terça-feira, 14 de maio de 2024

Fátima como “imperativo de paz”, num Mundo dividido e em guerra

 

Celebrou-se, a 12 e 13 de maio, no Santuário de Fátima, a primeira peregrinação aniversária internacional de 2024, sob a presidência do cardeal D. Juan José Omella, arcebispo de Barcelona, que, no encontro com os jornalistas, prévio à abertura oficial das celebrações peregrinacionais, falou de conversão, de fraternidade e de alegria, olhando para esta peregrinação como uma oportunidade para “renovar a fé e recarregar as forças”.

Como revelou o prelado barcelonense, foi na última sessão do Sínodo da Igreja, em outubro de 2023, em Roma, que o bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, lhe lançou o convite/desafio para assumir a presidência da peregrinação de maio a Fátima. Por isso, é natural que o Sínodo da Igreja tenha sido uma das principais intenções que o eminentíssimo purpurado trouxe à Cova da Iria.

“O Mundo de hoje, com tantas divisões e guerras, precisa de uma palavra de esperança e essa palavra vem de Deus, como aqui apontou Nossa Senhora. Venho, por isso, pedir à Virgem de Fátima que faça a Igreja avançar com generosidade no caminho sinodal, ajudando-nos a entendê-lo e a vivê-lo melhor e em comunhão”, revelou o cardeal espanhol, ao perspetivar a peregrinação como “uma experiência profunda de renovação da fé e um momento onde se recarrega forças para seguir o caminho”.

O apelo à comunhão orientou o diálogo do cardeal José Omella com os jornalistas. A partir do convite à unidade para que o Sínodo nos convoca, o arcebispo de Barcelona lançou um olhar sobre a evangelização a partir das dimensões da conversão, da fraternidade e da alegria. “Aqui, a Virgem renovou a mensagem evangélica da conversão […]. Ora, nós começamos a ser santos, quando a nossa vida transparece bondade e coerência. […] E nós, o que somos chamados a dar a um Mundo tão conflagrado e dividido? A esperança. Aqui, a Virgem também falou de esperança e de fraternidade. […] Ora, se temos Deus e Nossa Senhora do nosso lado, como podemos estar tristes? Se não há alegria, não há Evangelho”, porfiou, desafiando os jornalistas para uma comunicação mais positiva, que faça “transparecer as coisas boas do Mundo”.

O pastor da arquidiocese de Barcelona, onde há “grandes divisões”, foi instado a revelar a forma como aborda e gere estas diferenças, junto dos seus fiéis. “Eu posso ter o meu pensamento político e social, mas tenho de caminhar, de escutar e de dar alimento a todos. Posto isto, respeito sempre a opinião do povo. Essa deve ser a postura da Igreja, caminhar com todos, sempre tendo como base o respeito pelos direitos humanos e pela dignidade”, vincou, elogiando o exemplo de união e de empreendedorismo dos Catalães em 1992, na preparação das Olimpíadas em Barcelona.

“Deve ser este o caminho de comunhão que devemos encetar perante a diversidade”, concluiu.

No encontro com os jornalistas interveio também o bispo de Leiria-Fátima, começando por agradecer a presença do arcebispo e perspetivando-a como oportunidade de “consolidação dos laços fraternos entre Portugal e Espanha”. E, como, neste 12 de maio, a Igreja assinalava o Dia Mundial dos Meios de Comunicação Social, o anfitrião saudou, em particular os profissionais dos meios de comunicação, evocando a memória dos cerca de 100 jornalistas mortos, em 2023, e frisando a importância do jornalismo “num Mundo onde a informação é silenciada, perseguida e negada a povos inteiros, como forma de tentar abafar o grito dos que sofrem a injustiça, a discriminação e a exploração, e a perseguição de tantas pessoas”.

Ao lembrar as latitudes onde a guerra é uma realidade, D. José Ornelas apresentou Fátima como “imperativo de paz”. “A guerra, o ódio, os atentados e o desejo de repressão e domínio sobre pessoas e povos, estão bem no centro da Mensagem de Fátima, onde as aparições de Nossa Senhora tiveram lugar durante a terrível primeira guerra mundial. Por isso, as dramáticas situações de conflito armado que se encontram no Mundo, nunca podem estar longe das celebrações e da oração neste Santuário”, assegurou o prelado do Lis, lembrando também as vítimas dos desastres naturais e ambientais no Brasil, no Afeganistão e em outros países, que mostram a importância da solidariedade nestes momentos e a atenção às alterações climáticas.

A propósito do caminho sinodal que o Catolicismo vive, o bispo de Leiria-Fátima revelou que traz a esta peregrinação a prece de uma Igreja missionária, fraterna e “próxima no acolhimento”.

“O nosso peregrinar para Fátima não pode desligar-se do caminho sinodal que a Igreja está a viver, em todo o Mundo, e que tem uma especial intenção sinodal e missionária. Maria desafia-nos a seguirmos o seu exemplo de levantar-se para ser Igreja peregrina entre todos os povos e culturas; a sermos uma Igreja em comunhão ativa e participada, em ordem à missão”, vincou.

O reitor do Santuário de Fátima também tomou a palavra, para dar a conhecer o aumento na presença de peregrinos na Cova da Iria (de 26,5%), no período entre janeiro e abril deste ano, em relação ao período homólogo de 2023. Com efeito, nos primeiros quatro meses de 2024, mais de um milhão de peregrinos participou em três mil celebrações no Santuário.

Com base na presença de grupos estrangeiros na Cova da Iria, neste início de 2024, o padre Carlos Cabecinhas deduziu que “a sazonalidade em Fátima se tem vindo a esbater progressivamente” para uma realidade que regista “cada vez mais peregrinos em grupos organizados, quer portugueses, quer estrangeiros, no período entre novembro e abril, fora do período das grandes peregrinações internacionais”.

O reitor deu a conhecer o número de peregrinos a pé registados nos serviços para esta peregrinação e agradeceu a todos os que, “com generosidade e muito espírito de serviço e de entrega, dão apoio aos peregrinos a pé, para que nada lhes falte num caminho exigente e difícil”. “Estes peregrinos não dão apenas um grande testemunho da fé que os anima, mas também de alegria e gratidão. Todos testemunham que esta é uma experiência que os marca profundamente”, concluiu.

***

Na homilia da celebração da Palavra da noite deste 12 de maio, o cardeal Juan José Omella apontou para o olhar misericordioso de Nossa Senhora e exortou os peregrinos a terem a Mãe de Deus como companheira e guia no “itinerário da vida”, com vista à santidade e à paz. “Viemos como peregrinos, com uma mochila carregada de pedidos, orações, dores. Não tenhamos medo de apresentar todas essas orações à Virgem de Fátima”, começou por dizer.

Num Recinto de Oração que se encheu de luz na noite da primeira grande peregrinação de 2024, o arcebispo de Barcelona desafiou a assembleia a deixar-se fixar pelos olhos maternais e compassivos de Nossa Senhora, rezando, em seguida, uma oração à Virgem Maria, do século XII, de São Bernardo de Claraval.

No final, instou os peregrinos a disporem-se na mão de Maria e a rezar pela conversão dos pecadores. “Colhidos por Ela e no seu exemplo, encontraremos a paz, a esperança e, um dia, poderemos encontrar-nos no Céu e ser abraçados por esse seu amor maternal”, concluiu.

Na oração universal, a assembleia pediu pela paz no Mundo, numa prece que evocou, particularmente, “as vítimas dos conflitos na Ucrânia e na Terra Santa”.

Estiveram com o arcebispo de Barcelona o bispo de Leiria-Fátima, D. José Ornelas, o bispo-emérito de Leiria-Fátima, cardeal D. António Marto, o bispo de Setúbal, cardeal D. Américo Aguiar, 22 bispos, quase 200 presbíteros e os cerca de 250 mil peregrinos que participaram nas celebrações, provindos de 34 países.

***

Milhares de peregrinos participaram, na manhã do dia 13, na missa que encerrou a Peregrinação Internacional Aniversária, na qual o arcebispo de Barcelona apelou à oração e ao sacrifício como caminhos para a paz, ao trazer à memória as guerras que assolam o Mundo.

Admitindo-se comovido pela multidão de peregrinos que, apesar do tempo instável, se fez presente na Cova da Iria, José Omella optou por não seguir reflexão que preparara, mas antes “falar do coração” à assembleia, embora tenha disponibilizado ao Santuário o texto escrito.

A partir do Evangelho proclamado e da mensagem que a Senhora deixou aos Pastorinhos, há 107 anos, o arcebispo exortou os peregrinos à oração. “Como cristãos, não podemos perder essa grande virtude da oração, do diálogo de coração a coração com o Senhor, pessoal e comunitariamente”, afirmou, ao apresentar o Rosário e o Pai-Nosso como preces através das quais podemos “pedir pela conversão e por todo o Mundo”.

O presidente da celebração lembrou, depois, os conflitos no Mundo atual, para os quais pediu a oração pela paz e o sacrifício. “Peçamos a paz na Ucrânia, na Rússia, na Terra Santa, em África, na América e na Ásia. São muitos os países que querem a paz, tal como nos pede o Papa, quando nos alerta para uma ‘guerra mundial aos pedaços’”, concretizou.

Relembrando o apelo que o Santo Padre faz à evangelização, no âmbito do Sínodo da Igreja, o presidente da peregrinação desafiou ainda os peregrinos a serem missionários, através da comunhão fraterna. “A missão é um trabalho de toda a Igreja. Para evangelizar, o Senhor conta contigo e comigo, e só nos pede oração, santidade e comunhão”, sintetizou, ao sublinhar a importância da unidade da Igreja em redor a Cristo, ao Papa e aos irmãos, em favor da paz.

“Escutemos a voz de Maria, que hoje nos disse, tal como aos Pastorinhos, que conta connosco. Irmãos, ânimo! Vivamos com esperança! O Papa convocou-nos para o Jubileu da Esperança. Sejamos testemunho da esperança, através do nosso amor e da nossa entrega”, concluiu.

Na palavra ao doente, no momento de Adoração ao Santíssimo Sacramento, a irmã Ângela Coelho, da Aliança de Santa Maria, perspetivou a dor e o sofrimento como portadores do amor e da esperança de Deus. “Viver a doença assim, em oferta e amor, é uma forma de reparar esta humanidade tão desfigurada pelo pecado e pelo ódio. É uma forma de colaborar para a paz no Mundo”, assegurou a vice-postuladora da Causa da irmã Lúcia, ao lembrar a promessa da presença maternal que Nossa Senhora garantiu à vidente de Fátima.

“Como nos conforta a certeza de que Nossa Senhora nos acompanha neste caminho, tecendo, com as suas mãos, a partir das nossas dores, o rosto de Jesus na nossa História, até nos tornarmos memória viva de Jesus e da sua forma de ser”.

Na despedida, o bispo de Leiria-Fátima deixou uma palavra aos “irmãos doentes”, aos quais garantiu a presença de Deus, especialmente neste momento de fragilidade.

D. José Ornelas lembrou as vítimas inocentes da “crueldade” dos conflitos no Mundo, deixando um apelo assertivo à concórdia entre os povos. “Daqui, da Cova da Iria, apelamos à paz! É inconcebível para o coração de Deus e para um coração humano que isto esteja a acontecer no mundo”, disse, emocionado.

Lembrou também as vítimas dos desastres naturais no Brasil, apelando à solidariedade de todos. Aos peregrinos mais pequenos pediu oração e para olharem para Nossa Senhora e para o exemplo de entrega dos santos Pastorinhos.

O prelado evocou o apelo a “uma Igreja sem portas” que o Santo Padre deixou na última presença em Fátima, reforçando a importância de “uma Igreja presente, que cuide da fragilidade”.

Ao presidente da celebração, D. José Ornelas agradeceu a presença “alegre e entusiasta” com que transmitiu a mensagem de esperança e de comunhão, em direção de uma Igreja sinodal.

Por fim, saudou os peregrinos estrangeiros nas línguas italiana, inglesa e francesa, desejando a todos um bom regresso a casa.

***

É Fátima como sempre!

2024.05.14 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário