Depois de quase quatro anos de negociações, o Parlamento
Europeu (PE), na última sessão legislativa, a 10 de abril, aprovou o Pacto para as Migrações e Asilo, ato considerado histórico, graças à morosidade e à complexidade
das medidas propostas, bem como às diferentes
visões no hemiciclo sobre a política migratória. Na cimeira subsequente (a 29
de abril), o pacto mereceu a aprovação do Conselho Europeu. E a Comissão
Europeia ficou encarregue de apresentar um plano de implementação comum para
prestar assistência aos estados-membros neste processo.
O fluxo migratório, por motivos de fuga de guerra ou por
motivos socioeconómicos, tem aumentado, de forma significativa, nos últimos anos, na União Europeia (UE). Segundo os dados do Eurostat, 5,1 milhões de imigrantes entraram na UE, em 2022, provenientes de países terceiros, um aumento de
cerca de 117% (2,7 milhões), em comparação com 2021. A Alemanha registou o maior número absoluto de imigrantes (2,1
milhões), enquanto Malta teve a maior taxa de imigração, em 2022 (quase 66
imigrantes por cada mil pessoas). Muitos desses imigrantes
serão oriundos da Ucrânia, por consequência da invasão da Rússia, e não
necessariamente de países fora da UE, como a Síria, Paquistão, Afeganistão,
Sudão ou Eritreia.
O Pacto, que prevê o combate à imigração ilegal e uma solidariedade
obrigatória entre os estados-membros,
assenta em quatro pilares: maior controlo de fronteiras, procedimentos rápidos e eficazes, um sistema maior de
solidariedade entre estados-membros e uma maior integração.
As novas regras reforçam os controlos nas fronteiras
externas da UE, reduzem drasticamente as entradas ilegais, sobretudo por mar,
aceleram os procedimentos de asilo e facilitam o regresso a casa (ou
deportação) dos migrantes económicos que não forem considerados refugiados, ao
mesmo tempo que melhoram a gestão e a capacidade das autoridades europeias,
perante o aumento do fluxo migratório que tem assolado a UE, nos últimos anos.
Porém, tanto a presidente da Comissão Europeia, Ursula
von der Leyen, como a presidente do PE, Roberta Metsola, reconheceram que ainda há muito por fazer e que o Pacto não irá resolver os
problemas ligados à imigração e às ameaças de tráfico humano.
O Pacto desdobra-se em 10 pactos legislativos:
- Alterações ao regulamento de
rastreio (ECRIS-TCN, na sigla em Inglês) de pessoas de países terceiros. Quem não reúna as condições
para entrar na UE será sujeito a procedimento de rastreio prévio à entrada,
incluindo identificação, recolha de dados biométricos e
controlos de saúde e de segurança, que deverá decorrer
durante um período máximo de sete dias.
- Maior solidariedade
entre estados-membros, que estabelece
um novo mecanismo permanente de solidariedade entre eles, para equilibrar o
atual sistema em que alguns países de primeira linha, como a Itália, Grécia ou
Malta, são destino do maior fluxo migratório.
- Estandardização dos pedidos
de asilo (APR, na sigla em Inglês),
com procedimento comum e obrigatório nos 27, para os pedidos de asilo e de
regresso ao país de origem, em toda a UE.
- Criação de protocolos rápidos para situações de crise dos
migrantes, a complementar com assistência operacional e financiamento em casos
de emergência.
- Criação de uma base de dados para
ajudar as autoridades a combater a migração irregular. Os estados-membros serão
obrigados a registar no Eurodac (sistema europeu de comparação de impressões
digitais dos requerentes de asilo) as várias situações de migrantes,
nomeadamente, os requerentes de asilo; pessoas que tenham atravessado
ilegalmente a fronteira externa da UE; pessoas que desembarcaram no país na
sequência de operação de resgate e salvamento, bem como pessoas encontradas em
situação irregular no território de um estado-membro e beneficiários de
proteção temporária. Tal contribuirá para facilitar a identificação das pessoas
e fornecerá às autoridades mais informações que permitirão acelerar os
procedimentos de asilo e detetar irregularidades. As informações serão
guardadas na plataforma durante cinco anos.
- Harmonização das condições de acolhimento em toda a UE.
- Adoção de critérios comuns para qualificar pessoas como beneficiários
de proteção internacional.
- Criação da Agência da União Europeia
para o Asilo.
- Diretiva Autorização Única. Simplifica o processo de obtenção
de uma única autorização de trabalho e de residência para requerentes e
empregadores.
- Diretiva Cartão Azul. Ajuda os empregadores a
recrutar migrantes altamente qualificados de fora da UE, tornando o processo
mais fácil e mais acessível.
A
iniciativa foi da Comissão Europeia que propôs o Pacto, em 2020, para partilha
equitativa das responsabilidades entre os estados-membros e para coordenação
solidária face aos fluxos migratórios. A votação no PE, a 10 de abril, foi
interrompida, por minutos, pela contestação de dezenas de ativistas no
hemiciclo, que gritaram: “Este pacto mata, não vote!”
“Ouvimos, agimos e demos resposta a uma das principais preocupações
dos estados-membros. É um dia histórico que acontece depois de anos a trabalhar
nisto”, afirmou Roberta Metsola, presidente do PE, em
conferência de imprensa, garantindo que o pacote permitirá aos países mais
expostos – como a Espanha, a Itália ou Malta – dar resposta “forte e robusta” a
um “problema” que a própria considera “humano mas complexo”. E,
embora admita que os 10 textos legislativos “não resolvam todos os problemas”, argumenta
que o pacote permite “reduzir a burocracia, aumentar a coordenação entre
Estados-membros e a proteção daqueles que mais precisam” e que se encontram
expostos a “sistemas de migrações ilegais”.
Esta
votação era vista como a última oportunidade para aprovar o documento antes das
eleições europeias de junho, após ao longo destes últimos quatro anos, ter sido
possível ultrapassar, na UE, muitas das tensões entre os 27 estados-membros,
que mantêm, ainda assim, diferentes visões sobre a política migratória.
Presente
na conferência de imprensa esteve a presidente da Comissão Europeia, que frisou
aos jornalistas que o Pacto “permitirá fazer a diferença em identificar quem
atravessa e as fronteiras e os mares” europeus e “acelerar o processo de asilo
para os que têm direito”. Além disso, com o Pacto, será possível desenvolver
parcerias com os países de origem das vagas migratórias de maior fluxo e de
menor controlo, com vista a “identificar os problemas” de legais.
***
De forma geral, os partidos têm-se congratulado, o aumento da partilha de responsabilidades de acolhimento de
imigrantes, ao abrigo do mecanismo de solidariedade obrigatório.
A partir de 2026, todos os anos, até 15 de outubro, a Comissão Europeia
publicará um relatório em que avaliará a evolução do fluxo migratório em todos
os estados-membros. Por seu turno, o Conselho criará um Fundo de Solidariedade, que incluirá os
compromissos assumidos por cada estado-membro e as necessidades previstas para
aquele ano. Estas contribuições assumirão a forma de recolocações (aceitar
receber fluxos migratórios que chegam a outros Estados) ou de contribuições financeiras.
O Fundo preverá um número mínimo anual de 300 mil recolocações e 600 milhões de euros como valor mínimo total de contribuições financeiras.
Com este mecanismo, os estados-membros podem apoiar
os países com maior pressão migratória – como, por exemplo, a Grécia, a Itália ou Malta – através de
contribuições financeiras, que serão executadas através do orçamento da UE, ou
voluntariando-se para receber alguns
desses cidadãos em suas fronteiras. Há, porém,
algumas preocupações. Por exemplo, ao abrigo deste mecanismo, os estados-membros confrontados com uma
“situação migratória significativa” podem solicitar uma dedução das suas
contribuições de solidariedade, e nalguns casos, pagar para evitar que outro país proponha a transferência de
requerentes de asilo para as suas fronteiras, pagando uma taxa de 20
mil euros por requerente de asilo. Ou seja, se um
país rico não quiser acolher um imigrante ou requerente de asilo, pode consegui-lo,
pagando. Vários estados-membros, como a Hungria e a Polónia, e partidos na
bancada da extrema-direita, manifestaram-se contra este mecanismo.
Vários partidos políticos e organizações de defesa dos
direitos humanos têm alertado para alguns riscos no Pacto, nomeadamente o aumento
da detenção de imigrantes, o rastreamento e recolha abusiva
de informações, por via dos dados biométricos – incluindo crianças
a partir dos seis anos, quando a Convenção de Dublin previa que fosse a partir
dos 14 anos –, o crescimento do risco de perfilamento racial e,
ainda, o facto de os estados-membros terem agora
mais condições para rejeitarem as suas entradas ou para deportarem os imigrantes para
os países de origem.
O Pacto está pronto para ser transposto. No entanto, os
vários grupos políticos com representação no PE, e mesmo os partidos que os
integram, admitem avançar com propostas de alterações. Isso só deverá acontecer a partir de junho,
quando começar a próxima legislatura.
Em Portugal, os partidos apontam muitas falhas no
pacto e muitos assumem ser ele.
Sebastião Bugalho, cabeça de lista da Aliança Democrática (AD), identificando
“deficiências” no acordo, sustenta que se deveria ir “mais longe”, incluindo,
por exemplo, “a concessão de proteção internacional alargada a pais, filhos e
irmãos”, face ao risco de detenção de crianças, e ainda uma potencial separação
de menores dos seus responsáveis. Já a cabeça de lista do Partido
Socialista (PS) considera que “o tema das migrações é complexo e
multidimensional” e que “o acordo foi o compromisso possível entre perspetivas
muito diferentes”. No entanto, Marta Temido alerta
para as suas “fragilidades” e recomenda “cuidado” na transposição das medidas.
Estes dois partidos integram as duas maiores bancadas no PE, o Partido Popular
Europeu (PPE) e o Partido Socialista Europeu (PSE), que ajudaram a viabilizar o
acordo, a que se juntou o Renovar a Europa (Partido da Aliança
dos Democratas e Liberais pela Europa e pelo Partido Democrata Europeu).
Por seu turno, tanto o Bloco de Esquerda (BE) como o
Chega assumem-se contra o Pacto. Catarina Martins diz que o dossiê
“agrava o que já era mau”, já que “aumenta o controlo e perseguição de
imigrantes e refugiados na Europa”, António Tânger Correia assume que a luta
contra o Pacto será “prioridade absoluta” do partido e da sua família política
no PE.
Já a Coligação Democrática Unitária (CDU), o Livre e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) deixam
duras críticas, alertando para o facto de a “visão criminalizadora das imigrações
e dos imigrantes” (João Oliveira), não “defender os direitos
humanos” (Francisco Paupério), e não dar apoio a quem “procura uma
melhor qualidade de vida” (Pedro Fidalgo Marques).
Contudo, a Iniciativa Liberal (IL) está
a favor do Pacto, que, para João Cotrim de Figueiredo,
“define uma série de critérios razoáveis e bem pensados”, permitindo ser “firme
com quem não for elegível e intransigente com as redes de tráfico e exploração
laboral”.
***
Sem
surpresa, esta reforma da política migratória e de asilo da UE tem sido
criticada por várias associações de defesa de migrantes. Não obstante, o PE e o
Conselho aprovaram o Pacto, que prevê, desde logo, um controlo reforçado das
chegadas de migrantes à UE, transferências mais rápidas dos que não têm direito
a asilo e um mecanismo de solidariedade obrigatório em benefício dos
Estados-membros sob maior pressão migratória.
O
próximo passo, de acordo com Alexander De Croo, primeiro-ministro da Bélgica,
país que está com a presidência rotativa Conselho Europeu, até 30 de junho, será
acompanhar o processo de transposição dos textos a nível nacional. “Estes
acordos têm de ganhar forma e de impedir a imigração ilegal. O fenómeno é
complexo, mas o pacto oferece as ferramentas para os estados-membros
controlarem a imigração”, frisou, em conferência de imprensa.
A menos que a nova legislatura dite
alterações de fundo, os
estados-membros têm dois anos para
porem em prática a legislação adotada, ou seja, o Pacto para as Migrações e Asilo deverá entrar em vigor
2026. Será sempre difícil ficarem todas as partes satisfeitas, mas
tem de haver regras que aliem a legalidade e as situações humanitárias.
2024.05.31
– Louro de Carvalho
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