundi e no Quénia, para defender a participação das mulheres: são elas que têm a maior dor e “que carregam o maior peso do sofrimento e as feridas mais dolorosas das vítimas dos conflitos” e, por isso, é importante “ouvir e respeitar diferentes vozes, diversas entoações”, para poder “desfrutar dos acordes harmoniosos e duradouros da paz”. Até porque as mulheres “têm perspetivas e aspirações absolutamente cruciais para a resolução duradoura dos conflitos”. Mas, apesar de resoluções das Nações Unidas nesse sentido, as mulheres continuam a ser a minoria nesses processos de pacificação. Tão pouco deve ser deixado só às fações beligerantes a resolução dos conflitos. Deve reconhecer-se “a força do diálogo entre múltiplos intervenientes” e deverá haver “uma percentagem de mulheres sentadas à mesa das negociações formais”.

Aquela que, enquanto estudante, viveu em Lisboa, num lar da Igreja Presbiteriana, a que pertencia, vincou a responsabilidade de os líderes religiosos apontarem caminhos a milhões de pessoas: devem assumir um papel de “portadores da paz”, levando as instituições religiosas a serem “plataformas de diálogo” e a ajudarem a “pôr fim aos conflitos”. “Aqueles de quem procuramos orientação espiritual” devem recusar “as ideologias que fomentam a desigualdade, a divisão e a destruição e orientarem-nos para empatia, compaixão e aceitação mútua”, concluiu.

Matteo Renzi fez várias perguntas: “No tempo do Mundo, há lugar para o diálogo? No tempo da inteligência artificial, há lugar para a religião? No tempo das redes sociais, há lugar para a cultura?” E concluiu: “Não só há lugar, como precisamos de lugares de oportunidades de diálogo sobre esses pontos, porque esse é o futuro, não o passado do Mundo.”

O futuro, como observou, passa pela cultura, que “não deveria ser a última” opção política. E referiu a sua decisão, enquanto presidente da Câmara de Florença, de destinar as mesmas verbas para a cultura e para a segurança: “Por cada euro para a segurança, havia um euro para a cultura.” Uma lógica semelhante à que a cidade vivera no Renascimento, quando estava em guerra. E, apesar disso, o escultor e ourives Lorenzo Ghiberti e o seu filho Vittore esculpiram a Porta do Paraíso no Batistério de Florença, “uma das obras-primas do Renascimento”, comentou Renzi, acrescentando: “Devemos dar a mesma atenção ao diálogo que dedicamos à geopolítica.”

Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, lembrou a presença do Papa em Lisboa, em agosto, para afirmar que a mensagem “todos, todos, todos” está “no coração das religiões”. E citou o rabi judeu Jonathan Sacks, para afirmar: “Quando contas a tua história, a tua identidade é forte e podes acolher” o estrangeiro; “quando omites a tua história a identidade é fraca e sentes-te ameaçado.” François Hollande pediu aos religiosos que “sejam exemplos de unidade” e em ideias semelhantes insistiu Heinz Fischer, ex-presidente austríaco.

Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República, falando dos conflitos que se multiplicam, referiu-se à Arménia e ao Azerbaijão, sublinhando que “as nossas diferenças enriquecem o Mundo”. E, perante os jornalistas, condenou a “justificação do discurso de ódio” como “uma das coisas mais antipatrióticas, porque a pátria portuguesa não é isso, é uma pátria habituada há séculos aos que saem e aos que entram”, de proveniência “variada” e de influências diversificadas – cristã, judaica, muçulmana, romana… “Quem quer dividir-nos, quem quer que nos odiemos uns aos outros, quem quer que nós sejamos intolerantes uns com os outros, esse está a pôr em perigo o essencial da pátria portuguesa.” E, face a alguns discursos que se tinham acabado de ouvir na sessão de abertura, o agora, de novo, professor da Universidade do Porto afirmou que o diálogo inter-religioso também se enriquece no diálogo das religiões com a cultura humanista europeia, que se afastou de tentação teocrática, e declarou: “Estas sessões são muito importantes, mas são a parte mais fácil do nosso trabalho. A parte mais difícil é que façamos o que dizemos, pratiquemos o que pregamos. E que estejamos atentos a todos os que prostituem as palavras: dizem palavras que sabemos que, depois, não correspondem aos seus atos.”

***

Entretanto, no dia 14, à margem do Fórum, o patriarca de Lisboa recebeu, no Seminário dos Olivais, o patriarca ecuménico de Constantinopla (Igreja Ortodoxa), em encontro que considerou “histórico”. D. Rui Valério saudou o líder ortodoxo, enfatizando a “sede de paz” que se sente no Mundo atual. “Ser reconciliado é o caminho que, como cristãos, temos para oferecer à sociedade de hoje, como forma de vencer a guerra”, apontou o patriarca de Lisboa, que evocou, a dimensão histórica do Patriarcado de Lisboa, com grande dimensão “missionária”. Para D. Rui Valério, é necessário colocar em prática o apelo de Francisco por uma “Igreja em caminho”, ao encontro de “todos os irmãos”.

A saudação, perante membros do clero de Lisboa e da delegação ortodoxa, realçou a importância da unidade dos cristãos, encerrando-se com uma oração por essa causa dirigida à intercessão da Virgem Maria, “ícone da unidade”.

Rui Valério citou uma mensagem enviada a Bartolomeu I pelo Papa, a 30 de novembro, em que observava que “todos os autênticos caminhos para a restauração da plena comunhão entre os discípulos do Senhor se distinguem pelo contacto pessoal e pelo tempo passado juntos”. E Bartolomeu I apresentou-se como irmão, dizendo que se sentia “em casa” e vincando: “Amamos a Igreja Católica como uma irmã.” Apontou ao 1700.º aniversário de Niceia, primeiro Concílio ecuménico da História da Igreja, adiantando que já convidou o Papa para as celebrações.

Os participantes no Concílio de Niceia abordaram, entre outros temas, a definição da data da Páscoa. Os ortodoxos celebraram a Páscoa, este ano, cinco semanas mais tarde do que os católicos e protestantes, a 5 de maio; em 2025, a data coincide, no dia 20 de abril. No século XVI, com a introdução por Gregório XIII do novo calendário, os católicos começaram a calcular a data da Páscoa a partir do calendário gregoriano, enquanto as Igrejas do Oriente continuam a celebrar a Páscoa de acordo com o calendário juliano, usado em toda a Igreja, antes dessa reforma, e no qual o Concílio de Niceia também se baseou.

O patriarca ecuménico apelou ao diálogo fraterno para “resolver o problema” que persiste, impedindo os cristãos de celebrarem juntos a Páscoa, a “maior festa da fé cristã”. Assumiu uma amizade “sincera” com Francisco, tendo sido o primeiro patriarca ecuménico presente no início solene de um pontificado, no Vaticano, em março de 2013. Após esse “dia histórico”, Bartolomeu e o Papa estiveram juntos noutras 12 ocasiões, em Roma e em viagens internacionais, incluindo passagens por Jerusalém ou pela ilha de Lesbos, junto dos refugiados. Agora, admitiu que o interesse da Igreja Católica pela sinodalidade vai “ajudar muito ao diálogo e ao caminho para a unidade” dos cristãos, refletindo sobre a relação entre o primado e o Sínodo.

2024.05.17 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Dois cientistas ganham Prémio Mundial da Alimentação

 

Dois homens que foram fundamentais para a criação de um cofre global de sementes, destinado a salvaguardar a diversidade agrícola mundial, serão galardoados com o Prémio Mundial da Alimentação de 2024, que será atribuído durante o Diálogo Internacional Norman E. Borlaug, conferência que se realiza, anualmente, de 29 a 31 de outubro, em Des Moines, nos Estados Unidos da América (EUA).

O Prémio Mundial da Alimentação foi fundado por Norman Borlaug, que recebeu o Prémio Nobel da Paz, em 1970, pelo seu papel na Revolução Verde, a qual aumentou, drasticamente, o rendimento das colheitas e reduziu a ameaça de fome em muitos países.

Cary Fowler, enviado especial dos EUA para a Segurança Alimentar Global, e Geoffrey Hawtin, cientista agrícola do Reino Unido e membro do conselho executivo do Global Crop Diversity Trust, vão receber o prémio anual e dividirão um prémio de 500 mil dólares (464 mil euros).

O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, elogiou os dois homens pelo seu “papel fundamental na preservação da diversidade das culturas”, nos bancos de sementes de todo o Mundo. Ambos ajudaram a criar o Banco Mundial de Sementes de Svalbard – também conhecido como o “Cofre do Juízo Final” e “Arca de Noé”, que protege, atualmente, mais de seis mil variedades de culturas e plantas culturalmente importantes. Cofre do dia do juízo final: um banco global de sementes para salvaguardar a segurança alimentar.

Em 2004, Fowler e Hawtin lideraram os esforços para construir um banco de reserva das sementes das culturas mundiais num local onde pudessem estar a salvo de convulsões políticas e alterações ambientais.

As instalações foram construídas na encosta de uma montanha numa ilha norueguesa no Círculo Polar Ártico, onde as temperaturas poderiam garantir a preservação das sementes.

O Banco Mundial de Sementes de Svalbard foi inaugurado em 2008 – com a ajuda de um Tratado Internacional que visa conservar a biodiversidade, um tratado da Organização das Nações Unidas (ONU), criado para garantir o futuro alimentar mundial – e já guarda 1,25 milhões de amostras de sementes de quase todos os países do Mundo.

Fowler, que propôs, pela primeira vez, a criação do cofre de sementes na Noruega, revelou que a sua ideia foi, inicialmente, recebida com perplexidade pelos líderes dos bancos de sementes de alguns países. “Para muitas pessoas, hoje em dia, parece uma coisa perfeitamente razoável a fazer. Trata-se de um recurso natural valioso e queremos oferecer-lhe uma proteção sólida”, afirmou, lembrando que, “há quinze anos, enviar um monte de sementes para o local mais próximo do Polo Norte onde se pode voar e colocá-las dentro de uma montanha era a ideia mais louca que alguém alguma vez teve”. Existem centenas de bancos de sementes mais pequenos, noutros países, há muitas décadas, mas Fowler foi motivado pela preocupação de que as alterações climáticas pudessem perturbar a agricultura, tornando essencial um fornecimento abundante de sementes.

Hawtin, por seu turno, afirma que, juntamente com as ameaças existentes às culturas, como insetos, doenças e degradação dos solos, as alterações climáticas aumentaram a necessidade de um cofre de sementes seguro e de reserva. Em parte, isso deve-se ao facto de as alterações climáticas terem o potencial de agravar ainda mais os problemas anteriores. “Acabamos por ter um espetro totalmente novo de pragas e doenças em diferentes regimes climáticos”, afirmou Hawtin, sustentando que “as alterações climáticas estão a colocar uma série de problemas adicionais àqueles que sempre foram significativos”.

Fowler e Hawtin dizem esperar que a sua vitória do Prémio Mundial da Alimentação lhes permita obter centenas de milhões de dólares de financiamento adicional para os bancos de sementes em todo o Mundo. A manutenção destas operações é relativamente barata, especialmente se tivermos em conta o facto de serem essenciais para se garantir um abastecimento alimentar abundante, mas as necessidades de financiamento são eternas.

Hawtin considera: “Esta é, realmente, uma oportunidade para passar a mensagem e dizer: ‘Esta quantia relativamente pequena de dinheiro é a nossa apólice de seguro de que vamos conseguir alimentar o mundo daqui a 50 anos’.”

***

A preservação da biodiversidade agrícola ou mesmo do futuro da vida na Terra passa por uma das zonas mais inóspitas do planeta, o círculo polar Ártico. Com efeito, na imensidão do deserto branco, junto ao Polo Norte, ergue-se uma estrutura de betão: a entrada para o banco de sementes onde se conservam as chaves-genéticas essenciais para a sobrevivência da Humanidade.

Atravessada uma galeria de túneis, encontra-se um cofre no interior da montanha, a 130 metros acima do nível do mar. Um cofre concebido para resistir a explosões e a alterações climáticas extremas e para perdurar, pelo menos, dois séculos.

As sementes estão armazenadas numa câmara refrigerada a uma temperatura constante de -18°C (18 graus centígrados negativos). No caso de um corte de corrente elétrica, a temperatura levaria décadas a subir para os 0°C, devido ao pergilissolo (camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada).

Este espaço ganhou a alcunha de “Cofre do Juízo Final”, uma vez que tem como objetivo preservar a biodiversidade agrícola, no caso de uma catástrofe dantesca. Foi o que aconteceu em 2015, quando foram recuperadas sementes da Síria, depois de o banco, em Alepo, ter sido encerrado, devido aos combates na cidade. E ganhou a alcunha de “Arca de Noé”, em razão da enorme diversidade de espécies de sementes que aloja, a salvo de cataclismo de proporções similares às do dilúvio.

A ICARDA (Science for Resilient Livelihoods under a Climate Crisis), uma organização que tenta melhorar a agricultura em zonas seca, levantou sementes para emular o banco de Alepo e, em fevereiro de 2017, voltou a depositar 15 mil amostras como salvaguarda da salvaguarda.

A estrutura do Svalbard Global Seed Vault, na Noruega, foi criada para situações como esta e para assegurar que a riqueza natural do nosso planeta não esmorece, perante a loucura dos homens. É, pois é uma espécie de catálogo da vida terrena.

***

Já em 2017, em Portugal, alguém se preocupava com as muitas ameaças que a flora portuguesa enfrenta, por força das alterações climáticas. E o Banco de Sementes António Luís Belo Correia, ou só Banco de Sementes A. L. Belo Correia, no centro da cidade de Lisboa, trabalhava, desde 2001, na conservação e proteção do presente para poder um dia salvar o futuro.

Neste banco, os tesouros eram as mais de 3700 amostras de sementes, agregando mais de 1200 espécies e subespécies de plantas de Portugal, guardadas num ‘cofre’ sob a forma de um frigorífico gigante de quatro metros quadrados. Com temperaturas que podem atingir os -18º C, este frigorífico preserva mais de um terço da flora portuguesa e cerca de 60 por cento das espécies protegidas de Portugal continental. Tudo acontecia sob a vigilância da curadora Maria Manuela Sim-Sim e da técnica Domitila Brocas, que procediam à identificação, à análise e à preservação.

“Não é o único, mas é o mais antigo banco de sementes de espécies autóctones em Portugal e é membro nacional do ENSCONET-The European Native Seed Conservation Network, o consórcio europeu que reúne 30 bancos de sementes. O banco aplica normas internacionais na recolha e conservação de sementes, de forma a maximizar a qualidade, a longevidade e a diversidade genética. Milhares de sementes de uma só espécie podem manter-se vivas durante dezenas ou centenas de anos”, referia a curadora.

Como num banco tradicional, diferentes clientes ditam diferentes formas de tratamento. No banco de sementes, que muitos apelidam de ‘Arca de Noé’, a fisiologia das plantas determina o processo. Segundo Maria Manuela Sim-Sim, as amostras, guardadas em tubos de vidro tapados com algodão e sílica-gel, além do seu aprovisionamento com parafina, dividem-se em três áreas: ortodoxas, intermédias e recalcitrantes. “As sementes ortodoxas retêm a sua viabilidade por um longo período de tempo, sob as condições de conservação, ou seja, baixo conteúdo hídrico e temperaturas abaixo de zero, enquanto as sementes recalcitrantes toleram apenas uma secagem parcial e nunca a valores inferiores a 18-45% ou temperaturas muito abaixo dos 0º C. Já as sementes intermédias não pertencem a nenhuma das categorias descritas e podem tolerar baixos conteúdos hídricos, mas não suportam temperaturas negativas”, explicou.

Num país caraterizado pela diversidade da flora, onde coexistem espécies atlânticas, europeias, mediterrânicas e africanas, “a perda de biodiversidade é uma realidade” e há “uma significativa percentagem de espécies ameaçadas” de extinção. Perante os inúmeros riscos, a curadora sustenta que “a salvaguarda desta diversidade para o futuro a longo prazo é um desafio cada vez mais urgente” para os Portugueses.

O futuro requer “abordagens que integrem a proteção, o desenvolvimento e o uso sustentável dos recursos naturais” de Portugal. “Gostaria de chegar a 2020 com 75 por cento da flora ameaçada salvaguardada”, antecipava Maria Manuela Sim-Sim.

***

O Banco Mundial de Sementes comemorou 10 anos em 2018 e, como “presente de aniversário”, recebeu 77 mil amostras de sementes de todo o Mundo, para juntar à coleção.

Portugal não quis deixar passar a data e enviou 100 quilogramas de sementes de milho português, sementes de uma das melhores colheitas nacionais da década de 70, da Beira Litoral. 

As sementes portuguesas vivem, agora, com milhões de outras sementes de todo o mundo a 150 metros de profundidade. As temperaturas de -18ºC permitem uma conservação até 100 anos. 

O banco foi criado para o futuro mas já serviu de ajuda no passado. Em 2015, esta “Arca de Noé” abriu portas à Síria, na sequência do pedido de ajuda, depois de o banco de sementes do país (International Center for Agricultural Research in the Dry Areas) ser destruído. Assim, foram enviadas para a região de Aleppo cerca de 116 mil sementes para restaurar as colheitas do país.

***

Enfim, uma grande reserva para o futuro, mas que já serviu no passado recente e que poderá servir logo que seja necessário. É pena que, enquanto uns zelam pelo futuro do planeta e da sua população, outros se comprazam na destruição e na morte. Pensam que podem construir a paz e criar vida e desenvolvimento sobre “terra queimada” e sobre “um montão de cadáveres”? Poupem-nos!

2024.05.16 – Louro de Carvalho

Novo Aeroporto de Lisboa situar-se-á no Campo de Tiro de Alcochete

 

O anúncio chegou aos Portugueses, com pompa e circunstância, a 14 de maio, pela voz de Luís Montenegro Cardoso de Morais Esteves, o primeiro-ministro (PM) do XXIV Governo Constitucional, apoiado, na Assembleia da República (AR) pela Aliança Democrática (AD).

Com efeito, naquele dia, em sua reunião, na Residência Oficial do Primeiro-Ministro, o Conselho de Ministros (CM) aprovou três Resoluções do Conselho de Ministros (RCM).

A primeira RCM determina o desenvolvimento de um novo aeroporto de Lisboa (NAL), com a designação de Aeroporto Luís de Camões, localizado no Campo de Tiro de Alcochete, de forma a substituir, integralmente, o Aeroporto Humberto Delgado (AHD), para o que deliberou mandatar “o ministro de Estado e das Finanças e o ministro das Infraestruturas e Habitação” para praticarem os atos e realizarem as diligências necessárias à sua concretização, “com a máxima celeridade, racionalidade económica e eficiência”. 

De acordo com o respetivo comunicado do CM, “a decisão fundamenta-se numa apreciação do trabalho e [das] conclusões da Comissão Técnica Independente [CTI] que estudou, de forma profunda e participada, várias alternativas de localização”. E, quanto “à designação do novo aeroporto como Luís de Camões, pretende-se homenagear uma das mais notáveis figuras da história, cultura e língua portuguesas”.

A segunda RCM contempla “várias determinações para a concretização célere e efetiva da expansão da capacidade do Aeroporto Humberto Delgado”. Assim, “determina que a ANA – Aeroportos de Portugal, SA, desenvolva o Plano de Investimentos faseado para o Aeroporto Humberto Delgado, em estreita cooperação com as demais entidades competentes, tendo em vista atingir o objetivo de 46 a 48 movimentos por hora”.

Além disso, o CM deliberou que “a Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal, EPE, desenvolverá um plano de expansão da capacidade do espaço aéreo de Lisboa e que a Autoridade Nacional da Avaliação [Civil] [ANAC] apresentará alternativas que permitam maior utilização do espaço ao Aeródromo de Trânsito n.º 1”.

A terceira RCM mandata as Infraestruturas de Portugal, SA (IP) para concluir os estudos relativos à concretização da Terceira Travessia do Tejo (TTT), no eixo Chelas-Barreiro, e à ligação de alta velocidade [LAV] entre Lisboa e Madrid, devendo o estudo sobre as valências e caraterísticas topológicas da TTT ser concluído até final de 2024. 

O CM deliberou que “os demais Estudos de Procura e de Resiliência às Alterações Climáticas, a Análise Custo/Benefício, o Estudo Prévio e o Estudo de Impacte Ambiental” ficarão concluídos “no primeiro semestre de 2026” e que “os estudos sobre a ligação de alta velocidade serão realizados no pressuposto de um tempo de percurso Lisboa-Elvas/Badajoz em cerca de uma hora”.

***

Ao fim de 55 anos de debate, dá-se por decidido, definitivamente, que o NAL vai ser construído no Campo de Tiro de Alcochete, como a CTI tinha recomendado, e que terá o nome do poeta Luís de Camões. Assim o PM, considerando ser essa a localização “mais adequada”, declarou que o AHD será desmantelado, quando o sucessor estiver pronto. Porém, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, avisou que, não só o aeroporto não fica pronto antes de 2034 (e não 2030 ou 2031, como estimara a CTI), como custará mais do que os seis mil milhões de euros previstos.

Luís Montenegro também anunciou que o AHD terá obras de requalificação, de modo a permitir “maior capacidade operacional em movimentos por hora”. O governo confiou à IP a conclusão dos estudos de construção da terceira ponte sobre o Tejo (Chelas-Barreiro), bem como das linhas de alta velocidade Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid, para que sirvam de alternativa ao transporte aéreo. Os carris da ligação à capital espanhola terão bitola ibérica.

“O governo assume o aeroporto único como a solução mais adequada aos interesses estratégicos do país”, afirmou o PM, em conferência de imprensa, e observou que Alcochete “garante margem de expansão física” da infraestrutura, permitindo que esteja apta a receber “praticamente o triplo” dos passageiros que aterram anualmente no AHD.

Além disso, frisou que Alcochete possibilita o crescimento do “hub” da TAP, além de ter a vantagem de ser construído em terrenos públicos, sem necessidade de expropriações, e lembrou que o local já teve uma declaração de impacto ambiental (DIA), entretanto caducada.

A opção Alcochete vai ao encontro da recomendação da CTI – que também tinha sugerido Vendas Novas – mas colide com a preferência da Vinci (dona da ANA), que queria o Montijo.

Todavia, após o anúncio, a ANA informou que está “inteiramente disponível para trabalhar, no imediato, nas soluções apresentadas”, pelo que “vai dar seguimento à decisão”.

Miguel Pinto Luz, contra o “enorme otimismo” da CTI, quanto aos prazos de conclusão e aos custos, disse que “não é possível” ter o novo aeroporto operacional, antes de 2034, e considerou que os seis mil milhões de euros de custo estimado pela comissão “podem não ser realistas”.

O governante, assegurando não querer “afetar, de maneira nenhuma, o Orçamento do Estado” com a construção do aeroporto, declarou: “Com a evolução dos recursos libertados pela concessão, acreditamos que é possível.”

A solução escolhida pelo governo é do agrado de quase toda a oposição. Só o PAN é contra. Pedro Nuno Santos lembrou que, há dois anos, enquanto ministro das Infraestruturas, avançou para a solução de Alcochete, num episódio que acabou por fazê-lo recuar. “Nunca tive dúvidas de que Alcochete era a melhor”. Pelo PS [Partido Socialista], é para “avançar sem demoras,”

André Ventura, do Chega, só vincou a falta de “plano detalhado sobre quando começa e quando vai acabar a obra”. Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda (BE), afirmou que Alcochete “foi sempre a decisão mais óbvia”. Para Rui Tavares, do Livre, a escolha “peca por tardia”, porque a alternativa do Montijo era pior. Segundo António Filipe, do Partido Comunista Português (PCP), foi a ação das câmaras comunistas que “impediu que se avançasse para uma solução desastrosa que era Portela+1”. A única a destoar foi Inês Sousa Real, do Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), que não concorda com a opção: “Não tem em consideração as preocupações ambientais e com a qualidade de vida das populações.”

O ex-PM, António Costa, elogiou a decisão, que mostra a maturidade do atual executivo.

José Sócrates veio a terreiro afirmar que este governo resolveu em 30 dias o que os três anteriores não resolveram em oito anos. E lembrou que o seu governo decidiu, em 2008, pela localização do NAL em Alcochete, para o que foi elaborada uma DIA, que deixaram caducar, em dezembro de 2020, por falta de renovação, mandou fazer estudos para a TTT e começou o troço de alta velocidade Lisboa-Madrid, cujas obras foram interrompidas pela crise económico-financeira. Mais criticou o facto de alguns, que, então, criticavam tais obras como faraónicas, agora as julgam essências para o nosso país.

O presidente da Câmara Municipal de Alcochete, Fernando Pinto, ficou feliz com a escolha: “É positiva, para a minha terra e para a minha gente.” No entanto, a população da aldeia mais próxima do local do aeroporto vive uma sensação de insegurança e de incerteza.  

Para mostrar a necessidade de novo aeroporto, há um documento a referir que “só 52,5% dos aviões da Portela parte à hora prevista” e que Lisboa é “a segunda capital europeia com mais habitantes expostos a ruído aeronáutico”. O tráfego, em 2023, no AHD, foi de 33,6 milhões de passageiros, mais 7,7% do que em 2019. O governo estima que, em 2040, o número possa subir para subir para 41 a 64 milhões por ano. Após 2050, poderá, em tese, superar os 100 milhões.

A CTI ponderou 17 opções, oito das quais foram Alcochete, Vendas Novas, Portela+Alcochete, Portela+Vendas Novas, Portela+Montijo, Montijo+Portela, Santarém e Portela+Santarém.

Pinto Luz diz que a ligação Lisboa-Madrid representa, hoje, dois milhões de passageiros/dia (40 voos), ao passo que a ligação Porto-Lisboa equivale a 1,1 milhões (20 voos). O investimento nos comboios de alta velocidade junto ao novo aeroporto trará alternativas de transporte.

O tempo de viagem previsto em LAV é: de 0h50, Porto / Vigo; 1h15, Porto / Lisboa; 1h00, Lisboa / Elvas; e 3h00, Lisboa /Madrid.

***

Só faltava que o governo, tendo o Partido Social Democrata (PSD) lá liderado, pelo atual PM, cooperado para a constituição da CTI, o governo não tivesse, agora, seguido a indicação técnica, a qual, embora também considerasse como boa a solução de Vendas Novas, apontava a vantagem de não ser necessário proceder à expropriação de terrenos. No entanto, há que dar a compensação adequada à Força Aérea e proceder à limpeza do campo de tiro, sobretudo no atinente a munições que por lá tenham ficado sem rebentamento.     

Designar o NAL por Luís de Camões é algo que me apraz, em razão da relevância histórica e literária do poeta épico e um dos melhores líricos da Literatura Portuguesa, o qual, assim como inúmeros Portugueses, ficou em pedaços pelo Mundo repartido. Todavia, penso que seria mais adequado dar ao NAL o nome de Mário Soares, nosso contemporâneo, que se fartou de correr Ceca e Meca, de avião, pelo nome político de Portugal, aliás um anúncio feito pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Terá sido esta a vingança de Montenegro pelo apontamento presidencial de comportamentos rurais?

Quanto ao caráter definitivo da decisão em causa, sinto-me cético. Se não, vejamos:        

Em 1969, nasce o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), para estudar quatro localizações a sul do Tejo: Fonte da Telha, Montijo, Porto Alto e Rio Frio. E, em 1971, optou-se por Rio Frio. Porém, em 1978, é desativado o GNAL e as suas funções são integradas na ANA, que relança o processo. Cai a hipótese da Margem Sul e as atenções viram-se para a Ota, em Alenquer, de modo que, em 1999, após analisar os estudos de viabilidade económica e ambiental, o governo de António Guterres decide construir o aeroporto na Ota.

Depois de mais alguns anos de debate, em 2008, o governo de José Sócrates troca a Ota por Alcochete, mas em 2010, suspende o projeto, até que o país supere a crise financeira.

Passada, tecnicamente, a crise, em 2014, o governo de Passos Coelho volta a suspender a construção na Margem Sul e começa a falar-se na opção Portela+1.

Em 2018, António Costa defende a solução Portela+Montijo, mas algumas autarquias lideradas por elementos da Coligação Democrática Unitária (CDU) da região travam Montijo e preferem Alcochete. Em 2021, o governo e o PSD decidem as opções a estudar. Em 2022, após acordo entre o PS e o PSD, é criada a CTI, para estudar a melhor localização. Em 2023, esta conclui que Alcochete e Vendas Novas são as melhores opções. Já neste ano, o relatório final reafirma-o.

Por outro lado, o cronograma do desenvolvimento projeto é muito fragmentário, só diz respeito ao tempo de candidatura: relatório inicial (seis meses); preparação da candidatura (30 dias); relatório das consultas (seis meses); relatório sobre o local selecionado e estudo de impacto ambiental (12 meses); relatório técnico (18 meses); relatório financeiro (24 meses); e candidatura completa (36 meses). Além disso, não está corrigida a estimativa da CTI do custo de 3231 milhões de euros, para a pista 1 (em 2031), e de 2874 milhões, para a pista 2 (em 2031), num total de 6105 milhões de euros.

***

Como todas as deliberações anteriores eram tidas como definitivas e não o foram, não sei se esta o será. Pelo menos, o projeto está numa fase incipiente. Nem dispõe de DIA atualizada. Por isso, não sei quando poderei ir de Metro até ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, viajar de avião para o Aeroporto Luís de Camões, seguir para Madrid, também de avião, e regressar, via Lisboa, em LAV, até ao Porto, voltando para casa de Metro. É difícil uma obra sair do papel, mas esta nem no papel está. E este governo, altamente minoritário, não estará a contar com um milagre!

2024.05.16 – Louro de Carvalho