Após
várias horas de operações de busca, a televisão
estatal iraniana anunciou, a 20 de maio, pelas 8h00 (hora local), que o
presidente do Irão, Ebrahim Raisi, e o ministro dos Negócios Estrangeiros,
Hossein Amirabdollahian, morreram na queda de um helicóptero, tendo os seus
corpos sido encontrados junto dos destroços do aparelho, perto de Uzi, para
Leste. A notícia criou uma onda de choque na região e as circunstâncias do
acidente – que ocorreu na floresta de Dizmar, na província iraniana do
Azerbaijão Oriental – ainda não são claras.
Os
governantes regressavam à cidade de Tabriz, no Norte do Irão, após uma viagem à
fronteira do país com o Azerbaijão, para inaugurar uma barragem com o
presidente azeri Ilham Aliyev.
Apesar de as operações de buscas
terem começado a 19, a morte de Reisi e de Amirabdollahian só foi anunciada
pela televisão estatal iraniana na manhã do dia 20. No dia 19, não se falava de
morte, mas de “aterragem forçada”, peto de Jolfa, a 600 quilómetros de Teerão.
O presidente da Sociedade do
Crescente Vermelho Iraniano, Pir-Hossein Koulivand, disse à agência noticiosa IRNA que as 40 equipas terrestres foram
travadas por “condições meteorológicas difíceis”, nomeadamente nevoeiro
intenso, que tornou impossíveis as buscas com drones. Isto, além das condições
orográficas muito difíceis. O local é muito montanhoso.
Segundo a Constituição iraniana, em
caso de morte do presidente, o primeiro vice-presidente do país, Mohammad
Mokhber, assume o cargo de presidente interino e, no prazo de 50 dias,
realizar-se-ão novas eleições presidenciais. Mokhber, de 68 anos, é um antigo
oficial do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica e, tal como Raisi, é
considerado próximo do líder supremo iraniano, Ali Khamenei. É provável que não
mude de rumo em matéria de política externa e interna.
O presidente é o chefe do poder
executivo do país e é eleito de quatro em quatro anos. Controla o governo e tem
potencial para exercer um poder significativo. No entanto, o verdadeiro poder reside
no Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, um ramo das Forças Armadas.
Ali Bagheri Kani substituirá o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir Abdollahian. Será ministro
interino até às eleições, ocupando o cargo por um período máximo de 50 dias.
A morte de Raisi e do seu ministro
dos Negócios Estrangeiros suscitou o luto e a celebração dos iranianos por todo
o Mundo. O líder supremo Khamenei anunciou cinco dias de luto no país. Entretanto,
os meios de comunicação social iranianos mostraram imagens de algumas pessoas a
chorar e a rezar por Raisi. Todavia, o quadro é diferente nas redes sociais,
onde as narrativas e as imagens não são objeto de controlo tão apertado. E os
meios de comunicação social iranianos noutros países, bem como vários ativistas
no Irão, manifestaram alegria pelo acidente que vitimou a dupla, sendo a
República Islâmica profundamente impopular, em vastos setores da sociedade.
Masih Alinejad, ativista iraniana dos
direitos das mulheres, apelidando o dia de Dia Mundial do Helicóptero, publicou
no X: “Não exprimam condolências aos
milhares de vítimas de Ebrahim Raisi. Em vez disso, manifestem o apoio ao povo
do Irão.”
Raisi era visto como um possível
sucessor do líder supremo, Ali Khamenei. Por isso, a sua morte levanta questões
sobre quem irá substituir Khamenei, à medida que este envelhece.
Até à data, a classe política tem
indicado que Raisi e o filho de Khamenei, Mojtaba Khamenei, são os principais
candidatos ao cargo. Agora, a morte de Raisi deixa Mojtaba com o caminho livre
para o poder político. No entanto, a sua nomeação deixaria o establishment político iraniano exposto
a alegações de nepotismo, por parte dos líderes da Revolução Islâmica de 1979,
que se opõem a um sistema político que se assemelhe à monarquia que derrubaram.
O acidente que matou Raisi ocorre
numa conjuntura politicamente tensa, visto que o Irão se encontra no centro de
várias crises geopolíticas, incluindo o controverso programa nuclear e o
envolvimento na guerra entre Israel e o Hamas. A mudança de liderança pode
provocar alterações na forma como o presidente lida com as interações com o
Ocidente e com as potências regionais.
No Irão, a morte de Raisi pode dar
origem a nova vaga de protestos e exacerbar as tensões sociais existentes. Cria
também um vazio de poder que a Guarda Revolucionária, um poderoso ramo das
Forças Armadas Iranianas, poderá tentar explorar.
Até ao momento, a sugestão de que
Israel estaria diretamente envolvido no misterioso acidente de helicóptero que
matou Raisi e Amirabdollahian não passa de especulação.
Israel terá feito saber que nada teve
a ver com o caso, mas as autoridades israelitas ainda não se pronunciaram
oficialmente sobre o incidente. No entanto, a teoria ganhou força entre os Iranianos,
tendo em conta a animosidade entre os dois países. Acredita-se que, no passado,
Israel tenha efetuado vários ataques a altos funcionários militares iranianos.
Os especialistas sugerem que é
improvável que Israel ataque um presidente em funções, pois tal equivaleria a
um ato direto de guerra e provocaria resposta intensa por parte do Irão. Além
disso, os alvos de Israel são normalmente alvos militares e nucleares e não
figuras políticas.
No entanto, a ocorrência do acidente
tem o potencial de agravar as tensões regionais existentes.
***
O helicóptero do presidente iraniano
que se despenhou, devido ao mau tempo, era uma conhecida relíquia da guerra do
Vietname ou, pelo menos, o seu equivalente civil. O Bell 212, fabricado nos Estados
Unidos da América (EUA), que transportava o presidente, o ministro dos Negócios
Estrangeiros e vários membros da comitiva, é uma versão remodelada, não militar,
do UH-1N “Twin Huey”, que continua a ser utilizado em todo o Mundo.
Apesar da sua longevidade comprovada,
surgiram dúvidas sobre a sua adequação ao fim a que se destina, pois o facto de
o regime de Teerão estar sob sanções ocidentais, há décadas, pode indicar que a
manutenção adequada do helicóptero era incerta.
Após o acidente, os peritos salientaram
que o Bell 212, com mais de 40 anos, foi construído para voar em condições de
voo visual, o que significa que o piloto tinha de confiar apenas na sua
capacidade de observar o terreno a partir do seu lugar. Ora, provavelmente, o nevoeiro
intenso e uma tempestade que se aproximava impediram o piloto e podem ter
contribuído para o acidente no Noroeste do Irão, a cerca de 20 quilómetros
da fronteira do país com o Azerbaijão.
A zona fortemente florestada é
conhecida pelas encostas íngremes, o que complicou o resgate, que acabou por
envolver drones turcos e um satélite de observação da União Europeia (UE).
As autoridades iranianas afirmaram
que os outros dois helicópteros da comitiva presidencial aterraram em
segurança. Não se sabe se foram afetados pelas duras condições de voo, nem em
que medida, e a falta de informação por parte de Teerão significa que os
pormenores do acidente estão ainda envoltos em mistério.
O Bell 212, que os meios de
comunicação locais dizem ter sido operado pela Sociedade do Crescente Vermelho
da República Islâmica do Irão, foi adquirido, provavelmente, antes da Revolução
Islâmica de 1979.
O Xá do Irão, Mohammad Reza Pahlavi, era
conhecido pelo seu gosto de voar. Sendo um piloto qualificado, usava,
frequentemente, o uniforme de Marechal da Força Aérea Imperial Iraniana (IIAF) –
criada pelo pai, o Xá Reza Pahlavi, em 1920 – e investiu mais nesta força do
que em qualquer outro ramo das forças armadas. Isto levou a uma série de
aquisições de aeronaves destinadas a criar uma frota aérea de topo de gama,
sendo o Irão o único país, além dos EUA, a operar o F-14 Tomcat. Helicópteros,
como o AH-1 Super Cobra e o Chinook, fabricados pela Bell, também fazem parte
do arsenal da IAAF. No entanto, o embargo de armas imposto pelos EUA ao governo
da República Islâmica e à Força Aérea da República Islâmica do Irão, que mudou
de nome, fez com que a maioria das aeronaves de fabrico ocidental caísse em
desuso.
Não obstante, o regime de Teerão
continuou a operar um número limitado de aeronaves, canibalizando a frota
existente e procedendo à engenharia inversa das peças necessárias.
Esta prática foi complementada pela
compra de armas e de equipamento a países como a União Soviética e a China.
Contudo, os problemas com a sua frota envelhecida foram totalmente expostos
durante a guerra Irão-Iraque de 1980-1988, quando Teerão sofreu perdas significativas
de aviões e dos seus melhores pilotos. Alguns dos aviões comprados pelo Xá
sobreviveram até aos dias de hoje. Embora as capacidades atuais do Irão sejam
desconhecidas, uma estimativa de 2024 da Flight Global afirmou que,
pelo menos dois Bell 212, ainda estavam a operar no país.
O UH-1N Twin Huey – a sua versão
militar – foi utilizado pelos EUA em conflitos globais, incluindo a Guerra do
Vietname e a invasão do Iraque em 2003. Ainda é utilizado pela Força Aérea dos
EUA e por Itália, Espanha, Argentina e Arábia Saudita, entre outros.
Introduzido em 1968, o Bell 212 e as
diversas variantes têm sido os cavalos de batalha de muitos operadores
militares e civis no Mundo. Dependendo da configuração, pode transportar um
piloto (ou dois, se equipado com instrumentos de voo melhorados) e até 14
passageiros. Em 2024, os serviços do Bell 212 foram mantidos, sobretudo, pelas
forças policiais da Eslovénia, Croácia, Sérvia, Macedónia do Norte e outros
países e pelas guardas costeiras do Canadá e do Japão.
O único outro acidente notável com um
Bell 212, causado por chuva intensa e má visibilidade, ocorreu no Mar do Norte,
em setembro de 1986, quando um helicóptero de emergência médica da Escócia se
despenhou durante uma missão de salvamento, matando os seis passageiros a
bordo.
***
A UE
expressou “sinceras condolências” pela morte de Raisi e de Abdollahian. No X, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, lamentou as
mortes dos depois governantes e dos outros membros da delegação e da
tripulação. “Os nossos pensamentos estão com as famílias”, escreveu.
Raisi, de 63 anos, era protegido do
líder supremo. Em 1988, ajudou a supervisionar as execuções de milhares de
pessoas e viria a liderar o país, continuando a enriquecer urânio.
A morte de Raisi ocorre num momento
de dissidências internas do Irão e de tensões com a comunidade internacional.
Ele, que antes foi clérigo, chegou a beijar o Alcorão perante as Nações Unidas
e, muitas vezes, falava mais como um religioso do que como um estadista.
Em 2017, Raisi perdeu as eleições
para Hassan Rouhani, mas chegou ao poder, quatro anos depois, numa votação gerida
pelo líder supremo do Irão, eliminando qualquer candidato da oposição. Chegou
ao poder, depois de o acordo assinado por Rouhani com as potências mundiais ter
ficado em risco, quando Trump, então presidente dos EUA, decidiu que Washington
se retiraria. Raisi queria renovar o acordo, mas sempre se opôs a inspeções
internacionais e as conversações ficaram num impasse logo nos primeiros meses
da sua governação.
Foi durante a sua presidência que
morreu Mahsa Amini, que foi detida pelas autoridades iranianas por não usar o hijab de forma adequada. Seguiram-se
meses de manifestações que resultaram na morte de mais de 500 pessoas e em cerca
de 22 mil detenções. E, em março, um painel de investigação das Nações Unidas
concluiu que o Irão fora responsável pela “violência física” que levou à morte
de Mahsa Amini.
Com as milícias a serem alvo de
Israel, devido ao conflito com o Hamas, Teerão lançou, em abril de 2024, um
ataque aos israelitas, com centenas de drones, mísseis de cruzeiro e balísticos.
Israel, os Estados Unidos e outros aliados abateram os mísseis.
Em 2016, fora nomeado pelo líder
supremo, para liderar a fundação Imam Reza, que gere um conglomerado de
empresas no Irão, alimentada por donativos ou bens apreendidos depois da Revolução
Islâmica de 1979. Em 2017, obteve 16 milhões de votos, pelo que o líder supremo
o nomeou para liderar o sistema judicial, criticado pelos julgamentos à porta
fechada de ativistas e outros com ligações ao Ocidente. E, em 2021,
tornou-se a figura proeminente nas eleições, depois de o painel liderado por Khamenei
ter desqualificado os candidatos que poderiam desafiá-lo. Venceu, com quase 62%
dos votos, as eleições que tiveram a maior abstenção de sempre no Irão.
***
Não se crê que a era pós-Raisi altere,
substancialmente, a situação do Irão, a menos que franja significativa das
Forças Armadas se alie aos protestos de rua, o que pode dar em guerra civil.
2024.05.23 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário